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Morfologia Urbana e Desenho

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TEXfOS UNNERSrrÁRIOS DE CIÊNCIAS SOCIAIS EHUMANAS
 
.. 
MORFOLOGIA URBANA
 
EDESENHO DA CIDADE
 
I . 
José M. Ressano Garcia Lamas 
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FUNDAÇÃO CALOUSTE GULBENKIAN 
IUNDAÇAo PAlIA AatNCIA ( A nCNOlOGlA 
I MINISTtRlO DA C1tNCIA EDO ENSINO SUPERIOR . 
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Paulo
Text Box
1º Volume
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"Título: Morfologia Urbana e Desenho da Cidade 
Autor: José Manuel Ressano Garcia Lamas 
Edição: Fundação Calouste Gulbenkian 
Fundação para a Ciência e a Tecnologia 
Tiragem: 2000 exemplares 
Junho 2004 
Impressão e Acabamento: ORGALlmpressores - Porto 
Distribuição: Dinalivro - Distribuidora Nacional de Livros, Lda 
Audil - Distribuição de Livros e Material Audiovisual 
Depósito legal: 215921/04 
ISBN: 972-31-0903-4 
© Fundação Calouste Gulbenkian 'I 
IFundação para a Ciência e a Tecnologia , 
4
 
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1­
Este livro foi redigido com base no trabalho 
realizado para dissertação de Doutoramento 
em Planeamento Urbanfstico e apresentado em 
7989 na Fàculdade de Arquitectura da Univer­
sidade Técnica de Lisboa. 
5
 
,
INDICE 
PREFÁCIO - CARlOS DOS SANTOS DUARTE	 11
 
NOTA INTRODUTÓRIA À 2° EDiÇÃO	 13
 
I
 
~PARTE I INTRODUÇÃO	 17 
PARTE II A MORFOLOGIA URBANA	 35
 
2.1	 A MORfOLOGIA URBANA 37
 
2.2	 A fORMA URBANA 41
 
• FORMA ECONTEXTO	 46
 
• FORMA EFUNÇÃO	 48 -
• FORMA E FIGURA	 54
 
2.3	 PRODUÇÃO EFORMA DA CIDADE EPRODUÇÃO EfORMA DO
 
TERRITÓRIO 63
 
• O TERRITÓRIO COMO SUPORTE DA ARQUITECTURA	 63
 
• AlARGAMENTO DA NOÇÃO DE FORMA URBANA	 63
 
• A PAISAGEM COMO OBJECTO EST~TICO, A PAISAGEM COMO
 
ARQUITEGURA EA EST~"ICA DA PAISAGEM NATURAL 66
 
• FORMA URBANA EFORMA DO TERRITÓRIO	 70
 
2.4	 DIMENSÕES ESPACIAIS NA MORfOLOGIA URBANA 73
 
• DIMENSÃO SECTORIAL - A ESCAlA DA RUA	 73
 
• DIMENSÃO URBANA - A ESCALA DO BAIRRO	 74
 
• DIMENSÃO TERRITORIAL - A ESCALA DA CIDADE	 74
 
2.5	 OS ELEMENTOS MORfOLÓGICOS DO ESPAÇO URBANO 79
 
• O SOLO - O PAVIMENTO	 80
 
• OS EDIFiClOS - O ElEMENTO MfNIMO	 84 I
 
~ 
• O LOTE - A PARCELA FUNDIÁRIA	 86
 
• O QUARTEIRÃO	 88
 
• A FACHADA - O PLANO MARGINAL	 94 , 
• O LOGRADOURO	 98 --­
• O TRAÇADO, A RUA	 98
 
• A PRAÇA	 100
 
• O MONUMENTO	 102
 
• A ÁRVORE EA VEGETAÇÃO	 106
 
• O MOBILIÁRIO URBANO	 108
 
2.6	 EVOLUÇÃO DO TERRITÓRIO 111
 
• O DOMfNIO DAS TRANSFORMAÇÕES DO TERRITÓRIO	 112
 
• MECANISMOS DAS TRANSFORMAÇÕES DO TERRITÓRIO	 114
 
~2.7	 NlvElS DE PRODUÇÃO DO ESPAÇO 121
 
2.8	 URBANISMO EARQUITECTURA 125
 
(O DESENHO URBANO ENTRE O PlANEAMENTO EO PROJECTO DOS EDfFIClOS) 125
 
2.9	 EP(LOGO 129
 
7 
PARTE III fORMA DAS CIDADES EDESENHO URBANO AT~ AO PER(ODO MODERNO 131
 
3.1 A UÇÃO DO PASSADO 133
 
3.2 AMORFOLOGIA URBANA NA G~CIA EEM ROMA 139
 
• A FORMA DAS CIDADES GREGAS 139
 
• O DESENHO URBANO NA ROMA ANTIGA 144
 
• O QUARTEIRÃO GREGO EROMANO 148
 
3.3 A FORMA URBANA MEDIEVAL 151
 
• AS MURALHAS 152
 
152• AS RUAS 
• OS ESPAÇOS PúBLICOS - A PRAÇA EO MERCADO 154
 
• OS EDIFfClOS SINGULARES 154
 
• O QUARTEIRÃO MEDIEVAL 154
 
3.4 O DESENHO URBANO NO RENASCIMENTO ENO BARROCO 167
 
• AS FORTIFICAÇÓES 170
 
172• A RUA 
• O TRAÇADO RECTICULAR - A QUADRICULA 174
 
• A PRAÇA 175
 
• A FACHADA 177
 
• OS EDIFfClOS SINGULARES 179
 
• O MONUMENTO 184
 
• O QUARTEIRÃO 188
 
• OS QUARTEIRÕES DO BAIRRO ALTO 190
 
• OS QUARTEIRÕES DA BAIXA POMBALINA 190
 
• ESPAÇOS VERDES 194
 
• OUTRAS TIPOLOGIAS
 
(AS INVENÇÓES INGLESAS SO S~CULO XVIII - O «CRESCENT»
 
