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Notas sobre o papel das classes médias e do aparelho de estado nas sociedades em desenvolvimento

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1. Tipo de colonização e papel
do Estado;
2. Papel do Estado e camadas
médias urbanas.
J. A. Guillon-Albuquerque **
* publicado originalmente na
revista L'Homme et la Société, n.
24/25, 186-207, 1972, sob o título
Notes sur le systême du
sous-développement, le rôle de
l'~tat et le concept de classes
moyennes modernes; traduzido
por M.Th. da Costa Albuquerque
e revisto pelo autor.
** Professor-Doutor em Ciências
Políticas do Departamento de
Ciências Sociais da Universidade
de São Paulo.
R. Adm. Emp., Rio de Janeiro,
Os acontecimentos recentes da Argentina e do
Chile chamam a atenção para a perplexidade
dos sociólogos e cientistas políticos diante da
interpretação a ser dada às camadas médias
urbanas latino-americanas, às suas orientações,
condutas e atitudes. Basicamente, essa inter-
pretação oscila entre a noção clássica de pe-
quena burguesia e a idéia de classes médias mo-
dernas. Neste trabalho, procuraremos mostrar
a impossibilidade de se situar uma camada so-
cial dentro do sistema social englobante, atra-
vés do mero apelo a uma concepção ontológica
da sociedade e dos grupos que a compõem, sem
levar-se em conta a maneira particular segun-
do a qual se organiza a produção econômica em
cada sociedade dada. E que não se pode com-
preender esse modo de organização da produ-
ção econômica, nos países ditos subdesenvolvi-
dos, sem fazer apelo a uma tipologia da colo-
nização, isto é, um instrumento de análise da
maneira como a economia européia articulou-
se à economia dos países colonizados. Mais par-
ticularmente, insistimos sobre o papel funda-
mental desempenhado pelas formas do Estado
nessa articulação.
Após um exame dos pressupostos do conceito
de classes médias modernas - que não tem ou-
tro objetivo senão o de demonstrar seu caráter
normativo e residual - em que se procura mos-
trar a vinculação, em última análise, dessa no-
ção à teoria weberiana das origens do capitalis-
mo, tenta-se apresentar as bases para uma ti-
pología dos modos de organízação da produção
econômica nos .países colonizados, no período da
primeira expansão do capitalismo. Em seguida,
esboça-se uma análise do papel desempenhado
pelo Estado nesses tipos de formação social, o
que permite situar, no caso que nos interessa
mais de perto - o da América Latina - uma
nova conceituação das camadas médias ur-
banas.
Finalmente, tenta-se aplicar esta reformu-
lação do conceito a um caso concreto, levantan-
do-se a hipótese de uma reinterpretação do que
foi a aliança populista, com base na maneira
de encarar as camadas médias urbanas que pro-
pomos no corpo do artigo.
O conceito de classes médias modernas é um
conceito residual e normativo. Não se trata, por-
tanto, de um conceito no sentido estrito. ~ resi-
dual, porque não se pode situar seu objeto -
as camadas médias da população urbana - no
sistema de classes, segundo os mesmos critérios
que servem para situar os outros elementos do
14(2) : 93-106, mar./abr. 1974
--------_._--------- - --- -
Notas sobre o papel das classes médias e do aparelho de estado nas sociedades em desenvolvimento
94
sistema. Além disso, o aspecto residual é tam-
bém revelado pelo adjetivo modernas, que serve
para distinguir este setor da população das an-
tigas classes médias: a pequena burguesia, por
um lado e, por outro, os notáveis das sociedades
agrárias. E por meio deste termo que o aspecto
normativo se introduz também no conceíto..
A idéia de classes médias modernas refere-se à
idéia de classes modernizadoras, de classes que
estão na origem da industrialização.
O aspecto normativo é, portanto, ligado ao
caráter residual do conceito, e deriva do papel
geralmente atribuído às classes médias na aná-
lise da industrialização dos Estados Unidos. As
práticas econômicas, os valores e as qualidades
psicológicas das classes médias modernas ame-
ricanas são tidos como fatores que produziram
a industrialização e desempenharam o papel de
modelo para o conjunto da sociedade. Para que
isto seja verdade é preciso que esta classe tenha
aparecido num momento determinado - recen-
te - da história, e que seja uma nova classe:
moderna. A diferenciação histórica das popula-
ções urbanas - a burguesia no sentido primiti-
vo do termo - em setores distintos da ativida-
de econômica, bem como em setores diversos do
sistema social é incompatível com a idéia de
classes médias modernas. Se a industrialização
é tida como tendo sido iniciativa exclusiva das
classes médias modernas americanas, estas úl-
timas não podem, no espírito dos teóricos das
classes médias, ter tido a mesma origem que as
burguesias agrárias do Sul dos Estados Unidos.
A hipótese de uma diferenciação da pequena
burguesia emigrada para a América em burgue-
sia agrária, burguesia financeira e burguesia
industrial (classes médias modernas) é, efetiva-
mente, incompatível com a idéia de um sistema
de valores, de práticas e de qualidades psicoló-
gicas ontologicamente ligadas a esta camada
social portadora de modernidade.
Nos países em desenvolvimento onde existe
uma população urbana importante, as camadas
médias desta população freqüentemente exer-
cem um tipo de atividade comparável, ou então
se definem segundo um sistema de valores se-
melhante, ou, ainda, têm origem social (peque-
na burguesia emigrada) idêntica às atividades,
valores e origens das classes médias america-
nas. Jamais, no entanto, nestas camadas médias
urbanas dos países subdesenvolvídos, estas três
características são ao mesmo tempo idênticas
às características outrora reunidas nos Estados
Unidos.
Revista de Administração de Empresas
A conotação normativa do conceito revela-se,
assim, como o resultado desta confusão formal
que consiste em definir um conceito, ao mesmo
tempo, pelas variáveis independentes e depen-
dentes, sem fazer alusão à intervenção de variá-
veis contextuais.
O papel empresarial desempenhado pelas
classes médias é, justamente, uma variável
dependente, um explanandum. A variável inde-
pendente - explanans - é a origem social, ou
o sistema de valores desta população, ou os
dois; nas três hipóteses, a variável independen-
te não basta para explicar o papel empresarial
- não é, portanto, suficiente para constituir
um explanans - a não ser que se leve em con-
sideração o contexto. A variável contextual é,
neste caso, o tipo de imigração que depende,
por sua vez, do tipo de colonização. 1
Compreendemos, assim, que o conceito de
classes médias modernas não é um conceito
mas toda uma teoria; e uma teoria incompleta,
não generalizável que podemos resumir da se-
guinte maneira:
a) são os valores que produzem a história;
b) são os valores de classe média (ascéticos?)
que produzem e orientam a industrialização;
c) (esta proposição não é baseada num contex-
to científico, mas está "no ar") uma só classe
média histórica engloba essas três variáveis (ti-
po de atividade econômica, tipo de sistema de
valores, papel empresarial) e só ela pode ainda
hoje produzir e orientar a industrialização, on-
de ainda não se efetivou. Trata-se, evidentemen-
te, da exportação de valores de classe média, ex-
portação subentendida (o que quer que se diga
ou se pense) por todo projeto de cooperação téc-
nica (por mais bem intencionado que se queira
ser) .
Reconhece-se facilmente nas duas primeiras
proposições (a e b) os mesmos pressupostos da
teoria de Weber sobre as origens do capitalismo.
Como a teoria Weberiana é a fonte clássica de
todas as tentativas mais ou menos bem sucedi-
das de explicação das condutas empresariais,
também não é difícil reconhecer aí os pressu-
postos das teorias de Schumpeter, de Moore,
Kerr e outros.
Não se trata de resumir estas teorias para de-
monstrar o fundamento da redução que aqui
fazemos. Ent;retanto, vamos tentar justificar
brevemente a pertinência das duas primeiras
proposições' no quadro destas teorias citando
exemplos precisos.
