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BRANQUITUDE Estudos sobre a identidade branca no Brasil B82i 2017 Catalogação na Fonte Elaborado por: Josefina A. S. Guedes Bibliotecária CRB 9/870 Branquitude: estudos sobre a identidade branca no Brasil / Tânia Mara Pedroso Müller, Lourenço Cardoso. -1. ed. - Curitiba: Appris, 2017. 335 p.; 21 cm (Ciências Sociais) Inclui bibliografias ISBN 978-85-473-0829-2 1. Brancos - Identidade racial. 2. Racismo. 3. Identidade. I. Müller, Tânia Mara Pedroso, org. II. Cardoso, Lourenço, org. III. Título. IV. Série. CDD 23. ed. - 320.56 Editora e Livraria Appris Ltda. Av. Manoel Ribas, 2265 - Mercês Curitiba/PR - CEP: 80810-002 Tel: (41) 3156-4731 | (41) 3030-4570 http://www.editoraapris.com.br/ Tânia M. P. Müller Lourenço Cardoso (Organizadores) BRANOUITUDE Estudos sobre a identidade branca no Brasil Curitiba - PR 2017 Editora Appris Ltda. Ia Edição - Copyright© 2017 dos autores Direitos de Edição Reservados à Editora Appris Ltda. Nenhuma parte desta obra poderá ser utilizada indevidamente, sem estar de acordo com a Lei n° 9.610/98. Se incorreções forem encontradas, serão de exclusiva responsabilidade de seus organizadores. Foi feito o Depósito Legal na Fundação Biblioteca Nacional, de acordo com as Leis n°s 10.994, de 14/12/2004 e 12.192, de 14/01/2010. FICHA TÉCNICA EDITORIAL COMITÊ EDITORIAL EDITORAÇÃO ASSESSORIA EDITORIAL DIAGRAMAÇÃO CAPA Sara C. de Andrade Coelho Marli Caetano Augusto V. de A. Coelho Andréa Barbosa Gouveia - USP Edmeire C. Pereira - UFPR Iraneide da Silva - UFC Jacques de Lima Ferreira - PUCPR Marilda Aparecida Behrens - UFPR Lucas Andrade | Giuliano Ferraz Bruna Fernanda Martins Andrezza Libel de Oliveira Bruna Souza | Samanta Müller REVISÃO Andrea Bassoto I André Luiz Cavanha GERÊNCIA COMERCIAL Eliane de Andrade GERÊNCIA DE MARKETING Sandra Silveira Selma Maria Fernandes GERENCIA DE FINANÇAS do Valle GERÊNCIA ADMINISTRATIVA Diogo Barros Carlos Eduardo Pereira COMUNICAÇÃO Igor do Nascimento Souza Milene Salles I EstevãoLIVRARIAS E EVENTOS 1 Misael CONVERSÃO PARA E-PUB Carlos Eduardo H. Pereira COMITÊ CIENTÍFICO DA COLEÇÃO CIÊNCIAS SOCIAIS DIREÇÃO CIENTIFICA CONSULTORES Fabiano Santos - UERJ/IESP Alicia Ferreira Gonçalves - UFPB Artur Perrusi - UFPB Carlos Xavier de Azevedo Netto - UFPB Charles Pessanha - UFRJ Flávio Munhoz Sofiati-USP, UFSCAR Elisandro Pires Frigo José Henrique Artigas de Godoy - UFPB Josilene Pinheiro Mariz - UFCG Leticia Andrade - UEMS Luiz Gonzaga Teixeira - USP Marcelo Almeida Peloggio - UFC Maurício Novaes - UFPR/Palotina Gabriel Augusto Miranda Setti - UnB Geni Rosa Duarte - UNIOESTE Helcimara de Souza Telles - UFMG Iraneide Soares da Silva - UFC, UFPI João Feres Junior - UERJ Jordão Horta Nunes - UFG Souza - IF Sudeste MG Michelle Sato Frigo - UFPR/Palotina Revalino Freitas - UFG Rinaldo José Varussa -UNIOESTE Simone Wolff- UEL Vagner José Moreira - UNIOESTE SUMARIO PREFÁCIO Kabengele Munanga APRESENTAÇÃO Os organizadores O CONCEITO DE BRANOUITUDE: REFLEXÕES PARA O CAMPO DE ESTUDO Priscila Elisabete da Silva EXORDIO: APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA A ORIGEM DO CONCEITO DE BRANQUITUDE CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONCEITO DE BRANQUITUDE NA SOCIEDADE BRASILEIRA SISTEMATIZANDO REFERÊNCIAS A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS CRÍTICAS Lourenço Cardoso A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS “CRÍTICAS” CRÍTICA E A ACRÍTICA E O CONTEÚDO A TEORIA CRÍTICA E A CRÍTICA DA CRÍTICA CRÍTICA A BRANQUITUDE E A BRANQUIDADE: O CONCRETO E A ABS TRAÇÃO REFERÊNCIAS BRANQUITUDE INVISÍVEL - PESSOAS BRANCAS E A NÃO PER CEPÇÃO DOS PRIVILÉGIOS: VERDADE OU HIPOCRISIA? Jorge Hilton de Assis Miranda CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS A PERSISTÊNCIA DO PRIVILÉGIO DA BRANCURA: NOTAS SOBRE OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DA LUTA ANTIR- RACISTA Camila Moreira de Jesus INTRODUÇÃO REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE RACIAL BRANCA NO RECÔNCAVO DA BAHIA O PRIVILÉGIO COMO BASE DE SUSTENTAÇÃO PARA O RA CISMO CONSTRUÇÃO NEGATIVA DE SUBJETIVIDADES INDIVIDUAL E/OU COLETIVA NEGAÇÃO DE DIREITOS PARA NEGROS DESCARACTERIZAÇÃO DA DISCUSSÃO RACIAL CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BRANOUITUDE. COLONIALISMO E PODER: A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ACADÊMICO NO CONTEXTO BRASILEIRO Ana Amélia de Paula Laborne O BRANCO NOS ESTUDOS SOBRE RAÇA EM CONTEXTOS IN TERNACIONAIS A UNIVERSIDADE E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO ACADÊMICO NO BRASIL REFERÊNCIAS A BRANOUITUDE DAS CLASSES MÉDIAS: DISCURSO MORAL E SEGREGAÇÃO SOCIAL Suzana Maia INTRODUÇÃO ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE CONSTITUIÇÃO RACIAL DAS CLASSES MÉDIAS NO BRASIL BRANQUIDADE E DISCURSO MORAL CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS FRANTZ FANON. A BRANOUITUDE E A RACIALIZAÇÃO: APOR TES INTRODUTÓRIOS A UMA AGENDA DE PESQUISAS Deivison Mendes Faustino INTRODUÇÃO A BRANQUITUDE COMO RACIALIZAÇÃO DO UNIVERSAL O NARCISO CASTRADO A CRÍTICA À ESQUERDA FRANCESA COMO CRÍTICA À BRAN- QUITUDE REFERÊNCIAS PRETO NO BRANCO: STUART HALL E A BRANOUITUDE Liv Sovik REFERÊNCIAS “QUASE NEGRA TANTO QUANTO QUASE BRANCA”: AUTOET- NOGRAFIA DE UMA POSICIONALIDADE RACIAL NOS ENTRE- MEIOS Joyce Souza Lopes INTRODUÇÃO O “EU-OBJETO”: STRIP-TEASE DE UMA POSICIONALIDADE RA CIAL ENTREMEIOS O “SER” FENOTIPICAMENTE MESTIÇO A PARTIR DO MODO DE PENSAR DA RAZÃO DUAL RACIAL CONSIDERAÇÕES PARCIAIS REFERÊNCIAS O BRANCO NÃO BRANCO E O BRANCO-BRANCO Lourenço Cardoso PRÓLOGO O BRANCO PORTUGUÊS: NÃO BRANCO-LÁ, BRANCO-AQUI O DEGREDADO, O BRANCO MAIS DEGENERADO ENTRE OS DE GENERADOS A “CEGUEIRA” DO BRANCO FRUTO DA COLONIZAÇÃO A ESCRAVIDÃO E A ESTEREOTIPAÇÃO DO BRANCO PORTU GUÊS O BRANCO-BRANCO, O BRANCO IMIGRANTE O BRANCO BRASILEIRO SER NÃO HIFENIZADO E A OPOSIÇÃO BINÁRIA CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS NOMEAR A BRANOUITUDE. UMA PESQUISA ENTRE HOMENS BRANCOS NO RIO DE TANEIRO Valéria Ribeiro Corossacz INTRODUÇÃO OS ESTUDOS SOBRE A BRANQUITUDE O MUNDO DOS ENTREVISTADOS A BRANQUITUDE: UM OBJETO NÃO EXÓTICO? O QUE FAZ DE UM BRANCO UM BRANCO? CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS A KAKISTOCRACIA E A “POLÍTICA PÓS-VERDADE” NO REGIME RACISTA, PATRIARCAL E CAPITALISTA PREDATÓRIO: REGRES SÃO DA JUSTIÇA BRASILEIRA E ESTADUNIDENSE COM O MEDO. ÓDIO E CRISE DA IDENTIDADE BRANCA César Augusto Rossatto PEDAGOGIA DE BRANCOS PARA BRANCOS - PEDAGOGIA DO OPRESSOR RELIGIÃO E A EXPANSÃO DA HEGEMONIA BRANCA BRASIL E ESTADOS UNIDOS E O LEGADO RACIAL A HISTÓRIA DA BRANQUITUDE NO BRASIL A HISTÓRIA DA BRANQUITUDE NOS ESTADOS UNIDOS A GUISA DE CONCLUSÕES REFERÊNCIAS O FIM DO ARCO-IRÍS: A BRANOUINTUDE COMO DESAFIO DA LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO Cristiane Mare da Silva Paulino de Jesus F Cardoso REFERÊNCIAS RETRATO DOS BRANCOS/AS ANTIRRACISTAS FEITO DO PONTO DE VISTA DE UMA EDUCAÇÃO MACUMBISTA Basllele Malomalo INTRODUÇÃO 259 DESENVOLVIMENTO DE IDENTIDADE RACIAL BRANCA PARA EDUCADORES/AS DE ADULTOS/AS RETRATO DOS/AS BRANCOS/AS ANTIRRACISTAS DO PONTO DE VISTA DE UMA EDUCAÇÃO MACUMBISTA CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS BRANQUITUDE E COTIDIANO ESCOLAR Monique Ferreira Gadioli Tânia Mara Pedroso Müller BRANQUITUDE: UMA QUESTÃO CONCEITUAL REFLEXÕES SOBRE A INVISIBILIZAÇÃO DA RAÇA BRANC CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS A INVESTIGAÇÃO ACADÊMICA SOBRE PROCESSOS DE BRAN- OUITUDE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA REFLEXÃO INICIAL Cintia Cardoso Lucimar Rosa Dias INTRODUÇÃO DELIMITANDO O CAMPO BRANQUITUDE NA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE DESI GUALDADES RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM LEVAN TAMENTO BIBLIOGRÁFICO. EXTRAINDO A BRANQUITUDE CONSIDERAÇÕES FINAIS REFERÊNCIAS A CRIANÇA BRANCA IDEALIZADA PELA IMPRENSA NO SÉ- CULO XX Tânia Mara Pedroso Müller INTRODUÇÃO A REVISTA FEMININA O CONCURSO EM QUESTÃO A IMAGEM IDEALIZADA NA CAMPANHA O IDEAL É O BRANCO REFERÊNCIAS Eontes primárias Fontes secundárias SOBRE OS AUTORES PREFÁCIO Quando o debate sobre cotas e políticas afirmativas explodiu no Brasil, principalmente depois da 3a Conferência da ONU sobre o ra cismo, discriminação e intolerância correlata organizada em Durban,África do Sul, em agosto/setembro de 2001, uma das questões colo cadas pelas pessoas que estavam contra as propostas em debate era a respeito da dificuldade para definir quem é negro no Brasil por causa da mestiçagem. Mas na contramão dessa dificuldade não se colocava a dificuldade de definir quem é branco no Brasil. Em outros termos, a negritude de milhões de brasileiros e brasileiras de ascendência afri cana foi posta em questão, mas a branquitude não foi questionada porque os indivíduos brancos perderíam as vantagens meritocra- ticamente adquiridas ao dividir o acesso à universidade pública com seus compatriotas negros. As cotas em benefício dos negros foram qualificadas de cotas raciais porque o Brasil é um país de mestiços e por definição nem branco e nem negro. Poder-se-ia deduzir dessas reações que o branco não gostaria de assumir sua branquitude e as vantagens dela decorrentes que poderíam ser compartilhadas com seus compatriotas negros? Hipocrisia! Pois todos sabem quem é quem e qual é o lugar do Negro e do Branco numa