O «CIRCUS. EOcSQUAREII) 194
 
3.5 DESENHO DE FORMAS URBANAS NO SÉC XIX 203
 
• A CONTINUIDADE DO BARROCO EO APERFEiÇOAMENTO
 
DA CIDADE BURGUESA 203
 
• A DESTRUIÇÃO DAS MURALHAS ELIMITES DA CIDADE 204
 
• O SUBÚRBIO EA PERIFERIA 206
 
• A ESPECULAÇÃO FUNDIÁRIA SEM DESENHO URBANO 208
 
• UTOPIAS SOCIAIS 210
 
• EXPERIMENTAÇÃO URBANisTICA _. 210
 
• PARIS DE HAUSSMANN - TRAÇADOS BARROCOS EQUARTEIRÕES 212
 
• BARCELONA DE CERDÁ - EXTENSÃO DA QUADRICULA
 
ESUBVERSÃO DO QUARTEIRÃO 216
 
• AS A\'ENIDAS DE LISBOA DE RESSANO GARCIA - TRAÇADOS
 
BARROCOS EQUADR[CULAS 221
 
3.6 SINTESE - APRENDENDO NO PASSADO 227
 
PARTE IV A URBANfST1CA FORMAL 229
 
4.1 INTRODUÇÃO 231
 
• A DISCIPLINA URBAN[STICA - DO INICIO AO URBANISMO FORMAL
 
DE ENTRE AS DUAS GUERRAS 231
 
8
 
• SILÊNCIO SOBRE A TRADiÇÃO	 238
 
4.2	 OS TRATADISTAS DO INfclO DO SÉCULO XX 
EA VALORIZAÇÃO DO DESENHO URBANO	 249
 
• STUBBEN ECAMILLO SITIE	 249
 
• UNWIN - A PRÁTICA DO URBANISMO EDO DESENHO URBANO	 252
 
4.3	 A ESCOLA FRANCESA - URBANISMO FORMAL ETRADIÇÃO PARISIENSE 259
 
• TONY GARNIER EA CIDADE INDUSTRIAL	 268
 
• MARCEL POETE EA INVESTIGAÇÃO URBANA	 270
 
• AGACHE EO PLANO DE RIO DE JANEIRO	 273
 
4.4	 A URBANisTICA FORMAL PORTUGUESA 281
 
• FARIA DA COSTA EOS BAIRROS DE ALVALADE EDO AREEIRO	 284
 
4.5	 DA URBANfSTICA FORMAL AO NOVO URBANISMO 293
 
PARTE V CONFIGURAÇÃO EMORFOLOGIA DA CIDADE MODERNA	 295
 
5.1	 INTRODUÇÃO - A CIDADE MODERNA 297
 
• A QUESTÃO DO ALOJAMENTO (NOVAS TIPOLOGIAS CONSTRUTIVAS,
 
NOVAS FORMAS URBANAS) 300
 
• FUNCIONALISMO EZONAMENTO - A SIMPLIFICAÇÃO DOS PROBLEMAS 303
 
• A QUESTÃO FUNDIÁRIA - PARCElAMENTO ESOLO PÚBLICO	 304
 
• O FAScíNIO PELOS EDIFíCIOS ISOLADOS	 307
 
• RUPTURA COM A HISTÓRIA	 308
 
• OS	 NOVOS MATERIAS ETECNOLOGIAS 310
 
5.2	 ACIDADE·JARDIM, O IMPASSE EA IMPLANTAÇÃO DE RADBURN 311
 
5.3	 A «UNIDADE DA VIZINHANÇA» - A SOCIOLOGIA DESENHA A CIDADE 317
 
5.4	 AS EXPERI~NCIAS HABITACIONAIS HOLANDESAS - A REFORMA DO QUARTEIRÃO 323
 
5.5	 EXPERJ~NCIAS HABITACIONAIS NA EUROPA CENTRAL
 
- AS SIEDLUNGEN EAS HOFF 331
 
5.6	 A CIDADE DOS CIAM EDA CARTA DE ArENAS 337
 
• AS UNIDADES DE COMPOSIÇÃO DA CIDADE MODERNA	 338
 
• A CARTA DE ATENAS	 344
 
• OS CENTROS HISTÓRICOS EA CIDADE ANTIGA	 347
 
• O CONTROLO DO SOLO EA LIBERTAÇÃO MÁXIMA DO ESPAÇO LIVRE 348
 
5.7	 LE CORBUSIER - «A UNIDADE DE HABITAÇÃOll EA «CIDADE RADIOSA» 351
 
5.8	 A URBANfsTICA OPERACIONAL - A BUROCRACIA CONSTRÓi A CIDADE 361
 
• DAS	 IMPLANTAÇÕES RACIONAIS ÀPLANTA LIVRE 362
 
• A ESTÉTICA DO PLAN MASSE	 370
 
• O PREDOMíNIO DAS DISCIPLINAS NÃO ESPACIAIS NO PLANEAMENTO 372
 
• A URBANíSTICA OPERACIONAL EO PLANEAMENTO BUROCRÁTICO 376
 
PARTE VI O «NOVO URBANISMO»	 383
 
6.1	 INTRODUÇÃO - DO REPÚDIO DA CIDADE MODERNA AO NOVO URBANISMO 385
 
9
 
6.2	 AS CRITICAS TEÓRICAS À CIDADE MODERNA 391
 
• PIERRE FRANCASTEL E HENRI LEFEBURE	 391
 
• JANE JACOBS - A MORTE EA VIDA NAS GRANDES CIDADES AMERICANAS 392
 
• ALEXANDER - A CIDADE NÃo éUMA ÁRVORE	 394
 
6.3	 (RE)LEITURA VISUAL EESTÉTICA DO ESPAÇO URBANO 397
 
• GORDON CULLEN - A MORFOLOGIA EIMAGEM DA ESCALA DE RUA 397
 
• LYNCH EA IMAGEM DA CIDADE	 398
 
6.4	 REAUZAÇOES DIFERENTES E EXPERIMENTAÇOES NOS ANOS SESSENTA 403
 
6.5	 CRISE ECONÓMICA, GESTÃO URBANA
 
E VANTAGENS DOS ESPAÇOS TRADICIONAIS 417
 
6.6	 OS CENTROS HISTÓRICOS (REVALORIZAÇÃO E DESCOBERTA DA CIDADE ANTIGA) 419
 
6.7	 ROSSI EA cARQUITECTlIRA DA CIDADE» 423
 
6.8	 ROBERT KRIER EO «ESPAÇO DA CIDADE» 427
 
6.9	 CULOT E LA CAMBRE DE BRUXELAS - RADICALMENTE NO PASSADO 433
 
6.10 TEND~NCIAS ACTUAIS	 439
 
• O «NOVO URBANISMO»	 439
 
• O IBA EM BERLIM	 442
 
• UMA EXPERI~NClA FRANCESA: A ZAC GUILLEMINOT	 446
 
• O «NOVO URBANISMO» EM PORTUGAL	 452
 
6.11 EXPERJ~NCIAS E REAlIZAÇOES PESSOAIS	 465
 
• O PLANO DA TRAFARIA·COSTA DA CAPARICA	 469
 
• O PLANO DO MARTIM MONIZ	 471
 
• ESTUDO DO ALTO DO PARQUE EDUARDO VII	 479
 
• PLANEAMENTO EM PONTA DELGADA· ILHA DE S. MIGUEL, AÇORES 481
 
• PLANEAMENTO DA CIDADE DA HORTA· ILHA DO FAIAL, AÇORES	 493
 
• PLANOS DE CENTROS HISTÓRICOS. TAVIRA· MOURA· PONTE DA BARCA 501
 
• PLANO DIRECTOR DA EXPO 98	 509
 
• PLANO DE PORMENOR DO MQUARTEIRÃO DA GARAGEM MILITAR" EM LISBOA 519
 
• PLANO EM PORMENOR EORDENAMENTO DO RECINTO DAEPAL NOS OLIVAIS 523
 
• PROJECTO DE VALORIZAÇÃO DA CERCA DO CASTELO DE ÓBIDOS 527
 
PARTE VII CONCLUSÃO. DESENHO DA CIDADE 533
 
NOTAS À PARTE I 542
 
NOTAS À PARTE" 543
 
NOTAS À PARTE III 549
 
NOTAS À PARTE IV 555
 
NOTAS À PARTE V 559
 
NOTAS À PARTE VI 565
 
INDICE BIBLIOGRÁFICO DAS FIGURAS 575
 
BIBLIOGRAFIA 581
 
10
 
PREFÁCIO
 
A redacção deste prefáciofoi para mim ocasião de relembrar uma relação de ami­
zade e colaboração profissional já longa de anos, iniciada na Faculdade de Arqui­
tectura de Lisboa, onde eu e José Lamas éramos docentes, e continuada depois na so­
ciedade que formámos. Os Planos da Trafaria - Vila Nova - Costa da Caparica, do 
Martim Moniz, de Ponta Delgada e, mais recentemente, da EXPO 98, entre outros, e 
um número considerável de projectos de arquitectura, cobrindo programas tão varia­
dos como os de instalações escolares e centros de cultura, habitação e turismo, foram, e 
são, o dia-o-dia de uma relação de trabalho que se prolonga habitualmente num dis­
correr sem fim sobre arquitectura, que é, de resto, o «vfcio» conhecido da generalidade 
dos arquitectos. 
Curiosamente, esta proximidade diária não impediu uma certa sensação de surpre­
sa quando li este livro pela primeira vez. Surpresa misturada com familiaridade, porque 
muitas ideias ali expostas, e agora ordenadas num todo coerente, tinham sido objedo 
de conversas e discussão ocasional entre ambos. 
O livro surge numa altura em que se verifica um novo interesse dos arquitectos pelos 
problemas do Urbanismo e pelo estudo de matérias que lhe são próprias, manifestado 
na realização de colóquios e reuniões de vária fndo/e e na publicação, aqui e ali, de 
textos e projectos recentes. 
Neste renascer de interesse pela cidade e o urbanismo em Portugal, este livro é um 
acontecimento de relevo a assinalar. Ele trata do desenho da cidade do Ocidente euro­
peu ao longo da História, e, nesse processo, José Lamas vI a cidade como lugar carre­
gado de marcas, sinais e sfmbolos de culturas do passado e do presente que exigem co­
nhecimento e reflexão séria por parte daqueles que hoje intervêm na sua construção. 
Por isso, este livro se inscreve numa linha de pensamento que tem os seus antecessores 
ilustres em homens como Camillo Siffe, Geddes, Mumford ou Marcel Poête. O que é di­
zer muito. 
Mas, como arquitecto, o que lhe interessa prioritariamente investigar é a morfol,'gia 
da cidade e a história da forma urbana, onde pretende encontrar razões e justificações 
últimas para as concepções que perfilha. «A cidade não é um produto determinista de 
contextos económicos, polfticos e sociais», afirma, em certa altura, e, nesta perspectiva, 
acentua a contribuição especrfica dos arquitectos através do desenho urbano. Eisto é 
feito num estilo vivo, directo, e de fácil leitura, mas não isento de paixão nas posições 
que assume. 
11
 
o livro foi amadurecido e rédigido numa altura em que a prática do urbanismo ra­
cionalista tinha atingido a ex~ustão e em que se verificavam 'eituras revivalistas dos 
modelos passados do Renascimento, do Barroco e do Neoclássico, na generalidade 
dos casos em termos de grande superficialidade e ligeireza. 
Consciente disso, José Lamas procura explicar o porquê da actualidade de determi­
nadas tipologias urbanas do passado e filia a sua permanência em razões de cultura e 
vivência social no mundo de ho;e. O que consegue com razoável êxito. Mais controver­
sa será a sua análise da contribuição do Movimento Moderno para a forma da cidade, 
apesar da ob;ectividade de que se reclama. Mas será posslvel ser-se completamente 
ob;ectivo em matéria como esta' 
O livro dirige-se a toda a gente, mas, naturalmente, os mais interessados serão os 
arquitectos e estudantes de arquitectura, que aqui encontrarão larga matéria de infor­
mação e discussão te6rica. Ele contribuirá de certeza para torná-los mais conscientes 
do seu papel na construção da cidade. Eda alta responsabilidade de que se reveste es­
sa intervenção. 
Carlos Duarte 
Prof. Arquitecto 
12
 
NOTA INTRODUTÓRIA À 2° EDIÇÃO 
A 2° edição deste livro, ocorrida mais de 10 anos após a sua escrita, levanta 
algumas quest6es de oportunidade que não desejaria esconder. 
Em primeiro lugar, a larga procura que a primeira edição terá tido em Portugal, 
essencialmente nos meios universitórios, nas Escolas de Arquitectura e Urbanismo, 
sem que pra'ticamente tivessem sido feitas recens6es, criticas, referincias escritas 
ou publicidade. Os 3.000 exemplares da primeira edição esgotaram-se em apenas 
3 anos (de 1995 a 1998). O que para o autor seró gratificante, é também uma 
inquietação pela maior responsabilidade no confronto com a opinião e formação 
dos leitores. Neste contexto é também de constatar o apoio bibliogrófico que o 
trabalho tem constituído nas disciplinas de Desenho Urbano ou às dissertaç6es de 
Mestrado e DO.utoramento em problemas afins nas Universidades Portuguesas. 
Em segundo lugar, questiona-se a actualidade das ideias e reflex6es expostas. 
10 anos é algum tempol Tempo suficiente para que muita coisa se passasse no 
Urbanismo europeu e acontecesse em Portugal. Tempo que jó permite olhar para trás, 
com o distanciamento clarificador que esbate o pormenor e acentua o essencial. 
Em terceiro lugar, a procura continuada (após esgotar-se a 1a edição) cons­
tituiria quase um dever de informação aos estudantes e estudiosos do Desenho 
Urbano no final do séc. XX e inicio de um novo milénio. Quanto mais não seja, a 
efeméride suscita e acende esperanças de um mundo melhor - neste tema, 
melhores cidades e cidades melhoradas pelo Desenho. 
Por outro lado, atrevo-me a pensar que as experiências urbanísticas da década 
de noventa na Europa e em Portugal não contradisseram significativamente ou 
anularam as reflexões e ideias do trabalho. 
De facto, quem desenha a cidade tem hoje um léxico vasto, eventualmente 
ecléctico, de formas urbanas e modelos ao seu dispor. Novas relaç6es entre 
espaços construídos e espaços livres vão sendo procuradas. Registo o contributo da 
paisagística e do desenho dos espaços verdes com o aparecimento de novos 
jardins e parques urbanos, sedor onde talvez mais contributos se t6m feito sentir 
com novos conceitos e propostas de evidente inovação e significado para a vida 
urbana. 
13
 