Quando Weber tenta demonstrar a legitimi-
dade com que o protestantismo ascético enco-
bre certas condutas capitalistas, especifica:
"dava (ao homem de negócios burguês) a se-
gurança reconfortante deque a distribuição de-
sigual dos bens deste mundo era uma deferência
especial da Providência Divina que, através
destas diferenças - assim como na Sua Graça
pessoal - buscava objetivos secretos, desconhe-
cidos dos homens" (Weber, M. The protestant
ethic and the spirit 01 capitalism, Londres,
Unwin University, tradução de T. Parsons,
1968, p. 177). Em seguida, o autor analisa a
progressão desta idéia, progressão que acompa-
nha sua secularização: "Calvino afirma que
a massa dos trabalhadores não obedece a Deus a
não ser que permaneça pobre; donde se conclui
que as massas só trabalham forçadas pela ne-
cessidade; a que se acrescentam as teorias ca-
pitalistas referentes à produtividade dos baixos
salários" (op. cit., p. 177).
Se bem que Weber constate que os "puritanos
queriam trabalhar por vocação (ao passo que)
nós somos forçados a fazê-lo" (p. 181), não con-
clui que os valores (o espirito) do ascetismo le-
gitimam uma prática já corrente. Pelo contrá-
rio, este "traço ascético fundamental do modo
de vida da classe média" (p. 180) é, para ele,
uma "conduta racional baseada na idéia da vo-
cação (que) nasceu ( ... ) do espirito ascético
cristão" (180).
O conjunto dos elementos reunidos por We-
ber permite concluir tanto pela determinação
das condutas pelos valores ("conduta· racio-
nal. .. nascida... do espírito") quanto pela
legitimação das condutas por um discurso so-
cial ("dando-lhe a reconfortante segurança") .
Se o autor mantém a primeira hipótese, é por
ela ser pressuposta desde o começo. 1: esse pres-
suposto que nós exprimimos na primeira pro-
posição: "são os valores que fazem a história".
A primeira vista, parece mais dificil reduzir
a teoria de Schumpeter às mesmas proposições,
tendo em vista que este autor pretende restrin-
gir-se ao domínio econômico, tratando o desen-
volvimento econômico como um tipo de mu-
dança endógena. 2 Além do mais, Schumpeter
começa negando qualquer papel criador aos in-
divíduos, no sistema econômico (p. 27), tratan-
do a produção como resposta a um sistema de
necessidades (p, 11-2) e o ato econômico como
um comportamento guiado pelo hábito (empi-
rically lamili4r, p. 26).
Como não se trata de resumir a teoria da
inovação empresarial de Schumpeter, mas de
demonstrar a pertinência de sua redução às
proposições introduzidas, assinalaremos somen-
te os pontos de articulação entre a teoria fun-
cional do fluxo econômico (production toüoio«
neeâs, p. 12) e a teoria da inovação empre-
sarial.
Estes pontos de articulação são três:
a) o desenvolvimento é a combinação de no-
vos meios de produção, o que transfere a inicia-
tiva econômica do consumidor ao produtor
(p. 65);
b) a inovação exige condutas mais racionais e
mais conscientes do que as do consumidor ou
do capitalista (p, 79-80 e 85);
c) a racionalidade da conduta empresarial é
incompatível com o sistema de necessidades/
desejos que comanda o fluxo econômico (p.
90-93) .
Estes três pontos convergem no sentido de
justificar a hipótese da existência de um tipo
humano particular, vocacionado ao exercício
da função empresarial. Schumpeter não hesita
em levantar a hipótese de uma distribuição
normal deste tipo em toda população cultural-
mente homogênea (p. 81-2). Entretanto, a hipó-
tese do tipo humano tem por efeito afastar a
idéia de uma classe empresarial; assim sendo,
como poderíamos, ainda, justificar a existência
de uma ligação entre a teoria de Schumpeter e
as teorias sobre as classes médias modernas?
Três pontos de articulação permitem, ainda
aqui, estabelecer a passagem de uma teoria a
outra. Em primeiro lugar, a possibilidade de
combinar novos meios de produção não supõe
a propriedade desses bens, mas sim a possibili-
dade de exercer um controle sobre os mesmos.
Se o empresário não é ele mesmo proprietário,
é-lhe necessário, contudo, certa credibilidade
diante dos organismos de financiamento (p. 68-
71); isto exclui do papel empresarial as massas
trabalhadoras em geral, com exceção daqueles
indivíduos que já percorreram, ao menos em
parte, a estreita senda da mobilidade vertical.
Em segundo lugar, as motivações das classes
superiores e dos capitalistas em particular (ca-
O papel das classes médias
95
pitalistas no sentido de Schumpeter) são opos-
tas às do empresário, e é daqueles que a inova-
ção econômica sofre as mais fortes resistências
(p. 87). Em terceiro lugar, na medida em que a
inovação é correlativa de uma conduta racio-
nal e consciente, os conhecimentos podem subs-
tituir a iniciativa econômica (p. 85-6). Desse
modo, a iniciativa do desenvolvimento econô-
mico deve ser esperada, não das .classes supe-
riores ou inferiores (primeiro e segundo pon-
tos de articulação) mas de uma camada inter-
mediária. Esta camada média é formada, por
um lado, pela parte das classes médias tradi-
cionais que monopolizam certo tipo de saber
(terceiro ponto de articulação), ou em conse-
qüência da mobilidade. Ora, a idéia de nova
classe média encobre justamente estas duas
possibilidades: ou se trata de uma nova ca-
mada originária das classes médias tradicionais,
distinguindo-se destas últimas pelo domínio de
um novo saioir-taire econômico; ou então, tra-
ta-se de uma nova camada e, neste caso, a mo-
bilidade que está na origem dessa nova camada
deve ser compreendida nos dois sentidos - mo-
bilidade vertical para o alto ou para baixo, e
ímígração ,«
Observada com atenção, a típología mais
completa das elites industrializadoras é apenas
um comentário exaustivo da teoria de Schum-
peter, comentário especificado pela referência
feita ao contexto. Estamo-nos referindo à tipo-
logia de Kerr, Dunlop, Harbison e Myers. 4
A idéia dos autores, de buscar a iniciativa da
mudança não mais na massa dos trabalhado-
res, mas nas elites industrializadoras (The
seeds of future, p. 8) refere-se à hipótese de que
estas minorias são destinadas à conquista da
sociedade através da superioridade dos novos
meios de produção, por elas introduzidos ou
controlados (p. 47). A alusão à teoria de
96 Schumpeter é bastante clara. Além disso, qual-
quer que seja o tipo de elite trata-se, para esses
autores, de minorias (ver a idéia de distribuição
normal do tipo empresarial), minorias que não
pertencem à classe dominante tradícíonal, mas
a uma subcultura (p. 48) ou a uma minoria
religiosa ou nacional (p. 55) .
De fato, somente o grupo que corresponde
mais exatamente ao tipo de industrialização da
Inglaterra e dos Estados Unidos merece ser cha-
. mado pelos autores de middle-classes (cf. nos-
sa proposição c). Todavia, a composição da eli-
te propriamente dita compreende, essencial-
mente, em todos os tipos - middle-classes, in-
Revista de Administração de Empresas
telectuais revolucionários, administradores co-
loniais, líderes nacionalistas - setores das clas-
ses médias ditas tradicionais (p. 50). Só surge
um problema a respeito do quinto tipo: a elite
aristocrática (dynastic elite). Não obstante, os
autores são forçados, ainda aí, a assinalar que
este tipo de elite compreende uma minoria exis-
tente no interior da classe dominante tradicio-
nal e, no máximo, as camadas aliadas à elite
tradicional, quer dizer, em última análise, as
classes médias tradicionais. Esta minoria é rea-
lista e sofre as maiores resistências por parte da
elite tradicional (p. 52-5), o que nos leva ao se-
gundo e terceiro pontos da articulação entre a
teoria de Schumpeter e a teoria sobre as classes
médias modernas.