sociedade que ambos construíram em contextos históricos diferentes. A ideia da Negritude vem sendo construída desde o fim do século XIX pelo Movimento Pan-africano nascido nos Estados Unidos e nas Antilhas Britânicas, mas ela se transforma nitidamente em Movi mento Intelectual e Político Negro na década de 1930 a partir da inici ativa dos estudantes negros das Antilhas Francesas e da África em busca da assimilação da cultura europeia na Universidade Francesa. A assimilação não era outra coisa que a busca do branqueamento através da adoção da cultura hegemônica ocidental já que era impossível mudar a cor da pele e outros traços morfológicos que constituíam a negritude. O que deu o título à obra de Frantz Fanón “Pele Negra Máscaras Brancas”. Desde então o conceito de Negritude entrou na literatura, dando origem a uma rica e abundante produção intelectual, principalmente negra. Resumidamente, Aimé Césaire a definiu como “a consciência de ser negro”, simples reconhecimento de um fato que implica a aceitação: assumir sua negritude, sua história e sua cultura; ou seja, sua identidade. No entanto, paralelamente a negritude, pouco se escreveu sobre a Branquitude na literatura brasileira. É como se a consciência de ser branco não existisse no Brasil por causa da mestiçagem (sorriso!). Um silêncio sobre a Branquitude e as suas vantagens foi mantido por muito tempo diante do discurso sobre a Negritude e a identidade negra. Os negros conscientes e politicamente mobilizados lutavam contra as práticas de discriminação racial e as desigualdades dela decorrentes e precisavam por isso se mobilizar através do conceito da Negritude como plataforma política, mas os brancos como todos os vitoriosos estavam no topo e talvez não precisassem dessa mobili zação. Eles não precisavam gritar e proclamar sua Branquitude, pois o tigre não precisa proclamar sua “tigritude”; sendo o “rei” da selva ele simplesmente ataca silenciosamente quando sua sobrevivência o exige. São os outros, oprimidos negros, mulheres e homossexuais que precisam gritar e proclamar sua identidade. Talvez isso pudesse expli car a estratégia do silêncio e a não proclamação da identidade branca, apesar da consciência das vantagens que ela oferece no universo racial brasileiro. Alguém teve de dar basta ao silêncio na literatura intelectual brasi leira ao incorporar a temática da Branquitude como categoria de aná lise do racismo brasileiro. Podemos encontrar traços dessa denúncia nos trabalhos de Alberto Guerreiro Ramos e Abdias do Nascimento, mas a análise mais clara sobre a Branquitude como consciência identitária e como categoria social para análise do racismo, veio, até onde vai minha ignorância, do trabalho pioneiro da intelectual negra, Maria Aparecida Silva Bento: “Pactos narcísicos no racismo: Branquitude e Poder nas organizações empre sariais e no poder público”, tese de doutorado defendida no Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade de São Paulo em 2002 e cuja síntese foi publicada na obra coletiva “Psicologia So cial do Racismo: Estudos sobre a Branquitude e Branqueamento sob o título Branqueamento e Branquitude no Brasil”, pela Editora Vozes, 2002. Todos os trabalhos sobre Branquitude que fizeram parte da grade de leitura dos autores e das autoras da obra em prefácio são posteriores ao trabalho de Bento. Enfim, eis a importância da obra coletiva que ora estamos prefa ciando. Além de atualizar o debate sobre a Branquitude enquanto con ceito e consciência identitária quase “silenciada” retoricamente na sociedade brasileira, mas vivida intensamente. Os autores e as autoras deste livro Branquitude nos lançam novos desafios através de um leque de recortes sobre o assunto que vem amplificar nossos hori zontes de reflexão, dúvidas e críticas sobre o tema. São 17 textos de autores e autoras de formação diferentes, mas que tentam convergir suas reflexões em torno do tema da Branquitude. Partindo da reflexão crítica de grande fôlego sobre o próprio conceito, eles/elas apontam como esse conceito carrega ideologia, visão do mundo e filosofia de vida numa perspectiva histórica, estrutural, psicológica, política e ou tras, recolocando em discussão sua importância no debate sobre o ra cismo e o antirracismo na sociedade brasileira. Mais do que isso, eles/ elas apontam também todos os problemas e dificuldades que a consci ência da Branquitude tem causados ao processo de alienação da cul tura e humanidade negras através do ideal do branqueamento. Esses textos nos mostram a importância dos conceitos de Branquitude e Negritude na luta contra o racismo na sociedade brasileira. Os estudos sobre as relações raciais muito falaram do negro e dos problemas que lhe foram criados no universo racial brasileiro, mas deixaram de falar de brancos numa sociedade onde a Branquitude poderia também fazer parte do processo de transformação social, par tindo da hipótese de que os brancos conscientes dos privilégios que sua cor lhes traz na sociedade poderiam questioná-los e participar do debate sobre a divisão equitativa do produto social nacional entre brancos e negros. Sem entrar nos pormenores da riqueza de cada um desses textos cuja leitura nos desafia, devo aqui relevar suas contri buições na renovação e atualização do nosso pensamento sobre as lutas contra o racismo em busca de mudanças transformadoras do desequilíbrio e desigualdades entre brasileiros e brasileiras de ascen dência africana, sujeito da negritude e de ascendência europeia, sujei tos da branquitude. Como ambos poderiam convergir seus esforços na lua contra as desigualdades raciais ao estabelecer uma relação dialógica entre Negritude e Branquitude? A leitura atenta desta rele vante obra nos auxiliará certamente para destrinchar essas difíceis questões que o racismo com suas certezas e dúvidas nos coloca no cotidiano das relações entre seres humanos e instituições. Prof. Dr. Kabengele Munanga Antropólogo, Universidade de São Paulo. APRESENTAÇÃO A branquitude significa pertença étnico-racial atribuída ao branco. Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial, um poder de classificar os outros como não brancos, dessa forma, significa ser menos do que ele. Ser branco se expressa na corpo- reidade, isto é, a brancura, e vai além do fenotipo. Ser branco consiste em ser proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais. Com 17 capítulos, este livro trata da identidade branca com foco na reali dade social brasileira. E a antologia se inicia justamente com a dis cussão histórico-conceituai brasileira. O estudo de Priscila Elisabete da Silva, no capítulo “O conceito de branquitude: reflexões para o campo de estudo”, tem por finalidade compartilhar reflexões acerca do potencial de utilização do conceito de branquitudepara compreensão das relações raciais no Brasil. A pes quisadora defende a utilização do conceito de branquitude como dispositivo analítico, isto é, ferramenta capaz de fazer emergir o pensamento racial, mais específicamente, a subjetividade do branco, em contextos aparentemente não racializados. Contribui, também, para identificar e caracterizar o conceito de branquitude no contexto brasileiro. “A branquitude acrítica revisitada e a branquidade”, de Lourenço Cardoso, objetiva retomar e aprofundar os conceitos branquitude crí tica e branquitude aerifica, criado pelo autor em 2008 em sua disser tação de mestrado. Cardoso também possui o interesse de participar da discussão a respeito da proposta de distinção entre branquidade e branquitude, um debate que começa a emergir nos estudos sobre o branco. Jorge Hilton de Assis Miranda, em “Branquitude invisível: pes soas brancas e a não percepção dos privilégios: verdade ou hipo crisia?”, discute sobre a invisibilidade e a neutralidade de pessoas brancas sobre os próprios privilégios raciais, buscando responder à pergunta de que a não percepção sobre essas vantagens que se tem por ser branco é ou não dissimulada. Com base em Bourdieu, o autor apresenta um novo olhar para branquitude ao fazer uso do termo de habitus racial. Camila Moreira de Jesus, em “A persistência do privilégio da brancura: notas sobre os desafios na construção da luta antirracista” tem o propósito de discutir como o privilégio da brancura continua a ser a mola propulsora fundamental para a continuidade de práticas racistas que mantêm o branco em posição de superioridade enquanto nega muitos direitos a indivíduos negros. Para tanto, argumenta que o privilégio da brancura se sustenta no tripé de mazelas sociais: a cons trução negativa de subjetividades individual e/ou coletiva; a negação de direitos para negros; e a descaracterização da discussão racial. A au tora optou por fazer uso da palavra brancura, um termo que Guerreiro Ramos utilizava em 1957, e a distinção entre branquitude e brancura será um dos pontos abordados em seu artigo de forma breve. Ana Amélia de Paula Laborne, no capítulo “Branquitude, coloni alismo e poder: a produção do conhecimento acadêmico no contexto brasileiro” discute as interfaces entre as relações raciais e a produção do conhecimento acadêmico com foco nas potencialidades de análise da branquitude. O objetivo central do artigo é compreender de que maneira a branquitude vem se construindo na sociedade brasileira e como a mesma se relaciona com a universidade e com os processos de produção do conhecimento no campo das relações