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46 PARTE I Introdução à célula rapidamente, de modo que, em uma solução aquosa, os prótons estão constantemente passando de uma molécula de água para outra. As substâncias que liberam prótons quando dissolvidas em água, formando, as- sim, H3O+, são denominadas ácido. Quanto maior a concentração de H3O+, mais ácida é a solução. H3O+ está presente mesmo na água pura, na concentração de 10-7 M, como re- sultado do movimento dos prótons de uma molécula de água para outra (Figura 2-5B). Por convenção, a concentração de H3O+ normalmente é chamada de concentração de H+, mesmo que a maior parte dos prótons presentes na solução estejam na forma H3O+. Para evitar o uso de números incômodos de manusear, a concentração de H3O+ é expres- sa usando uma escala logarítmica denominada escala de pH. A água pura tem pH 7,0 e é considerada neutra, isto é, nem ácida (pH < 7) e nem básica (pH > 7). Os ácidos são classificados como fortes ou fracos, dependendo da sua tendência a doar prótons para a água. Os ácidos fortes, como o ácido clorídrico (HCl) liberam pró- tons com facilidade. O ácido acético, por outro lado, é um ácido fraco porque ele mantém seus prótons mais firmemente quando dissolvido em água. Muitos ácidos importantes para as células, como as moléculas que contêm um grupo carboxila (COOH), são ácidos fracos (ver Painel 2-2, p. 92-93). Uma vez que os prótons de um íon hidrônio podem ser transferidos facilmente para muitos dos tipos de moléculas presentes nas células, a concentração de H3O+ dentro das células (a acidez) deve ser rigidamente regulada. Os ácidos, especialmente os ácidos fracos, doam prótons mais facilmente quando a concentração de H3O+ da solução for baixa e tenderão a receber os prótons de volta quando a concentração de H3O+ for alta. A base é o oposto de ácido. Qualquer molécula capaz de aceitar um próton de uma molécula de água é denominada base. O hidróxido de sódio (NaOH) é uma base (os termos álcali ou alcalino também são usados) porque ele se dissocia facilmente em soluções aquosas formando íons Na+ e OH-. Devido a essa propriedade, o NaOH é de- nominado base forte. Para as células, entretanto, as bases fracas – aquelas que têm uma tendência fraca a aceitar reversivelmente um próton da água – são mais importantes. Muitas moléculas de importância biológica contêm um grupo amino (NH2). Esse grupo é uma base fraca que pode gerar OH- ao aceitar um próton da água: –NH2 + H2O n –NH3 + + OH– (ver Painel 2-2, p. 92-93). Uma vez que o íon OH- se combina com um íon H3O+ para formar moléculas de água, um aumento na concentração de OH- força uma diminuição na concentração de H3O+ e vice-versa. Uma solução de água pura contém concentrações (10-7 M) iguais dos dois íons, fazendo ela ser neutra. O interior das células também é mantido próximo da neutralidade pela presença de ácidos e bases fracos (tampões) que podem liberar ou receber prótons próximos do pH 7, o que mantém o ambiente celular relativamente constante sob uma grande variedade de condições. As células são formadas por compostos de carbono Após serem revisadas as maneiras pelas quais os átomos de carbono combinam-se para formar moléculas e os seus comportamentos em ambiente aquoso, agora serão exami- nadas as principais classes de moléculas pequenas presentes nas células. Será visto que Figura 2-5 Os prótons se movem facil- mente em soluções aquosas. (A) Reação que ocorre quando uma molécula de ácido acético dissolve-se em água. Em pH 7, praticamente todo o ácido acético está presente na forma de íon acetato. (B) As moléculas de água estão continuamente trocando prótons umas com as outras, for- mando íons hidrônio e hidroxila. Por sua vez, esses íons rapidamente recombinam- -se formando moléculas de água. O H H OH H O H H OH HOs prótons movem-se de uma molécula para outra + + H2O H2O CH3 H3O+ OH– Íon hidrônio Íon hidrônioÁguaÁcido acético Íon acetato Íon hidroxila C H O O O H H H H H + CH3 C O O + (A) (B) �– �+ O + CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 47 um pequeno número de categorias de moléculas, compostas por um pequeno número de elementos diferentes, originam toda a extraordinária riqueza de formas e de compor- tamentos apresentada pelos seres vivos. Desconsiderando a água e os íons inorgânicos como, por exemplo, o potássio, praticamente todas as moléculas de uma célula têm o carbono como base. Em compa- ração com todos os demais elementos, o carbono é inigualável na sua capacidade de formar moléculas grandes. O silício vem em segundo lugar, porém muito atrás. Devido ao seu pequeno tamanho e ao fato de possuir quatro elétrons e quatro vacâncias na úl- tima camada, o átomo de carbono pode formar quatro ligações covalentes com outros átomos. Mais importante ainda, um átomo de carbono pode ligar-se com outros átomos de carbono por meio da ligação C–C, que é altamente estável, de modo a formar cadeias e anéis e, assim, formar moléculas grandes e complexas, não havendo mesmo um limite imaginável para o tamanho das moléculas que podem ser formadas. Os compostos de carbono formados pelas células são denominados moléculas orgânicas. Por outro lado, todas as demais moléculas, inclusive a água, são denominadas moléculas inorgânicas. Certas combinações de átomos, como as dos grupos metila (–CH3), hidroxila (–OH), carboxila (–COOH), carbonila (–C=O), fosfato (–PO3 2-), sulfidrila (–SH) e ami- no (–NH2), ocorrem repetidamente nas moléculas feitas por células. Cada um desses grupos químicos tem propriedades químicas e físicas distintas que influenciam o com- portamento das moléculas que contêm esses grupos. Os grupos químicos mais comuns e algumas de suas propriedades estão resumidos no Painel 2-1 (p. 90-91). As células contêm quatro famílias principais de moléculas orgânicas pequenas As moléculas orgânicas pequenas das células são compostos baseados no carbono e têm peso molecular na faixa entre 100 e 1.000, contendo cerca de 30 átomos de carbono. Elas geralmente são encontradas livres em solução e têm vários destinos. Algumas são utiliza- das como subunidades – monômeros – para compor gigantescas macromoléculas polimé- ricas — proteínas, ácidos nucleicos e os grandes polissacarídeos. Outras atuam como fonte de energia e são degradadas e transformadas em outras moléculas pequenas pela rede complexa de vias metabólicas intracelulares. Muitas dessas moléculas pequenas têm mais de um papel na célula; por exemplo, determinada molécula pode servir como subunidade de alguma macromolécula ou como fonte de energia. As moléculas orgânicas pequenas são muito menos abundantes que as macromoléculas orgânicas e perfazem somente cerca de um décimo do total da massa de matéria orgânica de uma célula. Em uma célula típica, podem existir aproximadamente milhares de tipos diferentes de moléculas pequenas. Todas as moléculas orgânicas são sintetizadas a partir de (e degradadas até) um mesmo conjunto de compostos simples. Consequentemente, os compostos presentes nas células são quimicamente relacionados entre si e podem ser classificados dentro de um pequeno grupo de famílias distintas. De modo geral, as células contêm quatro famílias principais de moléculas orgânicas pequenas: os açúcares, os ácidos graxos, os nucleotídeos e os aminoácidos (Figura 2-6). Embora muitos dos compostos presentes nas células não se enquadrem nessas categorias, as quatro famílias de moléculas orgâ- nicas pequenas, juntamente com as macromoléculas formadas por suas ligações em longas cadeias, correspondem a uma enorme proporção da massa celular. Os aminoácidos e as proteínas que são formadas por eles serão objeto do Capí- tulo 3. Resumos das propriedades das três famílias restantes, açúcares, ácidos graxos e nucleotídeos, podem ser encontrados, respectivamente, nos Painéis 2-4, 2-5 e 2-6 (ver p. 96-101). A química das células é dominada por macromoléculas com propriedades extraordinárias Em termos de peso, as macromoléculas são, sem dúvida, as mais abundantesentre todas as moléculas que contêm carbono presentes nas células vivas (Figura 2-7). Elas constituem as principais unidades fundamentais que formam as células e também os 48 PARTE I Introdução à célula Grandes unidades das células Unidades fundamentais das células AÇÚCARES UM AÇÚCAR UM ÁCIDO GRAXO UM NUCLEOTÍDEO UM AMINOÁCIDO ÁCIDOS GRAXOS AMINOÁCIDOS NUCLEOTÍDEOS POLISSACARÍDEOS GORDURAS, LIPÍDEOS, MEMBRANAS PROTEÍNAS ÁCIDOS NUCLEICOS CH2OH H HO O OH OHH OH H H H C C C C C CH3 H C COOH3N + O O _ CC O O– –O P O O– PO O O O– PO O CH2 N N N N NH2 OH OH H H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H C H H componentes que conferem as características mais distintivas dos seres vivos. Nas célu- las, as macromoléculas são polímeros construídos simplesmente por ligações covalentes entre pequenas moléculas orgânicas (chamadas de monômeros), formando cadeias lon- gas (Figura 2-8). Essas macromoléculas possuem muitas propriedades extraordinárias que não podem ser previstas com base em seus constituintes. As proteínas são abundantes e incrivelmente versáteis. Elas desempenham milha- res de funções diferentes nas células. Muitas proteínas funcionam como enzimas – ca- talisadores que facilitam o enorme número de reações que formam e que rompem as ligações covalentes necessárias para as células. Todas as reações pelas quais as células extraem energia das moléculas dos alimentos são catalisadas por proteínas que funcio- nam como enzimas (p. ex., a enzima denominada ribulose bisfosfato carboxilase con- verte, nos organismos fotossintéticos, o CO2 em açúcares), produzindo a maior parte da matéria orgânica necessária para a vida na Terra. Outras proteínas são utilizadas para construir componentes estruturais, como a tubulina – uma proteína que se autoagrega de maneira organizada para formar os longos microtúbulos das células – ou as histonas – proteínas que compactam o DNA nos cromossomos. Além disso, outras proteínas atuam como motores moleculares que produzem força e movimento, como é o caso da miosina Figura 2-6 As quatro principais famílias de moléculas orgânicas pequenas encontradas nas células. Essas moléculas pequenas são as unidades fundamen- tais monoméricas, ou subunidades, da maioria das macromoléculas e de outros agregados celulares. Alguns deles, como os açúcares e os ácidos graxos, também são fontes de energia. Suas estruturas estão representadas aqui, e são mostradas com maiores detalhes nos painéis ao final deste capítulo e no Capítulo 3. 