Realmente, esta teoria é incompleta apesar
de suas diferentes formulações porque não leva
em consideração o contexto de colonização.
Nisto revela-se a sua limitação: em cada tipo
de colonização dada encontraremos atividades
econômicas diversas e sistemas de valores par-
ticulares associados à origem da industrializa-
ção. Na América Latina, tipo de colonização di-
ferente daquele que teve lugar nos Estados
Unidos, tanto a burguesia agrária como a bur-
guesia financeira ligada à economia de expor-
tação estão na origem do processo de industria-
lização; esse fato não pode ser explicado pela
teoria em questão.
A dificuldade que seencontra na definição do
conceito de classes médias é comum a toda ten-
tativa de tratar teoricamente um conceito iso-
lado. De fato, um conceito é sempre definido
dentro de uma teoria. Seu alcance teórico é-lhe
dado pela sua função dentro da teoria, e não
por uma correspondência qualquer com um ob-
jeto real. Evitaremos estas dificuldades indi-
cando inicialmente a teoria na qual o conceito
de classes médias pode ganhar sentido. Indi-
caremos brevemente os traços essenciais desta
teoria, a do sistema do subdesenvolvimento. Fa-
remos, então, especialmente, alusão ao papel
representado pelo Estado, o que nos ajudará a
definir o conceito de classes médias urbanas."
Antes de fazê-lo, é preciso lembrar que a no-
ção de "novas classes médias" toma, em Wright
MUls,um sentido bem distante daquele das teo-
rias sobre as classes médias modernas. Para
MUls,a antiga classe média era composta essen-
cialmente de empresários, ao passo que a nova
classe média perdeu toda iniciativa econômica.
Neste sentido, sua análise do fenômeno do
White couars é finalmente bem próxima da que
proporemos aqui. Entretanto, veremos que, se
os elementos da análise são os mesmos, a inter-
pretação de conjunto é diferente.
1. TIPO DE COLONIZAÇAO E PAPEL DO
ESTADO
A empresa colonizadora pode ser interpretada
como um processo de criação e de ampliação
de um mercado de produtos-mercadorias. (Uma
mercadoria pode servir ao consumo, à troca e à
acumuação, sendo estritamente equivalente
à moeda.) É sob este aspecto que a coloniza-
ção nos interessa e também pelo fato de que é
contemporânea da industrialização. As formas
transitórias de produção econômica que prece-
deram a grande indústria - a manufatura, por
exemplo - são impensáveis fora de um sistema
econômico dentro do qual existe um mercado
para mercadorias.
O tipo de organização industrial da produção
pode ser definido em função de dois elementos:
a) o trabalho individual é estritamente inter-
cambiável e equivalente a seu valor em moeda;
b) do ponto de vista de sua forma de produ-
ção, bem como do seu modo de utilização, os
meios de produção (instrumentos e objeto da
produção) são coletivos.
Este sistema de produção caracteriza-se por
sua tendência à hegemonia, isto é, a organiza-
ção industrial da produção tende a substítuír
a todo e qualquer outro tipo de organização
econômica:
a) acaparando o mercado;
,
b) atraindo para sua engrenagem os produto-
res que constituem a mão-de-obra de outros ti-
pos de produção;
c) reproduzindo-se cada vez que um novo ob-
jeto passa a ser mercadoria, e cada vez que é
preciso ou possível tornar um objeto qualquer
mercadoria.
Esses três modos de reprodução hegemôníca
do tipo industrial de organização da produção
formam um sistema que se fecha ao generali-
zar-se: cada um desses modos reforça os dois
outros. Nos países de antiga industrialização
esses três modos de reprodução operam desde o
início da industrialização, 6 cuja condição pré-
via é a expansão do mercado de mercadorias.
O desencadeamento desses três modos de re-
produção, dentro de uma sociedade, assegura ao
setor industrial desta sociedade um papel pre-
dominante sobre os setores não-industriais da
economia. Entretanto, o papel dominante de-
sempenhado pela organização industrial da pro-
dução apresenta uma característica comple-
mentar: a condição para que a indústria de-
sempenhe esse papel dominante sobre os setores
não-industriais da produção é a dominação do
conjunto da economia pelo setor financeiro.
Se definimos a organização industrial como
a utilização de meios coletivos de produção, sua
condição de possibilidade é a existência de um
mercado de capitais. De fato, a inovação tec-
nológica e a inovação organizacional (exigên-
cias de qualquer emprego de meios coletivos de
trabalho) não são, contudo, suficientes para a
instauração da indústria. É ainda necessário
que se possa dispor, fora do circuito de consu-
mo, de mercadorias que são fruto do trabalho
coletivo acumulado. É, portanto, indispensável
um mercado de capitais no qual se encontre a
fonte para o financiamento das inovações tec-
nológicas e organizacionais, isto é, a instala-
ção de meios coletivos de trabalho. O setor fi-
nanceiro exerce, desse modo, uma função de
controle sobre a utilização da inovação: so-
mente a inovação financiada é utilizada; nem
toda inovação é efetivamente industrializada.
Em suma, a inovação tecnológica e organizacio-
nal, quando assumida sob o modo industrial de
produção, cai sob o controle do setor finan-
ceíro."
O tipo de colonização, que é nosso objeto de
estudo apresentará variações pertinentes para
nossa análise, segundo o modo de reprodução da
organização industrial predominante em cada
caso; entretanto, o papel desempenhado pelo 97
setor financeiro será sempre predominante, sua
composição não sendo muito diferente do que
Marx descrevia em 1848.8
Um primeiro tipo de colonização é o que se
caracteriza por uma competição ao nível do
mercado. Existe, em cada país colonizado desse
modo, um mercado constituído, e é nesse mer-
cado (de especiarias, no sentido primitivo do
termo) que o país colonizador exerce, primeira-
mente, seu papel dominante. Acaparar esse
mercado e desempenhar nele o papel dominante
é um dos modos de reprodução do setor indus-
trial do próprio país colonizador.
o papel das classes médias
98
A colonização torna-se presente na sociedade
colonizada sem alterar fundamentalmente o
conjunto da sociedade; acrescenta dois novos
setores econômicos, perfeitamente compatíveis
com a sociedade tal qual ela existe: um setor
financeiro e um setor de imporl-exporl (os
compradores). Estes setores tendem a se con-
fundir entre si e, sobretudo, a confundir-se com
o setor fínanceíro do país colonizador.
Não se pode esquecer que um setor industrial
começa a existir e se reproduz acaparando o
mercado já existente. Entretanto, este setor in-
dustrial situa-se alhures, na metrópole.
Este tipo de colonização é característico das
regiões da Asia, onde existiam sociedades capa-
zes, no início, de entrar em competição com o
colonizador ao nível do intercâmbio comercial.
Um segundo tipo de colonização é o das re-
giões em que não havia mercado constituído,
mas que dispunham, ao contrário, de riquezas
naturais, assim como de uma população que
podia ser atraída para a produção de tipo in-
âustruü » Estabelece-se aí uma competição ao
nível da produção. A reprodução do setor indus-
trial colonizador faz-se através da mão-de-obra
dos outros setores de produção existentes
no lugar, em geral a agricultura e a pecuá-
ria. Este setor industrial faz parte, de fato,
da economia do país colonizador. O setor
financeiro que ai se constitui é igualmente par-
te integrante da economia da metrópole. As
sociedades locais guardam seu tipo próprio de
organização social e sua economia, pelo menos
enquanto todos os seus membros não são recru-
tados para o setor de produção colonial.