Generatiza-se o inter.sse pelo ttrranro :8 quoHfitaçOo dos espaços púhfieos,quer 
dcrs cidades consolidados, quer dos periférios degradados. A salvaguardo e valo­
'rilo'ção dos centros históritos torna-se consensual na convicção dos valores 
..,ac:ja~s '8 construtivos dosoMigos COtcOS urbotlOl. 
Consolidou-se em definitivo o alastraMento da cidode"emergeme", ditumdo-se 
,em dtversOli formas de habitet noterri'tório 'otravis dê t10VOS e ;melhcnes sistemas 
dt 'r'Clrt'sporte,.Finolmente., 'O' meios de cotnunicação ,estão :me$mo de fado ar..­
vt'ha_or urndos elementos fl.mdcunerlt. dGSsocá'edClde~ 'tom -trtlpac,tO'S uinda 
4~iM '. $istemàtizar na otliJp'ClÇÕO do territórto >tdN'enho das tidodel. 
Nfité 'cont-tXto, em Portugal, :8 'com o d'$lTtfme dGS 'di,rlM~i:ros 'wr.l.:1S" :po .. 
deritlt:JIt1é:O'AteÇároportu,nidades ,paTO fOier ,melhores t:tth.tdes 'e fazei ,melhor 'o 
cidade, -q1JéSth ~oraa 'q~",Il:Jrno 'pcn'ht dos ·arqu-ttee:tos 'e urbon~ se sente 'Cada 
V'e1mais ip\1)f~ndom8'nte môtivada. 'Ccmt&xto :em \1-ueo-pt1'rétt'm ticencicllt"lros 
especializados em urbanismo e desenho urbano e um renovado ínter~sse ,pelas 
'q"e&t6esurbO'r:u~'S. 
1'40SélJ todo, esteconjuntG de questõesjlilstific:ou ,prosseguir tom a ,reediçao da 
"Morfologia Urbana e Desenhóda Cidadê",. 
Justificou 'também que se ~mpri'rn;ssê oltumo revisão à 'parte final do tfobolho, 
essencialMente :no 'q'ue $e refere 6refle~odec()'rrente dos eJCperiênciaspessools e 
oulros 'Oc;~rrid(js ,nosúltjmos lO'an'os.. 
Ultirt1osa'nos nOs qua'is se t.m -afirmo'do l) 'omé2dlt1recimento $ôbre Q utilircaçôo 
das 10rmas urbanas 'do cidade tradidondle :do cidademodêrAo/ obrindo-se uma 
'Ire 'tlelétíta temperoda ;pelas ,;n:ft"'êlllcias i(hJs~rutivist(Js oe :um c&rto revNo1ismo 
,do MovimtmtoModérnono o-seNko Urbt!f1o. 
Toc1tJvio, 'se (I;n1.h)"nda 'd.$'(on$t'r~.iviS1G tem parecido lnttoduflt alguma 
'~ lftG$ ;pr~poslOs de Oes&tlho U~~ t~o "tifo 'lnois p1íJa 'Co~Jexidode 
,oftl'ecidCll 'na '$obrepo'lç6~ fe sistemCil$ 'g-eol'ftMl'icbS do crue ,'~aintrodoç&o :de 
verdodttfr<ls ;novos tom:ftrtGS ,de 'espaço 'o.rb<m'o Ol!l nC)$'modos de 'o :pr-oduzif.. 
iR.p&ti,ndo, 'C()lIífi~u'O V'ofida 'O ,dicotom'io rentre tnorioiJogtOu.rboMl da ddadé 
tr.iI'fJicl<)ntJ\, t'()m ,oSSéUS c::otlf~~t:Jo'$ ;con~tNtdGS e refaç60 iestreitQ ~.5I'àÇotOm os 
edl'ffdos,e a 'Cidade modema, com os seus ediflcios solt<)Snt) território, ;AiMlÜor 
generosidadt de espo.ço pijblito e a independência entre e,spoço· urbonQ, ec!if(clQS 
e ou.tfOS sittemo$ de CQmpcWç60 da· cidade. 
Continua vátida por M$O rotOO também o oportunidQde do conhecimento dO$ 
proceuos de foler c_de o do· estudo dQS formas u.rbQnQs c;:omo f.rram.."ta 
indi$peM6vel de des~bo urbanG. E justifico (1 oporiunidad, d,t "mo squndo.: 
~~ . 
Usboa., AbriV1999 
15
 
PARTE I
 
I
 
,., 
INTRODUÇAO
 
17
 
«Les lois
 
dê I'architecture
 
peuvent ,ir. comprile$ INTRODUÇÃO
 
d. tout I, motlde., 
V,OLllT.Lf.Duc 
Entretiens lur I'architectvre (1) Comecei este trabalho em 1974, no quadro do Douto­
ramento efectuado no Institut cJ'Aménagement Régional 
d'Aix~en·Provence. Atesé então apresentado (2) aborda­
va as mesmos questões cujo enunciado é por de mais sin.. 
gelo: como desenhar a cidade e qual a intervenção e o papel da arquitectura (e do ar.. 
qultecto) no desenho urbano e no processo de produção da cidade. 
Corno é natural, o trabalho de Aix-en..Provence seria influenciado pelo ambiente 
tultural e profissional desse período. Estava-se no início da década de $etenta e a insa­
tisfação crescente pelos resultados da cidade moderna motivava estudantes e profissio­
nais a procurarem uma saída paro a crise da urbanística e do pr6pria arquitectura. 
Uma quinzena de anos passou e os trabalhos e as experiências da minha vida pro­
fissionat permitiram encontrar resposta para muitas interrogações, desde então. Os 
anos como docente de Planeamehto Urbano e Projecto no Departamento de Arquitec­
tura da ESBAL e no Faculdade de Arquitectura da UTl serviram também pora aprofun. 
dare amadurecer ideias e aprender muitos coisas sobre a cidade. Nao é novidade que 
se aprende ensinando e que o arquitecto preciso de ultrapassar alguns anos de ttaba~ 
lho paro atingir as suas melhores capacidades. 
Também muitas experiências, realizações e acontédmentos se sucederam entretan­
to, através das quois muito se aprendeu. Mas também novas questões surgiram. 
Assim, desde 1974 até hoje, fui reflectindo sobre a mesma questão, ainda (e tolvel 
sempre) em aberto - O DESENHO DA CIDADE. Fui acumulando memórias, investiga­
ções, leituras, próticas e experiências pessoais e alheias. O temo, tão vasto quanto mo­
tivante, não cansoria. Quis falar balanço do que aprendi e reflecti. 
Recordo que, hó mais de vinte anos, os estudantes aprendiam a desenhar a cidade 
dispondo vias, edifrcios e manchas verdes no terreno, usando critérios de equilrbrio vo­
lumétrico nas regras abstractas do Plan Mosse. Sobre a folha de papel, traçavam vias e 
faziam volumes com sombras até encontrarem uma solucão de bom efeito gróflco.
I 
Aqualidade residia na originalidade das formos, na inovaçõo das soluções, através 
de regras um tonto abstractas, tantas vezes mais escult6rios, gráficas ou até ilusórias do 
que urbanísticas e espaciais... 
Exagerol As coisas não eram assim tão simples ou ligeiras... 
Havia regras de desenho e composição urbana para os volumes e os seus equilí­
brios; havia horror à simetria e aos eixos de composição; evitavam-se as formas que 
19
 
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L OHOITUOINAL! 
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Plon 
, I , I I t t I2 o lO.M. 
l-L Aformo humanizado do território - assentamento megalltico de Filifoso - Córsega 
1. Plano de conjunto. 2. Planto de pormenor dos monumentos este e oeste 
20 
lo t.~_. 
S.,.~/: ~:~ •..•...........- ..- "." _._- -.---.....
 
....- . 
•..1--•...__..... _..... ·········· 
1·2..Citania de Briteiros - Portugal. Plano efectuado segundo as escavações. Planta de caSas 
com vestlbulos e reconstituição oe um monumento funer6rio 
21 
evocassem qualquer cidade antiga, dássica ou barrocai exacerbava-se a imaginaçao 
para descobrir formas ainda não experimentadasl Cada qual exprimia, também, a sev 
temperamento e estados de alma. Etambém se copiavam os mestres modernos, se fo.. 
lheavam exemplos em revistas e publicações, e se estudavam as realizações da époco. 
Hoie, na mesma Escola, agora Faculdade, Qvtros estudantes lançam de imediato no 
papet formos geo.métricas de gran~e semelhança com ruos, praços e quarteirões, trQ.~ 
çam eixos e simetrias, organizam os edifrcio$ segundo regras da cultura urbana aduot 
num retorno evidente às composições tradicionais. . 
Entre estas duas práticas, processou-se umo importante mudança na maneira de 
entend~ O desenho urbano. 
Asimples constatação destas duas atitudes. implito uma profunda reflexão sobre (IS 
bases culturais que as apoiam - ou deveriam apoiar. Em ambos os casos não se trote::. 
de modas ou de virtuosismos superficiais, de feitios ou de caprichos no «pronto a V~.$tirlt 
dClt formas urbanas. 
Em primeiro lugar, devo ter presente que o detenho urbano exige um dominio pro,. 
fundo de duas áreas do conhecimento: o processo de forlTl(Jçao da ddade, que é histó­
rico e cultural e que se interliga às formos utilizadas no passado mais ou menos longín­
quo, e que hoie estão disponíveis como mater~is de trabalho do arquitecto urbemisto; e 
a reflexão sobre a FORMA URBANA enquanto obiectivo do urbanismo, ou melhor., en.. 
quanto corpo ou materialização da cidade capaz de determinar o vida humano em co~ 
munidade. Sem o profundo conhecimento da morfo~ogiQ urbana e da história da forma 
urbano, arriscam-se os arquitectos a desenhar a cidade segundo práticas superfidais" 
usando .feitios» sem conteúdo disciplinar.· . 
Areflexão e investigação sobre a forma urbana, pretendo dar o contrrbvto deste 
trabalho. Contributo de um profissional empenhado na s.ua prótica, dscando soluções e 
vivendo os problemas que hoje se colocam ao arquitecto urbanista - um prc.mssional 
que interroga e questiono o suo pratica, métodos e resultados do seu trabalho. 
Contributo também de um docente cuio cIJltura e formação constitui um corpo de 
conhecimentos que deve transmitir na Escola, corno o local da reflexão disciplinar. 
Mos, antes do mais, esta dissertação é um trabalho de arquitectura, o que quer di­
zer que Q arquitectura é um campo diiciplinar preciso, racionalmente construrdo ecom 
um significado bem definido. Aarquitectura sempre teve como obiectivos o criaçao do 
mais propkio ambiente à vida humana, e o seu contributo coloca-se (I diferente$ níveis 
- do interior de um café, às grandes composições urbanas -, sendo por isso mesmo, 
de difícil delimitação. Aarquitectura aparece na mais simples habitação rural, na ala­
meda de árvores alinhadas, nas grandes infra-estruturas ou em todos os factos cons­
trurdos quando as necessidades espadais do homem interpretam o sítio e procuram a 
harmonia ou a intenção estética. Aarquitectura é a arte de construir e u~rapassa a sim­
22
 
