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Estudos sobre a Branquitude

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BRANQUITUDE
Estudos sobre a identidade branca no Brasil
B82i
2017
Catalogação na Fonte
Elaborado por: Josefina A. S. Guedes
Bibliotecária CRB 9/870
Branquitude: estudos sobre a identidade branca no 
Brasil / Tânia Mara Pedroso Müller, Lourenço 
Cardoso. -1. ed. - Curitiba: Appris, 2017.
335 p.; 21 cm (Ciências Sociais)
Inclui bibliografias
ISBN 978-85-473-0829-2
1. Brancos - Identidade racial. 2. Racismo. 3. 
Identidade. I. Müller, Tânia Mara Pedroso, org. II. 
Cardoso, Lourenço, org. III. Título. IV. Série.
CDD 23. ed. - 320.56
Editora e Livraria Appris Ltda.
Av. Manoel Ribas, 2265 - Mercês
Curitiba/PR - CEP: 80810-002 
Tel: (41) 3156-4731 | (41) 3030-4570 
http://www.editoraapris.com.br/
Tânia M. P. Müller 
Lourenço Cardoso 
(Organizadores)
BRANOUITUDE
Estudos sobre a identidade branca no Brasil
Curitiba - PR
2017
Editora Appris Ltda.
Ia Edição - Copyright© 2017 dos autores
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Coelho
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Ferreira - PUCPR
Marilda Aparecida
Behrens - UFPR
Lucas Andrade |
Giuliano Ferraz
Bruna Fernanda Martins
Andrezza Libel de
Oliveira
Bruna Souza | Samanta
Müller
REVISÃO Andrea Bassoto I André
Luiz Cavanha
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GERÊNCIA DE MARKETING Sandra Silveira
Selma Maria Fernandes 
GERENCIA DE FINANÇAS
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GERÊNCIA ADMINISTRATIVA Diogo Barros
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Souza
Milene Salles I EstevãoLIVRARIAS E EVENTOS 1
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CONVERSÃO PARA E-PUB
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CIENTIFICA
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Sofiati-USP, 
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UFPB
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UEMS
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Gabriel Augusto 
Miranda Setti - UnB
Geni Rosa Duarte -
UNIOESTE
Helcimara de Souza
Telles - UFMG
Iraneide Soares da
Silva - UFC, UFPI
João Feres Junior -
UERJ
Jordão Horta Nunes -
UFG
Souza - IF Sudeste
MG
Michelle Sato Frigo - 
UFPR/Palotina
Revalino Freitas -
UFG
Rinaldo José Varussa 
-UNIOESTE
Simone Wolff- UEL
Vagner José Moreira
- UNIOESTE
SUMARIO
PREFÁCIO
Kabengele Munanga
APRESENTAÇÃO
Os organizadores
O CONCEITO DE BRANOUITUDE: REFLEXÕES PARA O CAMPO
DE ESTUDO
Priscila Elisabete da Silva
EXORDIO: APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA
A ORIGEM DO CONCEITO DE BRANQUITUDE
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONCEITO DE BRANQUITUDE 
NA SOCIEDADE BRASILEIRA
SISTEMATIZANDO
REFERÊNCIAS
A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS CRÍTICAS
Lourenço Cardoso
A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS “CRÍTICAS”
CRÍTICA E A ACRÍTICA E O CONTEÚDO
A TEORIA CRÍTICA E A CRÍTICA DA CRÍTICA CRÍTICA
A BRANQUITUDE E A BRANQUIDADE: O CONCRETO E A ABS­
TRAÇÃO
REFERÊNCIAS
BRANQUITUDE INVISÍVEL - PESSOAS BRANCAS E A NÃO PER­
CEPÇÃO DOS PRIVILÉGIOS: VERDADE OU HIPOCRISIA?
Jorge Hilton de Assis Miranda
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
A PERSISTÊNCIA DO PRIVILÉGIO DA BRANCURA: NOTAS 
SOBRE OS DESAFIOS NA CONSTRUÇÃO DA LUTA ANTIR- 
RACISTA
Camila Moreira de Jesus
INTRODUÇÃO
REFLEXÕES SOBRE A IDENTIDADE RACIAL BRANCA NO 
RECÔNCAVO DA BAHIA
O PRIVILÉGIO COMO BASE DE SUSTENTAÇÃO PARA O RA­
CISMO
CONSTRUÇÃO NEGATIVA DE SUBJETIVIDADES INDIVIDUAL 
E/OU COLETIVA
NEGAÇÃO DE DIREITOS PARA NEGROS
DESCARACTERIZAÇÃO DA DISCUSSÃO RACIAL 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRANOUITUDE. COLONIALISMO E PODER: A PRODUÇÃO DO 
CONHECIMENTO ACADÊMICO NO CONTEXTO BRASILEIRO 
Ana Amélia de Paula Laborne
O BRANCO NOS ESTUDOS SOBRE RAÇA EM CONTEXTOS IN­
TERNACIONAIS
A UNIVERSIDADE E A PRODUÇÃO DO CONHECIMENTO 
ACADÊMICO NO BRASIL
REFERÊNCIAS
A BRANOUITUDE DAS CLASSES MÉDIAS: DISCURSO MORAL E
SEGREGAÇÃO SOCIAL
Suzana Maia
INTRODUÇÃO
ALGUMAS OBSERVAÇÕES SOBRE CONSTITUIÇÃO RACIAL DAS
CLASSES MÉDIAS NO BRASIL
BRANQUIDADE E DISCURSO MORAL
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
FRANTZ FANON. A BRANOUITUDE E A RACIALIZAÇÃO: APOR­
TES INTRODUTÓRIOS A UMA AGENDA DE PESQUISAS
Deivison Mendes Faustino
INTRODUÇÃO
A BRANQUITUDE COMO RACIALIZAÇÃO DO UNIVERSAL
O NARCISO CASTRADO
A CRÍTICA À ESQUERDA FRANCESA COMO CRÍTICA À BRAN- 
QUITUDE
REFERÊNCIAS
PRETO NO BRANCO: STUART HALL E A BRANOUITUDE
Liv Sovik
REFERÊNCIAS
“QUASE NEGRA TANTO QUANTO QUASE BRANCA”: AUTOET- 
NOGRAFIA DE UMA POSICIONALIDADE RACIAL NOS ENTRE- 
MEIOS
Joyce Souza Lopes
INTRODUÇÃO
O “EU-OBJETO”: STRIP-TEASE DE UMA POSICIONALIDADE RA­
CIAL ENTREMEIOS
O “SER” FENOTIPICAMENTE MESTIÇO A PARTIR DO MODO DE
PENSAR DA RAZÃO DUAL RACIAL
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
REFERÊNCIAS
O BRANCO NÃO BRANCO E O BRANCO-BRANCO
Lourenço Cardoso
PRÓLOGO
O BRANCO PORTUGUÊS: NÃO BRANCO-LÁ, BRANCO-AQUI
O DEGREDADO, O BRANCO MAIS DEGENERADO ENTRE OS DE­
GENERADOS
A “CEGUEIRA” DO BRANCO FRUTO DA COLONIZAÇÃO
A ESCRAVIDÃO E A ESTEREOTIPAÇÃO DO BRANCO PORTU­
GUÊS
O BRANCO-BRANCO, O BRANCO IMIGRANTE
O BRANCO BRASILEIRO SER NÃO HIFENIZADO E A OPOSIÇÃO
BINÁRIA
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
NOMEAR A BRANOUITUDE. UMA PESQUISA ENTRE HOMENS 
BRANCOS NO RIO DE TANEIRO
Valéria Ribeiro Corossacz
INTRODUÇÃO
OS ESTUDOS SOBRE A BRANQUITUDE
O MUNDO DOS ENTREVISTADOS
A BRANQUITUDE: UM OBJETO NÃO EXÓTICO?