Neste tipo de colonização, as transformações
que a região sofre são, ao mesmo tempo, mais
fundamentais e mais exteriores se comparadas
às do primeiro tipo. Um setor industrial e finan-
ceiro se estabelece in loco, além de uma buro-
cracia e um aparelho de Estado. Entretanto, se
no primeiro tipo o setor de import-export e o
setor financeiro de origem exógena são integra-
dos na economia local, só o setor industrial
mantém-se ausente. No segundo caso, os seto-
res acrescentados à economia local são extrater-
ritoriais; a mão-de-obra do setor de produção
colonial, a burocracia nativa (quando existe)
e o aparelho de Estado constituem-se e repro-
duzem-se fora das sociedades existentes na re-
gião.lo
O terceiro tipo de colonização existe nas re-
giões onde um mercado ainda não é constituí-
do, nem é possível atrair mão-de-obra autóctone
Revista de Admtni8tração de Empresas
para o setor de produção colonial. Neste caso,
toda a organização econômica e social é de um
tipo novo, e não é possível a coexistência dos
colonizadores com os povos preexistentes. 11
Dois casos bem diferente são, então, possí-
veis. No primeiro,as condições de exploração de
produtos coloniais são decisivas: formam-se
grandes empresas de exploração colonial com a
mão-de-obra ímportada.P No segundo caso,
quando não existem produtos coloniais, a nova
sociedade organiza-se a partir dos três modos de
reprodução da economia industrial. Apesar das
dessemelhanças culturais que a distinguem
da antiga metrópole, é o mesmo tipo de so-
ciedade que se reproduz. É o caso de uma parte
das colônias da América do Norte; a outra, que
se constituiu no Sul e que explorava produtos
coloniais, é representativa do primeiro caso.
Estes dois tipos de economia coexistem no
seio dos Estados Unidos, uma reproduzindo-se
no interior e a outra, da qual o setor industrial
é ausente (a do Sul), reproduzindo-se em fun-
ção da antiga metrópole. A solução desse con-
flito foi nos Estados Unidos mais precoce e mais
radical do que na maior parte dos países sub-
desenvolvidos que se depararam com esse tipo
de problema, por ocasião da crise de 1929: já
em meados do século XIX, a Guerra Civil fez
com que a região exportadora de produtos co-
loniais mudasse de interlocutor. A partir da
Guerra de Secessão, é o setor industrial do Nor-
te e não mais o da metrópole européia que
desempenha o papel dominante sobre a econo-
mia do Sul.
O caso das regiões destinadas à exploração
de produtos coloniais interessa-nos mais parti-
cularmente, pois permite revelar certos traços
comuns a todos os tipos de colonização. 11: o caso
mais düundido na América Latina: não há, no
início da colonização, nem mercado a acaparar
nem mão-de-obra para atrair, somente o ter-
ceiro modo se reproduz. Metais preciosos e es-
tratégicos, couro, açúcar, frutas, constituem a
economia de ciclos dos primeiros séculos de co-
lonização; é a monoprodução, predominante
desde então até hoje.
No início, esta reprodução do tipo industrial
de organização da produção faz-se a partir e
em função da economia metropolitana. Não se
instaura nenhum mercado nem existe mão-de-
obra exterior ao setor que se reproduz (café,
açúcar, minas); a reprodução apenas neste mo-
do e nestas condições não assegura a consti-
tuição de uma sociedade, mas de um "pedaço"
de sociedade, de um único setor econômico. A
anãlise da economia açucareira no Nordeste
brasileiro ilustra o processo de formação de uma
sociedade a partir deste tipo de colonização. A
análise deste processo de formação mostrará,
ademais, o papel estratégico desempenhado pelo
Estado na criação da sociedade.
Naquela região, a tecnologia da indústria do
açúcar, bem como a exportação eram controla-
das pelos portugueses. Mas o financiamento e
a comercialização na Europa eram, por sua vez,
controlados pelos holandeses. Podemos simpli-
ficar o problema desprezando o fato de que o
controle da importação de mão-de-obra africana
era compartilhado entre os portugueses e os in-
gleses. Utilizando capitais holandeses e adqui-
rindo, assim, os engenhos, os portugueses orga-
nizavam a produção do açúcar na base do tra-
balho escravo. O produto era transportado para
Lisboa e de lã embarcado em navios holandeses
que se ocupavam da comercialização.
Esta operação de transporte entre os portos
brasileiros e o porto de Lisboa é muito mais im-
portante do que pode parecer à primeira vista.
Assegura à metrópole política a única possibili-
dade de desempenhar um papel econômico na
totalidade do processo. Sem esta operação, que
simbolizava a soberania portuguesa, a econo-
mia açucareira teria passado inteiramente para
o controle daqueles que [á detinham o financia-
mento e a comercialização - o que de fato não
tardou a acontecer, ainda que por breve pe-
ríodo.
De fato, no fim do século XVI e inicio do sé-
culo XVII, a coroa de Portugal cai nas mãos de
espanhóis e o pacto se rompe: excluidos do jo-
go, os holandeses ocupam o Nordeste brasileiro
e vêm, assim, a controlar a totalidade das ope-
rações da economia açucareira, desde o finan-
ciamento até a comercialização. 13
Este fato mostra claramente o papel desem-
penhado pela soberania do Estado metropolita-·
no neste tipo de colônia; constituir a sociedade
a partir de um único setor econômico extrater-
ritorial, impedir o controle direto do setor in-
dustrial dominante sobre o setor colonial, asse-
gurar a existência de uma classe dominante in-
terna, eis alguns dos aspectos diferentes de um
mesmo papel representado por uma única es-
trutura: o aparelho de Estado colonial.
Notemos que este aparelho de Estado era ne-
cessãrio aos portugueses porque lhes faltava um
setor financeiro autônomo e não dispunham
de um setor industrial que pudesse dominar a
reprodução da economia colonial.
O exemplo da invasão holandesa é interessan-
te porque o Príncipe de Nassau não chegou a
Recife como soberano, mas como .chere de em-
presa (Companhia das índias Ocidentais), em-
bora com poderes de governo.
2. PAPEL DO ESTADO E CAMADAS
MÉDIAS URBANAS
Em todos estes tipos de colonização, o Estado é
essencialmente intermediário entre a economia
colonial e a sociedade colonizadora. É neeessá-
rio, devido à ausência de um setor industrial
predominante in loco. O Estado é a presença
desta ausência. Garante, além disso, que esta
presença permanecerá ausente, único meio de
assegurar a existência de uma classe dominan-
te interna.
A primeira colonização consistia, essencial-
mente - do ponto de vista econômico - na
expansão de um mercado de mercadorias. 14 Os
primeiros colonizadores exauriram-se nesta ta-
refa. A segunda colonização jã é fruto do im-
pulso do setor industrial. Este impulso obriga
os primeiros colonizadores a construir um apa-
relho de Estado, e obriga as classes dominantes
internas, no inicio do século XIX, a escolher
entre a antiga metrópole (tornada simplesmen-
te metrópole politica) e a sua própria sobrevi-
vência como classes dominantes internas, do-
tando-se de um Estado nacional.
Os movimentos de independência latino-ame-
ricanos são, evidentemente, contemporâneos da
Revolução Americana e da Revolução Francesa.
Não eram os revolucionãrios brasileiros do fim
do século XVII conhecidos como os "france-
ses"? Não obstante, não se pode superestimar
o papel desempenhado pela influência ideoló-
gica liberal-burguesa nos movimentos de inde-
pendência. As classes que conduziram o movi-
mento de independência na América Latina
eram burguesas no sentido de que sua supre-
macia política era assegurada por sua suprema-
cia econômica; pelo fato de que seu predomínio
econômico exercia-se no próprio processo de
produção; pela organização do trabalho, sob o
modo industrial, por eles imposta nas colônias.