raciais e educação. Guerreiro Ramos, o pioneiro dos estudos sobre branquitude, será abordado referente ao seu papel como intelectual engajado. Em “A branquitude das classes médias: discurso moral e segre gação social”, Suzana Maia visa contribuir com o campo de estudos das relações raciais e branquitude, estabelecendo uma intersecção com os estudos de classe média. É um dos objetivos desse capítulo entender de que forma a branquitude funciona como um marcador de distinção social, utilizado para garantir o acesso a bens materiais e simbólicos e entender como, num contexto de silêncio sobre as ques tões raciais, uma subjetividade branca é construída por meio de concepções sobre respeitabilidade, merecimento e intimidade. “Frantz Fanón, a branquitude e a racialização: aportes introdu tórios a uma agenda de pesquisa”, de Deivison Mendes Faustino, é parte de um esforço mais amplo, que objetiva visibilizar as contri buições de Fanón para os estudos sobre as relações raciais no Brasil. As informações aqui apresentadas têm origem na coleta de dados realizada durante a pesquisa de doutorado intitulada Por que Fanón, por que agora? Frantz Fanón e os Fanonismos no Brasil, em que Faus tino apresentou um mapeamento ampliado dos estudos contem porâneos sobre Frantz Fanón. Um dos temas que se destacou na oca sião, mas que não foi passível de exploração devido ao escopo da refe rida pesquisa, foi a posição de Fanón a respeito da branquitude, mas agora, nesse novo texto, ele alonga um pouco mais essa questão. A autora Liv Sovik, no capítulo “Preto no branco: Stuart Hall e a branquitude”, explicita as formas em que o trabalho de Stuart Hall, apesar de focar identidades diaspóricas negras, é útil para os estudos da branquitude, para além da possibilidade de uma inversão, pela qual a figura negra define o fundo branco. Procura entender o método de Hall, que passa por um conceito particular do trabalho teórico, a interlocução de atores sociais não acadêmicos, o interesse pela história ou a genealogia e a busca da intervenção em processos políticos pelo trabalho intelectual. Nisso, a prática acadêmica de Stuart Hall assemelha-se à prática de Guerreiro Ramos naquilo que nos apre sentou o texto de Ana Laborne. Em “Quase negra tanto quanto quase branca: autoetnografia de uma posicionalidade racial nos entremeios”, Joyce Souza Lopes, a par tir de uma escrita autoetnográfica, propõe-se a refletir sobre o sujeito fenotipicamente mestiço, especialmente o de tez clara/branca, desta cando que o que se tem produzido científicamente a respeito da posi cionalidade racial nos entremeios é limitado ou equivocado, seja pela “fixidez” exigida pela racionalidade colonial/moderna, o modo de pen sar da razão dual racial, seja pelo impasse do mestiço como o pro blema no “inferno racial” dos críticos a Gilberto Freyre ou pela solução no “paraíso racial” dos freyrianos e neofreyrianos. Conclui que os estudos do campo crítico da branquitude disseminados no Bra sil certamente não superam esse quadro, mas nos levam a outros pon tos de reflexão e inflexão tratados no artigo. Em “O branco não branco e o branco-branco”, Lourenço Cardoso possui o propósito de voltar os olhos para a Historia com foco no bran co. O método empregado objetivava visibilizar a branquitude diluida ñas narrativas históricas no emprego de termos como “degredado” “brasileiro” “imigrante”. O argumento central é o seguinte: a bran quitude brasileira possui a característica de não branquitude marcante desde sua herança ibérica, acentuada (piorada), com o tráfico transa tlántico. Em outras palavras, ser branco brasileiro constitui possuir um aspecto de não branquitude. Ser branco brasileiro significa ser branco não branco. Valeria Ribeiro Corossacz, em “Nomear a branquitude. Uma pes quisa entre homens brancos no Rio de Janeiro”, debate como a bran quitude é percebida e descrita por homens brancos de classe média alta do Rio de Janeiro, e revela os problemas impostos pelo sistema de classificação de cor e a relação entre cor e classe, para apontar os desa fios metodológicos de pesquisas sobre branquitude no contexto brasi leiro, as dificuldades dos entrevistados em dar definições da bran quitude e os significados de seus silêncios e suas risadas. Já em “A Kakistocracia e a ‘política pós-verdade’ no regime racista, patriarcal e capitalista predatório: regressão da justiça brasileira e es tadunidense com o medo, ódio e crise da identidade branca”, de César Augusto Rossatto, ele usa os Estudos Críticos da Branquitude como forma de desconstrução da branquitude ou supremacia branca. Ainda, examina como o racismo permeia fronteiras internacionais e transna- cionais para propor uma educação antirracista, nos campos do currí culo e políticas educacionais. O autor compara as similaridades e con trastes fundamentais entre as questões raciais no Brasil e Estados Unidos no que diz respeito às ações afirmativas relativas à imple mentação de cotas raciais, como uma forma educacional alternativa, a conquista dos direitos sociocomunitários dos afro-brasileiros e afro-estadunidenses com respeito ao direito à educação e outros direi tos civis. “O fim do arco-íris: a branquitude como desafio da luta antir-racista no Brasil contemporâneo”, de Cristiane Mare da Silva e Pau lino de Jesus F. Cardoso, reflete os desafios da luta pela cidadania na conjuntura política atual, marcada especialmente pela demolição e cor rupção das instituições democráticas e instalação de um Estado de exceção, apoiado por parte expressiva das classes média e alta deste país. Entendem que tal situação evidencia os problemas de um país que não enfrentou a herança colonial. Nele, a branquitude, enquanto prática de poder que confere privilégios, status, prestígio e poder aos descendentes de colonos europeus, brancos, permite compreender a recusa da democracia e para a manutenção de seus privilégios. O estudo de BasTlele Malomalo, em “Retrato dos brancos/as an- tirracistas feito do ponto de vista de uma educação macumbista”, pro- blematiza o retrato dos sujeitos brancos/as antirracistas a partir da teo ria de desenvolvimento de identidade racial branca para educadores de adultos/as de Caroline Lund e da hermenêutica diatópica de Boa- ventura de Souza Santos dos quais o autor revisita a sua proposta de epistemología desconstrutivista e reconstrutivista de macumba no campo da educação antirracista. Argumenta que esses sujeitos são pessoas, beneficiadas pelos privilégios que racismo fornece à sua raça, e que passaram pela experiência educativa de letramento racial, e por isso são abertas ao diálogo intercultural e inter-racial emancipatório. Em “Branquitude e cotidiano escolar”, Monique Ferreira Gadioli e Tânia Mara Pedroso Müller discutem sobre o papel do branco nas relações raciais no cotidiano escolar para compreender como ele reper cute na formação identitária dos alunos negros, e também para com preender como artefatos hegemônicos que compõem a cultura escolar atuam na constituição da identidade dos alunos brancos. No artigo de Cintia Cardoso e Lucimar Rosa Dias, “A investigação acadêmica sobre processos de branquitude na educação infantil: uma reflexão inicial”, elas apresentam resultados preliminares de um es tudo a respeito da produção acadêmica sobre desigualdades raciais na educação infantil, considerando a branquitude como um elemento importante desse contexto. Destacam, também, que pesquisas sobre a branquitude na educação infantil podem contribuir para ampliar os estudos sobre as relações étnico-raciais, proporcionando estudos inau gurais em um campo de pesquisa que ainda precisa ser ampliado e explorado no Brasil. O último capítulo, “A criança branca idealizada pela imprensa no século XX”, de Tânia Mara Pedroso Müller, revela como a imprensa serviu de veículo de divulgação do pensamento da classe burguesa, mas que também foi produtora de um discurso de desvalorização da estética negra, quando definiu a criança branca como ideal desejado, expresso na campanha “Em busca da criança ideal”, ocorrida em 1957. A autora espera demonstrar que o estudo sobre o modo de difusão de idéias e informações veiculadas na imprensa pode permitir analisar a formação da própria sociedade brasileira e sua repercussão no coti diano. Por fim, o livro Branquitude pretende colaborar com a teoria social ao tratar do tema branquitude, com o objetivo de recusar que o con flito racial permaneça reduzido a problema do negro. O branco pode contribuir para construção de outra histórica com uma perspectiva plural de muitos universos. O Outro não é para ser hierarquizado, o não branco possui um papel fundamental, visto que a afirmação hu mana autêntica se faz com o reconhecimento do Outro como igual. Somente é possível o branco se afirmar humano se enxergar a huma nidade do negro; o fato de reconhecer o Outro como humano o leva enxergar a verdadeira humanidade em si, pois somente reconhecer a si é um engano, não problematizar a branquitude é persistir no equí voco, o reconhecimento de si com desvalorização do Outro. Os organizadores O CONCEITO DE BRANQUITUDE: REFLEXÕES PARA O CAMPO DE ESTUDO Priscila Elisabete da Silva EXORDIO: APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA Como estudiosa das relações raciais no Brasil, tenho procurado entender as diferentes configurações histórico-sociais que estruturam o pensamento racial