O QUE FAZ DE UM BRANCO UM BRANCO?
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
A KAKISTOCRACIA E A “POLÍTICA PÓS-VERDADE” NO REGIME 
RACISTA, PATRIARCAL E CAPITALISTA PREDATÓRIO: REGRES­
SÃO DA JUSTIÇA BRASILEIRA E ESTADUNIDENSE COM O 
MEDO. ÓDIO E CRISE DA IDENTIDADE BRANCA
César Augusto Rossatto
PEDAGOGIA DE BRANCOS PARA BRANCOS - PEDAGOGIA DO
OPRESSOR
RELIGIÃO E A EXPANSÃO DA HEGEMONIA BRANCA
BRASIL E ESTADOS UNIDOS E O LEGADO RACIAL
A HISTÓRIA DA BRANQUITUDE NO BRASIL
A HISTÓRIA DA BRANQUITUDE NOS ESTADOS UNIDOS
A GUISA DE CONCLUSÕES
REFERÊNCIAS
O FIM DO ARCO-IRÍS: A BRANOUINTUDE COMO DESAFIO DA 
LUTA ANTIRRACISTA NO BRASIL CONTEMPORÂNEO
Cristiane Mare da Silva
Paulino de Jesus F Cardoso
REFERÊNCIAS
RETRATO DOS BRANCOS/AS ANTIRRACISTAS FEITO DO 
PONTO DE VISTA DE UMA EDUCAÇÃO MACUMBISTA
Basllele Malomalo
INTRODUÇÃO 259
DESENVOLVIMENTO DE IDENTIDADE RACIAL BRANCA PARA 
EDUCADORES/AS DE ADULTOS/AS
RETRATO DOS/AS BRANCOS/AS ANTIRRACISTAS DO PONTO 
DE VISTA DE UMA EDUCAÇÃO MACUMBISTA 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
BRANQUITUDE E COTIDIANO ESCOLAR
Monique Ferreira Gadioli
Tânia Mara Pedroso Müller
BRANQUITUDE: UMA QUESTÃO CONCEITUAL
REFLEXÕES SOBRE A INVISIBILIZAÇÃO DA RAÇA BRANC 
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
A INVESTIGAÇÃO ACADÊMICA SOBRE PROCESSOS DE BRAN- 
OUITUDE NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UMA REFLEXÃO INICIAL 
Cintia Cardoso
Lucimar Rosa Dias
INTRODUÇÃO
DELIMITANDO O CAMPO
BRANQUITUDE NA PRODUÇÃO ACADÊMICA SOBRE DESI­
GUALDADES RACIAIS NA EDUCAÇÃO INFANTIL: UM LEVAN­
TAMENTO BIBLIOGRÁFICO.
EXTRAINDO A BRANQUITUDE
CONSIDERAÇÕES FINAIS
REFERÊNCIAS
A CRIANÇA BRANCA IDEALIZADA PELA IMPRENSA NO SÉ-
CULO XX
Tânia Mara Pedroso Müller
INTRODUÇÃO
A REVISTA FEMININA
O CONCURSO EM QUESTÃO
A IMAGEM IDEALIZADA NA CAMPANHA
O IDEAL É O BRANCO
REFERÊNCIAS
Eontes primárias
Fontes secundárias
SOBRE OS AUTORES
PREFÁCIO
Quando o debate sobre cotas e políticas afirmativas explodiu no 
Brasil, principalmente depois da 3a Conferência da ONU sobre o ra­
cismo, discriminação e intolerância correlata organizada em Durban,África do Sul, em agosto/setembro de 2001, uma das questões colo­
cadas pelas pessoas que estavam contra as propostas em debate era a 
respeito da dificuldade para definir quem é negro no Brasil por causa 
da mestiçagem. Mas na contramão dessa dificuldade não se colocava a 
dificuldade de definir quem é branco no Brasil. Em outros termos, a 
negritude de milhões de brasileiros e brasileiras de ascendência afri­
cana foi posta em questão, mas a branquitude não foi questionada 
porque os indivíduos brancos perderíam as vantagens meritocra- 
ticamente adquiridas ao dividir o acesso à universidade pública com 
seus compatriotas negros. As cotas em benefício dos negros foram 
qualificadas de cotas raciais porque o Brasil é um país de mestiços e 
por definição nem branco e nem negro. Poder-se-ia deduzir dessas 
reações que o branco não gostaria de assumir sua branquitude e as 
vantagens dela decorrentes que poderíam ser compartilhadas com 
seus compatriotas negros? Hipocrisia! Pois todos sabem quem é 
quem e qual é o lugar do Negro e do Branco numa sociedade que 
ambos construíram em contextos históricos diferentes.
A ideia da Negritude vem sendo construída desde o fim do século 
XIX pelo Movimento Pan-africano nascido nos Estados Unidos e nas 
Antilhas Britânicas, mas ela se transforma nitidamente em Movi­
mento Intelectual e Político Negro na década de 1930 a partir da inici­
ativa dos estudantes negros das Antilhas Francesas e da África em 
busca da assimilação da cultura europeia na Universidade Francesa. A 
assimilação não era outra coisa que a busca do branqueamento através 
da adoção da cultura hegemônica ocidental já que era impossível 
mudar a cor da pele e outros traços morfológicos que constituíam a 
negritude. O que deu o título à obra de Frantz Fanón “Pele Negra 
Máscaras Brancas”. Desde então o conceito de Negritude entrou na 
literatura, dando origem a uma rica e abundante produção intelectual, 
principalmente negra. Resumidamente, Aimé Césaire a definiu como 
“a consciência de ser negro”, simples reconhecimento de um fato que 
implica a aceitação: assumir sua negritude, sua história e sua cultura; 
ou seja, sua identidade.
No entanto, paralelamente a negritude, pouco se escreveu sobre a 
Branquitude na literatura brasileira. É como se a consciência de ser 
branco não existisse no Brasil por causa da mestiçagem (sorriso!). Um 
silêncio sobre a Branquitude e as suas vantagens foi mantido por 
muito tempo diante do discurso sobre a Negritude e a identidade 
negra. Os negros conscientes e politicamente mobilizados lutavam 
contra as práticas de discriminação racial e as desigualdades dela 
decorrentes e precisavam por isso se mobilizar através do conceito da 
Negritude como plataforma política, mas os brancos como todos os 
vitoriosos estavam no topo e talvez não precisassem dessa mobili­
zação. Eles não precisavam gritar e proclamar sua Branquitude, pois o 
tigre não precisa proclamar sua “tigritude”; sendo o “rei” da selva ele 
simplesmente ataca silenciosamente quando sua sobrevivência o 
exige. São os outros, oprimidos negros, mulheres e homossexuais que 
precisam gritar e proclamar sua identidade. Talvez isso pudesse expli­
car a estratégia do silêncio e a não proclamação da identidade branca, 
apesar da consciência das vantagens que ela oferece no universo racial 
brasileiro.