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1-3, Lisboa. Gravura de "Urbium Proecipuorum Mundi Theotrum Quintum." 
Georgio Braunio 1593 
23 
pies assemblagem lógica de elementos construtivos para traduzir a realidade humana 
como força criativa e voluntória. Nasceu com os primeiros assentamentos humanos, in­
separóvel da vida humana e da sociedade, como obra colectiva que tem a sua plena 
dimensão como facto urbano. Todavia a construção da cidade e a resotução da com­
plexidade dos problemas do ambiente humano exigem actualmente numerosasquali­
dades, múltiplos conhecimentos e a acção de indivíduos que, pelo seu saber e criativi­
dade, se tornam executantes de uma vontade colectiva, explicitando os espaços para 
essa vontade. 
O arquitecto faz da cidade um problema pessoal, para o qual contribui com as suas 
qualidades: o desenho e a sensibilidade ao sítio e ao contexto;a· criatividade e imagi­
nação; a capacidade de síntese, a visão global dos problemas. Contribui com um méto­
do de trabalho, uma técnica de concepção e de comunicação de ideias em relação com 
os processos de construção. Mas o arquitecto traz também uma experiência ligado ao 
presente e ao passado, os quais conhece da vivência da cidade, onde o material da 
História é uma fonte inesgotóvel de aprendizagem e de reflexão. A História ou o recur­
~. so a ela estó sempre presente no estirador e no processo de desenho, sem o rigor dos 
métodos históricos ou o sentido que da História tem o historiador, mas como realidade 
viva e campo de experiências nas quais se apoia a prótica profissional. 
Aarquitectura à escala urbana, enquanto desenho de cidade, defronta-se hoje com 
toda uma série de interrogações e até de dúvidas, de que são exemplos as diferentes 
alternativas surgidas do pós-guerra até aos nossos dias, em que ainda não se chegou a 
total acordo quanto às morfologias urbanas mais adequadas e a um consenso generaU­
zado sobre a forma ~a cidade. Estas dificuldades arrastam ainda as sequelas da ruptu­
ra criada pelo urbanismo moderno em relação à cidade tradicional e a dificuldade ou 
incapacidade que os arquitectos modernos revelaram em definir formas urbanas ade­
quadas à sociedade a que se destinavam. 
Adependência maior que o urbanismo e o desenho revelam em relação aos siste­
mas políticos e económicos, e o fracasso das tentativas de controlar a cidade como ob­
jecto finito - ou peça de arquitectura - concorreram também para a crise da urbanís­
tica, em parte desmotivando as energias criativas do desenho urbano e dando ao 
objecto arquitectónico isolado um excessivo grau de autonomia e importância no deba­
te profissional. . 
O reacender do interesse pela dimensão urbana da arquitectura, pelas relações en­
tre arquitectura e cidade, e pelo modo de formar cidades, tem sido um dos temas mais 
fecundos do debate arquitectónico dos últimos quinze anos. 
Aalternativa hoje presente entre objecto arquitectónico e desenho urbano colo­
ca a questão de saber se a organização do espaço urbano se pode resolver pela 
simples intervenção arquitectónica ou se exige um nível específico e autónomo de 
24 
.­
1·4. A infra·estrutura monumental constrói o território: auto-estrada directa Roma-Florença. 
Viaduto dei Paglia 
25 
projecto. Por outras palavras, poderá ainda existir autonomia da composição urbana' 
. Aprodução da cidade não pode ser entendida como um mero processo de distribuir 
edifícios no território, resolver problemas funcionais, ou criar condições para o investi­
mento económico. Antes do mais, o espaço habitado e construído pelo homem é maté­
ria de competência da arquitectura, e não de um somatório de disciplinas, de técnicas e 
de outras preocupações também necessárias. Assim sendo, como se' poderá introduzir 
no urbanismo a visão arquitectónica, estética e formal' 
Parto do prindpio de que a forma (física) do espaço é uma realidade para a qual 
contribuiu um conjunto de factores socioeconómicos, políticos e culturais. Sem dúvida 
que a economia, ou as condições sodoeconómicas de produção do espaço, se reflec­
tem profundamente na sua forma. Isto é muito importante. Mas a forma urbana é 
também, ou deverá ser, o resultado da produção voluntária do espaço. Entendo por 
voluntário um processo que, tomando em conta os objectivos de planeamento (econó­
micos, sociais, administrativos), os organiza e resolve utilizando os conhecimentos cul­
turais e arquitectónicos sobre esse mesmo espaço e materializando-os através da sua 
FORMA. 
Tal objectivo é mais ambicioso do que o mero funcionamento (mesmo que perfeito) 
da cidade e pretende criar um ambiente humanamente válido, através da expressão 
estética do espaço urbano. 
Esta atitude só pode provir da correcta intervenção da arquitectura na produção do 
meio urbano. Tenho implrcito que a natureza da concepção arquitectónica (e urbanísti­
ca) é essencialmente formal. As noções de Forma Urbana e Forma do Território são 
eminentemente arquitectónicas. Aarquitectura introduz no planeamento e no urbanis­
mo um objectivo fundamental: a construção da FORMA DO ESPAÇO HUMANIZADO. 
Éno processo de planeamento, que deverá ser contínuo, desde os objectivos e pro­
gramas até à construção de edifícios e infra-estruturas, que importa clarificar a inter­
venção da arquitectura e, por corolário, do arquitecto que a introduz. Seria demasiado 
contraditório que a disciplina sobre a qual vão desembocar desde o início todas as de­
cisões de planeamento se limitasse a só intervir no final do processo para formalizar ou 
desenhar os programas edecisões anteriores. 
Aprodução do espaço não pode ser unicamente resolvida pelos níveis da planifica­
ção regional e ur.bana e das realizações das construções. Aetapa intermédia do dese­
nho urbano é indispensável. De resto, tal etapa inicia-se nas opções de planificação e 
prolonga-se até à realização do edificado, constituindo um dos momentos essenciais da 
arquitectura. Trata-se, antes do mais e sem qualquer prejuízo dos outros objectivos do 
urbanismo, de contribuir com um método e disciplina de trabalho que permitirá melho­
rar e tornar esteticamente válido o produto do planeamento. 
Convirá ter presente a crítica sociológica e a demonstração de que nem todas as 
26
 
1·5. Plano de Olivais Norte, 1955·1958. GEU - Gabinete Estudos de Urbanização - CML. 
Pormenor do Plano de Olivais Sul. Arq.os Carlos Duarte e José Rafael Botelho - 1960. Os 
dois planos estão à mesmo escala 
27 
formas urbanas, têm igual potencial ou simplesmente o potencial tout court de engen­
drar a vida social. 
As formas não têm apenas a ver com concepções estéticas, ideológicas, culturais ou 
arquitectónicas, mas encontram-se indissociavelmente ligadas a comportamentos, à 
apropriação e utilização do espaço, e à vida e comunitária dos cidadãos. 
Esta questão coloca-se com grande acuidade na utilização das formas urbanas (se­
jam estas de blocos, torres, quarteirões ou contrnuos construrdos) e, na medida em que 
qualquer dessas formas influenciará diferentemente a vida social, no comportamento e 
bem-estar dos cidadãos. 
Nos últimos quinze anos, assistimos a uma profunda reviravolta no desenho da ci­
daqe, modificação profunda na produção arquitectónica, modificação [las metodolo­
gias de intervenção, nos temas e nos programas. 
As propostas desenhadas actualmente nas_Escolas, nos ateliers de arquitectos mais 
protagonistas, nada têm a ver com o que se passava nos anos sessenta. Aparentemen­
te, foi retomada a tradição da urbanrstica formal através da recuperação de elementos 
da cidade tradicional como a rua, a praça ou -o quarteirão, que, há duas décadas, pa­
reciam esquecidos e esmagados pelas proezas tecnológicas das megaestruturas, do ur­
banismo do plan masse e da planta livre. 
Efectivamente, a partir do inkio da década de setenta, o urbanismo e o desenho ur­
bano sofreram uma profunda revisão. Diga-se em boa verdade que, desde os anos ses­
senta, se iniciou a agonia da «cidade moderna. com as suas perversões posteriores. 
A preocupação com a FORMA URBANA - tanto estrutura física como funcional ­
passou a constituir o elemento dominante do projecto' urbano, enquanto, paralelamen­
te, novos conceitos, métodos e programas surgiram na prática urbanística. 
Todavia esta rejeição da cidade moderna foi tão apaixonada e emotiva quanto fora 
onos antes a condenação da cidade tradicional e da rue corridor feita por Le Corbusier 
e pelos CIAM. Quero com isto dizer que tanto num caso como no outro tais condena­
.ções não se apoiaram em reflexão crítica profunda. Recordo a frase de Fernando Mon­
tes «Aujourd'hui, la seule forme qui nous reste d'être modernes est d'appliquer à /'ar­
chitecture modeme les mêmes remedes qu'elle appliqua à /'académisme» (31. 
Parece-me algo inconsequente a condenação sem o juízo e a investigação. Posso 
aderir ao novo urbanismo, mas necessito de reflectir tanto sobre as propostas moder­
nas comosobre as tradicionais de cidade. Nessa ordem de ideias, longe de ter simplifi­
cado as coisas, «separando o bem do mal., ainda torno mais complexas as interroga­
ções... 
Hoje, desenhar a cidade e nela intervir é também compreender e conhecer a cidade 
antiga e a cidade moderna, as suas morfologias e processos de formação. Assim, fala­
rei de cidade antiga e de cidade moderna como modelos disponíveis na vasta gama de 
28
 
o 100 :100 MO _ _- ­
Iii'iiiiii~!~~$i'iiiiiii'~~·~!iiiiiiiil!........
 
~ Via pedonal 
Espacol públicos 5. Centro Cultural 10. Electricidade Nacional 
1. CÂmara de Deputadol 6, Piscina e patinagem lobre gelo 11. Ajuda r..iliar 
2. Complexo administrativo 7. Cinemas e centros comerciais 12. Correios 
3. Câmara Municipaf 8. Reparticão de Desenvolvimento 13. Palácio de exposições 
4. Armazóns (centro comercial) 9. Reparticio de Se9uranca Social 14. Parque (jarda) 
1·6. Plano do centro de Cérgy - Pontoise. Arredores de Paris - 1968-1970 
29 
1·7. Urbanismo operacional e o território sem forma. Cidade nova de Champigny 
sur Mame. Região de Paris. Vista aérea, 1968·1970 
30
 
hipóteses para o desenho da cidade contempor6nea. Modelos que importa conhecer 
em profundidade, tantos nas suas caraderrsticas morfológicas como nos processos cul­
turais e sociais da sua formação. 
O interesse pela fORMA URBANA teró de avaliar com objectividade os conteúdos 
da cidade moderna e da cidade tradicional, e só dessa avaliação poderão nascer pis­
tas para o desenho da cidade contempor6nea. Tais serão alguns dos objedivos deste 
trabalho. 
,efundamentalmente a dimensão frsica e morfológica da cidade que me preocupa, 
porque é essa a dimensão arquitectónica e a que melhor permite o entendimento cultu· 
ral da cidade. 
Esta abordagem do desenho da cidade dentro da disciplina. arquitectónica não 
invalida '~ue as formas urbanas dependam da sociedade que as produz e das condi· 
ções históricas, sociais, económicas e polrticas em que a sociedade gera o seu espaço e 
o habita, e o arquitedo o desenha. 
Porém nunca seró de mais reivindicar um determinado grau de autonomia para a 
produção arquitectónica. Acidade não é um simples produto determinista dos contex· 
tos económicos, polrticos e sociais: é também o resultado de teorias e posições culturais 
e estéticas dos arquitectos urbanistas. 
Todavia um primeiro grau de leitura da cidade é eminentemente frsico-espacial e 
morfológico, portanto espedfico da arquitectura, e oúnico que permite evidenciar 
a diferença entre este e outro espaço, entre esta e aquela forma, e explicar as carade­
rrsticas de cada parte da cidade. Aeste se juntam outros nrveis de leitura que revelam 
diferentes conteúdos (históricos, económicos, sociais e outros). Mas esse conjunto de 
leituras só é possrvel porque a cidade existe como fado frsico e material. Todos os ins· 
trumentos de leitura lêem o mesmo objecto - o espaço frsico, a fORMA URBANA. 
eesta leitura arquitedónica que me interessa e cuja validade procurarei provar, co· 
mo contributo para a prótica do desenho urbano. 
Retomo aqui o centro da polémica que nos últimos anos tem agitado o dêbate pro­
fissional - ca cidade como lugar de arquitectura e onde esta encontra o seu pleno sig­
nificado». A qualidade arquitectural da cidade não-pode ser entendida apenas pela 
realização de edifrcios, e não basta ao arquitecto a competência na realização das 
construções. Asua- eficócia reside justamente na capacidade de entender e confrontar. 
-se com os problemas do planeamento, através do desenho urbano. 
Confesso também que a obrigação académica de produzir uma dissertação consti­
tuiu uma oportunidade excelente de reAexão sobre este tema, ao qual tenho dado 
grande importtmcia na minha vida profissional. 
Num pars em que pouco se escreve sobre arquitectura, pareceu·me adequado que 
este trabalho pudesse ccnstituir um balanço e reflexão sobre os problemas do desenho 
31
 
