Buscar

Aula 02 - Teoria da Infração Penal

Prévia do material em texto

BACHARELADO EM DIREITO
Direito Penal – Teoria Geral da Infração Penal.
Professor Mestre Roniery Rodrigues Machado.
Aula 02: Fontes do Direito Penal; Interpretação, legalidade e anterioridade da lei penal; Aplicação da lei penal no tempo.
1. FONTES DO DIREITO PENAL
As fontes do Direito Penal podem ser divididas em:
FONTE MATERIAL;
FONTES FORMAIS.
1. A) Fonte material do Direito Penal. 
Considera-se fonte material a fonte que concretamente cria a norma penal, qual seja, a União. 
Nesse sentido, preceitua o art. 22, I, da Constituição Federal: “Compete privativamente à união legislar sobre: I – direito civil, comercial, penal, processual, eleitoral, agrário, marítimo, aeronáutico, espacial e do trabalho”. Igualmente, prescreve a Súmula 722 do STF: “São da competência legislativa da união a definição dos crimes de responsabilidade e o estabelecimento das respectivas normas de processo e julgamento”.
Excepcionalmente, prevê o art. 22, parágrafo único, da CF, que “lei complementar poderá autorizar os Estados a legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas neste artigo”. 
Portanto, visando à regionalização de determinadas questões penais, seria admissível que a união autorizasse o Estado-membro a construir um tipo penal incriminador, prevendo delito peculiar a certa parte do país. Essa previsão jamais foi utilizada e ainda que o fosse, não poderia o Estado legislar em matéria de Direito Penal já tipificada no Código Penal e tampouco em outras leis federais.
1. B) Fontes formais do Direito Penal.
Consideram-se fontes formais aquelas que permitem o conhecimento do direito, proporcionando a
exteriorização das normas penais. Dividem-se em IMEDIATAS e MEDIATAS.
IMEDIATAS: são as leis em sentido estrito, criadoras e revogadoras de normas penais.
MEDIATAS: são fontes não criadoras ou revogadoras de normas penais, mas sim auxiliadores do processo de interpretação e aplicação da lei penal. Inserem-se nesse grupo os costumes e os princípios gerais de direito, bem como as súmulas vinculantes – e outras súmulas dos tribunais superiores.
1.1. Espécies de leis que podem criar regras relativas ao Direito Penal.
Somente lei em sentido estrito, isto é, o ato normativo elaborado pelo Poder Legislativo e sancionado pelo Poder Executivo, pode criar lei em matéria penal. Sobre isso cabem alguns comentários:
A) Emenda à Constituição: Pode criar lei penal, já que nada veda expressamente. Entretanto, não é tradicional, nem cabível ocupar-se disso e também não pode restringir os direitos e as garantias individuais (art. 60, § 4.º, IV, da CF), de forma que não pode tocar no princípio da legalidade e outras garantias do cidadão em matéria de direito penal.
B) Lei Complementar: Pode legislar sobre matéria penal, porque tem processo legislativo mais complexo do que a lei ordinária. Dessa forma, existe, por exemplo a Lei Complementar 105/2001 que traz consigo norma incriminadora. O problema de tipos penais criados por esta via é a necessidade de quórum qualificado para modificação dessa lei, o que pode causar engessamento.
1.1. Espécies de leis que podem criar regras relativas ao Direito Penal.
Somente lei em sentido estrito, isto é, o ato normativo elaborado pelo Poder Legislativo e sancionado pelo Poder Executivo, pode criar lei em matéria penal. Sobre isso cabem alguns comentários:
C) Leis Delegadas: São as normas elaboradas pelo Presidente da República por delegação do Congresso Nacional (art. 68 da CF). Não podem ser utilizadas para criar lei penal, pelas seguintes razões: 1) no art. 68, § 1.º, II, consta a vedação para a delegação em matéria de direitos individuais; 2); por seu trâmite especial não é considerada lei em sentido estrito. 