Alguém teve de dar basta ao silêncio na literatura intelectual brasi­
leira ao incorporar a temática da Branquitude como categoria de aná­
lise do racismo brasileiro. Podemos 
encontrar traços dessa denúncia nos trabalhos de Alberto Guerreiro 
Ramos e Abdias do Nascimento, mas a análise mais clara sobre a 
Branquitude como consciência identitária e como categoria social para 
análise do racismo, veio, até onde vai minha ignorância, do trabalho 
pioneiro da intelectual negra, Maria Aparecida Silva Bento: “Pactos 
narcísicos no racismo: Branquitude e Poder nas organizações empre­
sariais e no poder público”, tese de doutorado defendida no Programa 
de Pós-Graduação em Psicologia Social da Universidade de São Paulo 
em 2002 e cuja síntese foi publicada na obra coletiva “Psicologia So­
cial do Racismo: Estudos sobre a Branquitude e Branqueamento sob o 
título Branqueamento e Branquitude no Brasil”, pela Editora Vozes, 
2002. Todos os trabalhos sobre Branquitude que fizeram parte da 
grade de leitura dos autores e das autoras da obra em prefácio são 
posteriores ao trabalho de Bento.
Enfim, eis a importância da obra coletiva que ora estamos prefa­
ciando. Além de atualizar o debate sobre a Branquitude enquanto con­
ceito e consciência identitária quase “silenciada” retoricamente na 
sociedade brasileira, mas vivida intensamente. Os autores e as autoras 
deste livro Branquitude nos lançam novos desafios através de um 
leque de recortes sobre o assunto que vem amplificar nossos hori­
zontes de reflexão, dúvidas e críticas sobre o tema. São 17 textos de 
autores e autoras de formação diferentes, mas que tentam convergir 
suas reflexões em torno do tema da Branquitude. Partindo da reflexão 
crítica de grande fôlego sobre o próprio conceito, eles/elas apontam 
como esse conceito carrega ideologia, visão do mundo e filosofia de 
vida numa perspectiva histórica, estrutural, psicológica, política e ou­
tras, recolocando em discussão sua importância no debate sobre o ra­
cismo e o antirracismo na sociedade brasileira. Mais do que isso, eles/ 
elas apontam também todos os problemas e dificuldades que a consci­
ência da Branquitude tem causados ao processo de alienação da cul­
tura e humanidade negras através do ideal do branqueamento. Esses 
textos nos mostram a importância dos conceitos de Branquitude e 
Negritude na luta contra o racismo na sociedade brasileira.
Os estudos sobre as relações raciais muito falaram do negro e dos 
problemas que lhe foram criados no universo racial brasileiro, mas 
deixaram de falar de brancos numa sociedade onde a Branquitude 
poderia também fazer parte do processo de transformação social, par­
tindo da hipótese de que os brancos conscientes dos privilégios que 
sua cor lhes traz na sociedade poderiam questioná-los e participar do 
debate sobre a divisão equitativa do produto social nacional entre 
brancos e negros. Sem entrar nos pormenores da riqueza de cada um 
desses textos cuja leitura nos desafia, devo aqui relevar suas contri­
buições na renovação e atualização do nosso pensamento sobre as 
lutas contra o racismo em busca de mudanças transformadoras do 
desequilíbrio e desigualdades entre brasileiros e brasileiras de ascen­
dência africana, sujeito da negritude e de ascendência europeia, sujei­
tos da branquitude. Como ambos poderiam convergir seus esforços 
na lua contra as desigualdades raciais ao estabelecer uma relação 
dialógica entre Negritude e Branquitude? A leitura atenta desta rele­
vante obra nos auxiliará certamente para destrinchar essas difíceis 
questões que o racismo com suas certezas e dúvidas nos coloca no 
cotidiano das relações entre seres humanos e instituições.
Prof. Dr. Kabengele Munanga 
Antropólogo, Universidade de São Paulo.
APRESENTAÇÃO
A branquitude significa pertença étnico-racial atribuída ao branco. 
Podemos entendê-la como o lugar mais elevado da hierarquia racial, 
um poder de classificar os outros como não brancos, dessa forma, 
significa ser menos do que ele. Ser branco se expressa na corpo- 
reidade, isto é, a brancura, e vai além do fenotipo. Ser branco consiste 
em ser proprietário de privilégios raciais simbólicos e materiais. Com 
17 capítulos, este livro trata da identidade branca com foco na reali­
dade social brasileira. E a antologia se inicia justamente com a dis­
cussão histórico-conceituai brasileira.
O estudo de Priscila Elisabete da Silva, no capítulo “O conceito de 
branquitude: reflexões para o campo de estudo”, tem por finalidade 
compartilhar reflexões acerca do potencial de utilização do conceito de 
branquitudepara compreensão das relações raciais no Brasil. A pes­
quisadora defende a utilização do conceito de branquitude como 
dispositivo analítico, isto é, ferramenta capaz de fazer emergir o 
pensamento racial, mais específicamente, a subjetividade do branco, 
em contextos aparentemente não racializados. Contribui, também, 
para identificar e caracterizar o conceito de branquitude no contexto 
brasileiro.
“A branquitude acrítica revisitada e a branquidade”, de Lourenço 
Cardoso, objetiva retomar e aprofundar os conceitos branquitude crí­
tica e branquitude aerifica, criado pelo autor em 2008 em sua disser­
tação de mestrado. Cardoso também possui o interesse de participar 
da discussão a respeito da proposta de distinção entre branquidade e 
branquitude, um debate que começa a emergir nos estudos sobre o 
branco.
Jorge Hilton de Assis Miranda, em “Branquitude invisível: pes­
soas brancas e a não percepção dos privilégios: verdade ou hipo­
crisia?”, discute sobre a invisibilidade e a neutralidade de pessoas 
brancas sobre os próprios privilégios raciais, buscando responder à 
pergunta de que a não percepção sobre essas vantagens que se tem 
por ser branco é ou não dissimulada. Com base em Bourdieu, o autor 
apresenta um novo olhar para branquitude ao fazer uso do termo de 
habitus racial.
Camila Moreira de Jesus, em “A persistência do privilégio da 
brancura: notas sobre os desafios na construção da luta antirracista” 
tem o propósito de discutir como o privilégio da brancura continua a 
ser a mola propulsora fundamental para a continuidade de práticas 
racistas que mantêm o branco em posição de superioridade enquanto 
nega muitos direitos a indivíduos negros. Para tanto, argumenta que o 
privilégio da brancura se sustenta no tripé de mazelas sociais: a cons­
trução negativa de subjetividades individual e/ou coletiva; a negação 
de direitos para negros; e a descaracterização da discussão racial. A au­
tora optou por fazer uso da palavra brancura, um termo que Guerreiro 
Ramos utilizava em 1957, e a distinção entre branquitude e brancura 
será um dos pontos abordados em seu artigo de forma breve.
Ana Amélia de Paula Laborne, no capítulo “Branquitude, coloni­
alismo e poder: a produção do conhecimento acadêmico no contexto 
brasileiro” discute as interfaces entre as relações raciais e a produção 
do conhecimento acadêmico com foco nas potencialidades de análise 
da branquitude. O objetivo central do artigo é compreender de que 
maneira a branquitude vem se construindo na sociedade brasileira e 
como a mesma se relaciona com a universidade e com os processos de 
produção do conhecimento no campo das relações raciais e educação. 
Guerreiro Ramos, o pioneiro dos estudos sobre branquitude, será 
abordado referente ao seu papel como intelectual engajado.
Em “A branquitude das classes médias: discurso moral e segre­
gação social”, Suzana Maia visa contribuir com o campo de estudos 
das relações raciais e branquitude, estabelecendo uma intersecção 
com os estudos de classe média. É um dos objetivos desse capítulo 
entender de que forma a branquitude funciona como um marcador de 
distinção social, utilizado para garantir o acesso a bens materiais e 
simbólicos e entender como, num contexto de silêncio sobre as ques­
tões raciais, uma subjetividade branca é construída por meio de 
concepções sobre respeitabilidade, merecimento e intimidade.