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1·8. L'on Krier. Proposta para o concurlo de ordenamento de La Vil.ft., 1975 
32
 
1-9. Plano de Renovação Urbana do Martim Moniz - Lisboa. Arq.os Carlos Duarte e José la­
mas, 1980
 
33
 
e das morfologias urbanas. Tanto mais que sobre esta matéria são necessários estudos 
que ultrapassam a divulgação de opiniões pessoais ou o tratamento particular e disper­
so de variadas questões. ~ também meu objectivo que este trabalho possa ser acessível, 
didáctico e orientador da aprendizagem, académica e profissional. Porque se as meto· . 
dologias e técnicas do desenho urbano permitem traçar naturalmente quadrrculas, 
quarteirões, ruas e praças, não parece seguro que a tal desenho corresponda a ade­
quada reflexão disciplinar que a fundamente. 
Temos todos de saber porque riscamos e como riscamos, dentro de um campo disci­
plinar comum e global, que, por ser comum e global, permita, aqui e ali, os rasgos par­
ticulares da imaginação e da invenção. No mais, haverá que atingir um determinado 
grav de consenso, de unidade metodológica e cultural no desenho da cidade. . 
Tarefa bem difícil, na medida em que o desenho é também espelho e produto da 
cultura e da visão pessoal dos seus autores. Mas, por isso mesmo, necessita de assentar 
em alicerces comuns. Tarefa importante, porque se trata, afinal, de reflectir sobre o 
meio próprio do homem, a cidade, ou seja, a maior criação da humanidade. 
Para finalizar, não resisto à amarga tentação de registar a enorme distância entre 
as preocupações deste trabalho e a prática profissional no nosso País, onde os proble­
mas de urbanismo são encarados de modo disléxico e desinteressado. A urbanística 
portuguesa, parente pobre e distante da arquitectura (ela também não muito bem 
tratada), não tem estatuto, e pouco preocupa responsáveis, autarcas ou Governos. 
Quanto muito, é encarada como um mal necessário a que se recorre para organizar 
exigências de programas económicos, legitimar compromissos e permitir jogadas políti­
cas, especulações imobiliárias ou sórdidos negócios. Assim, pareceriam descabidas es­
tas questões na triste e feia realidade portuguesa, se não fora pensar na formação dos 
jovens arquitectos, nó inserção da cultura arquitectónica portuguesa e, finalmente, em 
nós, arquitectos, e em mim próprio, e na impossibilidade intelectual de escorraçar o sa­
ber e a cultura. 
Espero sinceramente que o produto deste trabalho possa frutificar na prática urba­
nística e no ensino, quanto mais não seja para permitir o debate, recordar factos, ligar 
hipóteses. 
Lisboa, Janeiro de 1990 
34
 
PARTE II
 
I
 
AMORFOLOGIA URBANA
 
35
 
,Une succession d'oventures d'ame c'est lo 
vie de lo cité. Mais le plein sens de lo vie ur· 2.1 AMORFOLOGIA URBANA 
boine ne souroit s'oquérir que si I'on distin­
gue 1'8tre urboin, qui constitue en soi I'ogré­
gat social qui compose essentiel/ement lo vil­
le, de lo forme urboine, outrement dit de o termo «morfologia. utiliza-se para designar o estu­
I'ensemble des voies, constructions et espa­ do da configuração e da estrutura exterior de um objec.. 
ces plontés por quoi lo vil/e s'offre m_otérie/· to. ~ a ciência que estuda as formas, interligando-as com 
lement à nos yeux. Or, c'est à 1'8tre qui os fenómenos que lhes deram origem (11.
s'oppliquent les lois biologiques. Lo fOlme 
A morfologia urbana estudará essencialmente os as­n'est que lo motiere inerte ou de lo verdure 
que 1'8tre o foçonnée ou élisposée et qui, pectos exteriores do meio urbano e as suas relaçõesrecr­
por conséquent, ne souroit se confondre procas, definindo e explicando a paisagem urbana e a 
ovec lui. Adéquate à ses besoins quond ii lo sua estrutura (21.
crée, el/e n'y co"espond plus qu'imporfoi­ O conhecimento do meio urbano implica necessaria­
tement quond ce sont les générations sui­
mente a existência de instrumentosde leitura que permi­vontes qui utilisent cette forme, conservée 
néomoins porce qu'il yo un fond permonent tam organizar e estruturar os elementos apreendidos, e 
dons I'être. A cette forme oncienne oinsi uma relação objecto-observador. Estes dois aspectos 
mointenue, viennent s'o;outer les formes defrontam-se com questões de objectividade na medida 
nouvel/es que ces générotions mettent ou em que dependem de fenómenos culturais. Um texto de 
;our et qui sant I'expression de nouveoux 
Cerasi elucida melhor esta questão:besoins qui leur sont proposés. Les généro­
tions successives qui composent I'être «Para descrever ou analisar a forma flsica de uma ci­
s'écoulent: c'est lo forme -qui reste - qui dade ou mesmo de um edifrcio, pressupõe-se já a existên­
nous rend opporente I'ôme urboine.• cia de um instrumento de 'eitura que hierarquize a impor­
tância dos diferentes elementos da forma. Assim, os fios 
MARCEL POtTE 
de eledricidade de uma rua não têm a mesma importân­Paris, son. évolution créotive (1938) 
cia na descrição do espaço frsico dessa rua como a altura 
dos edifícios, etc. Portanto, a leitura, mesmo querendo-se objediva, passa já por uma 
operação da cultura que selecciona os elementos, os hierarquiza e lhes atribui valo­
res.» (31 
O meio urbano pode ser objecto de múltiplas leituras, consoante os instrumentos ou 
esquemas de anólise utilizados. No essencial, os instrumentos de análise vão fazer res­
saltar os fenómenos implicados na produção do espaço. As inúmeras significações (41 
que se encontram ,no meio urbano e na arquitectura correspondem aos inúmeros fenó­
menos que os originaram. 
A leitura disciplinar, se bem que rica de conteúdos e esclarecimentos sobre o objec­
to, não o explicaró totalmente, quer na sua configuração quer no seu processo de for­
mação. Só o cruzamento de diferentes leituras e informações poderá explicar um ob­
jecto tão complexo como a cidade. No entanto, é frequente que, na produção das for­
mas urbanas, exista um fenómeno que seja determinante e, portanto que assuma maior 
37
 
preponderância em qualquer análise. De igual modo, o arquitecto, ao «produzir» o seu 
espaço, poderá dar maior 6nfase a este ou àquele aspecto, o qual se revelará mais evi­
dente em análise posterior. 
Nas cidades actuais, certas formas apenas revelam uma total sujeição do urbanis­
mo à rentabilidade do solo e à especulação fundiária. Adestruição da paisagem rural 
e urbana portuguesa efectuada nos últimos trinta anos revela, e bem, as condições cul­
turais, polrticas e sociais em que se projecta e se deixa construir em Portugal. Arenova­
ção imobiliária das «Avenidast em Lisboa revela com toda a evidência as condições de 
administração da capital e a ideia que da cidade e da gestão urbanística têm os seus 
responsáveis técnicos e polrticos. . 
Amorfologia urbana supõe a convergência e ÇI utilização de dados habitualmente 
recolhidos por disciplinas diferentes - economia, sociologia, história, geografia, arqui­
tectura, etc. - a fim de explicar um facto concreto: a cidade como fenómeno físico e 
construído. Explicação essa que visa a compreensão total da forma urbana e do seu 
processo de formação. Com imprecisão de linguagem, no calão arquitectónico, muitas 
vezes as palavras morfologia e forma são usadas indistintamente e sem diferenciação 
de significado. Importa clarificar que a morfologia urbana é a disciplina que estuda o 
objecto - a forma urbana - nas suas características exteriores, físicas, e na sua evolu­
ção no tempo. 
~ a justo trtulo que a morfologia urbana se inscreve nas áreas do urbanismo, da 
arquitectura e do desenho urbano. Nesse sentido, poderei defini·la pelo estudo dos 
factos construídos considerados do ponto de vista da sua produção e na relação das 
partes entre si e com o conjunto urbano que definem (51. 
Esta noção leva a clarificar essencialmente três pontos: 
• A morfologia (urbana) é o estudo da forma do meio urbano nas suas partes físicas 
exteriores, ou elementos morfológicos, e na sua produção e transformação no tem­
po. Todavia, é necessário sublinhar que um estudo morfológico não se ocupo do pro­
cesso de urbanização, quer dizer, do conjunto de fenómenos sociais, económicos e 
outros, motores da urbanização. Estes convergem na morfologia como explicação 
da produção da forma, mas não como objecto de estudo. 
•	 Um estudo de morfologia urbana ocupa-se da divisão do meio urbano em partes 
(elementos morfológicos) e da articulação destes entre si e com o conjunto que defi· 
nem - os lugares que constituem oespaço urbano (61. O que remete de imediato pa­
ra a nêCessidades de identificação e clarificação dos elementos morfológicos, quer 
em ordem à leitura ou análise do espaço quer em ordem à sua concepção ou produ­
ção. 
38 
•	 Um estudo morfol6gico deve necessariamente tomar em consideração os nfveis ou 
momentos de produção do espaço urbano. Nfveis esses que possuem, dentro da dis­
ciplina urbanrstico-arquitect6nica, a sua lógica pr6pria, articulada sobre estratégias 
polrtico-sociais. Um estudo morfológico deve também identificar 05 níveis de produ­
çõo da forma urbana e as suas inter-relações. 
Ao longo da História, esses ntveis foram, essencialmente, a formalização ou compo­
sição urbana, a que poderei chamar «desenho urbano), e a realização das constru­
ções. (O plano da cidade ou das suas partes e o projecto dos edifícios ou das diferentes 
construções.) 
Só mais recentemente surgiu outro ntvel: o da planificação e programação das 
quantidades, das utilizações (organização quantitativa e funcional) e das localizações, 
que, de um modo geral, precederó o desenho urbano. 
39
 