D) Medida Provisória: é norma jurídica de iniciativa do Poder Executivo que é levada a votação, para consolidação como lei, pelo Poder Legislativo em um prazo de 60 dias e se não houver votação ela é renovada por igual período. Não é considerada lei em sentido estrito. Havia quem sustentasse ser possível a medida provisória criar lei penal porque o antigo Decreto-Lei, a que a Medida Provisória veio substituir detinha essa prerrogativa. Mas a questão foi definitivamente resolvida pela promulgação da Emenda Constitucional 32, de 11 de setembro de 2001, que alterou a redação do art. 62, da Constituição Federal, acrescentando-lhe o § 1.º, nos seguintes termos: “É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: (...) b) direito penal, processual penal e processual civil”. MAS ENTENDE-SE QUE É POSSÍVEL QUE MEDIDA PROVISÓRIA SURJA PARA BENEFICIAR O ACUSADO OU APENADO.
1.2. Iniciativa de leis em matéria penal 
Podem propor a criação de leis penais: a) os membros do Congresso Nacional; b) o Presidente da República; c) a iniciativa popular (art. 61, § 2.º, CF).
Não têm iniciativa de leis ordinárias destinadas a dar existência a leis penais porque estas não são matéria de seu peculiar interesse: a) o Supremo Tribunal Federal; b) os Tribunais Superiores e o Procurador-Geral da República (art. 96, II, CF). 
1.3. Costume e fonte do direito penal 
O costume não serve para criar ou revogar lei penal, a despeito de servir para o processo de
interpretação. 
Nesse sentido, veja-se a decisão do Superior Tribunal de Justiça a esse respeito: “A eventual tolerância ou a indiferença na repressão criminal, bem assim o pretenso desuso não se apresentam, em nosso sistema jurídico-penal, como causa de atipia (precedentes). A norma incriminadora não pode ser neutralizada ou ser considerada revogada em decorrência de, v.g., desvirtuada atuação policial (art. 2.º, caput, da LICC [atual LINDB])” (REsp. 146.360-PR, 5.ª T., rel. Felix Fischer, 19.10.1999, v. u., DO 08.11.1999, p. 85).
1.4. Plebiscito e referendo como fontes do direito penal
Plebiscito e referendo não são meios adequados para dar origem à lei penal. O art. 49, XV, da Constituição, estipula que cabe ao Congresso Nacional autorizar referendo e convocar plebiscito, que, no entanto, somente podem aprovar ou rejeitar lei penal materializada ou a ser criada pelo Parlamento.
Na votação da aceitação ou desaprovação da venda de armas no Brasil, por exemplo, já havia tramitado o Estatuto do Desarmamento e o referendo ocorreu para validar ou invalidar o artigo 6º da referida lei. Vencido o “não”, ainda é permitida a venda de armas no País. 
2. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO NO DIREITO PENAL 
A interpretação é um processo de descoberta do conteúdo da lei e não de criação de normas. Por isso, é admitida em direito penal qualquer forma. 
Não desperta polêmica a interpretação literal, nem a teleológica ou mesmo a sistemática. 
2. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃO NO DIREITO PENAL 
O ponto problemático na interpretação da lei penal fica circunscrito às formas extensiva e analógica:
A interpretação extensiva é o processo de extração do autêntico significado da norma que já existe, mas nesse caso amplia-se o alcance das palavras legais, a fim de se atender à real finalidade do texto. Como não se trata de criação de nova norma, mas de interpretação do texto existente, a interpretação extensiva pode se dar in bonam (em benefício) ou in malam partem (em prejuízo).
Interpretação extensiva
Exemplo de interpretação extensiva em prejuízo: O art. 172, do CP, incrimina quem lança duplicata de venda não correspondente com a mercadoria vendida, mas se silencia sobre a venda de mercadoria inexistente, extensivamente entende-se essa conduta mais grave, mas não taxada como sendo também criminosa.