“Frantz Fanón, a branquitude e a racialização: aportes introdu­
tórios a uma agenda de pesquisa”, de Deivison Mendes Faustino, é 
parte de um esforço mais amplo, que objetiva visibilizar as contri­
buições de Fanón para os estudos sobre as relações raciais no Brasil. 
As informações aqui apresentadas têm origem na coleta de dados 
realizada durante a pesquisa de doutorado intitulada Por que Fanón, 
por que agora? Frantz Fanón e os Fanonismos no Brasil, em que Faus­
tino apresentou um mapeamento ampliado dos estudos contem­
porâneos sobre Frantz Fanón. Um dos temas que se destacou na oca­
sião, mas que não foi passível de exploração devido ao escopo da refe­
rida pesquisa, foi a posição de Fanón a respeito da branquitude, mas 
agora, nesse novo texto, ele alonga um pouco mais essa questão.
A autora Liv Sovik, no capítulo “Preto no branco: Stuart Hall e a 
branquitude”, explicita as formas em que o trabalho de Stuart Hall, 
apesar de focar identidades diaspóricas negras, é útil para os estudos 
da branquitude, para além da possibilidade de uma inversão, pela 
qual a figura negra define o fundo branco. Procura entender o método 
de Hall, que passa por um conceito particular do trabalho teórico, a 
interlocução de atores sociais não acadêmicos, o interesse pela história 
ou a genealogia e a busca da intervenção em processos políticos pelo 
trabalho intelectual. Nisso, a prática acadêmica de Stuart Hall 
assemelha-se à prática de Guerreiro Ramos naquilo que nos apre­
sentou o texto de Ana Laborne.
Em “Quase negra tanto quanto quase branca: autoetnografia de 
uma posicionalidade racial nos entremeios”, Joyce Souza Lopes, a par­
tir de uma escrita autoetnográfica, propõe-se a refletir sobre o sujeito 
fenotipicamente mestiço, especialmente o de tez clara/branca, desta­
cando que o que se tem produzido científicamente a respeito da posi­
cionalidade racial nos entremeios é limitado ou equivocado, seja pela 
“fixidez” exigida pela racionalidade colonial/moderna, o modo de pen­
sar da razão dual racial, seja pelo impasse do mestiço como o pro­
blema no “inferno racial” dos críticos a Gilberto Freyre ou pela 
solução no “paraíso racial” dos freyrianos e neofreyrianos. Conclui 
que os estudos do campo crítico da branquitude disseminados no Bra­
sil certamente não superam esse quadro, mas nos levam a outros pon­
tos de reflexão e inflexão tratados no artigo.
Em “O branco não branco e o branco-branco”, Lourenço Cardoso 
possui o propósito de voltar os olhos para a Historia com foco no bran­
co. O método empregado objetivava visibilizar a branquitude diluida 
ñas narrativas históricas no emprego de termos como “degredado” 
“brasileiro” “imigrante”. O argumento central é o seguinte: a bran­
quitude brasileira possui a característica de não branquitude marcante 
desde sua herança ibérica, acentuada (piorada), com o tráfico transa­
tlántico. Em outras palavras, ser branco brasileiro constitui possuir 
um aspecto de não branquitude. Ser branco brasileiro significa ser 
branco não branco.
Valeria Ribeiro Corossacz, em “Nomear a branquitude. Uma pes­
quisa entre homens brancos no Rio de Janeiro”, debate como a bran­
quitude é percebida e descrita por homens brancos de classe média 
alta do Rio de Janeiro, e revela os problemas impostos pelo sistema de 
classificação de cor e a relação entre cor e classe, para apontar os desa­
fios metodológicos de pesquisas sobre branquitude no contexto brasi­
leiro, as dificuldades dos entrevistados em dar definições da bran­
quitude e os significados de seus silêncios e suas risadas.
Já em “A Kakistocracia e a ‘política pós-verdade’ no regime racista, 
patriarcal e capitalista predatório: regressão da justiça brasileira e es­
tadunidense com o medo, ódio e crise da identidade branca”, de César 
Augusto Rossatto, ele usa os Estudos Críticos da Branquitude como 
forma de desconstrução da branquitude ou supremacia branca. Ainda, 
examina como o racismo permeia fronteiras internacionais e transna- 
cionais para propor uma educação antirracista, nos campos do currí­
culo e políticas educacionais. O autor compara as similaridades e con­
trastes fundamentais entre as questões raciais no Brasil e Estados 
Unidos no que diz respeito às ações afirmativas relativas à imple­
mentação de cotas raciais, como uma forma educacional alternativa, a 
conquista dos direitos sociocomunitários dos afro-brasileiros e 
afro-estadunidenses com respeito ao direito à educação e outros direi­
tos civis.
“O fim do arco-íris: a branquitude como desafio da luta antir-racista no Brasil contemporâneo”, de Cristiane Mare da Silva e Pau­
lino de Jesus F. Cardoso, reflete os desafios da luta pela cidadania na 
conjuntura política atual, marcada especialmente pela demolição e cor­
rupção das instituições democráticas e instalação de um Estado de 
exceção, apoiado por parte expressiva das classes média e alta deste 
país. Entendem que tal situação evidencia os problemas de um país 
que não enfrentou a herança colonial. Nele, a branquitude, enquanto 
prática de poder que confere privilégios, status, prestígio e poder aos 
descendentes de colonos europeus, brancos, permite compreender a 
recusa da democracia e para a manutenção de seus privilégios.
O estudo de BasTlele Malomalo, em “Retrato dos brancos/as an- 
tirracistas feito do ponto de vista de uma educação macumbista”, pro- 
blematiza o retrato dos sujeitos brancos/as antirracistas a partir da teo­
ria de desenvolvimento de identidade racial branca para educadores 
de adultos/as de Caroline Lund e da hermenêutica diatópica de Boa- 
ventura de Souza Santos dos quais o autor revisita a sua proposta de 
epistemología desconstrutivista e reconstrutivista de macumba no 
campo da educação antirracista. Argumenta que esses sujeitos são 
pessoas, beneficiadas pelos privilégios que racismo fornece à sua raça, 
e que passaram pela experiência educativa de letramento racial, e por 
isso são abertas ao diálogo intercultural e inter-racial emancipatório.
Em “Branquitude e cotidiano escolar”, Monique Ferreira Gadioli 
e Tânia Mara Pedroso Müller discutem sobre o papel do branco nas 
relações raciais no cotidiano escolar para compreender como ele reper­
cute na formação identitária dos alunos negros, e também para com­
preender como artefatos hegemônicos que compõem a cultura escolar 
atuam na constituição da identidade dos alunos brancos.
No artigo de Cintia Cardoso e Lucimar Rosa Dias, “A investigação 
acadêmica sobre processos de branquitude na educação infantil: uma 
reflexão inicial”, elas apresentam resultados preliminares de um es­
tudo a respeito da produção acadêmica sobre desigualdades raciais na 
educação infantil, considerando a branquitude como um elemento 
importante desse contexto. Destacam, também, que pesquisas sobre a 
branquitude na educação infantil podem contribuir para ampliar os 
estudos sobre as relações étnico-raciais, proporcionando estudos inau­
gurais em um campo de pesquisa que ainda precisa ser ampliado e 
explorado no Brasil.