em nossa sociedade e suas implicações para a compreensão da questão racial na contemporaneidade. Parto da com preensão de que o debate racial presente nas primeiras décadas do sé- culo XX merece atenção especial tendo em vista que nasceram, na quele contexto, instituições centrais à nossa sociedade. Em conso nância com outros estudiosos (SANTOS, 2001; PAIXÃO, 2014) en tendo que não há como pensar a modernidade brasileira sem estar atenta à força do pensamento racial que se apresentava - já naquele contexto - como elemento estruturante das ações empreendidas por considerável parcela de nossos intelectuais. Nessa concepção, entende-se que se faz necessário repensar as interpretações clássicas sobre nossa sociedade uma vez que essas rara mente tratam a dimensão racial como elemento central à dinâmica so cial brasileira. Tal negação tem contribuído para afirmar a ideia de democracia racial como alicerce de nossa identidade nacional o que, por sua vez, reverbera na dificuldade de identificar estruturas que per mitem a sobrevivência do racismo entre nós. Essa linha interpretativa tem nos oferecido arcabouço teórico que auxilia na análise sobre as diferentes facetas do racismo brasileiro. É sob essa tela que desenvolvo inquietações em relação à dinâmica da reprodução do racismo em nossa sociedade. Em estudos anteriores (SILVA, 2008, 2014 e 2015) procuro destacar, no contexto histórico-social, elementos que auxiliam na compreensão dos meca nismos de reprodução do racismo, particularmente no que concerne ao campo da educação superior, espaço que tradicionalmente tem sido tratado como locus de formação das elites dirigentes do país. Com este artigo inicio reflexão acerca do alargamento de compre ensão sobre o conceito de branquitude e sua utilização na análise das relações raciais em nossa sociedade. Entendo que essa empreitada pode contribuir para o fortalecimento dessa área de estudos e, conse quentemente, do potencial de compreensão sobre o racismo vigente no Brasil. Essa proposta de compreensão acerca do conceito de branquitude surgiu a partir de estudos que venho realizando no campo das rela ções raciais (SILVA, 2008; 2014; 2015). Entender a dimensão racial em nossa sociedade tem exigido, a meu ver, esforço de repensar aná lises aceitas como clássicas (e com elas categorias e conceitos), mas que vistas em profundidade não abordam a problemática racial como elemento central à compreensão sobre nossa sociedade. É com base nesse quadro que proponho pensar a utilização do conceito de branquitude como dispositivo analítico*, isto é, ferramenta capaz de fazer emergir o pensamento racial, mais específicamente a subjetividade do branco, em contextos aparentemente não racia- lizados. Nesse momento, apresento uma primeira fase de reflexão cuja finalidade é identificar e caracterizar o conceito de branquitude no contexto brasileiro. A ORICEM DO CONCEITO DE BRANQUITUDE 2 Antes de caracterizar o conceito de branquitude, cabe apresentar, ainda que brevemente, um histórico sobre seu surgimento^. Os estudos críticos da branquitude nasceram da percepção de que era preciso analisar o papel da identidade racial branca enquanto ele mento ativo nas relações raciais em sociedades marcadas pelo coloni alismo europeu. Percepção esta que esteve presente nos estudos de intelectuais como W. E. B. Du Bois (1920, 1935)!; Frantz Fanón (1952)5; Albert Memmi (1957)É, Steve Biko (1978)7 e Alberto Guerreiro Ramos (1957)2, hoje compreendidos como precursores dos estudos sobre a branquitude (CARDOSO, 2008; 2010 e 2014). Tais intelec tuais, em diferentes contextos históricos e sociais, chamaram a aten ção para os efeitos da colonização e do racismo na subjetividadenão so do negro, mas, sobretudo, do branco. Leitura que desafiava a inter pretação unívoca a qual via o negro como “objeto de estudo”, “tema de estudo” privilegiado para compreensão das relações raciais. Seguindo esse lastro, na década de 1990, intelectuais norte-americanos iniciaram uma reflexão sistemática sobre o fenô meno da branquitude e seus efeitos. O tema difundiu-se rapidamente por diferentes áreas de estudo (direito, arquitetura, geografia, antro pologia, sociologia, psicologia). “A formulação e a aplicação do con ceito de branquitude alterou o modo como se pesquisava a categoria "raça’ na sociedade estadunidense” (CARDOSO, 2008, p. 174). A par tir de então, o branco emerge como “objeto de análise” para compre ensão da dinâmica das relações raciais naquele país. Esforço que deu origem ao que ficou conhecido por criticai whiteness studies? (CAR DOSO, 2008; 2010 e 2014; CARONE e BENTO, 2009). Conforme Henry A. Giroux (1999), o objetivo dos acadêmicos que se dedicaram a estudar esse fenômeno era buscar: [...] acumular uma quantidade substancial de conhe cimento, explorando o significado da análise da branquidade™ como uma construção social, cultural e histórica. Esse trabalho se caracterizou por várias tenta tivas para situar a branquidade como uma categoria racial e analisá-la como um locus de privilégio, poder e ideo logia. Além disso, esse trabalho procurou examinar criti camente de que modo a branquidade, como identidade racial, é experienciada, reproduzida e tratada pelos ho mens e mulheres brancos que se identificam com suas pressuposições e valores. (GIROUX, 1999, p. 101). Cardoso L. (2008), Ruth Frankenberg (2004) e David R. Roediger (2004) destacam o diálogo desses pesquisadores com os estudos cultu rais e com a teoria feminista. Segundo Cardoso L. (2008), os estudos críticos da branquitude nos Estados Unidos apresentam duas ver tentes principais: “a primeira linha de estudos críticos da branquitude propõe a reconstrução da raça branca, mantendo-se uma sociedade racializada com a supressão das hierarquias sociais", já à segunda “subjaz o projeto de uma sociedade não racializada". (CARDOSO, 2008, p. 175). Nas palavras desse autor: [Na primeira linha] sustenta-se que o ideal do ativismo e da teoria anti-racista consiste em suprimir a identidade racial branca em sua inclinação subjugadora, forjando uma identidade racial anti-racista e isenta de culpa [...]. A proposta dessa linha de estudos seria de resignificar e re construir a identidade racial branca que, sem deixar de ser branca, deixaria de possuir traços racistas. Não se pro põe, portanto, a supressão da diferença e sim o fim da hierarquia entre os diferentes que resulta no favore- cimento de uns em detrimento de outros [...]. (CAR DOSO, 2008, p. 174). Já a segunda, [...] sustenta que a identidade racial branca assim como foi construída pode ser desconstruída, defendendo a abo lição da idéia de raça branca [...]. Parte-se do pressuposto de que a pertença étnica e racial branca é uma construção histórico-social e a resolução dos problemas sociais advin dos dessa identidade cultural resolve-se com sua supres são. Esta linha de teóricos críticos não está convencida da possibilidade de expurgar o traço racista da identidade ra cial branca, portanto, propõe a abolição da branquitude e, por via de consequência, a abolição da negritude. (CAR DOSO, 2008, p. 174-175). O que está de fundo tanto numa discussão quanto na outra é a compreensão e superação dos efeitos da branquitude nas relações sociais contemporâneas. Os resultados dos estudos empreendidos até então demonstram que a branquitude deve ser interpretada como elemento resultante da estrutura colonialista que, por sua vez, “confi gurou, efetivamente, a estrutura de poder mundial durante todo o sé- culo XX e até hoje, apesar do sucesso dos movimentos anticolo nialistas de libertação” (WARE, 2004, p.08); a branquitude é assim entendida como resultado da relação colonial que legou determinada configuração às subjetividades de indivíduos e orientou lugares soci ais para brancos e não brancos. Conforme assinala o sociólogo Valter Silvério: Esta consciência silenciada ou experiência branca pode ser definida como ‘uma forma sócio-histórica de consci ência’ nascida das relações capitalistas e leis coloniais, hoje compreendida como ‘relações emergentes entre gru pos dominantes e subordinados’. Essa branquitude como geradora de conflitos raciais demarca concepções ideoló gicas, práticas sociais e formação cultural, identificadas com e para brancos como de ordem ‘branca’ e, por con sequência, socialmente hegemônica. (SILVÉRIO, 2002, p. 240-241). Ao analisar historicamente tal fenômeno, esse sociólogo marca o processo de sua formação a partir da relação entre colonizador e colo- nizado: 0 encontro com 0 ‘outro’ (denominado índio, escravo, preto, negro, nomenclaturas essas estabelecidas para justificar sua desumanidade, invisibilidade e coisi- ficação), não incluído como membro social, permitiu aos colonizadores anglo-europeus perceberem a branquitude como uma representação de identidade e ponto de refe rência para legitimar a distinção e a superioridade, as segurando assim sua posição de privilégio. (SILVÉRIO, 2002, p. 241). No mesmo sentido, o pesquisador Lúcio Otávio Alves Oliveira (2014), ao refletir sobre o processo de constituição da identidade bran ca e suas implicações subjetivas, afirma que, em sociedades multiculturais, é possível identificar expressões da branquitude tendo em vista que o branco constitui sua identidade na oposição ao “Outro”. Em suas palavras: “a branquitude emerge dissecando no outro aquilo que lhe parece estranho e