30% substâncias químicas 70% água Moléculas pequenas (3%) Íons inorgânicos (1%) Fosfolipídeos (2%) DNA (1%) RNA (6%) Proteínas (15%) Polissacarídeos (2%) Célula bacteriana MACROMOLÉCULASVOLUME DA CÉLULA 2 × 10–12 cm3 Figura 2-7 Distribuição das moléculas nas células. Composição aproximada de uma célula bacteriana em massa. A composição de uma célula animal é semelhante, mesmo que o volume seja aproximadamente 1.000 vezes maior. Observe que as macromoléculas predominam. Os principais íons inorgânicos incluem Na+, K+, Mg2+, Ca2+ e Cl–. CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 49 nos músculos. As proteínas podem ter uma ampla variedade de outras funções. Mais adiante neste livro, as bases moleculares de muitas proteínas serão examinadas. Embora as reações químicas que adicionam subunidades a cada polímero (proteí- nas, ácidos nucleicos e polissacarídeos) tenham detalhes diferentes, elas compartilham características comuns importantes. O crescimento dos polímeros ocorre pela adição de um monômero à extremidade da cadeia polimérica que está crescendo, por meio de uma reação de condensação, na qual uma molécula de água é perdida cada vez que uma subunidade é adicionada (Figura 2-9). A polimerização pela adição de monômeros, um a um, para formar cadeias longas, é a maneira mais simples de construir uma molécula grande e complexa, pois as subunidades são adicionadas por uma mesma reação que é repetida muitas e muitas vezes pelo mesmo conjunto de enzimas. Deixando de lado alguns dos polissacarídeos, a maior parte das macromoléculas é formada a partir de um conjunto limitado de monômeros com pequenas diferenças entre si, como os 20 ami- noácidos que participam da composição das proteínas. Para a vida, é fundamental que as cadeias de polímeros não sejam feitas pela adição das subunidades aleatoriamente. Ao contrário, as subunidades são adicionadas segundo uma ordem bem definida, ou sequência. Os mecanismos sofisticados que permitem que as enzimas desempenhem essa função estão descritos nos Capítulos 5 e 6. Ligações não covalentes determinam tanto a forma precisa das macromoléculas como a forma com que se ligam a outras moléculas A maior parte das ligações covalentes das macromoléculas permite que átomos que par- ticipam da ligação girem, de modo que as cadeias de polímeros possuam grande flexi- bilidade. Em princípio, isso possibilita que a macromolécula adote um número prati- camente ilimitado de formas, ou conformações, devido a torções e giros induzidos pela energia térmica, que é aleatória. Entretanto, as formas específicas da maior parte das macromoléculas são altamente condicionadas pelas muitas ligações não covalentes fra- cas formadas entre diferentes partes da própria molécula. Caso essas ligações não cova- lentes sejam formadas em número suficiente, a cadeia do polímero pode ter preferência por uma dada conformação, que é determinada pela sequência linear dos monômeros na cadeia. Devido a isso, praticamente todas as moléculas de proteína, e também muitas das pequenas moléculas de RNA encontradas nas células, organizam-se em uma confor- mação preferencial (Figura 2-10). Os quatro tipos de interações não covalentes que são importantes para as molé- culas biológicas foram apresentados previamente neste capítulo e são mais bem discu- tidos no Painel 2-3 (p. 94-95). Além de fazer as macromoléculas biológicas terem suas formas características, essas ligações também criam atrações fortes entre duas ou mais moléculas diferentes (ver Figura 2-3). Essas formas de interações moleculares possibi- litam uma grande especificidade porque os contatos múltiplos necessários para uma associação forte permitem que uma macromolécula selecione, por meio da associação, apenas um entre os muitos milhares de outros tipos de moléculas presentes nas células. Além disso, uma vez que a intensidade da associação depende do número de ligações não covalentes formadas, é possível que ocorram interações com praticamente qual- quer grau de afinidade, permitindo, assim, que se dissociem de forma rápida quando for apropriado. MACROMOLÉCULA Polissacarídeo SUBUNIDADE Açúcar ProteínaAminoácido Ácido nucleicoNucleotídeo Figura 2-8 Três famílias de macromolécu- las. Cada uma delas é um polímero formado por moléculas pequenas (denominadas monô- meros), ligadas entre si por ligações covalentes. A B A BH HO+ A BH HO+ CONDENSAÇÃO HIDRÓLISE H2O H2O Energeticamente desfavorável Energeticamente favorável Figura 2-9 A condensação e a hidrólise são reações opostas. As macromoléculas das células são polímeros formados por subunidades (ou monômeros) por meio de reações de condensação e são degradadas por reações de hidrólise. Energeticamente, as reações de condensação são desfavoráveis e, portanto, a formação de políme- ros requer um suprimento de energia, como será descrito adiante no texto. 50 PARTE I Introdução à célula Como discutiremos a seguir, associações desse tipo constituem a base de todas as catálises biológicas, tornando possível que as proteínas funcionem como enzimas. Além disso, interações não covalentes possibilitam que as macromoléculas sejam utilizadas como unidades fundamentais na formação de estruturas maiores de modo a formar má- quinas intrincadas, com muitas partes móveis, que desempenham funções complexas, como a replicação do DNA e a síntese de proteínas (Figura 2-11).Resumo Os organismos vivos são sistemas químicos autônomos que se autopropagam. Eles são formados por um conjunto restrito e determinado de pequenas moléculas baseadas em carbono que essencialmente são as mesmas em todas as espécies de seres vivos. Cada uma dessas pequenas moléculas é formada por um pequeno conjunto de átomos ligados entre si por ligações covalentes em uma configuração precisa. As principais categorias são os açúcares, os ácidos graxos, os aminoácidos e os nucleotídeos. Os açúcares constituem a fonte primária de energia química das células e podem ser incorporados em polissacarí- deos para o armazenamento de energia. Os ácidos graxos também são importantes como reserva de energia, mas sua função fundamental é a formação das membranas biológicas. Cadeias longas de aminoácidos formam as macromoléculas, notavelmente diversas e ver- sáteis, conhecidas como proteínas. Os nucleotídeos têm um papel central nas transferên- cias de energia e também são subunidades que participam na formação das macromolé- culas informacionais: RNA e DNA. A maior parte da massa seca de uma célula consiste em macromoléculas que são polímeros lineares de aminoácidos (proteínas) ou de nucleotídeos (DNA e RNA) ligados entre si covalentemente, segundo uma ordem exata. A maioria das moléculas de proteínas e muitas das moléculas de RNA enovelam-se em uma conformação única que é determi- nada pela sequência de suas subunidades. Esse processo de enovelamento cria superfícies Diversas conformações instáveis Uma conformação estável enovelada Figura 2-10 Enovelamento das molé- culas de proteína e de RNA em formas tridimensionais especialmente está- veis, ou conformações. Se as ligações não covalentes que mantêm a conforma- ção estável forem rompidas, a molécula passa a ser uma cadeia flexível e perde sua atividade biológica. ESTRUTURAS MACROMOLECULARES MACROMOLÉCULAS p. ex., proteínas globulares e RNA SUBUNIDADES p. ex., açúcares, aminoácidos e nucleotídeos Ligações covalentes Ligações não covalentes 30 nm p. ex., ribossomo Figura 2-11 Pequenas moléculas ligam-se covalentemente formando macromoléculas que, por sua vez, formam grandes complexos através de ligações não covalentes. As pequenas moléculas, as proteínas e o ribossomo estão ilustrados aproximadamente em escala.Os ribossomos são parte central da ma- quinaria que as células utilizam para fazer as proteínas: cada ribossomo é um complexo de aproximadamente 90 macromoléculas (moléculas de proteínas e de RNA). CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 51 também únicas, que resultam de um grande conjunto de interações fracas produzidas por forças não covalentes entre os átomos constituintes dessas moléculas. Essas forças são de quatro tipos: ligação iônica, ligação de hidrogênio, atrações de van der Waals e interações entre grupos não polares causadas pela sua expulsão hidrofóbica da água. Esse mesmo conjunto de forças fracas controla a ligação específica de outras moléculas às macromolé- culas, tornando possível a miríade de associações entre moléculas biológicas que formam as estruturas e a química das células. CATÁLISE E O USO DE ENERGIA PELAS CÉLULAS Uma propriedade dos seres vivos, mais do que qualquer outra, os faz parecerem quase miraculosamente diferentes da matéria não viva: eles criam e mantêm ordem em um universo que está sempre tendendo a uma maior desordem (Figura 2-12). Para criar essa ordem, as células dos organismos vivos devem executar um fluxo interminável de reações químicas. Em algumas dessas reações, as moléculas pequenas – aminoácidos, açúcares, nucleotídeos e lipídeos – são diretamente usadas ou modificadas para suprir as células com todas as outras moléculas pequenas de que elas necessitam. Em outras reações, moléculas pequenas são usadas para construir a enorme e diversificada gama de proteínas, de ácidos nucleicos e de outras macromoléculas que conferem as proprie- dades características dos sistemas