O último capítulo, “A criança branca idealizada pela imprensa no 
século XX”, de Tânia Mara Pedroso Müller, revela como a imprensa 
serviu de veículo de divulgação do pensamento da classe burguesa, 
mas que também foi produtora de um discurso de desvalorização da 
estética negra, quando definiu a criança branca como ideal desejado, 
expresso na campanha “Em busca da criança ideal”, ocorrida em 1957. 
A autora espera demonstrar que o estudo sobre o modo de difusão de 
idéias e informações veiculadas na imprensa pode permitir analisar a 
formação da própria sociedade brasileira e sua repercussão no coti­
diano.
Por fim, o livro Branquitude pretende colaborar com a teoria social 
ao tratar do tema branquitude, com o objetivo de recusar que o con­
flito racial permaneça reduzido a problema do negro. O branco pode 
contribuir para construção de outra histórica com uma perspectiva 
plural de muitos universos. O Outro não é para ser hierarquizado, o 
não branco possui um papel fundamental, visto que a afirmação hu­
mana autêntica se faz com o reconhecimento do Outro como igual. 
Somente é possível o branco se afirmar humano se enxergar a huma­
nidade do negro; o fato de reconhecer o Outro como humano o leva 
enxergar a verdadeira humanidade em si, pois somente reconhecer a 
si é um engano, não problematizar a branquitude é persistir no equí­
voco, o reconhecimento de si com desvalorização do Outro.
Os organizadores
O CONCEITO DE BRANQUITUDE: 
REFLEXÕES PARA O CAMPO DE ESTUDO
Priscila Elisabete da Silva
EXORDIO: APRESENTAÇÃO DA PROPOSTA
Como estudiosa das relações raciais no Brasil, tenho procurado 
entender as diferentes configurações histórico-sociais que estruturam 
o pensamento racial em nossa sociedade e suas implicações para a 
compreensão da questão racial na contemporaneidade. Parto da com­
preensão de que o debate racial presente nas primeiras décadas do sé- 
culo XX merece atenção especial tendo em vista que nasceram, na­
quele contexto, instituições centrais à nossa sociedade. Em conso­
nância com outros estudiosos (SANTOS, 2001; PAIXÃO, 2014) en­
tendo que não há como pensar a modernidade brasileira sem estar 
atenta à força do pensamento racial que se apresentava - já naquele 
contexto - como elemento estruturante das ações empreendidas por 
considerável parcela de nossos intelectuais.
Nessa concepção, entende-se que se faz necessário repensar as 
interpretações clássicas sobre nossa sociedade uma vez que essas rara­
mente tratam a dimensão racial como elemento central à dinâmica so­
cial brasileira. Tal negação tem contribuído para afirmar a ideia de 
democracia racial como alicerce de nossa identidade nacional o que, 
por sua vez, reverbera na dificuldade de identificar estruturas que per­
mitem a sobrevivência do racismo entre nós.
Essa linha interpretativa tem nos oferecido arcabouço teórico que 
auxilia na análise sobre as diferentes facetas do racismo brasileiro. É 
sob essa tela que desenvolvo inquietações em relação à dinâmica da 
reprodução do racismo em nossa sociedade. Em estudos anteriores 
(SILVA, 2008, 2014 e 2015) procuro destacar, no contexto
histórico-social, elementos que auxiliam na compreensão dos meca­
nismos de reprodução do racismo, particularmente no que concerne 
ao campo da educação superior, espaço que tradicionalmente tem sido 
tratado como locus de formação das elites dirigentes do país.
Com este artigo inicio reflexão acerca do alargamento de compre­
ensão sobre o conceito de branquitude e sua utilização na análise das 
relações raciais em nossa sociedade. Entendo que essa empreitada 
pode contribuir para o fortalecimento dessa área de estudos e, conse­
quentemente, do potencial de compreensão sobre o racismo vigente 
no Brasil.
Essa proposta de compreensão acerca do conceito de branquitude 
surgiu a partir de estudos que venho realizando no campo das rela­
ções raciais (SILVA, 2008; 2014; 2015). Entender a dimensão racial 
em nossa sociedade tem exigido, a meu ver, esforço de repensar aná­
lises aceitas como clássicas (e com elas categorias e conceitos), mas 
que vistas em profundidade não abordam a problemática racial como 
elemento central à compreensão sobre nossa sociedade.
É com base nesse quadro que proponho pensar a utilização do 
conceito de branquitude como dispositivo analítico*, isto é, ferramenta 
capaz de fazer emergir o pensamento racial, mais específicamente a 
subjetividade do branco, em contextos aparentemente não racia- 
lizados. Nesse momento, apresento uma primeira fase de reflexão cuja 
finalidade é identificar e caracterizar o conceito de branquitude no 
contexto brasileiro.
A ORICEM DO CONCEITO DE BRANQUITUDE
2
Antes de caracterizar o conceito de branquitude, cabe apresentar, 
ainda que brevemente, um histórico sobre seu surgimento^.
Os estudos críticos da branquitude nasceram da percepção de que 
era preciso analisar o papel da identidade racial branca enquanto ele­
mento ativo nas relações raciais em sociedades marcadas pelo coloni­
alismo europeu. Percepção esta que esteve presente nos estudos de 
intelectuais como W. E. B. Du Bois (1920, 1935)!; Frantz Fanón 
(1952)5; Albert Memmi (1957)É, Steve Biko (1978)7 e Alberto Guerreiro 
Ramos (1957)2, hoje compreendidos como precursores dos estudos 
sobre a branquitude (CARDOSO, 2008; 2010 e 2014). Tais intelec­
tuais, em diferentes contextos históricos e sociais, chamaram a aten­
ção para os efeitos da colonização e do racismo na subjetividadenão 
so do negro, mas, sobretudo, do branco. Leitura que desafiava a inter­
pretação unívoca a qual via o negro como “objeto de estudo”, “tema de 
estudo” privilegiado para compreensão das relações raciais.
Seguindo esse lastro, na década de 1990, intelectuais 
norte-americanos iniciaram uma reflexão sistemática sobre o fenô­
meno da branquitude e seus efeitos. O tema difundiu-se rapidamente 
por diferentes áreas de estudo (direito, arquitetura, geografia, antro­
pologia, sociologia, psicologia). “A formulação e a aplicação do con­
ceito de branquitude alterou o modo como se pesquisava a categoria 
"raça’ na sociedade estadunidense” (CARDOSO, 2008, p. 174). A par­
tir de então, o branco emerge como “objeto de análise” para compre­
ensão da dinâmica das relações raciais naquele país. Esforço que deu 
origem ao que ficou conhecido por criticai whiteness studies? (CAR­
DOSO, 2008; 2010 e 2014; CARONE e BENTO, 2009). Conforme 
Henry A. Giroux (1999), o objetivo dos acadêmicos que se dedicaram 
a estudar esse fenômeno era buscar:
[...] acumular uma quantidade substancial de conhe­
cimento, explorando o significado da análise da 
branquidade™ como uma construção social, cultural e 
histórica. Esse trabalho se caracterizou por várias tenta­
tivas para situar a branquidade como uma categoria racial 
e analisá-la como um locus de privilégio, poder e ideo­
logia. Além disso, esse trabalho procurou examinar criti­
camente de que modo a branquidade, como identidade 
racial, é experienciada, reproduzida e tratada pelos ho­
mens e mulheres brancos que se identificam com suas 
pressuposições e valores. (GIROUX, 1999, p. 101).