.... - ...~:':;::';;
·'·f ··..·.... ·4_. 
2-1. FORMA URBANA: Tavira no séc. XVI, segundo uma gravura da época, e planta da cidade 
no séc. XVIII 
40 
2.2 A FORMA URBANA 
o conceito mais geral de forma de um objecto refere-se à sua aparência ou configu­
ração exterior. Conceito que se pode apreender com facilidade e que faz parte da 
experiência quotidiana do Universo. Conhecemos os objectos e a sua forma. Mas tal 
conhecimento refere-se fundamentalmente a um instrumento de leitura - visual - ex­
terior que não revelará certamente todos os conteúdos da forma. A descoberta de ou­
tros conteúdos implica outros instrumentos de leitura. 
À morfologia urbana interessam, em primeiro lugar, os instrumentos de leitura ur­
banísticos e arquitecturais - partindo do princípio de que as disciplinas de concepção 
do espaço têm instrumentos de leitura que lhes são próprios: a leitura da cidade como 
facto arquitectural. 
Esta posição implica aceitar que a construção do espaço físico passa necessaria­
mente pela arquitectura (7). Então, a noção de «forma urbana» corresponderia ao meio 
urbano como arquitectura, ou seja, um conjunto de objectos arquitectónicos ligados· 
entre si por relações espaciais. A arquitectura será assim a chave da interpretação cor­
recta e global da cidade como estrutura espacial. Refiro o importante contributo de 
Rossi, particularmente esclarecedor das relações entre arquitectura e cidade: 
«A forma da cidade corresponde à maneira como se organiza e se articula a sua ar­
quitectura. Entendendo por 'arquitectura da cidade' dois aspectos: 'Uma manufactura 
ou obra de engenharia e de arquitectura maior ou menor, mais ou menos complexa, 
que cresce no tempo, e igualmente os factos urbanos caracterizados por uma arquitec­
tura própria e por uma forma própria'. Este é também o ponto de vista mais correcto 
para afrontar o problema da forma urbana, porque é através da arquitectura da cida­
de que melhor se pode definir e caracterizar o espaço urbano.» (8) 
Neste contexto, a arquitectura não pode s~r compreendida senão como uma parte 
da cidade, como um acontecimento submerso num sistema complexo de relações (es­
paciais e outras) com o resto do espaço urbanizado. 
A forma física é um dado real que predomina em qualquer descrição de uma cida­
de: Aix-en-Provence é diferente de Paris ou de Lisboa. O Cours Mirabeau é diferente 
dosCampos Elíseos ou da Avenida da Liberdade. A noção de «forma» aplica-se a todo 
o espaço construído em que o homem introduziu a sua ordem (9) e refere-se ao meio ur­
bano, quer como objecto de análise quer como objectivo final de concepção arquitec­
tónica. «O objectivo final da concepção é a forma.» (10) 
O urbanismo assumirá na concepção da forma do meio urbano todos os contributos 
41
 
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_ Itatlonn••nt • II •• II •• I'" "' 41' 
_ • .,aui 1tbru (101 natural) •• ~4'1. 
- authu lIlIpr1l. raltd.nthlh. 7,2 
- nCllllbra d. 101.I1IU 107 
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2.2. DIFERENTES FORMAS URBANAS relacionadas com os parâmetros urbanísticos e quantita­
tivos 
42
 
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2·3. Diferentes organizações espaciais do mesmo terreno, com diferentes densidades e ocupa­
ções do solo, segundo o FULHAM STUDY. 1e 2 - a mesma densidade de 260 hab/ha, com dife­
rente ocupação do 5010. Em 1, à maior libertação de solo corresponde maior altura de edifícios. 
3 e 4 - o mesmo terreno estudado respectivamente poro 380 hab/ha e 560 hab/ho 
43
 
das diferentes disciplinas e ciências que lhe estão ligadas. Aforma urbana é o resultado 
final dos problemas postos às disciplinas urbanística e arquitectónica (11). 
Énecessário ter sempre presente que tanto a arquitectura como o urbanismo são 
disciplinas criativas cujo fim é uma intervenção no espaço, transformando-o. 
Aconcepção arquitectural é essencialmente formal (121, ocupando-se não s6 da con­
cepção dos diferentes factos construídos, mas também da definição das ligações que 
podem existir entre as edificações e os lugares por elas definidos. O seu domínio 
caracteriza-se fundamentalmente pela concepção do meio que o homem habita. 
A «forma» surge como resposta a um problema espacial (retomo Alexander): 
«A forma é a solução do problema posto pelo contexto.» (13) Ou seja, a forma física 
torna-se o prQduto de uma acção e asolução de um problema. . 
Chegado a este ponto, poderei definir a forma urbana como: aspecto da realidade, 
ou modo como se organizam os elementos morfológicos que constituem e definem o es­
paço' urbano, relativamente à materialização dos aspectos de organização funcional e 
quantitativa e dos aspectos qualitativos e figurativos. Aforma, sendo o objectivo final 
de toda a concepção, está em conexão com o «desenho» (141, quer dizer, com as linhas, 
espaços, volumes, geometrias, planos e cores, a fim de definir um modo de utilização e 
de comunicação figurativa que constitui a «arquitectura da cidade». 
Esta noção é mais vasta do que a que tende a reduzir a forma apenas às caracterís­
ticas dos objectos que podem ser perceptíveis; e só pode ser totalmente compreendida 
utilizando a arquitectura como disciplina de análise, e concepção do espaço. 
Antes de continuar, devo clarificar certas noções utilizadas: 
•	 Aspectos quantitativos - Todos os aspectos da realidade urbana que podem ser 
quantificáveis e que se referem a uma organização quantitativa: densidades, superfí­
cies, fluxos, coeficientes volumétricos, dimensões perfis, etc. Todos esses dados quan­
tificáveis são utilizados para controlar aspectos físicos da cidade. 
•	 Aspectos de organização funcionai - Relacionam-se com as actividades humanas 
(habitar, instruir-se, tratar-se, comerciar, trabalhar, etc.) e também com o uso de 
uma área, espaço ou edifício (residencial, escolar, comercial, sanitário, industrial, . 
etc.), ou seja, ao tipo de uso do solo. Uso a que é destinado e uso que dele se faz. 
•	 Aspectos qualitativos - Referem-se ao tratamento dos espaços, ao «conforto» e à 
«comodidade» do utilizador. Nos edifícios, poderão ser a insonorização, o isolamen­
to térmico, a correcta insolação, etc., - e, no meio urbano poderão ser característi­
cas como o estado dos pavimentos, a adaptação ao clima (insolação, abrigo dos 
ventos e das chuvas), a acessibilidade, etc. Os aspectos qualitativos podem também 
ser quantificáveis através de parâmetros (os decibéis que medem a intensidade de 
conforto sonoro, o lux, como medida do conforto da iluminação, etc.) 1151. 
44 
122U+L.lC 
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-B~SE LEGAL 
P~OCESBO I, - .w":,,,__, l ~"4""" "MIA ;..; 
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_E&,RUTURA URBANA ~""..;,..... ............i~ eOM ....._s ..~........ _""...s .. . 
.....eo ......-.0 __ _~cJ~L (tauÃ, ,.....~, """""'--,~.);"""~~'-"'I_"_",I>&_"'_"_''''_De....JII'''_'''~'''LlL 
.~RE~ TOTAL (em~ _~JO. ;...~ESSIVEL 
~ NUMERO OE FOGO~"'...r~ 112000 ~~~VEL 
• NUMERO oe HABITANTES I 46 600 
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~ .• OEN!"~OAOE.n·, d~ ...abltantes/"'''l a70 
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~.:- NUMERO MEOIO OE PISOS _. i 3,1~_ 
-!._ c:OEF, OCUPACAO ~ SOLO I 0,32 
B ; INOICE OE CONSTRUCÁO 11.20 
-e-1~RA_U ~!:-~~~!~~~.!9AO~ _ _2: 
~~ RELA~e.~~~~~~_~.!P~~~. ~~U'~ • ~.~~ _ ~~~ ••• ~-, -... .ma,-ri." eH 
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tJí~ ,Jl4. v-4.N640 • ~""":c.o$ cA.trr.I~~~ 
2·4. Bairro de Alvalade, Lisboa - medição de parâmetros urbanlsticos, segundo o estudo For­
mas e Foctores do Crescimento Urbano de Lisboa, do Arq.o Isobel Costa, 1978 
45 
--
'­
•	 Aspectos figurativos - Os aspectos figurativos relacionam-se essencialmente com 
a comunicação estética. Retomarei este assunto mais tarde (16). 
Convém distinguir desde já aspectos qualitativos e estéticos, embora tenham uma 
órea d~ sobreposição. Os aspectos qualitativos não são necessariamente estéticoSi um 
ambiente com um alto grau estético não implica necessariamente uma boa comodida­
de. Em formas urbanas e arquitecturas do passado, encontramos um alto grau de in­
tenções estéticas, sem que o seu conforto e qualidade sejam assinaláveis. Inversamen­
te, certos espaços actuais podem ser de qualidade (existência de espaços verdes, pas­
seios limpos e cuidados, estacionamentos necessários, etc., mas sem que por isso mes­
mo tenham grande interesse estético. 
Aactual cidade antiga de Lisboa é um exemplo soberbo. Cidade degradada, a cair 
em ruínas, incómoda, cheia de passeios e vias esburacadas, sem as comodidades das 
capitais europeias, e, no entanto, desprende-se dela uma intensa e perturbante beleza. 
Recordo ACidade Branca, ofilme de Alain Tanner, em que Lisboa é de uma beleza trá­
gica e melancólica. Abeleza da ruína, o fasdnio da decadência, certamente incómoda 
e desqualificada, mas portadora de uma mensagem estética inconfundível, ultrapas­
sando o cenário e assumindo-se como protagonista. 
Fica uma interrogação que se aplica' mais às novas produções de espaço do que à 
análise do passado: até que ponto se pode falar de qualidade e conforto com ausência 
de intenções estéticas e vice-versa? Esta questão poderia originar outra investigação. 
Finalmente, chamo elementos morfológicos às unidades ou partes físicas que, asso­
ciadas e estruturadas, constituem a forma. Interessa estabelecer' quais os elementos 
morfológicos que são identificáveis tanto na leitura ou análise da cidade como no pro­
cesso (urbanrstico-arquitectónico) da sua concepção. 
Em primeiro lugar, os elementos morfológicos devem relacionar-se tanto com a es­
cala de análise como de concepção do espaço.Quero com isto dizer que não serão os 
mesmos, segundo se trate de uma rua, de uma praça, de um bairro ou de uma cidade. 
Discutirei esse assunto mais tarde (17). 
Interessará ainda acrescentar que a forma é um todo - são as leituras que a seccio­
nam e dela podem extrair ou evidenciar certos aspectos ou partes da sua estrutura. Efi­
co por aqUi. 
FORMA E CONTEXTO 
Qualquer forma deve satisfazer um conjunto de critérios que se designa geralmente 
por «contexto» (18). 
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. numero de fogos e número de prédios B. Tipologias habitacionais 
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C. Evolução dos aglomerados D. Coeficientes de ocupação do solo nos quarteirões da Trafaria 
2·5. Plano Geral de Urbanização do Trafaria - Vila Novo - Costa de Caparica, 1980. Análise 
dos formos urbanos no órea do plano: A- número de fogos e número de prédios. B- Tipolo· 
gias habitacionais. C - Evolução dos aglomerados. O- Coeficientes de ocupação do solo nos 
quarteirões do Trafaria 
47 
o contexto das formas arquitectónicas, ou urbanas, pode englobar tanto critérios 
funcionais como económicos, tecnológicos, jurídico-administrativos (por exemplo, as 
relações entre o parcelamento e as formas urbanos) ou critérios de natureza estética, 
arquitectónica. Amultiplicidade de critérios e a sua natureza heterogénea desaconse­
lham uma sistematização, a qual pouco adiantaria às questões aqui abordadas. . 
A«forma urbana» deve constituir uma solução para o conjunto de problemas que o 
planeamento urbanrstico pretende organizar e controlar. Éa materialização no espaço 
da resposta a um contexto preciso. Desde sempre o desenho da cidade teve de equa­
cionar o contexto a que deveria responder, e através da arquitectura. 
Ao longo da história do urbanismo, a variação dos contextos originou diferentes 
propostas de desenho urbano, mesmo utilizando elementos morfológicos idênticos. 
Entre as formas urbanas renascentista e barroca existem diferenças fundamentais 
que resultam de diferentes contextos históricos e culturais e das respostas fornecidas. 
Entre a perspectiva central, estática, da Renascença e d perspectiva dinâmica - do· 
efeito cénico teatral - do Barroco, existem dois mundos profundamente diferentes; 
Todavia os elementos morfológicos são semelhantes: rua e praça, edifrcios, facha­
das e planos marginais, monumentos isolados. As diferenças result~m do modo como 
esses elementos se posicionam, se organizam e se articulam entre si para constituir o es­
paço urbano. Neste caso preciso, as diferenças são ditadas antes do mais por diferen­
tes atitudes culturais. Esta será parte da explicação das formas. Amudança do contexto 
vai mudando as formas pela necessidade de resposta a situações diferentes. 
FORMA E FUNÇÃO 
Entre os critérios do contexto, as funções têm um relevo particular. Não seria sensa· 
to negar as relações entre forma e função (19) que existem em toda a concepção arqui. 
tectónica e que se podem observar na arquitectura e na 'cidade. Aforma terá de se re­
lacionar com a função de modo a permitir o desenvolvimento eficaz das actividades 
que nela se processam. Neste sentido se percebe facilmente que uma fábrica seja dife­
rente de uma habitação, ou um copo de uma garrafa. 
Adiscussão das relações entre a forma e a função é muito antiga e tem acompanha­
do a teoria da concepção arquitectónica. Ao longo da história, a importância e o grau 
de determinismo dessa relação tiveram variações profundas. 
Alberti (20), ao formular os prindpios da arquitectura, enuncia: a commoditas, rela­
cionando a função ligada a um programai afirmitas, a estrutura que depende da técni­
cai a voluptas, ou a qualidade formal, ou seja, a intenção estética. Posteriormente, 
48
 