indesejável”. (OLIVEIRA, 2014, p. 43). O “Outro” (leia-se o não branco) torna-se, assim, bali- zador da identidade branca; ela, por sua vez, passa a ser reafirmada na oposição com o não branco. Processo que pode ser interpretado tanto do ponto de vista da necessária diferenciação para constituição da identidade, como pela perspectiva danosa apontada por Bento como “falsa projeção”, isto é: [...] o mecanismo por meio do qual o sujeito procura livrar-se dos impulsos que ele não admite como seus, depositando-os no outro. Aquilo, portanto, que lhe é familiar, passa a ser visto como algo hostil e é projetado para fora de si, ou seja, na ‘vítima em potencial’. (BENTO, 2009, p. 38). Nas sociedades marcadas pela herança colonialista, o negro é, ne cessariamente, essa “vítima em potencial”, ou seja, aquele que é inter pretado pelo branco como sua antítese (CARDOSO, 2014). Esse meca nismo perverso foi concebido para justificar uma hierarquia social pautada na ideia de superioridade racial. Característica das relações colonialistas, essa estrutura tem se mostrado capaz de resistir a dife rentes contextos sociais sem perder sua essência, isto é, mantendo os privilégios e lugar de poder de um grupo étnico-racial específico au- todeclarado “branco”. Por ter sua história marcada pela expansão colonialista, podemos afirmar a existência da branquitude em nossa sociedade (CARDOSO, 2014). Fato que muito recentemente tem sido analisado de maneira mais sistemática. Liv Sovik, estudiosa do tema na sociedade brasileira, destaca a importância desses estudos: O interesse em analisar a branquidade não é de traçar o perfil de um grupo populacional até então ignorado, mas de entender como, há tanto tempo, não se prestou atenção aos valores que o definem. O estudo da bran- quidade pode esclarecer as formas de suavizar os con tornos de categorias raciais enquanto se mantém as por tas fechadas para afrodescendentes. (SOVIK, 2004, p. 384)- Como demonstrou o pesquisador Lourenço Cardoso (2008, 2010 e 2014), no Brasil os estudos sobre branquitude emergiram de forma mais sistemática a partir do ano 2oooll- O levantamento dessesestu dos indica as áreas de conhecimento que, primeiramente, preocuparam-se com o tema (sociologia, psicologia social e comuni cação social). Os primeiros intelectuais que se ocuparam em entender o papel da identidade branca nas relações sócio-raciais em nosso país foram Alberto Guerreiro Ramos, Edith Piza, César Rossato e Verônica Gesser, Maria Aparecida Bento e Liv Sovik (CARDOSO, 2008). Esses primeiros trabalhos lançaram as bases para a interpretação do conceito de branquitude em nossa sociedade. Promoveram um importante deslocamento na interpretação sobre estudos raciais até então vigentes a partir da: a) inserção do debate no Brasil pela relação teoria-pesquisa social; b) problematização do viés interpretativo recor rente nos estudos sobre relações raciais, ao inverterem o sentido e colocarem o foco dos estudos na identidade racial branca; c) revisão dos conceitos fundamentais à interpretação de nossa sociedade como, por exemplo, mestiçagem e democracia racial, levando em consi deração aspectos da branquitude; d) problematização da identidade ra cial branca como elemento de análise na produção da pesquisa social, bem como na produção intelectual. Além de contribuírem ao lan çarem luz sobre questões até então ma jorrianamente interpretadas a partir de teorias e conceitos centrados nos arcabouços antropológicos e sociológicos. A partir da primeira década do século XXI, o tema branquitude tem chamado cada vez mais a atenção de novos pesquisadores, o que tem fortalecido o tema, constituindo-o como campo de pesquisa reco nhecido por seus paresR A “atual geração” de pesquisadores da branquitude no Brasil tem contribuído não só para consolidar ques tões apresentadas pela "geração anterior”, como também para abrir novos caminhos, tanto para o adensamento do conceito quanto para a construção de uma teoria sobre o tema. São também esses estudos que nos auxiliam a entender as características do conceito e suas implicações em nossa sociedade. CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONCEITO DE BRANQUITUDE NA SOCIEDADE BRASILEIRA A despeito do consenso entre os pesquisadores da branquitude sobre a premissa de se tratar de um fenômeno fluído que se modifica através do tempo, ao receber influências de diferentes contextos sócio-históricos, pesquisas nesse tema têm identificado certas caracte rísticas recorrentes. Não é simples definir o conceito de branquitude, tampouco o que é ser branco, dada a complexidade do fenômeno e suas articulações contextuáis. Contudo, entende-se que a branquitude, vista como a identidade racial do branco, é concebida como um construto ideo lógico de poder que nasceu no contexto do projeto moderno de coloni zação europeia (STEYN, 2004; SCHUCMAN, 2012). Como afirmou Silvério (2002), trata de uma "consciência silenciada” dos brancos. Para adensar a compreensão sobre o conceito, recorremos ainda a um quadro de "marcação” da branquitude apresentado por Fran- kenberg (2004) a partir dos resultados de seus estudos. No quadro, essa autora elenca oito elementos estruturais a esse conceito^* 1. A branquidade é um lugar de vantagem estrutural nas sociedades estruturadas na dominação racial. 2. A branquidade é um ‘ponto de vista’, um lugar a partir do qual nos vemos e vemos os outros e as ordens naci onais e globais. 3. A branquidade é um locus de elaboração de uma gama de práticas e identidades culturais, muitas vezes não mar cadas e não denominadas como nacionais ou 'normativas’, em vez de especificativamente raciais. 4. A branquidade é comumente redenominada ou deslo cada dentro das denominações étnicas ou de classe. 5. Muitas vezes, a inclusão na categoria 'branco’ é uma questão controvertida e, em diferentes épocas e lugares, alguns tipos de branquidade são marcadores de fronteiras da própria categoria. 6. Como lugar de privilégio, a branquidade não é abso luta, mas atravessada por uma gama de outros eixos de privilégio ou subordinação relativos; estes não apagam nem tornam irrelevante o privilégio racial, mas modulam ou modificam. 7. branquidade é produto da história e é uma categoria relacionai. Como outras localizações raciais, não tem significado intrínseco, mas apenas significados social mente construídos. Nessas condições, os significados da branquidade têm camadas complexas e variam local mente e entre locais; além disso, seus significados podem parecer simultaneamente maleáveis e inflexíveis. 8. O caráter relacionai e socialmente construído da bran quidade não significa, convém enfatizar, que esse e ou tros lugares raciais sejam irreais em seus efeitos mate riais e discursivos. (FRANKENBERG, 2004, p. 312-313). A partir desse conhecimento, penso que já é possível sumariar o conceito da seguinte maneira: a branquitude é um construto ideo lógico, no qual o branco se vê e classifica os não brancos a partir de seu ponto de vista. Ela implica vantagens materiais e simbólicas aos brancos em detrimento dos não brancos. Tais vantagens são frutos de uma desigual distribuição de poder (político, econômico e social) e de bens materiais e simbólicos. Ela apresenta-se como norma, ao mesmo tempo em que como identidade neutra, tendo a prerrogativa de fazer-se presente na consciência de seu portador, quando é conve niente, isto é, quando o que está em jogo é a perda de vantagens e privilégios. Embora sejam esses os traços gerais desse conceito, adverte-se que ele não é homogêneo, podendo receber novas conformações. Dessa forma, é apropriado recorrer a estudos realizados no contexto brasileiro a fim de perceber como esse conceito tem se conformado em nossa sociedade. Os pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre o tema cha mam a atenção, primeiramente, para o fato de que a branquitude no Brasil, assim como em outros contextos nacionais, não pode ser enten dida como um padrão único visto a especificidade de nossa história nacional e, sobretudo, como as idéias sobre raça compuseram essa história. Desse modo, o estudo sobre a branquitude não deve ser pen sado apenas na dualidade branco/negro; ao contrário, deve apreender os efeitos produzidos pelo processo de miscigenação e pela ideologia do branqueamento. Preocupação que esteia a reflexão presente num livro central sobre a discussão: Psicologia social do racismo: estudos sobre branquitude e branqueamento no Brasil.