vivos. Cada célula pode ser vista como se fosse uma pequena indústria química, executando milhões de reações a cada segundo. As enzimas organizam o metabolismo celular Sem enzimas, as reações químicas que as células executam normalmente ocorreriam apenas em temperaturas muito mais altas do que a temperatura do interior das células. Em função disso, cada reação requer um potenciador específico das reatividades quí- micas. Essa necessidade é crucial porque ela possibilita que a célula controle sua pró- pria química. O controle é exercido por meio de catalisadores biológicos especializados. Quase sempre eles são proteínas denominadas enzimas, embora também existam RNAs catalisadores, denominados ribozimas. Cada enzima acelera, ou catalisa, apenas um dos muitos tipos possíveis de reações que uma determinada molécula pode sofrer. As rea- ções catalisadas por enzimas são conectadas em série, de modo que o produto de uma reação torna-se o material de partida, ou substrato, da reação seguinte (Figura 2-13). As vias de reações são lineares e longas e ainda interligadas umas às outras, formando uma rede de reações interconectadas. É isso que permite às células sobreviverem, cres- cerem e se reproduzirem. Dois fluxos opostos de reações ocorrem nas células: (1) as vias catabólicas degra- dam os alimentos em moléculas menores e geram tanto energia, em uma forma utilizá- vel pelas células, como também geram as pequenas moléculas que as células necessi- tam como unidades fundamentais, e (2) as vias anabólicas, ou biossintéticas, que usam (A) (B) (C) (D) (E) 20 mm0,5 mm10 �m50 nm20 nm Figura 2-12 As estruturas biológicas são altamente ordenadas. Padrões espaciais bem definidos, rebuscados e bonitos, podem ser encontrados em cada um dos níveis de organização dos seres vivos. Por ordem crescente de tamanho: (A) moléculas de proteínas que revestem um vírus (parasita que, embora teori- camente não seja vivo, contém os mesmos tipos de moléculas encontradas nos seres vivos); (B) vista do corte transversal do arranjo regular dos microtúbulos da cauda de um espermatozoide; (C) contorno da superfície de um grão de pólen (uma única célula); (D) corte transversal de um caule mostrando o padrão de ar- ranjo das células; e (E) organização espiralada das folhas de uma planta suculenta. (A, cortesia de Robert Grant, Stéphane Crainic e James M. Hogle; B, cortesia de Lewis Tilney; C, cortesia de Colin MacFarlane e Chris Jeffree; D, cortesia de Jim Haseloff.) 52 PARTE I Introdução à célula as moléculas pequenas e a energia liberada pelo catabolismo de maneira controlada para a síntese de todas as demais moléculas que formam as células. O conjunto desses dois grupos de reações constitui o metabolismo celular (Figura 2-14). Os pormenores do metabolismo celular são o assunto tradicional da bioquímica, e a maioria deles não diz respeito ao assunto aqui abordado. Entretanto, os princípios gerais pelos quais a célula obtém energia a partir do ambiente e a utiliza para criar ordem é um ponto central da biologia celular. Inicialmente, será discutido por que é necessário haver um suprimento constante de energia para que todas as coisas vivas se sustentem. A liberação de energia térmica pelas células possibilita a ordem biológica A tendência universal das coisas tornarem-se desordenadas é uma lei fundamental da física – a segunda lei da termodinâmica. Ela estabelece que, no universo, ou em qualquer sistema isolado (um conjunto de matéria completamente isolado do resto do universo), o grau de desordem sempre aumenta. Essa lei tem implicações tão profundas para a vida que merece ser abordada de várias maneiras. Por exemplo, pode-se apresentar a segunda lei em termos de probabilidades esta- belecendo que o sistema mudará, de forma espontânea, para a organização mais prová- vel. Considerando uma caixa contendo 100 moedas com o lado “cara” virado para cima, uma sequência de acidentes que perturbem a caixa fará o arranjo se alterar para uma mistura com 50 moedas com a “cara” para cima e 50 com a “coroa”para cima. A razão é simples: existe um enorme número de arranjos possíveis na mistura, nos quais cada moeda individualmente pode chegar a um resultado de 50-50, mas existe somente um arranjo que mantém todas as moedas orientadas com a “cara” para cima. Devido ao fato de que a mistura 50-50 é a mais provável, dizemos que ela é mais “desordenada”. Pela mesma razão, é muito frequente que as casas das pessoas tornem-se cada vez mais de- sordenadas caso não seja feito algum esforço deliberado. O movimento na direção da desordem é um processo espontâneo, sendo necessário um esforço periódico para rever- tê-lo (Figura 2-15). A quantidade de desordem de um sistema pode ser quantificada e é expressa como a entropia do sistema: quanto maior a desordem, maior a entropia. Uma terceira manei- ra de expressar a segunda lei da termodinâmica é dizer que o sistema mudará esponta- neamente para o estado de organização que tiver a maior entropia. As células vivas, por sobreviverem, crescerem e formarem organismos complexos, estão continuamente gerando ordem e, assim, pode parecer que desafiam a segunda lei da termodinâmica. Como, então, isso é possível? A resposta é que a célula não constitui um sistema isolado. Ela toma energia do ambiente, na forma de alimento, ou como fó- tons do sol (ou mesmo, como ocorre em certas bactérias quimiossintéticas, apenas de moléculas inorgânicas). Então, ela usa essa energia para gerar ordem para si própria. O calor é liberado no ambiente onde as células se encontram, tornando-o mais desorga- nizado. Como resultado, a entropia total – a da célula mais a dos seus arredores – aumen- ta, exatamente como a segunda lei da termodinâmica estabelece. Para se entender os princípios que governam essas conversões de energia, é conve- niente considerar as células como unidades envoltas em um mar de matéria, representan- do o resto do universo. À medida que as células vivem e crescem, elas criam uma ordem interna. Mas também liberam permanentemente energia na forma de calor quando sin- tetizam moléculas e as organizam em estruturas celulares. Calor é energia na sua forma mais desordenada – a colisão aleatória de moléculas. Quando as células liberam calor para A B C D E F ABREVIAÇÃOMolécula Molécula Catalisado pela enzima 1 Molécula Catalisado pela enzima 2 Molécula Catalisado pela enzima 3 Molécula Catalisado pela enzima 4 Molécula Catalisado pela enzima 5 Figura 2-13 Como um conjunto de reações catalisadas por enzimas origina uma via metabólica. Cada uma das enzimas catalisa uma determinada reação química, sendo que a enzima permanece inalterada após a reação. Nesse exemplo, um conjunto de enzimas atua em série para converter a molécula A na molécula F, formando uma via metabólica. (Um diagrama das muitas reações que ocorrem nas células humanas, usando a abreviação acima, é mostrado na Figura 2-63.) Moléculas de alimento As diversas moléculas que formam a célula Formas úteis de energia + Calor perdido As diversas unidades fundamentais usadas para biossíntese VIAS CATABÓLICAS VIAS ANABÓLICAS Figura 2-14 Representação esquemática das relações entre as vias catabólicas e anabólicas do metabolismo. O diagrama su- gere que a maior parte da energia armazenada nas ligações químicas das moléculas de alimen- to é dissipada em forma de calor. Além disso, a massa de nutrientes que um determinado or- ganismo gasta para o seu catabolismo é muito maior do que a massa das moléculas que esse mesmo organismo produz no seu anabolismo. CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 53 o mar de matéria, esse calor produz um aumento na intensidade do movimento molecular nesse mar (energia cinética) e, assim, há aumento da aleatoriedade, ou da desordem do mar. A segunda lei da termodinâmica é obedecida porque o aumento de ordem no interior das células é sempre mais do que compensado pelo enorme decréscimo na ordem (au- mento da entropia) no mar de matéria nas vizinhanças da célula (Figura 2-16). De onde, então, vem o calor que as células liberam? Aqui aparece outra lei im- portante da termodinâmica. A primeira lei da termodinâmica estabelece que a energia pode ser convertida de uma forma em outra, mas não pode ser criada ou destruída. Al- gumas das formas de interconversão entre diferentes formas de energia estão ilustradas na Figura 2-17. A quantidade de energia nas diferentes formas poderá mudar como re- sultado das reações químicas que ocorrem dentro das células, mas a primeira lei da ter- modinâmica estabelece que a quantidade total de energia deve ser sempre a mesma. Por exemplo, uma célula animal consome um alimento e converte parte da energia presente nas ligações químicas entre os átomos das moléculas desse alimento (energia de ligação química) em movimento térmico aleatório de moléculas (energia cinética). As células não podem tirar qualquer benefício da energia cinética ou calor que liberam, a menos que as reações que geram calor no seu interior estejam diretamente ligadas aos processos que geram ordem molecular. É o acoplamento íntimo entre a pro- dução de calor e o aumento na ordem que distingue o metabolismo de uma célula do desperdício que ocorre na queima de combustíveis no fogo. Posteriormente, será mos- trado como ocorre esse acoplamento. Por ora, é suficiente reconhecer que é necessário haver uma associação direta entre a “queima controlada” das moléculas dos alimentos e Figura 2-15 Ilustração cotidiana sobre a tendência espontânea para a desordem. Reverter essa tendência para a desordem requer um esforço intencional e gasto de energia: isso não é espontâneo. Conforme a segunda lei da termodinâ- mica, é certo que a intervenção humana necessária para repor a ordem irá liberar para o ambiente mais do que a energia térmica necessária para compensar o reor- denamento dos objetos no quarto. REAÇÃO “ESPONTÂNEA” à medida que o tempo passa O ESFORÇO PARA