Não eram burgueses no sentido de uma popula-
ção urbana que se opusesse ao feudalismo; não
viviam nas cidades (abandonadas ao aparelho
de EstadO), e não havia feudalismo a combater.
o papeZ das classes médias
99
A ideologia liberal-burguesa que acompanha
os movimentos de independência não era, con-
tudo, inteiramente sem propósito, não era ado-
tada arbitrariamente. Em primeiro lugar, por-
que se tratava de um movimento conduzido
pela burguesia (ou melhor, pela fração da bur-
guesia existente in loco). Em segundo lugar,
porque a forma liberal do Estado nacional, eli-
minando o monopólio das antigas metrópoles
sobre a exportação, reduzia parte dos custos de
comercialização dos produtos coloniais, aumen-
tando a parte das classes dominantes internas
no produto social. Ao mesmo tempo, o impe-
rialismo inglês mudava de intermediário (os Es-
tados nacionais tomando o lugar dos Estados
colonizadores) e assegurava a comercialização
a partir dos portos coloniais; além disso, en-
quanto os Estados nacionais existissem, impe-
dia-se aos ingleses de controlar a totalidade do
processo: a produção propriamente dita ficava
sob controle nacional, acrescentava-se um setor
financeiro, doravante constituído in loco.
Desta forma, desde o início da colonização
na América Latina, a constituição de um apa-
relho de Estado sui-çeneris é indispensável ao
funcionamento do sistema. A originalidade des-
te aparelho de Estado vem do fato de que ele
não é, ao contrário das colôniasinglesas, ema-
nação direta da sociedade que comanda o pro-
cesso colonial.
Também não é, ao contrário das colônias da
Asia, originário da própria sociedade coloniza-
da. Os aparelhos de Estado coloniais português
e espanhol na América Latina, que se desenvol-
veram suficientemente a ponto de se converte-
rem em Estados nacionais, foram soluções ori-
ginais exigidas pelo tipo particular de economia
colonial que ali se instaurou.
O aparelho de Estado colonial (o setor local
do aparelho de Estado metropolitano) consti-
100 tui-se lá onde pode desempenhar um papel de
intermediário, nos portos. Todo o hinterland é
deixado ao controle das autoridades naturais,
isto é, os dirigentes da produção (seria preciso
lembrar que a burguesia é a única classe diri-
gente cuja autoridade natural provém do fato
de organizar e dirigir a produção econômica?) .
Este papel essencialmente exterior dos Esta-
dos coloniais e, posteriormente, dos Estados na-
cionais latino-americanos produziu muita de-
sarticulação no sistema social, o que explica as
dificuldades de análise e as aberrações do gêne-
ro "sociedades dualisticas", "feudalismo ligado
à exportação de matérias-primas" etc.
Revista de Administração de Empresas
o papel político interno representado pela
burguesia, tendo tomado formas semelhantes à
clientela, fez pensar num tipo de sociedade feu-
dal que teria existido na América Latina, no
início da colonização. Uma pequena burguesia
ter-se-ia, pouco a pouco, formado com os no-
táveis rurais emigrados para os centros de ex-
portação, apossando-se do aparelho de Estado;
e, favorecida pela crise mundial de 1929, cons-
tituindo-se em "modernas classes médias", te-
ria iniciado o processo de industrialização. As
crises políticas, tão características destes países,
seriam a confirmação do conflito existente en-
tre essa classe modernizadora e as classes feu-
dais. Nada é mais clássico, nada é mais falso.
Primeiramente, não há feudalismo nem cli-
entela à base de trabalho escravo. A economia
feudal é, por definição, autárquica, e não pode-
ria basear-se na exportação maciça nem na
monoprodução. O papel econômico desempe-
nhado pelas classes feudais é-lhes assegurado
por seu papel político (ou, se se prefere, jurí-
dico, religioso, místico; em uma palavra, sim-
bólico). Ora, o papel econômico desempenhado
pelas burguesias latino-americanas tradicionais
é assegurado por sua função técnica de organi-
zadores da produção, e pela apropriação dos
meios de produção. Apenas sua competição (ou
aliança, o que vem a dar no mesmo) com as
classes industriais e financeiras metropolitanas
é que é assegurada por seu papel político, atra-
vés dos Estados nacionais. 15
Em segundo lugar, não há notáveis rurais
que emigrem, pouco a pouco para as cidades,
pelo menos no período em questão. A coloniza-
ção fez-se, na América Latina, a partir do lito-
ral que viria a ser, mais tarde, zona urbana.
São, ao contrário, os notáveis urbanos (cuja
função é essencialmente ligada ao aparelho de
Estado) que emigram para o campo: funcioná-
rios de todo tipo, padres, contabilistas; sem fa-
lar nos doutores que vão em busca de casamen-
to no seio da burguesia rural.
Em terceiro lugar, a população urbana cons-
tituiu-se, desde o início, numa população com
funções essencialmente urbanas e jamais foi
outra coisa. Aristocratas e pequenos burgueses
de origem metropolitana ocupados no aparelho
de Estado colonial, reproduziram-se pouco a
pouco rompendo toda ligação com suas classes
sociais de origem. Sua reprodução fez-se intei-
ramente no interior da burocracia de Estado e
da burocracia privada, constituída na época da
independência. Não existe pequena burguesia,
no sentido clássico do termo, no seio da qual as
burocracias pudessem recrutar seus efetivos.
De fato, o artesanato e a manufatura foram
proibidos às colônias na maior parte do período
colonial. Estas atividades (ou melhor, a parte
destas atividades que não deixava de existir
por causa das proibições), bem como o pequeno
comércio, eram exercidos por escravos. Padres,
tabeliães, burocratas de todos os gêneros, alo-
cavam seus escravos (e os alugavam, às vezes)
a estas tarefas menos nobres.
A particularidade destas camadas médias ur-
banas - tornadas médias em coru;eqüência da
crise das exportações, com a emigração para a
cidade da mão-de-obra rural e com a industria-
lização - é devida a dois fatos distintos, mas
ligados entre si. Já observamos que suas origens
sociais, aristocracia e pequena burguesia metro-
politana, bem como os burgueses locais arrui-
nados perdem a eficácia própria, pois essa po-
pulação urbana renova-se no interior de si mes-
ma, e não no seio das classes sociais de origem.
Ao contrário, nos países colonizadores da época,
a burocracia de Estado e a administração pri-
vada recrutam-se ainda hoje no seio de classes
sociais que desempenham, por outro lado, um
papel econômico ou político definido e ainda
vigente.
A este fato está ligado o segundo: as cama-
das médias urbanas da América Latina, en-
quanto grupo social com função específica, ja-
mais desempenharam papel direto na produção
econômica. Seu papel é essencialmente polí-
tico, o de produtores políticos do Estado. E, na
medida em que é o Estado que nesses países
constitui a sociedade a partir de um setor eco-
nômico incompleto e não-autônomo, o papel
que lhes cabe é, de certa forma, o de produtores
políticos da sociedade. 16
Não se pode, portanto, esperar que as orien-
tações das camadas médias urbanas da Améri-
ca Latina sejam da mesma natureza das clas-
ses médias americanas ou dos restos de peque-
na burguesia européia. Não se pode encontrar,
nas camadas médias urbanas da América Lati-
na, referência a um modelo próprio de produ-
ção econômica. O modelo de produção do cam-
ponês de parceria, do pequeno burguês, do tra-
balhador industrial podem explicar o tipo de
reivindicações e orientações que caracterizam
essas classes. Entretanto, no que toca às ca-
madas médias urbanas latino-americanas, as
reivindicações próprias deste grupo, bem como
sua participação nos diferentes movimentos 80-
ciais, não podem ser compreendidas a partir de
um modelo de produção, aliás, ausente de sua
experiência. É possível, pelo contrário, compre-
endê-lo a partir do papel político que lhes cabe,
assim como em função de uma análise de sua
relação ao trabalho.
Relação ao trabalho vem a ser um trabalho
coletivo; os meios de trabalho (instrumentos e
objeto) são apropriados coletivamente, tanto do
ponto de vista técnico como do ponto de vista
jurídico (pelo Estado). Desse modo, as reivin-
dicações de controle coletivo das atividades do
Estado podem perfeitamente aparecer ou serem
aceitas sem resistência por este grupo. É, aliás,
o que explica a pouca resistência que estas ca-
madas opuseram à estatização de boa parte da
economia, e à política assistencial dos Estados
latino-americanos, políticas que marcaram os
últimos 40 anos, das quais estas camadas mé-
dias (muito mais do que os trabalhadores) be-
neficiaram-se em primeiro lugar.