Exemplo de interpretação extensiva em benefício: O art. 176 (outras fraudes), do CP, pune a conduta de quem “tomar refeição em restaurante (...) sem dispor de recursos para efetuar o pagamento”, ampliando-se o conteúdo do termo “restaurante” para abranger, também, boates, bares, pensões, entre outros estabelecimentos similares. Evita-se, com isso, que o sujeito faça uma refeição em uma pensão, sem dispor de recursos para pagar, sendo punido por estelionato (art. 171, CP), cuja pena é mais elevada;
2. INTERPRETAÇÃO E INTEGRAÇÃONO DIREITO PENAL 
O ponto problemático na interpretação da lei penal fica circunscrito às formas extensiva e analógica:
A analógica é o processo de averiguação do sentido da norma jurídica, valendo-se de elementos fornecidos pela própria lei, através do método de semelhança. Por vezes, como no caso do art. 121, § 2º, III, do CC, que prevê como qualificante de crime de homicídio o “emprego de veneno, fogo, explosivo, asfixia, tortura ou outro meio insidioso ou cruel, ou de que possa resultar perigo comum”, ou seja , a própria lei permite a interpretação analógica nessa última parte do dispositivo. 
Interpretação analógica x Analogia
#INTERPRETAÇÃO ANALÓGICA:
Existe norma para o caso concreto
Utilizam-se exemplos seguidos de uma fórmula genérica para alcançar outras hipóteses
É possível sua aplicação no Direito Penal in bonam ou in malam parte.
Ex.: homicídio mediante paga ou promessa de recompensa, ou por outro motivo torpe (art. 121, §2º, I, III e IV, CP).
#ANALOGIA
Não existe norma para o caso concreto
Cria-se nova norma a partir de outra (analogia legis) ou do todo do ordenamento jurídico (analogia iuris)
É possível sua aplicação no Direito penal somente in bonam partem.
Ex.: isenção de pena, prevista nos crimes contra o patrimônio, para o cônjuge e, analogicamente, para o comparsa (art. 181, I, CP).
3. A LEGALIDADE PENAL
A legalidade guarda significado tanto político como jurídico. 
No prisma político é garantia individual contra eventuais abusos do Estado. 
Na ótica jurídica, destacam-se os sentidos lato e estrito. Em sentido amplo, significa que ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5.º, II, CF). Quanto ao sentido estrito (ou penal), quer dizer que não há crime sem lei [em sentido estrito] que o defina, nem tampouco pena sem lei [em sentido estrito] que a comine. Este último enfoque, é também conhecido como princípio da reserva legal. 
Há, ainda, a denominada reserva legal qualificada, que é a reserva de lei, com alguma condição especial atribuída pela Constituição Federal. Exemplo: para violar o sigilo das comunicações telefônicas foi necessária a edição de uma lei complementar (art. 5.º, XII, CF). 
3.1. Origem histórica do princípio da legalidade
A raiz histórica do princípio da legalidade está na Magna Carta de 1215 (“Nenhum homem pode ser preso ou privado de sua propriedade a não ser pelo julgamento de seus pares e do devido processo legal”). 
A formulação propriamente dita do princípio da legalidade coube a Beccaria, em sua obra Dos delitos e das penas, com influência de Montesquieu e Rousseau. 
Por outro lado, a construção do preceito latino nullum crimen, nulla poena sine previa lege deveu-se a Feuerbach. É a consagração da tipicidade (adequação dos fatos concretos ao modelo legal previsto na norma penal), ou seja, a elaboração científica do princípio no contexto do direito penal.
3.2. Legalidade e garantismo penal
O princípio da legalidade no Direito Penal visa garantir proteção aos direitos individuais fundamentais. 
Dito isso, devemos diferenciar a legalidade em dois outros aspectos: mera legalidade (norma dirigida aos juízes, aos quais prescreve a aplicação das leis tais como são formuladas) e estrita legalidade (norma dirigida ao legislador, a quem prescreve a taxatividade e a precisão empírica das formulações legais).
Em matéria de direito penal, para garantia dos direitos fundamentais é necessária a observância não apenas da mera legalidade, mas da estrita legalidade, de modo que um crime prescrito em lei esteja bem detalhado (taxativo), para não provocar dúvidas na sua aplicação.
3.3. Legalidade material e legalidade formal
A depender do sistema jurídico se adotam uma dessas duas formas de legalidade para definição das normas incriminadoras.
Nos países de commom law aplica-se a legalidade material ou substancial que trata da impossibilidade de se considerar uma conduta criminosa, se não for considerada lesiva a interesse juridicamente tutelado, merecedora de pena, de acordo com a visão da sociedade, independentemente da existência de lei. Prende-se, pois, ao conceito material de crime.