ORGANIZAR REQUER O FORNECIMENTO DE ENERGIA Figura 2-16 Análise termodinâmica sim- plificada de uma célula viva. No diagrama ao lado, as moléculas, tanto da célula como do restante do universo (o mar de matéria), estão em um estado de relativa desordem. No diagrama da direita, observa-se que a célu- la obteve energia das moléculas dos alimentos e desprendeu calor através das reações que ordenaram as moléculas da célula. O calor liberado aumenta a desordem do ambiente dos arredores da célula (representado pelas setas com ângulos e moléculas distorcidas que indicam aumento dos movimentos das moléculas causado pelo calor). Desse modo, a segunda lei da termodinâmica, que estabelece que a quantidade de desordem do universo sempre aumenta, é satisfeita enquanto a célula cresce e se divide. Uma discussão por- menorizada está apresentada no Painel 2-7 (p. 102-103). Mar de matéria Célula Aumento na desordem Aumento na ordem CALOR 54 PARTE I Introdução à célula a geração de ordem biológica para que as células tenham capacidade de criar e manter ilhas de ordem em um universo que tende para o caos. As células obtêm energia pela oxidação de moléculas orgânicas Todas as células animais e vegetais são mantidas pela energia armazenada nas ligações químicas presentes em moléculas orgânicas, independentemente de serem açúcares sintetizados pelas plantas para nutrirem a si mesmas, ou de serem ligações químicas de moléculas, grandes ou pequenas, que os animais tiverem ingerido. Para que essa energia seja utilizada para que vivam, cresçam e se reproduzam, os organismos de- vem extraí-la de uma forma utilizável. Tanto nas plantas como nos animais, a energia é extraída das moléculas dos alimentos por um processo de oxidação gradual ou pela queima controlada. A atmosfera terrestre contém uma grande quantidade de oxigênio, e, na presença dele, a forma de carbono energeticamente mais estável é o CO2, e a forma energetica- mente mais estável do hidrogênio é a água. Dessa maneira, a célula é capaz de obter energia de açúcares e de outras moléculas orgânicaspela combinação dos átomos de Figura 2-17 Algumas interconversões entre diferentes formas de energia. Todas as formas de energia, em princípio, são interconversíveis. Em todos processos desse tipo, a quantidade total de ener- gia mantém-se conservada. Assim, por exemplo, a partir da altura e do peso do tijolo em (1), pode-se predizer exatamente quanto calor será liberado quando o tijolo atingir o chão. Observe em (2) que uma grande quantidade de energia de ligação química, liberada quando há formação de água, é inicialmente convertida na energia cinética do movimento muito rápido das duas novas moléculas de água. Entre- tanto, as colisões com outras moléculas fazem essa energia cinética distribuir-se instantaneamente e por igual no ambiente (transferência de calor), fazendo as novas moléculas serem indistinguíveis de todas as demais. Energia potencial devido à posição Energia cinética Energia térmica Energia de ligação química Energia elétrica Energia cinética Energia eletromagnética (luz) Energia de ligação químicaElétrons com alta energia Energia da ligação química no H2 e no O2 Movimentação rápida na H2O Energia térmica Um tijolo suspenso tem energia potencial devido à força da gravidade Um tijolo caindo tem energia cinética Há liberação de calor quando o tijolo atinge o solo Duas moléculas de gás hidrogênio Molécula de gás oxigênio Calor dissipado nos arredores Vibração rápida e rotação das duas moléculas de água recém-formadas + Bateria + – + – Motor do ventilador Fios Ventilador Luz do sol Molécula de clorofila Molécula de clorofila no estado excitado Fotossíntese 1 2 3 4 CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 55 carbono e de hidrogênio com oxigênio, para produzir CO2 e H2O, respectivamente, em um processo chamado de respiração aeróbica. A fotossíntese (discutida em detalhes no Capítulo 14) e a respiração são proces- sos complementares (Figura 2-18). Isso significa que as interações entre as plantas e os animais não ocorrem em uma única direção. As plantas, os animais e os microrga- nismos convivem neste planeta há tanto tempo que uns tornaram-se parte essencial do ambiente dos outros. Durante a respiração aeróbica, o oxigênio liberado pela fotos- síntese é consumido na combustão de moléculas orgânicas. Algumas das moléculas de CO2 que hoje estejam fixadas nas moléculas orgânicas de uma folha verde pela fotos- síntese podem ter sido liberadas ontem, na atmosfera, pela respiração de um animal (ou pela respiração de um fungo ou uma bactéria que esteja decompondo matéria or- gânica morta). Dessa forma, vê-se que a utilização do carbono forma um grande ciclo que envolve toda a biosfera (todos os seres vivos da Terra) (Figura 2-19). De maneira similar, os átomos de nitrogênio, de fósforo e de enxofre transitam entre os mundos dos seres vivos e dos não vivos em ciclos que envolvem as plantas, os animais, os fungos e as bactérias. A oxidação e a redução envolvem a transferência de elétrons As células não oxidam as moléculas orgânicas em apenas uma etapa, como acontece quando uma molécula orgânica é queimada no fogo. Utilizando catalisadores enzimáti- cos, o metabolismo processa essas moléculas por meio de um grande número de reações que muito raramente envolvem a adição direta de oxigênio. Antes de examinar algumas dessas reações e suas finalidades, é conveniente discutir o que se entende por processo de oxidação. A oxidação refere-se a mais do que à adição de átomos de oxigênio. O termo se aplica de maneira geral a qualquer reação na qual haja transferência de elétrons de um Figura 2-18 Fotossíntese e respiração são processos complementares do mundo vivo. A fotossíntese converte a energia eletromagnética do sol em ener- gia de ligação química dos açúcares e de outras moléculas. As plantas, as algas e as cianobactérias obtêm os átomos de carbo- no que necessitam para a fotossíntese do CO2 atmosférico e o hidrogênio da água, liberando o gás O2 como produto residual. Por sua vez, as moléculas orgânicas produ- zidas pela fotossíntese servem de alimento para outros organismos. Muitos desses organismos fazem respiração aeróbica, processo que utiliza O2 para formar CO2 a partir dos mesmos átomos de carbono que foram tomados na forma de CO2 e conver- tidos em açúcares pela fotossíntese. Nesse processo, os organismos que respiram aproveitam a energia de ligação química para obter a energia de que necessitam para sobreviver. Sabe-se que as primeiras células da face da Terra não eram capazes de realizar fotossíntese nem respiração (discutido no Capítulo 14). Entretanto, na evolução da Terra, a fotossíntese deve ter antecedido a respiração, pois há evidências de que se- riam necessários bilhões de anos de fotos- síntese antes que tivesse sido liberado O2 em quantidade suficiente para criar uma atmosfera rica nesse gás. (Atualmente, a atmosfera terrestre contém 20% de O2.) FOTOSSÍNTESE PLANTAS ALGAS ALGUMAS BACTÉRIAS AÇÚCARES E OUTRAS MOLÉCULAS ORGÂNICAS CO2 + H2O O2 + AÇÚCARES O2 H2O H2O CO2 ENERGIA DA LUZ SOLAR RESPIRAÇÃO CELULAR A MAIORIA DOS ORGANISMOS VIVOS AÇÚCARES + O2 H2O + CO2 O2CO2 ENERGIA DE LIGAÇÃO QUÍMICA ÚTIL HÚMUS E MATÉRIA ORGÂNICA DISSOLVIDA SEDIMENTOS E COMBUSTÍVEIS FÓSSEIS RESPIRAÇÃO FOTOSSÍNTESE CADEIA ALIMENTAR CO2 NA ATMOSFERA E NA ÁGUA PLANTAS, ALGAS, BACTÉRIAS ANIMAIS Figura 2-19 O ciclo do carbono. Átomos individuais de carbono são incorporados em moléculas orgânicas do mundo vivo pela atividade fotossintética de bactérias, algas e plantas. Eles passam por animais, microrganismos e materiais orgânicos do solo e dos oceanos, em ciclos sucessivos. O CO2 é reposto na atmosfera quando as mo- léculas orgânicas são oxidadas pelas células ou queimadas pelo homem na forma de combustíveis. 56 PARTE I Introdução à célula átomo a outro. Nesse sentido, a oxidação se refere a remoção de elétrons, e a redução, o contrário da oxidação, significa adição de elétrons. Desse modo, o Fe2+ é oxidado quan- do perde um elétron (tornando-se Fe3+), e o átomo de cloro é reduzido caso ganhe um elétron para tornar-se Cl-. Uma vez que em uma reação química o número de elétrons é conservado (sem perda ou ganho), a oxidação e a redução sempre ocorrem simulta- neamente, isto é, se uma molécula ganha um elétron na reação (redução), uma segunda molécula perderá um elétron (oxidação). Quando uma molécula de açúcar é oxidada em CO2 e H2O, por exemplo, a molécula de O2 envolvida na formação de H2O ganha elétrons e, assim, diz-se que ela foi reduzida. Os termos “oxidação” e “redução” são aplicados mesmo quando ocorre apenas uma troca parcial de elétrons entre átomos ligados por uma ligação covalente (Figura 2-20). Quando um átomo de carbono liga-se de modo covalente a um átomo que tenha grande afinidade por elétrons, como os átomos de oxigênio, cloro e enxofre, por exem- plo, ele doa mais elétrons do que existiria em um compartilhamento equitativo e forma uma ligação covalente polar. Devido ao fato de que a carga positiva do núcleo do átomo de carbono passa agora a ser maior do que a carga negativa dos seus elétrons, o átomo adquire uma carga parcial positiva e se diz que foi oxidado. De maneira equivalente, o átomo de carbono de uma ligação C–H tem um pouco mais do que apenas os seus pró- prios elétrons emparelhados; diz-se, então, que ele está reduzido. Quando uma molécula presente em uma célula ganha um elétron (e-), geralmente ela também ganha um próton (H+) (prótons estão totalmente disponíveis na água). Nes- se caso, o efeito líquido é a adição de um átomo de hidrogênio à molécula. A + e- + H+ n AH Mesmo quando há envolvimento de um próton e de um elétron (em vez de apenas um elétron), como no caso das reações de hidrogenação, há redução, e a reação inversa, desidrogenação, é uma reação de oxidação. É muito fácil determinar quando uma mo- lécula orgânica é oxidada ou reduzida: ocorre