^ Ao analisar a branquitude no Brasil, Liv Sovik declara que: A branquitude brasileira é um lugar de fala, envolvendo relações socioeconómicas, socioculturais e psíquicas, como Ruth Frankenberg (1997) afirma sobre a norte-americana. Está arraigada em questões de imagem e autoimagem, como dizem Muniz Sodré (1999) e Guer reiro Ramos (1995). E é formada ao longo de uma história específica. (SOVIK, 2014, p. 168). As pesquisas sobre a branquitude brasileira vêm apontando - para além dos elementos já assinalados pelos estudos críticos da bran quitude - algumas características do conceito que destaco a seguir: A “superioridade estética” é “um dos traços fundamentais da construção da branquitude no Brasil”. (SCHUCMAN, 2012, p. 69); Há um silenciamento diante do assunto das desigual dades raciais e sociais. Silenciar é uma estratégia para proteger os privilégios em jogo. (BENTO, 2009); Neutralidade: ainda que se mostre “neutra” (padrão de normalidade), é uma identidade marcada racialmente, porém, ao indivíduo branco é dado o poder de escolher evidenciá-la ou não; A raça é vista não apenas como diferença, mas como hie rarquia. (PIZA, 2009); Pode-se até reconhecer as desigualdades raciais, porém, estas não são associadas a discriminação (BENTO, 2009); É um “lugar de poder” com capacidade de atuação tam bém nas instituições. (SILVA, P., 2014; LABORNE, 2014); É um “símbolo da dominação”. (MALOMALO, 2014); Tem raízes no colonialismo e reproduz um colonialismo epistemológico. (LABORNE, 2014); Tem a “tendênciaa resvalar para a classe como marcador para definir a própria condição de branquitude”. (COROSSACZ, 2014); Demonstra capacidade de exercer autorreflexão, o que é denominado por “branquitude crítica”. (LOURENÇO CARDOSO 2010). Do que foi exposto até aqui, entende-se que os estudos da bran quitude no Brasil têm procurado chamar atenção para um elemento que se mostra coligado à identidade do branco: o poder associado à identidade branca. A ideia de hierarquizações cultural e racial, primei ramente imposta pelo colonialismo, foi motriz da constituição dessa concepção de identidade forjada não só na oposição ao “Outro”, mas, necessariamente, na sua subordinação. Atentar para essas dinâmicas é fundamental, pois como nos ex plica Schucman: Para entender a branquitude é importante entender de que forma se constroem as estruturas de poder concretas em que as desigualdades raciais se ancoram. Por isso, é necessário entender as formas de poder da branquitude, onde ela realmente produz efeitos e materialidades. (SCHUCMAN, 2012, p. 23). Centrando-me na dimensão de poder, presente na branquitude, procurarei refinar o conceito analisando seu potencial como dispositivo analítico. Tarefa na qual lançarei mão do conceito de dispositivo a par tir de Michel Foucault. Por ora cabe assinalar - de maneira sistemática - o propósito deste capítulo. SISTEMATIZANDO Este texto objetivou compartilhar reflexões acerca do potencial de utilização do conceito de branquitude para compreensão das relações raciais no Brasil. A proposta foi apresentar a primeira fase de reflexão cuja finalidade era identificar e caracterizar o conceito de branquitude no contexto brasileiro. Iniciei apresentando o contexto teórico que orienta essa reflexão. Num segundo momento exponho as origens do conceito destacando seus traços constitutivos: construto ideológico, no qual o branco se vê e classifica os não brancos a partir de seu ponto de vista; implica vantagens materiais e simbólicas aos brancos em detrimento dos não brancos; apresenta-se como norma, ao mesmo tempo, como iden tidade neutra, tendo a prerrogativa de fazer-se presente na consciência de seu portador em situações de disputa de poder. Têm-se como características do conceito no Brasil: a necessidade de pensar o conceito fora da dualidade branco/negro; a superioridade estética mostra-se como um dos traços fundamentais da construção da branquitude brasileira (SCHUCMAN, 2012, p. 69); o silêncio tem sido uma estratégia utilizada para proteger os privilégios em jogo (BENTO, 2009); a branquitude é uma identidade marcada racial mente, porém, ao indivíduo branco é dado o poder de escolher evidenciá-la ou não; as desigualdades raciais, ainda que sejam perce bidas e reconhecidas, não são associadas à discriminação (BENTO, 2009); é um lugar de poder e vem atuando nas instituições (SILVA, 2014; LABORNE, 2014); é um símbolo da dominação (MALOMALO, 2014); reproduz um colonialismo epistemológico (LABORNE, 2014); tem a tendência a resvalar para a classe como marcador para definir a pró pria condição de branquitude (COROSSACZ, 2014); contudo, demons tra capacidade de exercer autorreflexão - branquitude crítica (CAR DOSO, 2010). Esses traços já apontam para uma configuração do conceito e, consequentemente, do fenômeno. Estudar seus desdobramentos é o que nos propomos como tarefa para o próximo momento desta refle xão. REFERÊNCIAS BENTO, M. A. S. Branqueamento e branquitude no Brasil. In: CA- RONE, I.; BENTO, M. A. S. (Orgs.). Psicologia social do racismo: estu dos sobre branquitude e branqueamento no Brasil. Petrópolis, RJ: Vozes, 2009. Cardoso, l. O branco “invisível”: um estudo sobre a emergência da bran quitude nas pesquisas sobre as relações raciais no Brasil (Período: 1957-2007). 232b 2008. Dissertação (Mestrado em Sociologia) - Facul dade de Economia e Centro de Estudos Sociais da Universidade de Coimbra, Coimbra, 2008. _____ . Branquitude acrítica e crítica: a supremacia racial e o branco antiracista. Revista Latino americana de ciencias sociales, niñez y juven tud. v. 8, p. 607-630, 2010. _____ . O branco ante a rebeldia do desejo: um estudo sobre a branquitude no Brasil. 288b 2014. 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A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS CRÍTICAS Lourenço Cardoso A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS “CRÍTICAS”” Em trabalho anterior^ denominei “branquitude crítica”lZ aquela pertencente ao indivíduo ou grupo de brancos que desaprovam “publicamente” o racismo. Por outro lado, nomeei “branquitude acrí- tica” a identidade branca individual ou coletiva que argumenta a favor da superioridade racial. De modo geral, os brancos antirracistasl5 exemplificam a branquitude crítica. Enquanto brancos de pensa mentos e/ou pertencentes a grupos de ultradireita, os integrantes dos grupos neonazistas, membros da “neo”-Ku Klux Klan, outros brancos que comungam com o ideal da superioridade racial, mesmo em silên cio, são exemplos de branquitude aerifica. Enfim, todos aqueles que não desaprovam o pensamento e as práticas racistas. Em relação ao critério de distinção entre as “branquitudes”, isto é, a desaprovação pública do racismo, optei por esse princípio diante da constatação de que nem sempre aquilo que é aprovado publicamente é ratificado no espaço privado. No ambiente particular, por vezes, opi niões ou teses podem ser desmentidas, ironizadas, minimizadas. Es pecialmente, quando se tratam de questões referentes ao conflito ra cial no Brasil. Já bem dizia Florestan Fernandes, “o brasileiro possui preconceito de ter preconceito”. (GUIMARÃES, 2005, p. 77). Portanto, ser ciente da tarefa complexa que é desvelar as práticas racistas que se apresentam disfarçadas, levou-me somente a consi derar a atitude, opinião, expressão, tese do branco que desautoriza o racismo de forma pública. Os espaços privados, íntimos, os segredos dos brancos entre brancos a respeito da questão racial, são difíceis de acessarmos. A isso se soma o fato de que sou negro e pesquisador das relações raciais, outro elemento que interfere e inibe as manifestações ofensivas de cunho racial ante a minha presença. Enfim, diante de um negro, “nenhum branco define-se como racista”, muito menos em frente de um psicólogo, um sociólogo, um educador, um pesquisador, especialmente, das relações raciais. Diante de todos esses elementos, o pesquisador branco encontra menores obstáculos metodológicos para coletar esses tipos de infor mações. Os pensamentos guardados em segredo no espaço privado ou nos ambientes íntimos, em que é possível sentir-se à vontade para ex pressar algumas idéias reprováveis de formas ética, moral e legal, pelo consenso social moderno. Em relação a isso, alguns dos meus entrevistadosl^discorreram. (o papo de brancos entre brancos em segredo) É aquilo que eu já falei. É muito complicado você discutir questão racial entre dois brancos. O produto que vai sair é muito diversificado, entre os pesquisadores as conclusões são muitas. Vejo muito pesquisador, sociólogo, reproduzindo também discursos extremamente racistas, entendeu? Vai depender muito. Quanto ao senso comum, haverá aquele que diz: “Puxa, eu não tinha parado para pensar sobre isso"; ou tros falarão: “Você está exagerando. As coisas não são bem assim". Quanto aos pesquisadores que estudam, a intenção é que você desse um salto para procurar entender os problemas, as questões e os dilemas que envolvem. Levando-se em conta que há tensão o tempo inteiro, as relações entre brancos e ne gros são tensas porque envolvem uma questão de poder. O branco tem o poder e ele quer manter o poder dele até o fim, o tempo inteiro. Já me deparei com casos de pessoas que entra ram num consultório ou num hospital e falarem assim: “Nossa, esse que é o médico?", em razão de ser negro, enten deu? Se você perguntar para as pessoas nas ruas, elas lhe dirão isto, (silvia). Levando-se em conta a contradição que todos nós praticamos, di ante da tarefa de conjugar o que se pensa com a forma de agir, nin guém se encontra livre de incoerências. Porém, não cabe deixar de considerar as observações de Silvia. O pesquisador branco das relações raciais pode reproduzir os pensamentos racistas vulgares do dia a dia no ambiente privado, em meio às pessoas que confia. A principal razão para o conflito seria a disputa pelo poder. Segundo as palavras de Silvia, a questão do poder também afetaria os teóricos raciais bran cos. O branco possui, praticamente, todo o poder, além do fato de que ser branco também é poder (CARDOSO, 2010). Ainda assim, não abrem mão de nada, não faz concessão de ne nhuma parte do que considera “seu espaço”: aquele de maior poder, prestígio, valor simbólico e econômico. Caso, da função de médico, não pelo o quanto se ganha, mais pelo