Cardoso L. (2008), Ruth Frankenberg (2004) e David R. Roediger 
(2004) destacam o diálogo desses pesquisadores com os estudos cultu­
rais e com a teoria feminista. Segundo Cardoso L. (2008), os estudos 
críticos da branquitude nos Estados Unidos apresentam duas ver­
tentes principais: “a primeira linha de estudos críticos da branquitude 
propõe a reconstrução da raça branca, mantendo-se uma sociedade 
racializada com a supressão das hierarquias sociais", já à segunda 
“subjaz o projeto de uma sociedade não racializada". (CARDOSO, 
2008, p. 175). Nas palavras desse autor:
[Na primeira linha] sustenta-se que o ideal do ativismo e 
da teoria anti-racista consiste em suprimir a identidade 
racial branca em sua inclinação subjugadora, forjando 
uma identidade racial anti-racista e isenta de culpa [...]. A 
proposta dessa linha de estudos seria de resignificar e re­
construir a identidade racial branca que, sem deixar de 
ser branca, deixaria de possuir traços racistas. Não se pro­
põe, portanto, a supressão da diferença e sim o fim da 
hierarquia entre os diferentes que resulta no favore- 
cimento de uns em detrimento de outros [...]. (CAR­
DOSO, 2008, p. 174).
Já a segunda,
[...] sustenta que a identidade racial branca assim como 
foi construída pode ser desconstruída, defendendo a abo­
lição da idéia de raça branca [...]. Parte-se do pressuposto 
de que a pertença étnica e racial branca é uma construção 
histórico-social e a resolução dos problemas sociais advin­
dos dessa identidade cultural resolve-se com sua supres­
são. Esta linha de teóricos críticos não está convencida da 
possibilidade de expurgar o traço racista da identidade ra­
cial branca, portanto, propõe a abolição da branquitude e, 
por via de consequência, a abolição da negritude. (CAR­
DOSO, 2008, p. 174-175).
O que está de fundo tanto numa discussão quanto na outra é a 
compreensão e superação dos efeitos da branquitude nas relações 
sociais contemporâneas. Os resultados dos estudos empreendidos até 
então demonstram que a branquitude deve ser interpretada como 
elemento resultante da estrutura colonialista que, por sua vez, “confi­
gurou, efetivamente, a estrutura de poder mundial durante todo o sé- 
culo XX e até hoje, apesar do sucesso dos movimentos anticolo­
nialistas de libertação” (WARE, 2004, p.08); a branquitude é assim 
entendida como resultado da relação colonial que legou determinada 
configuração às subjetividades de indivíduos e orientou lugares soci­
ais para brancos e não brancos. Conforme assinala o sociólogo Valter
Silvério:
Esta consciência silenciada ou experiência branca pode 
ser definida como ‘uma forma sócio-histórica de consci­
ência’ nascida das relações capitalistas e leis coloniais, 
hoje compreendida como ‘relações emergentes entre gru­
pos dominantes e subordinados’. Essa branquitude como 
geradora de conflitos raciais demarca concepções ideoló­
gicas, práticas sociais e formação cultural, identificadas 
com e para brancos como de ordem ‘branca’ e, por con­
sequência, socialmente hegemônica. (SILVÉRIO, 2002,
p. 240-241).
Ao analisar historicamente tal fenômeno, esse sociólogo marca o 
processo de sua formação a partir da relação entre colonizador e colo-
nizado:
0 encontro com 0 ‘outro’ (denominado índio, escravo, 
preto, negro, nomenclaturas essas estabelecidas para 
justificar sua desumanidade, invisibilidade e coisi- 
ficação), não incluído como membro social, permitiu aos 
colonizadores anglo-europeus perceberem a branquitude 
como uma representação de identidade e ponto de refe­
rência para legitimar a distinção e a superioridade, as­
segurando assim sua posição de privilégio. (SILVÉRIO, 
2002, p. 241).
No mesmo sentido, o pesquisador Lúcio Otávio Alves Oliveira 
(2014), ao refletir sobre o processo de constituição da identidade bran­
ca e suas implicações subjetivas, afirma que, em sociedades
multiculturais, é possível identificar expressões da branquitude tendo 
em vista que o branco constitui sua identidade na oposição ao 
“Outro”. Em suas palavras: “a branquitude emerge dissecando no 
outro aquilo que lhe parece estranho e indesejável”. (OLIVEIRA, 
2014, p. 43). O “Outro” (leia-se o não branco) torna-se, assim, bali- 
zador da identidade branca; ela, por sua vez, passa a ser reafirmada na 
oposição com o não branco. Processo que pode ser interpretado tanto 
do ponto de vista da necessária diferenciação para constituição da 
identidade, como pela perspectiva danosa apontada por Bento como 
“falsa projeção”, isto é:
[...] o mecanismo por meio do qual o sujeito procura 
livrar-se dos impulsos que ele não admite como seus, 
depositando-os no outro. Aquilo, portanto, que lhe é 
familiar, passa a ser visto como algo hostil e é projetado 
para fora de si, ou seja, na ‘vítima em potencial’. 
(BENTO, 2009, p. 38).
Nas sociedades marcadas pela herança colonialista, o negro é, ne­
cessariamente, essa “vítima em potencial”, ou seja, aquele que é inter­
pretado pelo branco como sua antítese (CARDOSO, 2014). Esse meca­
nismo perverso foi concebido para justificar uma hierarquia social 
pautada na ideia de superioridade racial. Característica das relações 
colonialistas, essa estrutura tem se mostrado capaz de resistir a dife­
rentes contextos sociais sem perder sua essência, isto é, mantendo os 
privilégios e lugar de poder de um grupo étnico-racial específico au- 
todeclarado “branco”.
Por ter sua história marcada pela expansão colonialista, podemos 
afirmar a existência da branquitude em nossa sociedade (CARDOSO, 
2014). Fato que muito recentemente tem sido analisado de maneira 
mais sistemática. Liv Sovik, estudiosa do tema na sociedade brasileira, 
destaca a importância desses estudos:
O interesse em analisar a branquidade não é de traçar o 
perfil de um grupo populacional até então ignorado, mas 
de entender como, há tanto tempo, não se prestou 
atenção aos valores que o definem. O estudo da bran- 
quidade pode esclarecer as formas de suavizar os con­
tornos de categorias raciais enquanto se mantém as por­
tas fechadas para afrodescendentes. (SOVIK, 2004, p. 
384)-
Como demonstrou o pesquisador Lourenço Cardoso (2008, 2010 
e 2014), no Brasil os estudos sobre branquitude emergiram de forma 
mais sistemática a partir do ano 2oooll- O levantamento dessesestu­
dos indica as áreas de conhecimento que, primeiramente, 
preocuparam-se com o tema (sociologia, psicologia social e comuni­
cação social). Os primeiros intelectuais que se ocuparam em entender 
o papel da identidade branca nas relações sócio-raciais em nosso país 
foram Alberto Guerreiro Ramos, Edith Piza, César Rossato e Verônica 
Gesser, Maria Aparecida Bento e Liv Sovik (CARDOSO, 2008).
Esses primeiros trabalhos lançaram as bases para a interpretação 
do conceito de branquitude em nossa sociedade. Promoveram um 
importante deslocamento na interpretação sobre estudos raciais até 
então vigentes a partir da: a) inserção do debate no Brasil pela relação 
teoria-pesquisa social; b) problematização do viés interpretativo recor­
rente nos estudos sobre relações raciais, ao inverterem o sentido e 
colocarem o foco dos estudos na identidade racial branca; c) revisão 
dos conceitos fundamentais à interpretação de nossa sociedade como, 
por exemplo, mestiçagem e democracia racial, levando em consi­
deração aspectos da branquitude; d) problematização da identidade ra­
cial branca como elemento de análise na produção da pesquisa social, 
bem como na produção intelectual. Além de contribuírem ao lan­
çarem luz sobre questões até então ma jorrianamente interpretadas a 
partir de teorias e conceitos centrados nos arcabouços antropológicos e 
sociológicos.