redução quando o número de ligações C–H namolécula aumenta, e oxidação quando o número de ligações C–H na molécula diminui (ver Figura 2-20B). As células utilizam enzimas para catalisar a oxidação de moléculas orgânicas em pequenas etapas, através de sequências de reações que permitem que a energia utili- zável seja aproveitada. A seguir será explicado o modo como as enzimas trabalham e também algumas das limitações sob as quais elas operam. e _ e _ e _ e _+ Carga parcialmente negativa (�–) Reduzido Carga parcialmente positiva (�+) Oxidado ÁTOMO 2ÁTOMO 1 MOLÉCULA FORMAÇÃO DE UMA LIGAÇÃO COVALENTE POLAR (A) O X I D A Ç Ã O R E D U Ç Ã O C H H H H C H H H OH C O H H C O H HO C O O Dióxido de carbono Ácido fórmico Formaldeído Metanol Metano (B) e _ + + + + e _ e _+ + Figura 2-20 Oxidação e redução. (A) Quando dois átomos formam uma ligação co- valente polar, diz-se que o átomo que fica com o maior número de elétrons torna-se re- duzido, enquanto, sobre o outro átomo, que passa a ter um número menor de elétrons, diz-se que foi oxidado. O átomo reduzido adquire uma carga negativa parcial (δ-), uma vez que a carga positiva do núcleo atômico é, agora, mais do que equilibrada pela carga dos elétrons que o rodeiam. Em compensação, o átomo oxidado adquire uma carga po- sitiva parcial (δ+). (B) O único átomo de carbono do metano pode ser convertido em um átomo de dióxido de carbono pela substituição sucessiva de seus átomos de hidrogênio, que estão ligados de forma covalente a átomos de oxigênio. Em cada etapa, os elétrons são removidos do carbono (indicado pelo sombreado em azul) e o átomo de carbono torna-se progressivamente mais oxidado. Nas condições presentes no interior das células, cada uma dessas etapas é energeticamente favorável. CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 57 As enzimas diminuem as barreiras da energia de ativação que impedem reações químicas Considere a reação papel + O2 n fumaça + cinzas + calor + CO2 + H2O Após a ignição, o papel queima facilmente, dissipando para a atomosfera a energia como calor e água e o dióxido de carbono como gás. A reação é irreversível porque a fumaça e as cinzas nunca vão recuperar espontaneamente água e dióxido de carbono da atmosfera aquecida e se reconstituírem novamente em papel. Quan- do o papel queima, a sua energia química é dissipada como calor. Não é perdida do universo, porque a energia não pode ser criada ou destruída, mas, sim, irremediavel- mente dispersa na caótica movimentação cinética das moléculas. Ao mesmo tempo, os átomos e as moléculas do papel ficam dispersos e desordenados. Na linguagem da termodinâmica, há uma perda de energia livre, isto é, a energia pode ser aproveitada para fazer trabalho ou para fazer ligações químicas. Essa perda reflete a redução da organização com que a energia e as moléculas estavam armazenadas no papel. Mais detalhes da energia livre serão discutidos brevemente, mas o princípio ge- ral é suficientemente claro para ser intuitivo: as reações químicas ocorrem somente na direção que leve a uma perda de energia livre. Em outras palavras, a espontaneidade da direção de qualquer reação é a direção que leva “morro abaixo”, sendo que uma reação “morro abaixo” é aquela que é energeticamente favorável. Embora a forma energeticamente mais favorável do carbono seja CO2, e a do hi- drogênio, H2O, os organismos vivos não desaparecem subitamente em uma nuvem de fumaça, nem este livro se consome repentinamente em chamas. Isso se deve ao fato de que as moléculas, tanto as dos seres vivos como as do livro, estão em estados relati- vamente estáveis e não podem passar ao estado de energia mínima sem que recebam certa dose de energia. Em outras palavras, uma molécula necessita de uma energia de ativação (um estímulo para poder ultrapassar uma barreira energética) antes de sofrer uma reação química que a leve a um estado mais favorável (Figura 2-21). No caso da queima do livro, a energia de ativação pode ser fornecida pelo calor de um palito de fósforo aceso. Para moléculas que estejam em solução aquosa no interior das células, esse salto energético é obtido por colisões energéticas aleatórias que tenham um grau de energia incomum, colisões que se tornam cada vez mais violentas conforme a tem- peratura aumenta. A química das células vivas é estritamente controlada porque o salto sobre a bar- reira energética é enormemente facilitado por uma classe de proteínas especializadas, as enzimas. Cada enzima liga-se com alta afinidade a uma ou mais moléculas denomina- das substratos e os mantêm em uma conformação que reduz em muito a energia de ati- vação da reação química que as moléculas de substrato ligadas podem sofrer. Qualquer substância que diminua a energia de ativação de uma reação é denominada catalisador. Os catalisadores aumentam a velocidade das reações químicas porque facilitam a ocor- rência de uma proporção muito maior de colisões ao acaso entre as moléculas ao seu re- dor e os substratos, com energias que ultrapassam a barreira de energia da reação, como Figura 2-21 O importante princípio da energia de ativação. (A) O compos- to Y (reagente) é relativamente estável, sendo necessário haver adição de energia para que seja convertido no composto X (produto), mesmo que X tenha um nível energético menor do que Y. Entretanto, essa conversão não ocorrerá a menos que o composto Y possa adquirir energia de ativação (energia a menos energia b) suficiente dos arredores para permitir que a reação o converta no composto X. Essa energia pode ser fornecida por meio de uma colisão inusitadamente rica em energia com outra molécula. Para a reação inversa, X n Y, a energia de ativação será muito maior (energia a menos energia c). Portanto, essa reação ocorrerá muito mais raramente. Energias de ativação são sempre positivas; observe, entretanto, que o total de mudança de energia para uma reação energeticamente favorável Y n X é energia c menos energia b, um número negativo. (B) Barreiras energéticas para reações específicas podem ser diminuídas por um catalisador, indicado pela linha marcada com d. As enzimas são catalisa- dores especialmente eficazes por reduzi- rem enormemente a energia de ativação das reações que elas executam. Energia de ativação para a reação Y X Via da reação não catalisada En er g ia t o ta l Y X a b A enzima diminui a energia de ativação para a reação catalisada Y X Via da reação catalisada por uma enzima En er g ia t o ta l Y X d b c c Reagente Produto Reagente Produto (A) (B) 58 PARTE I Introdução à célula ilustrado na Figura 2-22. As enzimas estão incluídas entre os catalisadores conhecidos mais eficazes; algumas são capazes de acelerar as reações por fatores de até 1014 ou mais. Elas permitem, assim, que reações que não poderiam ocorrer por outros meios ocorram rapidamente em temperaturas normais. As enzimas podem conduzir moléculas de substrato por vias de reações específicas Uma enzima não muda o ponto de equilíbrio de uma reação; a razão é simples: quando uma enzima (ou qualquer outro catalisador) diminui a energia de ativação da reação Y n X, ela também diminui a energia de reação de X n Y exatamente pelo mesmo valor (ver Figura 2-21). Assim, as enzimas aceleram as reações direta e reversa pelo mesmo fator, e o ponto de equilíbrio da reação não se modifica (Figura 2-23). Portanto, não im- porta o quanto uma enzima acelere a reação, ela não poderá mudar a direção da reação. Apesar da limitação acima, as enzimas conduzem todas as reações das células através de sequências, ou vias, específicas da reação. Isso ocorre porque as enzimas são, ao mesmo tempo, altamente seletivas e muito precisas. Elas geralmente catali- sam apenas uma determinada reação. Em outras palavras, elas baixam seletivamente a energia de ativação de apenas uma das várias reações químicas que os substratos ligados a elas podem sofrer. Dessa maneira, conjuntos de enzimas podem direcionarcada uma das diferentes moléculas de uma célula por uma determinada via de reação (Figura 2-24). O sucesso dos seres vivos é atribuído à capacidade que as células têm de produ- zirem muitos tipos de enzimas, cada uma com propriedades muito específicas. Cada enzima tem uma forma única, que contém um sítio ativo (um bolsão ou uma fenda) no qual apenas um determinado substrato pode se ligar (Figura 2-25). Assim como todos os outros catalisadores, as moléculas enzimáticas permanecem inalteradas após participarem de uma reação, de modo que podem atuar novamente por muitos Figura 2-22 A diminuição da energia de ativação aumenta muito a probabi- lidade de ocorrência de uma reação. A cada momento, uma população de mo- léculas idênticas de determinado substrato distribui-se em uma faixa de energia, con- forme mostrado no gráfico. Essas varia- ções de energia decorrem de colisões com moléculas das proximidades que fazem as moléculas oscilarem, vibrarem e girarem. A energia de uma molécula que sofre reação química deve exceder a barreira da energia de ativação da reação (linhas tracejadas). Na maioria das reações biológicas isso quase nunca é atingido sem que haja catálise. Mesmo na catálise enzimática, as moléculas de substrato devem sofrer uma colisão com determinada energia para reagirem (área sombreada em vermelho). Um aumento de temperatura aumenta o número de moléculas com energia sufi- ciente para superar a energia de ativação necessária para a reação. Entretanto, ao contrário do que ocorre na catálise enzi- mática, esse efeito não é seletivo e todas as reações são aceleradas (Animação 2.2). Energia necessária para que ocorra uma reação química catalisada por enzima Energia necessária para que ocorra uma reação química não catalisada Moléculas com energia média Energia por molécula N ú m er o d e m o lé cu la s X Y X Y REAÇÃO NÃO CATALISADA NO EQUILÍBRIO (A) (B) REAÇÃO CATALISADA POR ENZIMA NO EQUILÍBRIO Figura 2-23 As enzimas não mudam o ponto de equilíbrio