2·6. Antigas formas usadas paro novos funções. OM. Ungers - Museu de Arquitectura 
Frankfurt. Fachada e axonométrica/corte. O temo do edifício dentro do edifício 
49
 
Mies Van der Rohe define a especificidade da arquitectura pelo «que é possrvel con'stru­
tivamente, o que é necess6rio à utilização e o que é significativo como arte. (211. 
Mas se os três prindpios básicos da arquitectura - a função, a construção e a arte 
- estão sempre presentes na arquitectura e na cidade, j6 o peso que cada um deles as­
sume no processo criativo pode sofrer variações entre duas posições extremas: 
Uma posição «funcionalista., segundo a qual uma forma frsica que corresponda lo­
gicamente aos problemas funcionais do contexto é bela, uma vez que a beleza é uma 
qualidade inerente a todo o sistema bem resolvido. Na prática, o significado expressi­
vo encontra-se na adequação da forma à função: FORM FOLLOWS FUNCTION (22) ­
a célebre expressão de Sullivan - resume com ênfase esta posição. 
O «antifuncionalismo» aceita que a concepção da forma seja ditada de modo inde­
pendente .por outros objectivos (nomeadamente estéticos), para criar a emoção ou o 
embelezamento da estrutura. 
Para o antifuncionalismo, as funções têm menor ou igual importância que outros cri­
térios do contexto. Exacerbando esta posição, Peter Blake escreveria FUNOION FOL­
LOWS FORM (23), ou seja, a pr6pria função também se adapta à forma - ou a mesma 
função pode coexistir e processar-se em formas diferentes. 
Em boa verdade, ambas os atitudes não são desprovidas de intenção estética. Mui­
to pelo contrário, significam processos diversos de atingir a perfeição arquitectónica. 
As atitudes do funcionalismo e do antifuncionalismo poderiam parecer bizantinos, 
se se esquecesse que têm dominado de modo explícito ou implícito o debate arquitectó­
nico e urbanístico nos últimos cinquenta anos. 
Até há cinquenta anos, a arquitectura e o urbanismo tinham sabido encontrar um 
equilíbrio sensato entre o utilitário e o artístico no relacionamento entre as formas e as 
funções. 
Todavia o Movimento Moderno contava no seu seio com muitos arquitectos funcio­
nalistas, para quem a função deveria assumir uma «feroz ditadura» sobre a forma. 
Uma tal atitude adaptava-se bem à estrutura intelectual racionalista. Funcionalismo e 
racionalismo combinavam na reacção contra as Beaux-Arts. Arte Nova e Artes Deco­
rativas. Estes três períodos estéticos, admitiam não s6 o ornato e a decoração, mas 
também que a organi~oção do edifício e da cidade fosse determinada por regras estéti­
cas como a simetria, o equilíbrio, métricas, ritmos e proporções, os efeitos cénicos e vi­
suais - todo um conjunto de manipulações que profanavam o despojamento ideológi­
co e formal defendido pelos racionalistas e funcionalistas. 
No cidade antiga, existia a mistura e a promiscuidade funcional. Haussman, em Pa­
ris, organiza os edifícios com utilizações diferentes por pisos - comércio no rés-do­
chão, a casa do comerciante na sobreloja, a famma burguesa nos primeiro e segundo 
andares, e assim por diante, até aos empregados nas águas-furtadas. O quarteirão al­
50
 
2·7. Adaptaçao de antigos formos o novos Funções. Restauro e adaptação do Colégio dos Jesur­
tos o Biblioteca Público e Arquivo de Ponto Delgado. Axonométric:a do novo conjunto 
51
 
bergava habitações, pequenos indústrias, artesanato, ateliers ecomércio, etc. Eo com­
plexidade funcional da cidade traduzia-se também pela sua complexidade formal. 
Écontra esta organização urbanística e arquitectónica que se erguem os arquitectos 
funcionalistas que vão influir o Movimento Moderno. 
Um texto de Bruno Taut sobre os caracteres do Movimento Moderno esclarece estas 
posições (24). Diz Taut: 
«, ... t •• t ••••••• '" •••••••••• t ••••••••• , •••••••••••••••••••••••• , •••••••••••••••••••••••••• 
«1. A primeira exigência de cada edifício é conseguir a melhor utilização possível. 
«2.	 Os materiais e sistema construtivos utilizados devem estar completamentesubor­
dinados a esta exigência primária. 
«3.	 A beleza consiste na relação directa entre o edifício e a finalidade, nas caracte­
rísticas adequadas dos materiais e na elegência do sistema construtivo. 
«4.	 A estética da nova arquitectura não reconhece qualquer separação entre facha­
da e planta, entre rua e pátio, entre frente e traseiras. Nenhum pormenor vale 
por si mesmo, senão que forma parte integrante do conjunto. O que funciona bem 
tem uma apresentação assim mesmo boa. Já não cremos que algo tenha um as­
pecto feio, quando funcione bem. 
«5.	 Também a casa, no seu conjunto, tal como os seus elementos, perde o isolamen­
to e a separação. Assim como as partes vivem na unidade dos relações redpro­
cas, o casa vive em relação com os edifícios que o rodeiam. A coso éo produto de 
uma disposição colectivo e social. A repetição não deve já considerar-se como um 
inconveniente que se deve evitar, mos, pelo contrário, constitui o meio mais im­
portante de expressão artístico. Poro exigências uniformes, edifícios uniformes, 
enquanto o anomalia fico reservado poro os casos de exigências singulares ­
quer dizer, sobretudo poro os edifícios de importância geral e social.• 
Mais tarde, o Carta de Atenas adopto idênticas posições. (251. O funcionalismo 
generalizo-se até ser facilmente adoptado, acabando numa verdadeiro obsessão que 
penetrou na linguagem e nas noções do quotidiano, determinando ,o gosto e o sentido 
estético o vários níveis. Os móveis são funcionais, e o vestuário, também. Qualquer 
equipamento, como os cinemas ou os teatros, etc., deve antes do mais, funcionar. Os 
critérios de avaliação dos projectos centram-se no funcion-amento do programa. A es­
tético funcionalista estende-se 00 desenho de interiores, à decoração, 00 desenho in­
dustriai, à modo e 00 vestuário, e impregno o cultura pelo e facilidade com que os seus 
conceitos e princípios puderam ser apreendidos e aplicados. O que antes fora estético 
de vanguarda, detentora do forço da mensagem inovadora, universalizo-se, torno-se 
acessível ao homem comum e como tal banalizo-se e é subvertida. 
O bom funcionamento torna-se por si só um item de qualidade. No vocabulário do 
52
 
quotidiano, «moderno» é sinónimo de funcional- nada é verdadeiramente «moderno» 
que não seja funcional. E«funcional» é sinónimo de qualidade. 
Cinquenta anos depois das palavras de B. Taut, a estética funcionalista, embora já 
abastardada, ainda é universalmente aceite pelo consumidor comum. Qualquer dono 
de obra pretenderá apenas, ainda hoje, que um edifício funcione bem (seja funcional), 
o que para ele ésuficiente, prescindindo da expressão de outros valores culturais da ar­
quitectura. No entanto, assimila sempre a beleza à boa resolução de um programa ou 
de um problema. 
A organização funcionalista das cidades anulou as considerações morfológicas. As 
relações quantitativas e distributivas, o zonamento e a atribuição de uma função exclu­
siva a cada parcela do território tornaram-se métodos universais do urbanismo, produ­
zindo cidades monótonas e pouco estimulantes - eventualmente com tudo arrumado 
no seu lugar, mas sem lugar para a surpresa, a complexidade e a emoção. 
As teorias funcionalistas encontraram no urbanismo um campo de aplicação facili­
tado. Para tal, muito contribuiu o simplismo das técnicas do zonamento, reduzindo a 
organização da cidade a uma distribuição lógica de zonas com programas específicos, 
facilitando a realização de edifícios, de preferência monofuncionais, repetitivos, fáceis 
de projectar e de executar. Se na cidade a aplicação e a utilização dos princípios fun­
cionalistas parece ter tido forte incidência, já na arquitectura de edifícios as coisas se 
passaram de modo diferente. Como Peter Blake observa em FORM FOLLOWS FUNC~ 
TlON (26), na arquitectura moderna a forma nem sequer segue verdadeiramente a fun­
ção, na medida em que muitos arquitectos continuaram a dar autonomia a outros valo­
res, relações espaciais, caracteres construtivos e estruturais. 
Em boa verdade, raro foi o arquitecto que praticou o funcionalismo em sentido es­
trito. A concepção seria dominada - e mais nos seus aspectos teóricos do que na práti­
ca do desenho - pelas preocupações de funcionamento. Todavia, em cada arquitecto, 
a forma foi tendo outros graus de autonomia. O funcionalismo foi, sem dúvida, uma 
teoria urbanística e arquitectónica, mas foi, antes do mais, uma estratégia da represen­
tação desenhada e construída. Na prática, traduziu-se mais pela imagem estética, grá­
fica e espacial do que por uma correlação exacta da forma com a função. 
A observação da arquitectura e da cidade permite, de resto, comprovar a fragilida­
de do funcionalisl11o dogmático, desmentindo as relações lineares de causa-efeito na 
relação forma-função. No seu conjunto, a cidade ea arquitectura apresentam uma di­
versidade de significações e de espaços que traduzem outros critérios, mais do que uma 
simples organização funcional. 
Por outro lado, uma mesma função pode existir convenientemente em formas distin­
tas, A reutilização de antigos edifícios tem permitido obter excelentes resultados no 
grau de utilização, significação estética e quantidade ambiental, tantas vezes maior do 
53
 