A partir da primeira década do século XXI, o tema branquitude 
tem chamado cada vez mais a atenção de novos pesquisadores, o que 
tem fortalecido o tema, constituindo-o como campo de pesquisa reco­
nhecido por seus paresR A “atual geração” de pesquisadores da 
branquitude no Brasil tem contribuído não só para consolidar ques­
tões apresentadas pela "geração anterior”, como também para abrir 
novos caminhos, tanto para o adensamento do conceito quanto para a 
construção de uma teoria sobre o tema. São também esses estudos 
que nos auxiliam a entender as características do conceito e suas 
implicações em nossa sociedade.
CARACTERÍSTICAS GERAIS DO CONCEITO DE BRANQUITUDE NA 
SOCIEDADE BRASILEIRA
A despeito do consenso entre os pesquisadores da branquitude 
sobre a premissa de se tratar de um fenômeno fluído que se modifica 
através do tempo, ao receber influências de diferentes contextos 
sócio-históricos, pesquisas nesse tema têm identificado certas caracte­
rísticas recorrentes.
Não é simples definir o conceito de branquitude, tampouco o que 
é ser branco, dada a complexidade do fenômeno e suas articulações 
contextuáis. Contudo, entende-se que a branquitude, vista como a 
identidade racial do branco, é concebida como um construto ideo­
lógico de poder que nasceu no contexto do projeto moderno de coloni­
zação europeia (STEYN, 2004; SCHUCMAN, 2012). Como afirmou 
Silvério (2002), trata de uma "consciência silenciada” dos brancos.
Para adensar a compreensão sobre o conceito, recorremos ainda a 
um quadro de "marcação” da branquitude apresentado por Fran- 
kenberg (2004) a partir dos resultados de seus estudos. No quadro, 
essa autora elenca oito elementos estruturais a esse conceito^*
1. A branquidade é um lugar de vantagem estrutural nas 
sociedades estruturadas na dominação racial.
2. A branquidade é um ‘ponto de vista’, um lugar a partir 
do qual nos vemos e vemos os outros e as ordens naci­
onais e globais.
3. A branquidade é um locus de elaboração de uma gama 
de práticas e identidades culturais, muitas vezes não mar­
cadas e não denominadas como nacionais ou 
'normativas’, em vez de especificativamente raciais.
4. A branquidade é comumente redenominada ou deslo­
cada dentro das denominações étnicas ou de classe. 5. 
Muitas vezes, a inclusão na categoria 'branco’ é uma 
questão controvertida e, em diferentes épocas e lugares, 
alguns tipos de branquidade são marcadores de fronteiras 
da própria categoria.
6. Como lugar de privilégio, a branquidade não é abso­
luta, mas atravessada por uma gama de outros eixos de 
privilégio ou subordinação relativos; estes não apagam 
nem tornam irrelevante o privilégio racial, mas modulam 
ou modificam.
7. branquidade é produto da história e é uma categoria 
relacionai. Como outras localizações raciais, não tem 
significado intrínseco, mas apenas significados social­
mente construídos. Nessas condições, os significados da 
branquidade têm camadas complexas e variam local­
mente e entre locais; além disso, seus significados podem 
parecer simultaneamente maleáveis e inflexíveis.
8. O caráter relacionai e socialmente construído da bran­
quidade não significa, convém enfatizar, que esse e ou­
tros lugares raciais sejam irreais em seus efeitos mate­
riais e discursivos. (FRANKENBERG, 2004, p. 312-313).
A partir desse conhecimento, penso que já é possível sumariar o 
conceito da seguinte maneira: a branquitude é um construto ideo­
lógico, no qual o branco se vê e classifica os não brancos a partir de 
seu ponto de vista. Ela implica vantagens materiais e simbólicas aos 
brancos em detrimento dos não brancos. Tais vantagens são frutos de 
uma desigual distribuição de poder (político, econômico e social) e de 
bens materiais e simbólicos. Ela apresenta-se como norma, ao mesmo 
tempo em que como identidade neutra, tendo a prerrogativa de 
fazer-se presente na consciência de seu portador, quando é conve­
niente, isto é, quando o que está em jogo é a perda de vantagens e 
privilégios.
Embora sejam esses os traços gerais desse conceito, adverte-se 
que ele não é homogêneo, podendo receber novas conformações. 
Dessa forma, é apropriado recorrer a estudos realizados no contexto 
brasileiro a fim de perceber como esse conceito tem se conformado 
em nossa sociedade.
Os pesquisadores brasileiros que se debruçam sobre o tema cha­
mam a atenção, primeiramente, para o fato de que a branquitude no 
Brasil, assim como em outros contextos nacionais, não pode ser enten­
dida como um padrão único visto a especificidade de nossa história 
nacional e, sobretudo, como as idéias sobre raça compuseram essa 
história. Desse modo, o estudo sobre a branquitude não deve ser pen­
sado apenas na dualidade branco/negro; ao contrário, deve apreender 
os efeitos produzidos pelo processo de miscigenação e pela ideologia 
do branqueamento. Preocupação que esteia a reflexão presente num 
livro central sobre a discussão: Psicologia social do racismo: estudos sobre 
branquitude e branqueamento no Brasil.^
Ao analisar a branquitude no Brasil, Liv Sovik declara que:
A branquitude brasileira é um lugar de fala, envolvendo 
relações socioeconómicas, socioculturais e psíquicas, 
como Ruth Frankenberg (1997) afirma sobre a 
norte-americana. Está arraigada em questões de imagem 
e autoimagem, como dizem Muniz Sodré (1999) e Guer­
reiro Ramos (1995). E é formada ao longo de uma história 
específica. (SOVIK, 2014, p. 168).
As pesquisas sobre a branquitude brasileira vêm apontando - 
para além dos elementos já assinalados pelos estudos críticos da bran­
quitude - algumas características do conceito que destaco a seguir:
A “superioridade estética” é “um dos traços fundamentais 
da construção da branquitude no Brasil”. (SCHUCMAN, 
2012, p. 69);
Há um silenciamento diante do assunto das desigual­
dades raciais e sociais. Silenciar é uma estratégia para
proteger os privilégios em jogo. (BENTO, 2009); 
Neutralidade: ainda que se mostre “neutra” (padrão de 
normalidade), é uma identidade marcada racialmente, 
porém, ao indivíduo branco é dado o poder de escolher 
evidenciá-la ou não;
A raça é vista não apenas como diferença, mas como hie­
rarquia. (PIZA, 2009);
Pode-se até reconhecer as desigualdades raciais, porém, 
estas não são associadas a discriminação (BENTO, 2009); 
É um “lugar de poder” com capacidade de atuação tam­
bém nas instituições. (SILVA, P., 2014; LABORNE, 2014); 
É um “símbolo da dominação”. (MALOMALO, 2014);
Tem raízes no colonialismo e reproduz um colonialismo 
epistemológico. (LABORNE, 2014);
Tem a “tendênciaa resvalar para a classe como marcador 
para definir a própria condição de branquitude”. 
(COROSSACZ, 2014);
Demonstra capacidade de exercer autorreflexão, o que é 
denominado por “branquitude crítica”. (LOURENÇO 
CARDOSO 2010).