das reações. As enzimas, assim como qualquer catalisador, aceleram a velocidade das reações, tanto no sentido direto como no sentido inverso, pelo mesmo fator. Consequentemente, tanto para a reação catalisada quanto para a reação não catalisada mostradas aqui, o número de moléculas que sofrem transição X n Y é igual ao número de moléculas que sofrem a transição Y n X quando a relação entre o número de moléculas de Y e de X for de 3 para 1. Em outras palavras, as duas reações atingem o equilíbrio exatamente no mesmo ponto. CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 59 e muitos ciclos. No Capítulo 3, o funcionamento das enzimas será discutido em mais detalhes. Como as enzimas encontram seus substratos: a enorme rapidez dos movimentos das moléculas Uma enzima normalmente catalisa uma reação por cerca de mil moléculas do substra- to a cada segundo. Isso significa que ela deve ser capaz de ligar uma nova molécula de substrato em frações de milissegundo. Entretanto, tanto as enzimas como os seus subs- tratos estão presentes nas células em um número relativamente pequeno. Como, então, enzima e substratos se encontram tão rapidamente? A rapidez da associação é possível porque, no nível molecular, o movimento causado pela energia cinética é muito veloz. Essa movimentação molecular pode ser classificada em três tipos: (1) o movimento de uma molécula de um lugar a outro (movimento de translação), (2) o rápido movimento para a frente e para trás de átomos que estejam ligados de forma covalente, um em re- lação ao outro (vibração), e (3) rotações. Todos esses movimentos são importantes para que as superfícies das moléculas que interagem fiquem unidas. As velocidades desses movimentos moleculares podem ser medidas por diversas técnicas espectroscópicas. Uma molécula de uma proteína globular grande cai constan- temente, girando ao redor do seu próprio eixo cerca de 1 milhão de vezes por segundo. As moléculas também estão em constante movimento translacional, o que faz elas ex- plorarem o espaço intracelular com muita eficiência, pois ficam vagando pelo interior da célula – esse processo é denominado difusão. Dessa maneira, a cada segundo, cada uma das moléculas de uma célula colide com um número enorme de outras moléculas. Uma vez que as moléculas presentes em um líquido colidem umas com as outras e rico- cheteiam, seus percursos terminam por ser uma trajetória aleatória (Figura 2-26). Nessa trajetória, a distância média que cada molécula viaja (como uma “mosca zanzando”) a partir de seu ponto de partida é proporcional à raiz quadrada do tempo envolvido. Isto é, se uma molécula leva 1 segundo para se deslocar uma média de 1 μm, leva 4 segundos para se deslocar 2 μm, 100 segundos para se deslocar 10 μm, e assim por diante. O interior das células é bastante congestionado (Figura 2-27). Mesmo assim, expe- rimentos nos quais marcadores fluorescentes e outras moléculas marcadas foram injeta- dos em células mostram que as moléculas orgânicas pequenas difundem-se através do gel aquoso do citosol praticamente tão rápido quanto na água. Uma molécula orgânica pequena, por exemplo, leva apenas cerca de um quinto de segundo, em média, para di- fundir-se a uma distância de 10 μm. A difusão é, portanto, uma maneira eficiente que as moléculas pequenas têm para se moverem a distâncias limitadas no interior das células (uma típica célula animal tem um diâmetro de 15 μm). Figura 2-24 A catálise enzimática direciona moléculas de substrato através de uma via específica de reações. Uma molécula de substrato (esfera verde) em uma célula é convertida em uma molécula diferente (esfera azul) através de uma série de reações catalisadas por enzimas. Como está indicado (quadros amarelos), em cada etapa várias reações são energeticamente favoráveis e cada reação é catalisada por uma enzima diferente. Assim, conjuntos de enzimas determinam com precisão a via de reação tomada pelas moléculas presentes no interior das células. En er g ia Molécula A (substrato) Molécula B (produto) Complexo enzima-substrato Complexo enzima-produto CATÁLISE EnzimaEnzima Sítio ativo Figura 2-25 Como as enzimas funcionam. Cada enzima tem um sítio ativo ao qual se ligam uma ou mais moléculas de substrato, formando um complexo enzima-substrato. A reação ocorre no sítio ativo e produz um complexo enzima-produto. O produto é, então, liberado, possibilitando que a enzima se ligue a novas moléculas de substrato. 60 PARTE I Introdução à célula Uma vez que, em uma célula, as enzimas movem-se mais vagarosamente do que os substratos, pode-se considerar que elas estejam paradas. A proporção de encontros de cada molécula de enzima com seus substratos depende da concentração de molécu- las do substrato nas células. Por exemplo, alguns dos substratos mais abundantes estão presentes em concentrações de 0,5 mM. Como a concentração da água pura é 55,5 M, há apenas uma dessas moléculas de substrato nas células para cada 105 moléculas de água. Mesmo assim, o sítio ativo de uma molécula de enzima que liga o substrato será bombar- deado com cerca de 500 mil colisões aleatórias desse substrato por segundo. (Para uma concentração de substrato dez vezes menor, o número de colisões diminui para 50 mil, e assim por diante.) Uma colisão aleatória entre o sítio ativo de uma enzima e a superfície correspondente de uma molécula que seja seu substrato em geral leva à formação de um complexo enzima-substrato imediatamente. Assim, uma reação pela qual uma ligação covalente é formada ou rompida pode ocorrer com extrema rapidez. Quando se percebe o quão rapidamente as moléculas movimentam-se e reagem, as velocidades das reações enzimáticas não parecem tão impressionantes assim. Duas moléculas que podem se manter unidas por ligações não covalentes também podem se dissociar. As muitas ligações não covalentes que essas moléculas formam en- tre si persistem até que a energia cinética aleatória faz elas se separarem.Geralmente, quanto mais forte for a ligação da enzima com seu substrato, menor será sua constante de dissociação. Ao contrário, quando duas moléculas em colisão tiverem superfícies que se encaixam mal, elas formarão poucas ligações não covalentes e a energia total de asso- ciação será desprezível em comparação com a energia cinética. Nesse caso, as duas mo- léculas dissociam-se tão rapidamente quanto se associam. É isso que evita associações incorretas e indesejadas entre moléculas que não se encaixam, como ocorre entre uma enzima e um substrato errado. A variação na energia livre da reação, ∆G, determina se ela pode ocorrer espontaneamente Embora as enzimas acelerem as reações, elas, por si mesmas, não podem fazer reações des- favoráveis ocorrerem. Fazendo uma analogia com a água, as enzimas por si mesmas não podem fazer a água “correr morro acima”. As células, entretanto, devem fazer exatamente isso para crescer e se dividir, pois devem construir, a partir de moléculas simples, moléculas altamente organizadas e energeticamente ricas. Veremos que isso é feito por meio de enzi- mas que acoplam diretamente reações energeticamente favoráveis, que liberam energia e produzem calor, a reações energeticamente desfavoráveis, que produzem ordem biológica. O que significa, para um biólogo celular, o termo “energeticamente favorável” e como é que isso pode ser quantificado? De acordo com a segunda lei da termodinâmica, o universo tende para a desordem máxima (maior entropia ou maior probabilidade). As- sim, uma reação química só pode ocorrer de forma espontânea se produzir um aumento líquido da desordem do universo (ver Figura 2-16). A desordem do universo pode ser ex- plicada mais convenientemente em termos de energia livre de um sistema. Esse conceito foi visto anteriormente. Energia livre, G, é uma expressão da energia disponível para realizar um trabalho, por exemplo, o trabalho que impele uma reação química. O valor de G interessa somente quando os sistemas passam por alguma variação, que recebe a notação ∆G (delta G). A variação de G é crucial porque, como está explicado no Painel 2-7 (p. 102-103), ∆G é uma medida direta da quantidade de desordem criada no universo quando a reação ocorre. As reações energeticamente favoráveis, por definição, são aquelas que diminuem a energia livre, ou, em outras palavras, têm um ∆G negativo e aumentam a desordem do universo (Figura 2-28). Distância final percorrida Figura 2-26 Trajetória aleatória. Em uma solução, as moléculas movem-se de maneira aleatória devido às constantes colisões com outras moléculas. Esse mo- vimento, como descrito no texto, permite que as moléculas pequenas difundam-se rapidamente de uma parte à outra da cé- lula (Animação 2.3). Figura 2-27 A estrutura do citoplasma. A ilustração foi feita em uma escala apro- ximada para enfatizar o quanto o citoplasma é congestionado. Estão mostradas ape- nas as macromoléculas: RNA em azul, ribossomos em verde e proteínas em vermelho. As enzimas e as outras macromoléculas difundem-se no citoplasma com relativa lentidão devido, em parte, ao fato de interagirem com um grande número de outras macromoléculas. As moléculas pequenas, no entanto, difundem-se tão rapidamente quanto o fazem em água (Animação 2.4). (Adaptada de D.S. Goodsell, Trends Bio- chem. Sci. 16:203–206, 1991. Com permissão de Elsevier.)100 nm CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 61 Um exemplo, em escala macroscópica, de uma reação energeticamente favorável é a “reação” pela qual uma mola que esteja comprimida relaxa até um estado expandido, liberando no ambiente, em forma de calor, a energia elástica que estava armazenada. Um exemplo em escala microscópica é a dissolução do sal em água. Consequentemente, as reações energeticamente desfavoráveis, com ∆G positivo, como aquelas nas quais dois aminoácidos são ligados para formar uma ligação peptídica, criam por si mesmas ordem no universo. Por conseguinte, essas