Noss países de civil law, como o Brasil, aplica-se a legalidade formal a impossibilidade de se considerar criminosa determinada conduta se esta não for considerada lesiva a um interesse juridicamente protegido, merecedora de pena, desde que esteja devidamente prevista em lei. Vincula-se ao conceito formal de crime.
4. ANTERIODADE PENAL
A anterioridade penal também importa na proteção de diretos fundamentais e significa que é obrigatória a prévia existência de lei penal incriminadora para que alguém possa ser por um fato condenado, exigindo, também, prévia cominação de sanção para que alguém possa sofrê-la.
É a garantia de que o princípio da legalidade terá um mínimo de eficácia. De nada adiantaria estipular a regra de que não há crime sem lei, se esta lei não for editada anteriormente à prática da conduta. 
A criação de leis penais incriminadoras que pudessem retroagir para envolver fatos ocorridos antes de seu advento esvaziaria por completo a garantia constitucional da legalidade penal.
“Anterioridade da Lei
Código Penal, Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal.”
5. EXTENSÃO DA PALAVRA CRIME 
Quando se cuida da legalidade e da anterioridade, o texto constitucional menciona apenas a palavra crime (sem que se fale em contravenção penal). 
Tal ocorre por força da tradição do princípio, esculpido
há séculos com a expressão nullum crimen sine previa lege. Seria incompreensível para muitos inserir na Constituição a expressão infração penal no lugar do conhecido termo crime. 
Faz-se, no entanto, uma interpretação extensiva, podendo certamente abranger a contravenção penal, afinal, tanto o crime quanto a contravenção são espécies de infração penal. 
6. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
A regra geral em direito é a aplicação da lei vigente à época dos fatos (tempus regit actum). No campo penal não ocorre de maneira diversa: ao crime cometido em determinada data, aplica-se a lei penal vigente exatamente no mesmo dia, ainda que posteriormente venha a ser proferida a sentença (caput, art. 2º, CP).
A exceção é a extratividade, ou seja, a possibilidade de aplicação de uma lei a fatos ocorridos fora do âmbito de sua vigência (parágrafo único, art. 2º, CP). O fenômeno da extratividade, no campo penal, realiza-se em dois ângulos: 
Retroatividade: que é a aplicação da lei penal benéfica a fato acontecido antes do período da sua vigência (art. 5.º, XL, CF); 
Ultratividade: que significa a aplicação da lei penal benéfica, já revogada, a fato ocorrido após o período da sua vigência. O art. 2º do Código Penal não fez menção a essa possibilidade, mas ela é amplamente aceita. 
“Lei penal no tempo
Código Penal, Art. 2º - Ninguém pode ser punido por fato que lei posterior deixa de considerar crime, cessando em virtude dela a execução e os efeitos penais da sentença condenatória. 
Parágrafo único - A lei posterior, que de qualquer modo favorecer o agente, aplica-se aos fatos anteriores, ainda que decididos por sentença condenatória transitada em julgado.” 
6. APLICAÇÃO DA LEI PENAL NO TEMPO
Para a escolha da lei penal deve-se ter como marco inicial, a data do cometimento da infração penal, e, como marco final, a extinção da punibilidade pelo cumprimento da pena ou outra causa qualquer. 
De todo modo, entre o fato e a extinção da punibilidade, portanto, durante a investigação policial, processo ou execução da pena, toda e qualquer lei penal favorável, deve ser utilizada em prol do réu. 
Desta feita, o advento de uma lei penal intermediária, aquela que surgiu depois da data do fato e foi revogada antes da sentença, pode gerar ambos os efeitos, isto é, a aplicação concomitante dos efeitos da retroatividade e da ultratividade, conforme o enfoque adotado, porque a lei a ser usada pode ser a da data do fato, a intermediária revogada ou a da época da sentença, a dependerde qual seja a mais benéfica para o acusado.
“Código Penal: Lei excepcional ou temporária 
Art. 3º - A lei excepcional ou temporária, embora decorrido o período de sua duração ou cessadas as circunstâncias que a determinaram, aplica-se ao fato praticado durante sua vigência.”