o fascínio que exerce, devido aos conhecimentos técnicos que possui. Se o negro ocupa essa pro fissão produz estranhamento na sociedade racializada, em virtude de uma mentalidade com uma perspectiva desmedidamente branca. (o papo de brancos entre brancos em segredo) Existe aquela piadinha racista que 0 cara conta. Ah, 0 fulano ficou “puto” porque contei essa piada, mas tem motivo para ficar puto? Eles contam a piada para mim, mas não contam para 0 negro. Eles me veem como cúmplice e quando você não entra na ideia da cumplicidade, causa certa frustração. Nesse instante ele desconversa. Não, não foi bem assim, desculpa, foi brincadeira. O tema é complexo, algo parecido com a con versa entre as mulheres. Elas dizem que sentem vontade de falar umas com as outras e que não se sentem à vontade para falar na presença de um homem. E 0 homem também se sente à vontade de falar uns com os outros e não falam perto de uma mulher. Nem quando tem aquele grau de intimidade, sua amiga de infância, mas você não coloca isso, acho que seria uma relação de cumplicidade, (clayton). Em segredo, nos diálogos entre brancos, as piadas racistas se proliferam. Elas são semelhantes às piadas machistas que homens contam em segredo quando estão entre si. A presença de uma mulher já mudaria a dinâmica. No próximo trecho da entrevista, Clayton reve lará que o branco de esquerda pode querer orientar o debate sobre a questão racial ou desqualificá-lo. Para mais, revela que a relação entre orientador branco e o orientador negro pode ter um caráter pater nalista, como se o negro fosse menos capaz do que o branco em ter mos de potencial acadêmico. Além disso, em segredo, o orientador branco com orientando negro também pode manifestar seu racismo diante de brancos confiáveis. Lourenço: Existe a questão de ser da esquerda também? Clayton: Sim, mas veja bem, tem aquele apelo que é bem comum. Eu militei nisso, conheço isso. Faço parte disso. A própria pessoa não se dá conta. Até pessoas que estudam a temática que às vezes querem agenciar. Conheço muitos, sei lá, professores, que estudam a temática e que pegam orien- tandos, professores brancos, que pegam orientandos que não são brancos, que às vezes soltam algumas coisas de racismo. Complicado, né? Porque “é assim e assado”, coisa até des confortável. Ou então tem aquela coisa do paternalismo: “Estou aqui pra te ajudar”, uma relação que não tem com orientandos brancos. Em suma, o critério de somente considerar o branco crítico aquele que desaprova o racismo publicamente, ainda se mostra razoável. Levando-se em conta as nossas incoerências, também devo considerar a má-fé, a hipocrisia. É possível que uma pessoa em público apresente-se como antirracista, no entanto, em privado, revela-se ra cista. Há outras características possíveis de serem consideradas para distinguir a branquitude crítica da aerifica. TABELA I - AS CARACTERISTICAS DA BRANQUITUDE CRITICA E ACRITICA BRANQUITUDE CRÍTICA BRANQUITUDE ACRÍTICA i. Perfil. 0 branco de maneira em geral. i. Perfil. 0 branco de maneira específica, membros ou simpatizantes de grupos da “neo-KKK” e neonazistas e outros dessalinha. fonte: elaborada pelo proprio autor. 2. Desaprova 0 racismo publicamente. 2. Não é racista. Ele é “naturalmente” superior a todos os não brancos. 3. Difícil captar a desaprovação ao racismo no espaço privado. Maior dificuldade metodológica para 0 pesquisador negro, devido aos segredos entre branco e branco. 4. Não critica deforma geral 0 privilégio branco. 5. Vive sob 0 princípio da igualdade, em tese. 3. É público e notório que ele é superior. A História comprova isto. 4. Não se baseia necessariamente na comprovação biológica de superioridade porque, na atualidade, tornou-se uma tese insustentável. 5. Defende 0 privilégio branco. 6. Vive sob 0 signo da modernidade. 6. Desconsidera 0 princípio da igualdade. 0 princípio seria uma imposição “absurda” da Carta Magna. 7. Ama, convive, “tolera”, “suporta”, convive hipocritamente com 0 Outro. 7. Vive sob 0 princípio da desigualdade, apesar do anacronismo. 8. Não prega 0 ódio racial. 8. Vive sob 0 signo da Tradição. 9. Ele é sincero, ele é hipócrita na sua concepção relativa ao negro. 9. Não suporta 0 Outro. 10. Prega 0 ódio racial. 11. Ele possui características homicidas declaradas. 12. É sincero na sua concepção a respeito do negro. A respeito da branquitude crítica, em breves comentários, seria o seguinte: a Tabela i, ponto (3) mostra que branco crítico não questiona o privilégio racial. Isso acontece em virtude de ele ser ou agir como Drácula^2, isto é, “não se enxergar”, no sentido de se autocriticar. O (4), apesar da igualdade em Lei, na prática ocorre à desigualdade racial (HASENBALG, 2005) ou, se preferirem, as vantagens por ser branco. (6) Em termos de valores sócio-históricos e filosóficos, o branco crítico vive sob o signo da modernidade, a igualdade “em tese" é um desses valores. O (7) branco crítico ama, convive, “tolera” (no sentido de quem diz, até que ponto suporto conviver com você); ele suporta, vive de forma hipócrita com o não branco. Na verdade, não gostaria, é obri gado. O (8) não prega o ódio racial, assim como não desaprova o ra cismo publicamente. Para o (9), o branco crítico pode ser sincero em sua relação de igualdade com o negro, no entanto, também existem os hipócritas. No que se refere ao branco acrítico na Tabela 1, ponto (2), (3) e (4), a branquitude aerifica não se considera racista. Ela nasceu superior, como a tese biológica tornou-se insustentável e a História comprovaria a superioridade racial (CHESNEAUX, 1995). Os hens (5), (6) e (7) defendem a ideia de que o branco deve ser privilegiado mesmo em razão de ser branco, porque ele é melhor do que os Outros. (8) Vive sob o signo da tradição de que as pessoas nascem desiguais, os privi légios por “nascença”, ele se justificam pelas ações do homem branco, suas virtuosidades na História; o embasamento teórico profundo tornou-se dispensável para explicar esse ponto de vista dogmático. (9), (10) e (n), a branquitude aerifica não suporta o Outro e prega o ódio racial, podendo, inclusive, assassinar pessoas e grupos não brancos. (12) A branquitude aerifica, em regra, é sincera no sentido de que não gosta de negro e outras identidades culturais (HALL, 2005), as quais considera inferiores. A branquitude acrítica diz respeito ao branco que não possui crí tica em relação ao racismo. Ele realmente não tem consideração para com o Outro, que para ele poderia nem existir; e aqueles que existem, devem se subordinar a ele. O termo crítica pode ser usado em concep ções diferentes, de acordo com os autores. Contudo, não deixa de ser um apontamento de um problema, o levantar de uma questão. Isto é, evidencia que as coisas poderíam ser diferentes e não são. No caso do racismo para o branco acrítico, não há nenhum problema em o negro ser maltratado, discriminado injustamente, receber violência física ou moral, e até ser assassinado por ser negro. Afinal, trata-se de um negro, um ser inferior. A crítica ao racismo ganha maior vigor na comunidade internacional^ depois da Segunda Guerra Mundial, devido ao exter minio de milhões de judeus e outros grupos motivados pelo odio étnico-racial, entre outras razões. Com respeito a isso, cabem duas observações: (i) a branquitude crítica analisa e condena os aconte cimentos desse período histórico; (2) a branquitude aerifica conserva, justifica e reescreve a História, numa perspectiva de heroificar Adolf Hitler, minimizando ou negando o Holocausto. As branquitudes crítica e aerifica^ são um conceito que propus inspirado pelo Criticai whiteness studies (Estudos críticos da bran quitude) (WARE, 2004a). Em relação aos estudos estadunidenses, so mente me inspirei em fazer uso do nome “crítica” com outro contexto e significado, nada mais do que isso. Jamais pensei ou proponho que a realidade brasileira se ajuste à produção sobre a identidade branca estrangeira. Elas podem ser referenciais teóricos úteis em alguns con textos, assim como em outros não. São úteis, principalmente, se não atrapalharem “a vida”, a realidade social brasileira (MARX; ENGELS, 2003). As linhas de pesquisas dos Estados Unidos e do Reino Unido procuraram descobrir e distinguir os diferentes tipos de racismos. Eles estudam desde os atos racistas praticados no cotidiano até o assassinato motivado pelo ódio, deixando de distinguir os diferentes perfis dos protagonistas. Eles diferenciam os tipos de racismos, entre tanto, não distinguem os autores. Eles somente observam a especi ficidade da ação e não do sujeito da ação. Nessa lógica, ao definirem a branquitude sustentam que uma de suas características seria ser homicida (WARE, 2004b). A branquitude é diversa. O branco é, inclusive, antirracista. Por tanto, não podemos definir a característica da branquitude como homicida. Todas as pessoas são capazes de matar o Outro, mas essa não é necessariamente uma característica de quem vive pelo consenso ético e legal social moderno, de quem é fortemente regulado pela soci edade. Especialmente, o branco crítico, aquele que desaprova o ra cismo, mesmo quando é somente em público. Quanto à branquitude acrítica, faz sentido considerar que uma de sua característica é ser assassina. Eles podem até mesmo não sentir culpa, pois o Outro é inferior. O problema deles é com a Lei, com a coerção que pode advir de seu