reações só podem ocorrer se estiverem acopladas a uma segunda reação que tenha um ∆G negativo suficientemente grande para que o ∆G de todo o processo seja negativo (Figura 2-29). As concentrações dos reagentes influenciam a variação de energia livre e a direção da reação Como recém-descrito, a reação Y fn X irá na direção Y n X quando a mudança de energia livre (∆G) associada à reação for negativa, exatamente do mesmo modo que uma mola tencionada deixada por si própria relaxa, perdendo a energia que tinha armazenada, na forma de calor, para o ambiente. Nas reações químicas, entretanto, ∆G depende não so- mente da energia armazenada em cada uma das moléculas, mas também da concentra- ção de moléculas na mistura de reação. Observe que o ∆G reflete o grau pelo qual uma reação cria mais desordem; dito em outras palavras, leva a um estado do universo que é mais provável. Retomando a analogia com a moeda, é muito mais provável que uma moeda mude da posição “cara” para a “coroa” se o cesto de embaralhar moedas tiver 90 moedas na posição “cara” e 10 na posição “coroa”. Por outro lado, esse evento será muito menos provável se o cesto tiver 10 moedas na posição “cara” e 90 na posição “coroa”. O mesmo é verdadeiro para as reações químicas. Na reação reversível Y fn X, um grande excesso de Y em relação a X impelirá a reação na direção Y n X. Desse modo, quanto maior for a relação entre Y e X, mais ∆G torna-se negativo para a transição Y n X (e mais positivo para a transição X n Y). O quanto deve ser a diferença de concentração necessária para compensar um determinado decréscimo na energia de ligação química (e a liberação de calor que a acompanha) não é intuitivamente óbvio. Essa relação foi determinada no final do século XIX pela análise termodinâmica que possibilitou separar os componentes da variação de energia livre que dependem da concentração dos componentes que não dependem da concentração, como descrito a seguir. A variação da energia livre padrão, ∆G°, permite comparar a energética de reações diferentes Devido ao fato de, em determinado instante, ∆G depender da concentração das molécu- las presentes na mistura de reação, ele não é útil para comparar entre si as energias de diferentes tipos de reações. Para colocar as reações em bases comparáveis, é necessário que se utilize a variação da energia livre padrão da reação, ∆G°. O ∆G° é a variação de energia livre sob uma condição-padrão, definida como aquela na qual as concentrações de todos os reagentes são 1 mol/L. Definida dessa maneira, o ∆G° depende apenas das propriedades intrínsecas das moléculas reagentes. Para a reação simples Y n X, a 37 °C, ∆G° se relaciona com ∆G do seguinte modo: onde ∆G é expresso em quilojoule por mol, [Y] e [X] indicam as concentrações de Y e X em mol/L, ln é o logaritmo natural e RT é o produto da constante dos gases, R, pela temperatura absoluta, T. A 37 °C, RT = 2,58 J mol–1. (1 mol equivale a 6 × 1023 moléculas de substância.) O acúmulo de um grande volume de dados termodinâmicos possibilitou determi- nar a variação de energia livre padrão, ∆G°, das reações metabólicas importantes para as células. Com esses valores de ∆G°, combinados com informações sobre a concentração dos metabólitos e as vias de reações, é possível predizer de forma quantitativa o curso da maioria das reações biológicas. Y X A energia livre de Y é maior do que a energia livre de X. Portanto, ∆G < 0 e a desordem do universo aumenta quando a reação Y n X ocorre. Essa reação ocorre espontaneamente REAÇÃO ENERGETICAMENTE FAVORÁVEL Y X Essa reação poderá ocorrer apenas se estiver acoplada a uma segunda reação energeticamente favorável REAÇÃO ENERGETICAMENTE DESFAVORÁVEL Se a reação X n Y ocorresse, ∆G seria > 0 e o universo ficaria mais ordenado. Figura 2-28 Distinção entre reações ener- geticamente favoráveis e energeticamente desfavoráveis. ∆G positivo ∆G negativo A reação energeticamente desfavorável X n Y é impulsionada pela reação energeticamente favorável C n D porquea variação de energia livre do par de reações acopladas é menor que zero D Y X C Figura 2-29 Como o acoplamento de rea- ções é utilizado para fazer reações energe- ticamente desfavoráveis ocorrerem. 62 PARTE I Introdução à célula A constante de equilíbrio e o ∆G° podem ser facilmente derivados um do outro A equação anterior mostra que o valor de ∆G é igual ao valor de ∆Gº quando as con- centrações de Y e X são iguais. Mas, à medida que uma reação favorável continua ocor- rendo, as concentrações dos produtos aumentam e as concentrações dos substratos diminuem. Essa mudança nas concentrações relativas leva a um aumento gradativo de [X]/[Y], tornando o ∆G, inicialmente favorável, cada vez menos negativo (o logaritmo de um número x é positivo se x > 1, negativo se x < 1, e zero se x = 1). Por fim, quando ∆G = 0, o equilíbrio químico é atingido. Agora não há mudança líquida na variação de energia livre para impelir a reação em uma das direções, enquanto o efeito da con- centração balanceia o empurrão que ∆G° dá para a reação. O resultado é que, em uma situação de equilíbrio químico, a relação entre produto e substrato atinge um valor constante (Figura 2-30). Pode-se definir a constante de equilíbrio, K, para a reação Y → X como onde [X] é a concentração do produto e [Y] é a concentração do reagente no equilíbrio. Recordando que ∆G = ∆G° + RT ln [X]/[Y], e que ∆G = 0 no equilíbrio, observa-se que A 37 °C, onde RT = 2,58, o equilíbrio da equação é então: ∆G° = –2,58 ln K Figura 2-30 Equilíbrio químico. Quando uma reação atinge o equilíbrio, os fluxos de moléculas reagentes nos dois sentidos da reação são iguais e opostos. POR FIM, haverá um excesso de X em relação a Y grande o suficiente para compensar a baixa velocidade de X n Y, de tal forma que a cada segundo o número de moléculas de Y sendo convertidas em X é exatamente igual ao número de moléculas de Y sendo convertidas em X . Nesse ponto, a reação estará em equilíbrio. Quando as concentrações de X e Y forem iguais, [Y] = [X], a formação de X é energeticamente favorecida. Em outras palavras, o ΔG de Y n X é negativo e o �G de X n Y é positivo. Mas, devido às colisões cinéticas, sempre um pouco de X é convertido em Y. A conversão de Y em X ocorre com frequência. A conversão de X em Y ocorre com menos frequência que a transição Y n X porque requer colisões com energia maior. Y X X Y PARA A REAÇÃO ENERGETICAMENTE FAVORÁVEL Y n X, ASSIM, PARA CADA MOLÉCULA INDIVIDUALMENTE, NO EQUILÍBRIO, não há mudança líquida na relação entre Y e X, e o ΔG tanto para a reação direta como para a reação inversa é zero. Y X Portanto, a proporção de X em relação a Y aumenta com o tempo Y X CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 63 Convertendo essa equação do logaritmo natural (ln) para o mais usado logaritmo de base 10 obtém-se ∆G° = –5,94 log K A equação supracitada mostra como a razão de equilíbrio X para Y (expressa como constante de equilíbrio, K) depende de propriedades intrínsecas das moléculas (expressa em termos de ∆G° em quilojoules por mol). Observe que, a 37°C, para cada 5,94 kJ/mol de diferença na energia livre, a constante de equilíbrio é alterada por um fa- tor de 10 (Tabela 2-2). Portanto, quanto mais energeticamente favorável for uma reação, mais produto se acumulará se a reação se dirigir para o equilíbrio. Geralmente, para uma reação que tem vários reagentes e produtos, como A + B → C + D, As concentrações dos dois reagentes e dos dois produtos são multiplicadas porque a velocidade da reação direta depende de colisões entre A e B, e a velocidade da reação inversa depende de colisões entre C e D. Assim, a 37°C, onde ∆G° é expresso em quilojoule por mol e [A], [B], [C] e [D] indicam as concentrações dos reagentes e produtos em mol/litro. As variações de energia livre de reações acopladas são aditivas Foi ressaltado que reações desfavoráveis podem se acoplar a reações favoráveis para pro- mover reações não favoráveis (ver Figura 2-29). Isso é possível, em termos termodinâ- micos, porque a variação de energia livre total de um conjunto de reações acopladas é a soma das variações de energia livre de cada uma das etapas. Considerando, como um simples exemplo, duas reações em sequência X n Y e Y n Z onde os valores de ∆G° são +5 e –13 kJ/mol, respectivamente. Se essas duas reações ocorrerem sequencialmente, o ∆G° para a reação acoplada será –8 kJ/mol. Isso significa que em condições apropriadas a reação desfavorável Y n Y pode ser impulsionada pela reação favorável Y n Z, desde que essa segunda reação ocorra depois da primeira. Por exemplo, muitas reações da longa via que converte açúcares em CO2 e H2O tem valores de ∆G° positivos. Porém, mesmo assim a via ocorre porque o ∆G° total para toda a série de reações em sequência tem um enorme valor negativo. Para muitas finalidades, a formação de uma via sequencial não é adequada. Fre- quentemente, a via desejada é apenas X n Y, sem a conversão posterior de Y em outro produto. Afortunadamente, existem outras maneiras de uso de enzimas para acoplar reações. Essas maneiras geralmente envolvem a ativação de moléculas carreadoras, como será discutido a seguir. Moléculas carreadoras ativadas são essenciais para a biossíntese A energia liberada pela oxidação das moléculas dos alimentos deve ser armazenada tem- porariamente antes que possa ser canalizada para a síntese das várias outras moléculas de que a célula necessita. Em muitos casos, a energia é armazenada como energia de ligação química em um pequeno número de “moléculas carreadoras”, as quais contêm uma ou mais ligações covalentes ricas em energia. Essas moléculas difundem-se de for- ma rápida pela célula, carregando, assim, energias de ligação dos locais de geração de energia para locais onde a energia será utilizada para a biossíntese e outras atividades necessárias para as células (Figura 2-31). Esses carreadores ativados armazenam energia de uma forma facilmente inter- cambiável tanto como grupos químicos facilmente transferíveis como carreadores de elétrons em um estado de alto nível energético, e eles podem desempenhar um duplo TABELA 2-2 Relação entre a variação de energia livre padrão, ∆G°, e a constante de equilíbrio Constante de equilíbrio K Energia livre de X menos energia livre de Y [kJ/mol (kcal/mol)] 105 –29,7 (–7,1) 104 –23,8 (–5,7) 103 –17,8 (–4,3) 102 –11,9 (–2,8) 101 –5,9 (–1,4) 1 0 (0) 10–1 5,9 (1,4) 10–2 11,9 (2,8) 10–3 17,8 (4,3) 10–4 23,8 (5,7) 10–5 29,7 (7,1) Os valores das constantes de equilíbrio foram calculados para uma reação química simples (Y fn X), usando a equação apresentada no texto. ∆Go está indicado em quilojoules por mol a 37ºC e em quilocalorias por mol entre parênteses. Um quilojoule (kJ) é igual a 0,239 quilocalorias (kcal) (1 kcal = 4,18 kJ). Como está explicado no texto, ∆G° representa a di- ferença de energia livre sob condições-padrão (onde todos os componentes estão presentes na concentração de 1,0 mol/litro). A partir dessa tabela, pode-se verificar que se há uma variação de energia livre padrão (∆G°) de –17,8 kJ/mol (–4,3 kcal/mol) favorável para a tran- sição Y n X, haverá, no equilíbrio, mil vezes mais moléculas no estado X do que no estado Y (K = 1.000). 