7. ABOLITIO CRIMINIS (ABOLIÇÃO DO DELITO) 
Trata-se do fenômeno que ocorre quando uma lei posterior deixa de considerar crime determinado ato (exemplos: deixaram de ser consideradas condutas criminosas o adultério, a sedução e o rapto consensual, em face da edição da Lei 11.106/2005). 
Quando acontece a hipótese da abolitio criminis, segundo o disposto no art. 107, III, do Código Penal, extingue-se a punibilidade do agente. 
Nesse caso não deve sobrar contra o agente nem mesmo a existência de algum antecedente criminal.
Por último, ressalte-se que o fato de o Estado abolir um tipo penal incriminador, não faz nascer um erro judiciário, sujeito à indenização. 
7.1 Confronto com a edição de lei penal benéfica (novatio legis in mellius)
Por vezes, o legislador prefere alterar determinado tipo penal incriminador, variando a descrição da conduta, de forma a excluir certas maneiras de execução, bem como modificar a sanção penal, conferindo-lhe abrandamento ou concedendo-lhe benefícios penais antes inexistentes. 
Nesse caso não temos abolição de um crime, mas a nova lei pode trazer benefícios para o agente.
Exemplo: com a edição da Lei 9.714/98 permitiu-se a aplicação das penas restritivas de direitos a todos os delitos cuja pena privativa de liberdade não superasse a marca dos quatro anos de reclusão ou detenção, quando dolosos e não violentos.
7.2. Confronto com a edição de lei penal prejudicial (novatio legis in pejus) 
Há hipóteses em que o legislador, sem abolir a figura delituosa, mas com a aparência de tê-lo feito, apenas transfere a outro tipo incriminador a mesma conduta, por vezes aumentando a pena. 
Exemplo disso ocorreu com a aparente abolição do crime de rapto - art. 219 do Código Penal (“raptar mulher honesta, mediante violência, grave ameaça ou fraude, para fim libidinoso. Pena – reclusão, de 2 a 4 anos”). E tranferência de parte do tipo para o art. 148, § 1.º, V, do Código Penal (“privar alguém de sua liberdade, mediante sequestro ou cárcere privado, com pena de reclusão, de 2 a 5 anos, se o crime é praticado com fins libidinosos”). 
Não teria sentido tratar o caso como abolitio criminis, uma vez que a conduta continua a ser objeto de punição. Assim, o agente que tenha sido condenado por rapto, continuará a cumprir sua pena e será mantida a condenação, tendo em vista que a legislação anterior era mais benéfica.
7.3. LEI PENAL BENÉFICA EM VACATIO LEGIS
Quando da vacatio legis (vacância de lei) – período de tempo estabelecido pelo legislador para que a sociedade tome conhecimento de uma determinada norma, após a sua publicação e antes de sua entrada em vigor – o acusado ou apenado podem ser beneficiados pela lei vacante, ainda que ela não esteja em vigor.
Essa é a posição atualmente adotada pela maioria dos doutrinadores como consagração do princípio da dignidade da pessoa humana que paira acima de qualquer formalismo legal.
8. CRIME PERMANENTE E LEI PENAL BENÉFICA 
Aplica-se a lei nova durante a atividade executória do crime permanente, aquele cuja consumação se estende no tempo, ainda que seja prejudicial ao réu.
Exemplificando: se um sequestro está em andamento, com a vítima colocada em cativeiro, havendo a entrada em vigor de uma lei nova, aumentando consideravelmente as penas para tal delito, aplica-se de imediato a norma prejudicial ao agente, pois o delito está em plena consumação. 
É o teor da Súmula 711 do STF: “A lei penal mais grave aplica-se ao crime continuado ou ao crime permanente, se a sua vigência é anterior à cessação da continuidade ou da permanência”. 
8. CRIME PERMANENTE E LEI PENAL BENÉFICA 
O crime continuado, previsto no art. 71 do Código Penal, se dá quando o agente pratica várias condutas, implicando na concretização de vários resultados, terminando por cometer infrações penais da mesma espécie, em circunstâncias parecidas de tempo, lugar e modo de execução, aparentando que umas são meras continuações de outras. Em face disso, aplica-se a pena de um só dos delitos, se iguais, ou do mais grave, se diversas, aumentada de um sexto a dois terços. 