que em edifrcios projectados de raiz para o mesmo programa (271. De resto, a reutiliza­
ção de edifícios é já por si uma atitude não funcionalista. 
Os espaços em que tudo se encontra programado para cada função têm-58 revela­
do extremamente limitadores e pouco versáteis na utilizaç60, e tantas vezes de grande 
pobreza formal. 
Nas cidades, a fragilidade do funcionalismo é mais evidente. As funções dos centros 
urbanos evolurram, passando de lugares de defesa e de poder a lugares de cornércio, 
serviços e trocas culturais. Os seus espaços foram recebendo essas diferentes funções, 
sobrepondo-se com complexidade e dinâmica, bem permitido pela capacidade de res­
posta de traçados e formas urbanas à modificação funcional. 
O entendimento destas questões posso certamente por um equilrbrio de bom-senso. 
A função é um dos critérios do contexto, entre tontos outros, com o importância e a 
hierarquia própria dada pela visão cultural subjacente à concepção arquitectónica e 
urbanística. Tem certamente um estatuto de necessidade, mas nõo de suficiência, dado 
que também pode ser manipulada com maior ou menor liberdade. 
A concepçõo da forma não se esgota na correspondência a uma ou mais funções. 
Tem também motivações mais complexas e profundas - culturais e estéticas. 
Como Scrutton, diria que «a ideia de função de um ediBcio está longe de ser clara, nem 
está claro como é que determinada função deve ser transferida para uma forma arquitec­
tural. O que podemos dizer - declinando alguma teoria estética mais adequada - é que 
os edifícios têm usos e nõo deviam entender-se como se os nõo tivessem» (28). 
A cidade e o espaço urbano têm usos e não deviam entender-se como se os nõo ti­
vessem - acrescento eu. 
FORMA E FIGURA 
(Aspectos estéticos do urbanismo) 
«A forma arquitectónica de um fenómeno é, por um lado, a maneira como as partes ou 
estratos se 'encontra~ dispostos no objecto, etambém o poder de explidtar eevidenciar es­
sa disposição. Estes dois aspectos sempre coexistiram. Todavia, se não existe objecto sem 
forma, esta tem poderes de comunicação estética dispostos em nrveis muito diferentes. 
Chamaremos forma ao primeiro aspecto, e figura, ao segundoi o valor da figura nunca é 
nulo, pois que podemos reconhecê-Ia mesmo em nrveis extremamente degradados. 
Éunicamente através da figura que podemos descobrir o sentido do fenómeno e re­
construir a totalidade, a pluralidade dos seus elementos construtivos e das suas proposi­
54
 
2-8. Construções clandestinos no periferia de Lisboa 
S5 
r
 
ções. A estrutura da concepção projectual (o que caracteriza a obra arquitectural) éde na­
tureza eminentemente figurativa.» (29) 
GREGOTTI, VITIORIO 
II Territorio deI/'architettura 
A intenção estética é inerente à humanidade, faz parte donosso dia-a-dia, em todas as 
nossas acções. 
Da escolha do vestuário, em que o casaco combinará com os sapatos, à disposição dos 
m6veis numa habitacão, à cor do automóvel, um sem-número de exemplos demonstra 
que a emoção e o p;azer estéticos são inerentes ao quotidiano. Éuma necessidade, que 
também se educa e se desenvolve eque tem manifestações primitivas, «selvagens», erudJtas 
e sofisticadas, ou completamente deturpadas. 
A estética da casa clandestina ou do emigrante, ou de edifícios projectados por de­
senhadores, engenheiros, topógrafos ou simples curiosos, é exemplificativa. 
A amostragem de formas importadas ou inventadas pelas colagens das mais desa­
justadas inspirações revela uma imaginação delirante de construção civil, sem informa­
ção cultural arquitect6nica. 
Sem aceitar essas manifestações pelo que significam de destruição do património 
arquitectónico e urbanístico, não poderei negar que procuram um sentido estético pró­
prio, com regras que nada têm que ver com a cultura arquitectónica, popular ou erudi­
ta. Éuma estética (ou antiestética) própria, fechada, ecertamente explicável por nume­
rosos fenómenos sociais, culturais, económicos, todos os que se quiser e muitos mais, 
excepto os arquitectónicos! 
Vulgarmente designadas por Kitsch, estas manifestações estéticas significam no·fun­
do um outro gosto, ou ausência de gosto, diferente da cultura erudita e cortado de um 
relacionamento com a História, a sedimentacão cultural e a civilizacão. . . 
A análise desta questão conduziria a estabelecer uma fronteira, ou zona de transi­
ção, entre «construção civil» e «arquitectura». Esta só existindo quando é ultrapassada 
a fase primária de simples ligação de elementos construtivos e técnicos, com vista a 
obter também efeitos estéticos de acordo com a cultura arquitect6nica. 
Chegado a este ponto, interessa-me definir os aspectos figurativos das formas urba­
nas. 
Entendo por «a'spectos figurativos» os aspectos da forma que são comunicáveis 
através dos sentidos. E«figura», ao poder de comunicação estética da forma, ou seja, 
ao modo como se organizam as diferentes partes que constituem a forma, com objecti­
vos de comunicação. 
Nesta definição sigo de perto o texto de Vittorio Gregotti citado anteriormente. 
Esse texto retoma a diferença entre construção civil e arquitectura, ou entre «ocupa­
56
 
:CCAL ­IOI01lIMtellOO 
2-9. Planta da Alhambra, Granada 
57
 
ção do solo» e «arte urbana». Épela «figura», ou através da mensagem figurativa, que 
a arquitectura e a arte urbana se revelam. 
Toda a acção que humaniza a paisagem pode conter objectivos e valores estéticos 
que se comunicam através dos sentidos ou da percepção. 
Apesar da forma não se resumir aos espectos sensoriais - portanto perceptíveis-, 
estes são determinantes na sua compreensão. 
Sem querer abordar a teoria da percepção, citaria Aristóteles: «Nada existe no es­
prrito que não tenha passado pelos sentidos.» O homem urbano está sujeito a sons, 
cheiros, calor, luz, estímulos visuais, climáticos, e outros, que actuam sobre os seus sis­
temas perceptivos, através dos quais passam para mensagens organizadas e tratadas 
pelo cérebro, produzindo o conhecimento do meio urbano. Não é objectivo aqui de­
senvolver a teoria da informação (30) nem discutir as acções entre o transmissor (meio 
urbano) e o receptor (o homem), através de mensagens. 
Basta registar o importância dos sentidos e da cultura na leitura fazer da cidade. 
Resumindo, direi que os valores estéticos só são comunicáveis através dos sentidos e 
que, apesar de as características da forma não se resumirem aos aspectos sensoriais 
(portanto perceptíveisL estes são determinantes na sua compreensão. Um breve enun­
ciado dos sistemas sensoriais permitirá clarificá-los (311. 
Sistema de orientação 
A sua importância é grande no conhecimento da cidade, embora tenha sido «es­
quecido» por Jratadistas e geógrafos urbanos. Respeita, em primeiro lugar, ao equilí­
brio vertical e também a noções de acima/abaixo, esquerda/direita, horizontal/verti­
cal, alto/baixo, longe/perto, etc., que permitem ao homem orientar-se na cidade. 
Será como que um «sexto sentido», e numa cidade dependerá fundamentalmente 
dos sistemas de referência: marcos ou monumentos, zonas ou bairros, traçados, nós. 
As análises de K. Linch (31) sobre a imagem da cidade constituem um importante contri­
buto para o esclarecimento deste problema. Lynch distingue o categoria a que chama 
de «imagibilidade», relacionando-a com a possibilidade de orientação. 
Atrevo-me a dizer que, nas civilizações ocidentais, o sistema de orientação está de 
um modo geral ligado aos sistemas de referência da cidade tradicional. 
A cultura ocidentàl sedimentou o conhecimento das cidades através dos eixos das 
ruas e dos cruzamento e nós. A analogia é evidente com a formação matemática dos 
eixos que permite localizar um ponto num plano. O jogo da «batalha naval» será uma 
das mais singelas aplicações, que qualquer crionço aprende com facilidade; assim co­
mo qualquer criança aprende a orientar-se na cidade se tomar os sistemas viários orto­
gonais, os quarteirões, os monumentos e otJtros sinais de referência. 
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Sistema visual 
Ésem dúvida o sistema que foi mais estudado no conhecimento do meio urbano, 
porque sem dúvida é através da visão que se constrói a parte mais importante da ima­
gem da cidade (33). No entanto, o sistema visual de observação do espaço urbano, 
pressupõe o movimento e a apreensão do espaço em sequência visual. Aeste tema vol­
tarei mais tarde. 
Sistema táctil 
Pode parecer menos importante, se não se considerar que no sistema táctil se in­
cluem todas as percepções térmicas e de fricção com a atmosfera: o vento, as correntes 
de ar, o calor, o sol e o frio, que também são importantes na vivência, compreensão e 
caracterização da cidade. 
Sistema olfactivo 
Em certas cidades norte-africanas ou asiáticas, os cheiros são muito mais intensos e 
profundos do que no Ocidente e são pertença indissociável do espaço urbano: odores 
de suor humano, excrementos, especiarias, comidas e esgotos pertencem aO espaço e 
ao conhecimento desses lugares, como de resto o cheiro a forno de pão e a lenha quei­
mada evoca o mundo rural português. Não imagino as ruas das cidades da índia ou 
certos bairros de Macau sem os seus cheiros caracterrsticos. Os cheiros e odores carac­
terizam os lugares e são partes do meio urbano. O sistema olfactivo pertence à expe­
riência da cidade, embora seja um factor de menor controlo e incidência no desenho 
da forma urbana, tal como tem sido analisada. 
Do enu nciado dos sistemas de percepção, verifica-se, grosso modo, que 'a cada sis­
tema vai corresponder uma caracterrstica da forma, que poderá ser perceptível. 
Todavia as condições em que se realiza a comunicação com o ambiente são essen­
cialmente visuais e constituem um momento determinante na experiência de estética 
urbana, porque os aspectos figurativos se manifestam predominantemente pela comu­
nicação visual. 
Para estudar a imagem urbana, não se podem ignorar os trabalhos de Kevin Lynch, 
de Kepesh e dos seus colaboradores do MIT (34), trabalhos que incidem sobre.uma análi­
se da forma urbana e que desenvolvem contributos fundamentais para a actividade do 
arquitecto urbanista como criador de formas e de imagens. «A imagem da cidade» é 
um meio de comunicar a sua forma física. Cito a tese de Lynch - «Seremos agora capa­
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2·10. Kevin Lynch - Os sistemas de arientaçõa na farmaçõa da imagem de Los Angeles. 1. A 
imagem de Los Angeles extraída das entrevistas orais. 2. A imagem extraída dos esboços feitos 
pelos entrevistados 
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zes de desenvolver a imagem do nosso ambiente, agindo sobre a sua forma frsica exte­
rior e também desenvolvendo

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