No entanto, sua resistência manifesta-se - e
nisto as camadas médias aliam-se às classes di-
rigentes - quando surge a ameaça, para o Es-
tado, de ter que dividir seu poder com as buro-
cracias não-estatais (partidos políticos, sindi-
catos, etc.). Foi, de fato, o que produziu a ade-
são das camadas médias aos movimentos que
puseram fim aos regimes populistas na Argen-
tina e no Brasil.
No entanto, na medida em que, na sua expe-
riência de trabalho, reconhecem-se como pro-
dutores coletivos do Estado, é dificilmente com-
preensível de que maneira poderiam surgir rei-
vindicações de controle individual da produção
econômica. A ausência de tais orientações e rei-
vindicações no meio das camadas médias urba-
nas não deveria, portanto, ter provocado tanto
espanto em tantos economistas e sociólogos do
desenvolvimento.
Pelo contrário, o papel político desempenha- 101
do por estes grupos na construção do Estado e
da sociedade pode explicar suas orientações
para o desenvolvimento. Realmente, durante a
crise daeconomia de exportação, o Estado viu-
se obrigado a desempenhar a fundo seu papel
de intermediário. Passa a ser, assim, o único
negociador da crise face às classes dominantes
do exterior, assumindo pela primeira vez um
papel econômico e político interno.
Os efeitos da crise fazem-se sentir, sobretudo,
de duas maneiras: emigração maciça da mão-
de-obra rural e impossibilidade de satisfazer
às importações que constituíam o essencial do
o papel das classes médias
mercado urbano. Abandonado a si mesmo, o
processo só poderia conduzir a duas saídas. O
mercado urbano, inflado pela chegada maciça
de trabalhadores rurais, esgotaria até o último
tostão das rendas da exportação, dada a "dete-
rioração dos preços'";" A economia de expor-
tação tenderia a desaparecer, na medida em que
todas as suas rendas teriam de ser destinadas
ao mercado urbano; com ela desapareceria o
mercado urbano, à míngua de rendas (ligadas,
como se sabe, à exportação) .
A segunda saída seria o abandono do merca-
do urbano à sua própria sorte. Entretanto, isto
não estancaria a decadência do setor de expor-
tação. A população urbana cresceria ainda
mais, e não se sabe qual seria o resultado da
mistura explosiva de uma população urbana
privada de seu consumo, com uma população
imigrada procurando trabalho inexistente. Ora,
o controle dos portos, das cidades, era o trunfo
principal das classes ligadas à exportação. Desse
modo, mesmo se supusermos que as classes ur-
banas, tendo mantido o controle do aparelho
de Estado, não tentassem desviar a crise em seu
próprio proveito, a liquidação das classes liga-
das à exportação seria certa e próxima: sem a
proteção do aparelho do Estado, a economia de
exportação cairia, cedo ou tarde, sob o controle
direto das metrópoles industrializadas. 18
Na verdade, o Estado manteve seu papel de
intermediário e negociou junto aos interlocuto-
res externos as soluções da crise (Argentina,
Brasil, México), ou puseram-se a fazê-lo nos úl-
timos 10 anos (Chile, Peru). Esta negociação
consistiu essencialmente no seguinte: expro-
priação de uma parte das rendas do setor de ex-
portação, financiamento de um setor industrial
local, bloqueio das importações e manutenção
do mercado interno, graças à inflação. 19
Este projeto de desenvolvimento e de liquida-
102 ção dos resíduos da colonização (conhecido, des-
de os anos 50 como desenvolvimentismo) be-
neficia, em primeiro lugar, o novo setor indus-
trial. Por esta razão é a este grupo que se atri-
bui, geralmente, a iniciativa do projeto. A difi-
culdade está em que este grupo não existia ain-
da enquanto fração de classe autônoma, e for-
mou-se, de fato, no processo de realização de
um projeto que o precede. Além do mais, o
grupo social industrializador - com exceção
dos que tiveram origem na própria burocracia
de Estado, que são, portanto, posteriores à ini-
ciativa estatal em matéria de industrialização
- é originário do setor de exportação e man-
Revista de Administração de Empresas
têm-se, em todo caso, ligado ao mesmo setor
financeiro. 20 Nesse caso, ou este grupo ganha
uma autonomia com relação à sua classe de ori-
gem e torna-se uma fração de classe - mas, nes-
sa hipótese, não se pode comprender a falta pe-
culiar de autonomia interna das burguesias in-
dustriais latino-americanas, nem sua aliança
privilegiada contínua com as burguesias tradi-
cionais - ou então, a burguesia industrial não
tem nenhuma autonomia com relação à bur-
guesia tradicional - mas, neste caso, não se
pode compreender os conflitos que opuseram
o Estado desenvolvimentista às burguesias tra-
dicionais, conflitos que constituem o pano de
fundo da fase populista do desenvolvimento la-
tino-americano.
A solução encontrada para superar estas ex-
plicações contraditórias consiste na distinção
entre, de um lado, a burguesia industrial, à qual
faltaria uma consciência de classe e, do outro,
os ídeólogos da burguesia índustríal .» De onde
vêm estes ídeólogos - essencialmente os polí-
ticos e altos funcionários que forjaram o pro-
jeto desenvolvimentista e conduziram o mo-
vimento populista? Já eram ideólogos das bur-
guesias tradicionais? Então, de que maneira
se "reciclaram"? Se não o eram, como então se
constituíram, arautos de uma classe ainda ine-
xistente?
Pode-se introduzir novas hipóteses se, ao
contrário, for possível interpretar o papel das
camadas médias urbanas de acordo com sua
função política, tendo-se em conta a relativa
autonomia do aparelho de Estado com relação
à classe dirigente. É a este grupo, relativamen-
te autônomo com relação à burguesia tradicio-
nal, que cabe a iniciativa do desenvolvimento.
Ele consegue dar ao Estado a iniciativa e o
predomínio no setor índustríal,» se bem que o
projeto desenvolvimentista se proponha expres-
samente a favorecer a iniciativa privada. A
criação de um setor industrial privado - em-
bora de constituição bem fraca - provoca a
ilusão da existência de uma burguesia indus-
trial nacional, que teria tomado a frente na
coalizão populista.
Na verdade, essa coalizão pode ser interpreta-
da como uma aliança entre as classes urbanas:
camadas médias e trabalhadores rurais trans-
formados ou se transformando em operários.
Tal coalizão exerce a supremacia política, o que
permite ao mesmo tempo equilibrar a supre-
macia econômica da burguesia agrária, e ga-
rantir a sobrevivência de um setor industrial,
pelo menos em um primeiro momento.
A lógica do populismo deveria conduzir à ex-
propriação progressiva do setor de exportação, e
à extensão do mercado industrial ao campo. A
análise do programa chamado de reformas de
base do último dos governos populistas - o
de João Goulart no Brasil- mostra exatamente
estas tendências. Ora, os beneficiários diretos
desta política seriam, em primeiro lugar, os se-
tores industriais nacionais. Se se faz a hipótese
de que a coalizão populista era dirigida pela
burguesia industrial nacional, ou por seus
arautos, não se pode compreender por que eles
propõem e ao mesmo tempo recusam uma polí-
tica concebida de acordo com seus próprios in-
teresses.
Se, ao contrário, interpreta-se o populísmo
como uma coalizão dirigida pelas camadas mé-
dias urbanas, pode-se compreender seu fracas-
so. Incapaz de definir um modelo próprio de
produção sobre o qual pudesse basear seu pro-
jeto societal, este grupo crê estar a serviço de
uma classe imaginária, quando, na verdade,
cria uma espécie de capitalismo de Estado.