64 PARTE I Introdução à célula papel como fonte tanto de energia quanto de grupos químicos para as reações biossin- téticas. Devido a razões históricas, essas moléculas muitas vezes são chamadas de co- enzimas. As mais importantes dessas moléculas carreadoras ativadas são o ATP e duas moléculas intimamente relacionadas entre si, o NADH e o NADPH. As células usam car- readores de moléculas ativadas como se fossem uma forma de dinheiro para pagar por reações que, de outra forma, não poderiam ocorrer. A formação de um carreador ativado está acoplada a uma reação energeticamente favorável Os mecanismos de acoplamento requerem de enzimas e são fundamentais para todas as transferências de energia das células. A naturezadas reações acopladas está ilustra- da na Figura 2-32 por meio de uma analogia mecânica, na qual uma reação química favorável é representada por pedras que despencam de um penhasco. A energia das pe- dras que caem seria totalmente desperdiçada na forma de calor, gerado pela fricção das pedras ao atingirem o solo (ver diagrama do tijolo caindo na Figura 2-17). Por meio de um sistema cuidadosamente montado, entretanto, parte dessa energia pode ser usada para movimentar uma pá giratória, que levanta um balde (Figura 2-32B). Como agora as pedras só podem atingir o solo depois de acionar a pá, pode-se dizer que a reação energeticamente favorável da queda das pedras foi acoplada diretamente à reação ener- geticamente desfavorável de levantar o balde de água. Observe ainda que, como parte da energia foi usada para realizar um trabalho na Figura 2-32B, as pedras chegam ao solo com uma velocidade menor do que na Figura 2-32A e, assim, uma energia proporcional- mente menor é dissipada como calor. Figura 2-31 Transferência de energia e o papel dos carreadores ativados no metabolismo. Por atuarem como doadores e receptores de energia, essas moléculas carreadoras de energia desem- penham sua função como intermediárias que acoplam a degradação das moléculas dos alimentos e a liberação de energia (catabolismo) à biossíntese, que requer de energia, de moléculas orgânicas pequenas e grandes (anabolismo). Molécula de alimento Molécula de alimento oxidada ENERGIA ENERGIA CATABOLISMO ANABOLISMO Molécula de que a célula necessita Molécula disponível na célula Molécula de carreador ativado ENERGIA Reação energeticamente favorável Reação energeticamente desfavorável TRABALHO ÚTIL Calor Calor (A) (B) (C) Mecanismo hidráulico A energia cinética das pedras despencando é transformada apenas em energia térmica Parte da energia cinética é utilizada para levantar um balde de água e uma quantidade de energia proporcionalmente menor é transformada em calor A energia cinética potencial armazenada no balde de água levantado pode ser usada para impulsionar um mecanismo hidráulico que execute um trabalho útil Figura 2-32 Modelo mecânico que ilustra o princípio de acoplamento de reações químicas. A reação espontânea mostrada em (A) serve de analogia para a oxidação direta de glicose a CO2 e H2O, que produz apenas calor. Em (B), a mesma reação está acoplada a uma segunda reação. Essa segunda reação pode servir como uma analogia da síntese de molé- culas carreadoras ativadas. A energia que é produzida em (B) está em uma forma muito mais útil do que a produzida em (A), podendo ser utilizada para que ocorra uma variedade de reações que, de outra maneira, seriam energeticamente desfa- voráveis (C). CAPÍTULO 2 Bioenergética e química celular 65 Um processo semelhante ocorre nas células, onde as enzimas fazem o papel da pá giratória. Por meio de mecanismos que serão discutidos posteriormente neste capítulo, as enzimas acoplam reações energeticamente favoráveis (como a oxidação dos alimen- tos) com reações energeticamente desfavoráveis, como a geração de moléculas carrea- doras ativadas. Nesse exemplo, a quantidade de calor liberado nas reações de oxidação é diminuída por um valor exatamente igual à quantidade de energia armazenada nas ligações covalentes ricas em energia das moléculas carreadoras ativadas. E a molécula carreadora ativada recebe uma quantidade de energia que é suficiente para que uma reação química possa ocorrer em outro lugar da célula. O ATP é a molécula carreadora ativada mais amplamente utilizada A molécula carreadora ativada mais importante e versátil que as células possuem é o ATP (adenosina trifosfato). Exatamente da mesma maneira que a energia armazenada pela ele- vação do balde de água na Figura 2-32B pode ser usada para movimentar mecanismos hi- dráulicos dos mais diversos, o ATP funciona como um depósito conveniente e versátil, uma forma de moeda corrente de energia, usado para que uma grande variedade de reações químicas possa ocorrer nas células. O ATP é sintetizado em uma reação de fosforilação al- tamente desfavorável do ponto de vista energético, na qual um grupo fosfato é adicionado à ADP (adenosina difosfato). Quando necessário, o ATP doa certa quantidade de energia por meio de sua hidrólise, energeticamente muito favorável, formando ADP e fosfato inorgâni- co (Figura 2-33). O ADP regenerado fica, então, disponível para ser utilizado em outro ciclo de reação de fosforilação que forma ATP novamente. A reação energeticamente favorável da hidrólise do ATP é acoplada a muitas outras reações (que sem esse acoplamento seriam desfavoráveis), nas quais são sintetizadas outras moléculas. Muitas dessas reações acopladas envolvem a transferência do fosfato terminal do ATP para alguma outra molécula, como ilustrado na reação de fosforilação mostrada na Figura 2-34. Por ser o carreador ativado de energia mais abundante nas células, o ATP é a prin- cipal “moeda corrente”. Dando apenas dois exemplos, o ATP fornece energia para muitas das bombas que transportam substâncias para dentro e para fora das células (discutido no Capítulo 11) e ele dá energia para os motores moleculares que possibilitam que as células musculares contraiam-se e as células nervosas transportem materiais de uma a outra das extremidades dos seus longos axônios (discutido no Capítulo 16). A energia armazenada no ATP geralmente é utilizada para promover a ligação de duas moléculas Discutimos anteriormente a maneira pela qual reações energeticamente favoráveis podem ser acopladas a uma reação desfavorável, X n Y, possibilitando, assim, que ela ocorra. Nessa reação, uma segunda enzima catalisa a reação energeticamente favorável Y n Z, levando todo o X a ser transformado em Y. Entretanto, esse mecanismo não terá utilidade quando o produto necessário for Y e não Z. Figura 2-33 Hidrólise de ATP a ADP e fosfato inorgânico. Os dois fosfatos mais externos do ATP são mantidos ligados ao resto da molécula por ligações fosfoani- drido (anidrido fosfórico) de alta energia e que podem ser facilmente transferidas. Como indicado, a adição de água ao ATP pode formar ADP e fosfato inorgânico (Pi). A hidrólise do fosfato terminal do ATP produz entre 46 e 54 kJ/mol de energia utilizável, dependendo das condições intracelulares. O grande valor negativo do ∆G dessa reação provém de vários fatores: a liberação do grupo fosfato terminal remove a repulsão (desfavorável) entre car- gas negativas adjacentes, e o íon fosfato inorgânico (Pi) liberado é estabilizado por ressonância e pela formação (favorável) de ligações de hidrogênio com água. +H+ + O P O _ O P O CH2 ADENINA RIBOSE O O O _ P O _ O _ O _ O P O _ O P O CH2 ADENINA RIBOSE O O O _ P O _ OH O _ O Fosfato inorgânico (Pi) Ligações fosfoanidrido H2O ATP ADP 66 PARTE I Introdução à célula Geralmente, uma reação de biossíntese típica é aquela na qual duas moléculas, A e B, são ligadas produzindo A–B por meio de uma reação de condensação altamente desfavorável A–H + B–OH n A–B + H2O Existe uma via indireta que permite que A–H e B–OH formem A–B, na qual o aco- plamento da reação de hidrólise do ATP possibilita que a reação ocorra. Nesse caso, a energia da hidrólise do ATP é inicialmente utilizada para converter B–OH em um com- posto intermediário rico em energia que, então, reage diretamente com A–H, resultando em A–B. O mecanismo mais simples envolve a transferência de um fosfato do ATP para B-OH, produzindo B–OP–O3. Nesse caso, a via terá apenas duas etapas: 1. B–OH + ATP n B–O–PO3 + ADP 2. A–H + B–O–PO3 n A–B + Pi Resultado líquido: B–OH + ATP + A–H n A–B + ADP + Pi A reação de condensação, que é energeticamente desfavorável, é forçada a ocorrer porque está diretamente acoplada à hidrólise do ATP em uma via de reações catalisadas por enzimas (Figura 2-35A). Figura 2-34 Exemplo de reação de transferência de grupo fosfato. Essa reação é energeticamente favorável