A referida Súmula 711 do STF dá ao crime continuado o mesmo tratamento do conferido ao crime permanente na aplicação da pena.
9. RETROATIVIDADE DA LEI PROCESSUAL PENAL BENÉFICA 
Em regra, as normas processuais são publicadas para vigorar de imediato, aplicando-se a todos os atos ainda não praticados e atingindo, por conseguinte, alguns fatos ocorridos antes de sua vigência.
Entretanto, existem normas processuais penais que possuem íntima relação com o direito penal, refletindo diretamente na punição ao réu. Em virtude disso, a doutrina busca classificar as normas processuais em normas processuais penais materiais e normas processuais penais propriamente ditas.
As primeiras, tratando de temas ligados ao status libertatis do acusado (queixa, perempção, decadência, prisão cautelar, prisão em flagrante etc.), devem estar submetidas ao princípio da retroatividade benéfica. 
As segundas, por serem vinculadas ao procedimento (formas de citação e intimação, modos de colheita de prova, prazos, mandados etc.), aplicam-se de imediato e não retroagem, mesmo que terminem por prejudicar o acusado.
10. LEIS INTERMITENTES 
As leis, como regra, são feitas para durar indefinidamente, até que outras, mais modernas, revoguem-nas ou substituam-nas. Há leis, no entanto, denominadas de intermitentes, que são formuladas para durar um período determinado e breve. As leis excepcionais e temporárias são espécies desse gênero.
Excepcionais são as leis feitas para durar enquanto um estado anormal ocorrer. Cessam a sua vigência ao mesmo tempo em que a situação excepcional também terminar. Exemplo: durante o estado de calamidade pública decretado em uma localidade devastada por alguma catástrofe, pode-se aumentar as penas dos crimes contra o patrimônio para buscar evitar os saques.
Temporárias são as leis editadas com período certo de duração, portanto, dotadas de autorrevogação. Exemplo: a lei feita para valer por um prazo de seis meses.
10.1. LEIS INTERMITENTES: 
extensão e eficácia.
As leis excepcionais ou temporárias são leis que não respeitam o princípio da retroatividade benéfica (art. 2.º do Código Penal). 
Se o fizessem seriam inócuas, pois,cessado o prazo de sua vigência, todos os criminosos que estivessem sendo punidos pela prática deinfrações penais nesse período excepcional ou temporário teriam benefícios.
Portanto, essas leis (temporárias ou excepcionais) são sempre ultrativas, ou seja, continuam a produzir efeitos aos fatos praticados durante a sua época de vigência, ainda que tenham sido revogadas (art. 3.º, CP). 
Há, no entanto, exceção: uma lei temporária mais benéfica, editada posteriormente, pode alterar, para melhor, lei temporária anterior, desde que respeitado o mesmo período temporal. 
10.2. Normas penais em branco, legalidade e intermitência
São normas penais em branco aquelas cujo preceito primário (descrição da conduta) é indeterminado quanto a seu conteúdo, porém determinável, e o preceito sancionador é sempre certo. Dividem-se em: 
a) normas impropriamente em branco, que se valem de fontes formais
homogêneas, em outras palavras, são as que possuem o complemento em norma de igual hierarquia. Ex.: os impedimentos matrimoniais descritos no tipo do crime do art. 237 (casar-se conhecendo tais impedimentos) são encontrados no Código Civil, que possui o mesmo status legal do Código Penal; 
b) normas propriamente em branco, que se utilizam de fontes formais heterogêneas, porque o órgão legiferante é diverso, ou seja, buscam o complemento em norma de inferior hierarquia. Ex.: o crime contra a economia popular, referente à transgressão de tabela de preços, encontra o complemento (elaboração da tabela)em norma estabelecida por órgão do Poder Executivo, de diferente fonte normativa.
REFERENCIAL BIBLIOGRÁFICO
NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Direito Penal / Guilherme de Souza Nucci. – 10. ed. rev., atual. e ampl. – Rio de Janeiro: Forense, 2014. 
image1.png
image2.png
image3.png
image4.png
image5.png

Mais conteúdos dessa disciplina