De fato, a industrialização progressiva bene-
ficiava, secundariamente, as camadas médias e
o operariado urbano e, a longo prazo, os traba-
lhadores rurais. Significava também uma auto-
nomia crescente e uma mobilização cada vez
maior do movimento operário. É a importância
crescente do setor operário na coalizão popu-
lista e a ameaça de mobilização das massas ru-
rais que provocam a queda da coalizão, e não
a ênfase posta na industrialização. 23 Na verda-
de, com o fim do populismo a industrialização
não estancou, mas foi acelerada; e mesmo as
tendências à estatização da economia mantive-
ram-se constantes ou se aguçaram. A mudança
radical repercutiu sobretudo no estado de mobi-
lização e de agitação das classes urbanas. Se
excluímos as conseqüências da opção por uma
expansão industrial baseada na diversificação
do mercado urbano - que não é objeto deste
estudo - a earacterístíca principal dos regimes
pós-populístas seria a de vetar qualquer tenta-
tiva de recondução de uma coalizão de tipo po-
pulista e, em geral, de qualquer aliança basea-
da na mobilização e na agitação das classes ur-
banas, provando assim que as classes dirigentes
podem manter o ritmo de expansão industrial
sem serem forçadas a mobilizar as massas ur-
banas para neutralizar a burguesia agrária; o
que, de certo modo, põe em questão a idéia que
está por trás de todas as interpretações do po-
pulísmo ,
Se a insuficiência de um conceito forjado
para explicar o desenvolvimento, revela-se na
sua impossibilidade de desempenhar o papel
que se lhe atribui, é no contexto do desenvolvi-
mento que é necessário experimentar todo novo
conceito destinadoa substituir o primeiro. Por
isso fomos levados a basear-nos, ao mesmo tem-
po, na teoria do subdesenvolvimento e, especial-
mente, no papel desempenhado pelo Estado nos
países subdesenvolvidos. A análise que efetua-
mos, desse duplo ponto de vista, mostrou-nos
porque é impossível dar um conteúdo rigoroso
ao conceito de "classes médias modernas", se
nos contentamos em comentar as hipóteses le-
vantadas a propósito da pequena burguesia ou
da burguesia industrial.
Atribuir um conteúdo rigoroso ao conceito de
classes médias modernas exige que se defina
a relação ao trabalho predominante no seio das
novas camadas urbanas. No caso latino-ameri-
cano, vimos que essa relação ao trabalho não
pode ser compreendida fora de uma organiza-
ção social do trabalho de tipo industrial. Em
outras palavras, estas camadas médias são in-
corporadas a uma organização do trabalho na
qual objeto e instrumento de produção são co-
letivos e em que o trabalho é quantitativamen-
te intercambiável. 24
Se é verdade que as reivindicações de uma
categoria social relevam da relação ao traba-
lho predominante no seio dessa população, é
teoricamente inconcebível interpretar as rei-
vindicações e condutas das camadas médias ur-
banas - em uma palavra, sua ação - nos
mesmos termos em que se interpretam reivin-
dicações e condutas da pequena burguesia ou
de camponeses de parceria. Todavia, não é su-
ficiente definir a relação ao trabalho para com-
preender o conjunto de reivindicações de uma 103
categoria social. É ainda necessário saber o lu-
gar onde se realiza esta relação ao trabalho (em
nosso caso: o aparelho de Estado) assim como
sua função societal (em nosso caso: a produção
política da sociedade). Mais ainda, se o con-
ceito de "classes médias modernas", tal qual o
definimos no início deste trabalho, recobre de
fato uma teoria, é impossível substituí-lo por
um conceito isolado: é necessário pensar este
novo conceito num novo quadro teórico.
Em todas as sociedades desenvolvidas, cama-
das cada vez mais numerosas da população in-
corporam-se a uma organização social do tra-
o papeZ das cZasses médias
balho de tipo industrial. 26 As novas orientações
destas camadas sociais vão depender, não so-
mente dessa nova relação ao trabalho, mas
também do lugar onde ela se exerce. Desse mo-
do, é preciso distinguir:
a) os setores onde o novo modo de organiza-
ção da produção substitui um outro (por exem-
plo, a industrialização tardia da agricultura eu-
ropéia) ;
b) os setores em que antes predominavam
instituições consideradas não-produtivas (a
universidade em geral e a pesquisa científica
em particular; os lazeres) :
c) os setores criados aparentemente ex-nihilo
pela sociedade pós-indusrial (a informática, a
engenharia ambiental etc.) ; 26
d) os setores precocemente incorporados à or-
ganização industrial do trabalho e tardiamen-
te incorporados à produção econômica (o caso
das camadas médias urbanas da América La-
tina) .
Em cada um desses casos, a relação ao tra-
balho que define as novas classes médias é con-
dição necessária mas não suficiente para ex-
plicar o conjunto de novas orientações e reivin-
dicações. Por exemplo, no caso da universidade,
parece evidente que as novas orientações encon-
traram grandes dificuldades para exprimir-se
em um meio ainda marcado pela antiga rela-
ção ao trabalho. A simultaneidade de tipos de
relação ao trabalho encontrada hoje em toda
instituição universitária, torna possível, entre
outras coisas, a expressão das novas reivindica-
ções nos termos das antigas orientações. Refe-
'rmdo-nos ao movimento de maio de 68 em Pa-
104 ris. e aos movimentos que abalaram as univer-
sidades européias, observamos que raramente
os novos trabalhadores intelectuais reivindica-
ram um controle da jornada de trabalho ou da
própria qualificação, mas reclamasão a manu-
tenção de seu "papel crítico". Este papel crí-
tico, no entanto, nada mais é do que o subpro-
duto da antiga relação ao trabalho, e a univer-
sidade não se encontra mais em condições de
assegurá-lo, já que é cada vez menos uma ins-
tituição guardiã de valores e cada vez mais um
conjunto de empresas produtoras de valores
(mercantis) .
Revista de Administração de Empresas
Outro exemplo da especificidade do setor em
que se instaura a nova relação ao trabalho é o
caso das camadas médias urbanas latino-ame-
ricanas. Sua incorporação precoce na organiza-
ção de tipo industrial poupa-lhes a simultanei-
dade de diferentes relações ao trabalho. Isto ex-
plica, em parte, a homogeneidade das orienta-
ções desenvolvimentistas que tornaram possível
a coalizão populista. Além disso, sua incorpo-
ração tardia no domínio da produção econômi-
ca poupa-lhes o processo de diferenciação pelo
nível de renda, diferenciação que, nos países de-
senvolvidos, encobre a identidade entre a rela-
ção ao trabalho das "novas" classes médias e
da "antiga" classe operária.
De qualquer maneira, é a relação ao traba-
lho que desempenha o papel decisivo na deter-
minação das orientações de uma categoria so-
cial. A incorporação progressiva e maciça das
camadas não-operárias na organização indus-
trial do trabalho tenderá a provocar a conjun-
ção das orientações e reivindicações, qualquer
que seja o setor. E essas orientações, certamen-
te, não serão as mesmas da pequena burguesia.
O
1 ~ necessário acrescentar uma dificuldade suple-
mentar. O tipo de atividade econômica de um setor
da população seria outra coisa que não o papel eco-
nômico por ela desempenhado? Em outras palavras,
é o tipo de atividade econômica das classes médias
modernas outra coisa do que seu papel empresarial?
De fato, um dos elementos do explanandum encontra-
se, também, no explanans, o que certos teóricos es-
truturalistas chamam de papel especular de um ele-
mento teórico.
2 Schumpeter, J. A. The theory 01 economic deve-
lopment. Cambridge, Mass., Havard University Press,
1955,p. 61-3. Todas as referências à teoria de Schum-
peter provêm desta obra; indicaremos, daqui por di-
ante, a página entre parênteses.
3 Lipset apresenta um excelente resumo das teorias
que ligam a existência de uma camada que detém o
monopólio da iniciativa econômica à heterogeneidade
cultural provocada pela imigração. Lipset, S.M. Eli-
tes, education and entrepreneurship in Latín Ameri-
ca. In: Lipset, S.M. & Solari, A. (eds.) . Elites in La-
tin America. N. York, Oxford university press, 1967.