ato. Portanto, a característica homicida não cabe à branquitude crítica, em tese^, mas cabe à branquitude acrítica. De forma semelhante, é necessário definir as diferentes práticas de racismos. Do mesmo modo, não compete deixar de distinguir a pessoa, ou grupo, que pratica racismo. Distinguir os variados tipos de sujeitos e de ações. As diferentes formas de branquitudes e seus diferentes modos de manifestações. As atuais literaturas científicas referentes ao branco-tema tem realizado essa tarefa (CARDOSO, 2008, 2010, 2014; SCHUCMAN, 2012; PASSOS, 2013; MOREIRA, 2012, 2014; MIRANDA, 2015; LOPES, 2013, 2016). Pesquisam e analisam as diversas acepções do que do significa ser branco e as diferentes manifestações dessa iden tidade racial. Os conceitos branquitude crítica e branquitude acrítica são apenas uma distinção entre tantas outras possibilidades que serão exploradas no futuro. No caso das pesquisadoras Cláudia Miranda e Ana Passos (2011), a partir do conceito de branquitude crítica, elas propuseram um método para que o branco antirracista pudesse re construir sua identidade racial. O objetivo é que o branco direcione a sua ação no sentido de abolir a ideia de superioridade racial que é ine rente à branquitude. Ele, enquanto branco antirracista, enfrenta a angústia de se colocar contra o racismo e ao mesmo tempo ser privi legiado por ser branco, em virtude de viver numa sociedade racia- lizada. Trata-se de uma proposta de “desaprendimento”, de “desa prender” o racismo. Isso foi tratado por uma das pessoas que entre vistei,César, um teórico da Educação. (a tarefa de “desaprender” o racismo) No filme The Color of fear^á eles viram o personagem branco racista admitir publicamente que ele cometera um grande erro. Ele pediu desculpas e tentou desaprender o racismo. Como resultado disso perdeu todos os amigos mais íntimos. O que significa isso? Ele estava rodeado de pessoas que pen savam como ele. Ele era um racista e por isso não sabia o que era pensar diferente, fora desse quadro. (César). A fala de César destaca que o personagem dedicou-se em mudar, esforçou-se em desaprender o racismo. Nisso acabou por ser “excluido”, “isolado”, “ignorado” do grupo ao qual ele pertencia. O ostracismo que vivenciou foi porque admitiu ser racista publicamente e ainda pediu desculpas. Assim, escandalizou seus antigos colegas, que per sistiram com a mentalidade racista em relação ao negro. Não saber pensar fora desse quadro seria não questionar o lugar do branco como superior, justamente um dos significados da branquitude que se faz necessário “desaprender”. CRÍTICA E A ACRÍTICA E O CONTEÚDO No que diz respeito à distinção entre branquitudes crítica e aeri fica, ainda se apresenta como necessária, se pararmos para observar a produção acadêmica relativa à branquitude nos cenários interno e ex terno. Os trabalhos que existem se referem à branquitude crítica. Raramente encontramos análise referente à branquitude acrítica. É possível entender o motivo. Faço menção ao considerável o obstáculo que significa acessar grupos neonazistas ou neo-Ku Klux Klan, sim patizantes etc. O pesquisador branco crítico terá que se disfarçar de branco aerifico. Quando ao pesquisador negro somente será possível realizar o trabalho escondido pela Internet, ao se disfarçar de branco. Na hipótese de a tarefa ser realizada por um pesquisador branco aeri fico, provavelmente, pela lógica, o produto consistirá em justificar as idéias de grupos como os neonazistas. Diante disso, existe uma produção crescente referente à branquitude crítica, aquela que pratica racismo, mas não necessa riamente chega ao assassinato^, enquanto quase inexistem trabalhos que pesquisem a branquitude acrítica, que possui característica evi dentemente homicida. A branquitude acrítica age como quem diz: você que é “diferente”, leia-se não branco, pode ser assassinado. O fato de ser negro justifica sua morte praticada pelo branco acrítico. A branquitude acrítica acentua o traço racista inerente à identidade branca. O exemplo mais extremo de sua ação aparece nos casos de assassinatos e genocídios de não brancos (WARE, 2004a). Ao con trário do branco de branquitude crítica, em particular o branco antir- racista, que pode se ocupar da tarefa para “desaprender” o racismo, a branquitude acrítica potencializa a característica racista da identidade branca. Essa é mais uma característica que distingue os dois tipos de brancos: o crítico pode se empreender em “desaprender”, “mini mizar”, objetivar abolir as características racistas da branquitude, en quanto que para o acrítico isso não é uma questão^. Não obstante o genocídio de judeus, ciganos e homossexuais^ efetuado pelos nazistas durante a Segunda Grande Guerra (ARENDT, 2006), neste início de século grupos neonazistas ressurgem e proli feram no Brasil e em outros territórios. Esse tipo de branquitude acrí tica sustenta-se na ideia de uma superioridade racial, apesar de viver um contexto em que essa tese é francamente desautorizada e recha çada pela comunidade internacional ocidental. As organizações neona zistas e outras que comungam de pensamentos de ultradireita cres cem e se fortalecem. Eles fazem uso da Internet como ferramenta de contato e mobilização. O contato virtual serve também ao propósito de se esquivarem das penalidades da Lei. Eles são cautelosos para que não tenham que responder pelos crimes de ódio e/ou crimes contra a humanidade. Quando a branquitude acrítica se expressa de maneira extrema, pratica extermínios; quando age de forma mais “branda”, procura se inserir no jogo democrático (CARDOSO, 2010). Seus discursos racis tas e xenofóbicos podem ser disfarçados na forma de pensamento religioso tradicional e/ou perspectiva nacionalista. Ao utilizarem estra tégias como essas, inserem-se nas disputas eleitorais, para, quem sabe, alcançarem o poder, mudarem a Constituição, promulgarem outra Carta que imponha, por meio de regras positivadas, o princípio da desigualdade. A branquitude acrítica pode também fazer uso da máquina do Estado de forma direta^, mediante o uso da força, para perseguir todos aqueles que consideram indesejáveis. No caso aqui tratado, seu primeiro alvo seria o negro, certamente. A TEORIA CRÍTICA EA CRÍTICA DA CRÍTICA CRÍTICA Diante de tudo, o que importa reter é o seguinte: elaborei o con ceito branquitude crítica e branquitude acrítica inspirado nos Estudos críticos da branquitude. Essas pesquisas concentram-se em proble- matizar a branquitude crítica, principalmente porque o contato direto com a branquitude acrítica é uma tarefa perigosa para o pesquisador e/ou policial disfarçado quando decidem investigá-los. Os empecilhos não significam a conclusão de que a pesquisa não deva ser realizada. Todavia, é necessário pensar em metodologias para que o trabalho possa acontecer em segurança. A sociedade e a academia necessitam compreender, com maior propriedade, as pessoas e grupos que justi ficam e defendem a tese de ódio; problematizar o branco que se consi dera no direito de agredir, de matar o outro não branco simplesmente porque ele é branco e a branquitude lhe confere tal poder. É impor tante que fiquemos atentos a respeito da branquitude acrítica, e uma produção teórica a respeito é fundamental, inclusive, serviría de base para outras ações. A branquitude acrítica é preocupante porque se trata de um tipo de branco que é uma ameaça ao convívio social, o convívio igualitário entre os diferentes. Quanto à minha base, quando faço uso da palavra crítica, ao fazer uso do conceito branquitude crítica e branquitude acrítica, tenho como arcabouço a Teoria Crítica no sentido em que propôs Max Horkheimer (2009). Ao escrever a respeito da Teoria Crítica e Teoria Tradicional, o filósofo alemão vai pontuar o que considera Teoria Crítica. Ao tentar sintetizar suas idéias centrais, cabe novamente ques tionar: a crítica serve para quê? Poderiamos responder que serve para mostrar como as “coisas deveriam ser...” (NOBRE, 2004). Logo, “elas não são...”. Quem melhor mostra como “as coisas não são...”, “o que deveriam ser...”, é a “Prática”, mas e quanto a Teoria? “Ela mostra como as coisas são”, ou melhor, a Teoria Tradicional mostra “as coisas como são”. Ela também se encontra distanciada da “Prática” por causa do princípio teórico-metodológico de neutralidade científica, que resultaria em maior objetividade nos trabalhos realizados pelas ciên cias humanas. O filósofo Horkheimer (2009) criticará a separação entre “Teoria” e “Prática”. Não nos caberia nem uma “ação cega”, sem base teórica, nem um “conhecimento vazio”, distante da prática. Isso significa que somente é possível mostrar “como as coisas são...” a partir da pers pectiva “de como elas poderiam ser...”, já que “a existência não esgota as possibilidades de existência” (SANTOS, 2002, p. 23). A Teoria Crí tica procura entender o mundo a partir do melhor que ele poderia ser (NOBRE, 2004). Ela não abdica das “potencialidades não realizadas...” do tempo presente. A Teoria Crítica situa-se no universo teórico de Karl Marx (2003), objetiva continuar a sua tradição. Contudo, pode romper com sua ideia de Revolução^, quando pretende potencializar as possibilidades emancipatórias do seu momento histórico. Karl Marx pensa no mundo que supere o capital, uma revolução, enquanto o “teórico crítico” pode vir a potencializar as possibilidades emanci patórias da