4 Industrialism and industrial mano Londres, Heine-
mann, 1962. Os números entre parênteses indicam a
página e referem-se todos a esta edição.
5 Trata-se do conceito de classes médias urbanas no
sistema do subdesenvolvimento. ~ aqui, aliàs, que o
conceito pode ter uma utilidade qualquer na explica-
ção do processo de industrialização. Nas sociedades
industriais e pós-industriais, as classes médias mo-
dernas têm outra origem ou, mesmo, desempenham
outro papel.
6 Um ou outro desses modos pode, perfeitamente,
desempenhar, em dado momento, um papel domi-
nante: a industrialização da produção científica & a
transformação, em mercadoria, dos lazeres (e, bre-
vemente, do próprio ar que respiramos), são exem-
plos do terceiro modo de reprodução que parece de-
sempenhar papel determinante nas sociedades indus-
triais de hoj e .
7 O papel dominante desempenhado pelo setor fi-
nanceiro não caracteriza, a nosso ver, uma simples
fase do sistema de produção de tipo industrial. As
observações seguintes, de Marx, referem-se à primei-
ra metade do século XIX: "Não era a burguesia que
reinava sob Louis-philippe, mas uma fração da mes-
ma: banqueiros, reis da Bolsa, reis da estrada de fer-
ro, proprietários de minas de carvão e de ferro, pro-
prietários de florestas, e a parte da propriedade
fundiária a eles ligada ( ... ). A burguesia industrial
propriamente dita, fazia parte da oposição oficial" ...
Marx, K. As lutas de classe na França WI48-1850).
Tradução francesa, paris, Ed. Sociales, 1967, p. 38.
8 Ver a nota precedente.
9 De tipo industrial: o país colonizado instaura um
tipo de produção que utiliza a organização coletiva
do trabalho, emeios coletivos de produção; trata-se
tanto de minas como de plantations.
10 Cf. Coquéry-Vidrovitch, C. De l'impérialisme brí-
tannique à l'impérialisme contemporain, In: L'Hom-
me et la Société, n. 18, p. 61-90, 1970.
11 Estes são caçados e exterminados quando se re-
vela a impossibilidade de utilização de sua mão-de-
obra. Um novo tipo de sociedade se cria no vazio dei-
xado pelas sociedades autóctones, ou às suas fron-
teiras. As seguintes observações de Marx são parti-
cularmente esclarecedoras a este respeito: "Na pessoa
do escravo, o instrumento de produção é diretamente
pilhado. porém, a produção do país em cujo proveito
o instrumento é tomado, deve ser organizada de ma-
neira a permitir o trabalho escravo ou (como na Amé-
rica do Sul, etc.> é necessário que se crie um modo
de produção conforme à escravidão" (grifo nosso).
Marx, K. Introdução à crítica da economia política.
Contribuições à crítica da economia política. Tradu-
ção francesa, Paris, Ed. Sociales, 1957, p. 162-3.
12 O tipo de atividade agrícola de certas sociedades
africanas era perfeitamente compatível com a inte-
gração de sua mão-de-obra na produção colonial. Os
indíos americanos, com exceção das grandes civiliza-
ções pré-colombianas, pelo contrário, desenvolviam
tipos de atividade econômica incompatíveis com o
trabalho escravo ou livre, tais como as metrópoles aí
o instauraram. A mão-de-obra devia, portanto, ser
importada.
13 Desde então, outras companhias das índias re-
fizeram, pelas mesmas razões, a mesma operação mi-
litar e econômica na América Latina. A partir do sé-
culo XIX, entretanto, uma classe dominante interna
já constituída impedia estes grupos econômicos de
gerenciar, ao mesmo tempo, a sociedade e a econo-
mia colonial. Nestes casos mais recentes o aparelho
de Estado interno deve ser mantido e se é obrigado
a recorrer ao golpe de Estado (América Latina) ou
então, à secessão (Africa).
14 Ver, a esse respeito, Ch. Palloix, em seu artigo
publicado em L'Homme et la Société, n. 15,p. 103-38,'
1970, especialmente o resumo das teses, p. 135-6.
15 De outra maneira, o caudilhismo posterior à inde-
pendência não teria nenhum sentido. por que senho-
res feudais lutariam para adquirir O controle do apa-
relho de Estado, deixando, ao contrário, o poder real
nas mãos dos senhores locais? Na verdade, não é da
competência do Estado o poder político interno, mas
sim, a função de intermediário e o controle da ex-
portação. Sem exercer nenhum controle econômico
ou político sobre a produção, os caudilhos e os gru-
pos que lhes eram ligados obtinha o direito de de-
sempenhar, através do aparelho de Estado, um papel
econômico fundamental.
16 Quanto à função não-econômica das camadas
médias na América Latina, ver weffort, F. C. Le po-
pulisme dans la politique brésiliense. In: Le Temps
Modernes, n. 257, p. 624-49, 1967, especialmente p,
629; ver, também, do mesmo autor, Classes populares
e política. Tese de doutoramento, São Paulo, FFL,
USP, 1968, p. 45 e sego mímeogr.; e Duarte, N. A or-
dem privada e a organização política nacional. São
Paulo, Cia. Editora Nacional, 1966.
17 Esta expressão é utilizada aqui num sestído não-
teórico; admitimos que ela desloca o problema da
desigualdade do intercâmbio e seguimos, neste caso
particular, as teses introduzidas por Ch. palloix em
seu artigo: La question de l'échange inégal - une
critique de l'économie politique. In: L'Homme et la
société, n. 18, p. 5-33, 1970.
18 Este caso não é pura hipótese: nos países onde
a solução de industrialização não pôde ser tentada, as
classes dominantes internas desapareceram ou foram
obrigadas a dividir o essencial de suas tarefas com
grandes companhias estrangeiras. A América Central
nos dá numerosos exemplos semelhantes.
19 Cf. Furtado, Celso. Dialética do desenvolvimento.
Rio de Janeiro, Fundo de Cultura, 1964; ver também
Martins, L. L'épuisement d'un modele de changement 105
social: la crise du développementisme au Brésil. In:
Balandier, G. (ed.) . Sociologie des mutations. Paris,
Anthropos, 1970, p. 451-62.
20 Cf. Cardoso, F. H. Empresário industrial e desen-
volvimento industrial no Brasil. Rio de Janeiro, Ins-
tituto de Ciências Sociais, UFRJ, 1966.
21 Cf. Cardoso, F. H. Entrepreneurial elites. In: Lip-
set, S.M. & Solari, A. (eds.) . Elites in Latin America,
N. York, Oxford University Press, 1967.
22 Ainda hoje, apesar das tentativas conscientes em
contrário, num país como o Brasil, o Estado está na
origem de mais da metade dos investimentos indus-
triais.
o papel das classes médias
23 Sobre o novo caráter tomado pela crise, ver Wef-
fort, F. C. op. cito 1968; a propósito da homogenei-
dade da nova coalizão,ver Las Casas, R. D. de. L'Etat
autoritaire - essai sur Ies formes actuelles de domi-
nation impérialiste. In: L'Homme et la Société, n.
18,p. 99-111,1970.
24 Apesar de utilizar termos diferentes, cremos que
a análise de C. W. Mills leva a estas conclusões. Cf.
White collares. Tradução francesa: Maspero, Paris,
1966,passim.
25 Certos autores chamam "sociedade pós-indus-
trial" o conjunto deste processo, chamando a atenção
para aspectos - no entanto, secundários - desta in-
corporação maciça da mão-de-obra na organização
de tipo industrial, tais como o papel predominante da
informação, o caráter intelectual do trabalho, etc.
26 Se pensamos nos sátrapas (olhos e ouvidosdo rei),
constatamos que o tratamento da informação não é
tão recente quanto se pretende. O que é novo é a
transformação do seu resultado em mercadoria.
A coleção que vale por uma biblioteca para o
empresário brasileiro.
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