Do que foi exposto até aqui, entende-se que os estudos da bran­
quitude no Brasil têm procurado chamar atenção para um elemento 
que se mostra coligado à identidade do branco: o poder associado à 
identidade branca. A ideia de hierarquizações cultural e racial, primei­
ramente imposta pelo colonialismo, foi motriz da constituição dessa 
concepção de identidade forjada não só na oposição ao “Outro”, mas, 
necessariamente, na sua subordinação.
Atentar para essas dinâmicas é fundamental, pois como nos ex­
plica Schucman:
Para entender a branquitude é importante entender de 
que forma se constroem as estruturas de poder concretas 
em que as desigualdades raciais se ancoram. Por isso, é 
necessário entender as formas de poder da branquitude, 
onde ela realmente produz efeitos e materialidades. 
(SCHUCMAN, 2012, p. 23).
Centrando-me na dimensão de poder, presente na branquitude, 
procurarei refinar o conceito analisando seu potencial como dispositivo 
analítico. Tarefa na qual lançarei mão do conceito de dispositivo a par­
tir de Michel Foucault. Por ora cabe assinalar - de maneira sistemática 
- o propósito deste capítulo.
SISTEMATIZANDO
Este texto objetivou compartilhar reflexões acerca do potencial de 
utilização do conceito de branquitude para compreensão das relações 
raciais no Brasil. A proposta foi apresentar a primeira fase de reflexão 
cuja finalidade era identificar e caracterizar o conceito de branquitude 
no contexto brasileiro.
Iniciei apresentando o contexto teórico que orienta essa reflexão. 
Num segundo momento exponho as origens do conceito destacando 
seus traços constitutivos: construto ideológico, no qual o branco se vê 
e classifica os não brancos a partir de seu ponto de vista; implica 
vantagens materiais e simbólicas aos brancos em detrimento dos não 
brancos; apresenta-se como norma, ao mesmo tempo, como iden­
tidade neutra, tendo a prerrogativa de fazer-se presente na consciência 
de seu portador em situações de disputa de poder.
Têm-se como características do conceito no Brasil: a necessidade 
de pensar o conceito fora da dualidade branco/negro; a superioridade 
estética mostra-se como um dos traços fundamentais da construção da 
branquitude brasileira (SCHUCMAN, 2012, p. 69); o silêncio tem 
sido uma estratégia utilizada para proteger os privilégios em jogo 
(BENTO, 2009); a branquitude é uma identidade marcada racial­
mente, porém, ao indivíduo branco é dado o poder de escolher 
evidenciá-la ou não; as desigualdades raciais, ainda que sejam perce­
bidas e reconhecidas, não são associadas à discriminação (BENTO, 
2009); é um lugar de poder e vem atuando nas instituições (SILVA, 
2014; LABORNE, 2014); é um símbolo da dominação (MALOMALO, 
2014); reproduz um colonialismo epistemológico (LABORNE, 2014); 
tem a tendência a resvalar para a classe como marcador para definir a pró­
pria condição de branquitude (COROSSACZ, 2014); contudo, demons­
tra capacidade de exercer autorreflexão - branquitude crítica (CAR­
DOSO, 2010).
Esses traços já apontam para uma configuração do conceito e, 
consequentemente, do fenômeno. Estudar seus desdobramentos é o 
que nos propomos como tarefa para o próximo momento desta refle­
xão.
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A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS CRÍTICAS
Lourenço Cardoso
A BRANQUITUDE ACRÍTICA REVISITADA E AS “CRÍTICAS””
Em trabalho anterior^ denominei “branquitude crítica”lZ aquela 
pertencente ao indivíduo ou grupo de brancos que desaprovam 
“publicamente” o racismo. Por outro lado, nomeei “branquitude acrí- 
tica” a identidade branca individual ou coletiva que argumenta a favor 
da superioridade racial. De modo geral, os brancos antirracistasl5 
exemplificam a branquitude crítica. Enquanto brancos de pensa­
mentos e/ou pertencentes a grupos de ultradireita, os integrantes dos 
grupos neonazistas, membros da “neo”-Ku Klux Klan, outros brancos 
que comungam com o ideal da superioridade racial, mesmo em silên­
cio, são exemplos de branquitude aerifica. Enfim, todos aqueles que 
não desaprovam o pensamento e as práticas racistas.
Em relação ao critério de distinção entre as “branquitudes”, isto é, 
a desaprovação pública do racismo, optei por esse princípio diante da 
constatação de que nem sempre aquilo que é aprovado publicamente 
é ratificado no espaço privado. No ambiente particular, por vezes, opi­
niões ou teses podem ser desmentidas, ironizadas, minimizadas. Es­
pecialmente, quando se tratam de questões referentes ao conflito ra­
cial no Brasil. Já bem dizia Florestan Fernandes, “o brasileiro possui 
preconceito de ter preconceito”. (GUIMARÃES, 2005, p. 77).
Portanto, ser ciente da tarefa complexa que é desvelar as práticas 
racistas que se apresentam disfarçadas, levou-me somente a consi­
derar a atitude, opinião, expressão, tese do branco que desautoriza o 
racismo de forma pública. Os espaços privados, íntimos, os segredos 
dos brancos entre brancos a respeito da questão racial, são difíceis de 
acessarmos. A isso se soma o fato de que sou negro e pesquisador das 
relações raciais, outro elemento que interfere e inibe as manifestações 
ofensivas de cunho racial ante a minha presença. Enfim, diante de um 
negro, “nenhum branco define-se como racista”, muito menos em 
frente de um psicólogo, um sociólogo, um educador, um pesquisador, 
especialmente, das relações raciais.
Diante de todos esses elementos, o pesquisador branco encontra 
menores obstáculos metodológicos para coletar esses tipos de infor­
mações. Os pensamentos guardados em segredo no espaço privado ou 
nos ambientes íntimos, em que é possível sentir-se à vontade para ex­
pressar algumas idéias reprováveis de formas ética, moral e legal, pelo 
consenso social moderno. Em relação a isso, alguns dos meus 
entrevistadosl^discorreram.
(o papo de brancos entre brancos em segredo)
É aquilo que eu já falei. É muito complicado você discutir 
questão racial entre dois brancos. O produto que vai sair é 
muito diversificado, entre os pesquisadores as conclusões são 
muitas. Vejo muito pesquisador, sociólogo, reproduzindo 
também discursos extremamente racistas, entendeu? Vai 
depender muito. Quanto ao senso comum, haverá aquele que 
diz: “Puxa, eu não tinha parado para pensar sobre isso"; ou­
tros falarão: “Você está exagerando. As coisas não são bem 
assim". Quanto aos pesquisadores que estudam, a intenção é 
que você desse um salto para procurar entender os problemas, 
as questões e os dilemas que envolvem. Levando-se em conta 
que há tensão o tempo inteiro, as relações entre brancos e ne­
gros são tensas porque envolvem uma questão de poder. O 
branco tem o poder e ele quer manter o poder dele até o fim, o 
tempo inteiro. Já me deparei com casos de pessoas que entra­
ram num consultório ou num hospital e falarem assim: 
“Nossa, esse que é o médico?", em razão de ser negro, enten­
deu? Se você perguntar para as pessoas nas ruas, elas lhe 
dirão isto, (silvia).
Levando-se em conta a contradição que todos nós praticamos, di­
ante da tarefa de conjugar o que se pensa com a forma de agir, nin­
guém se encontra livre de incoerências. Porém, não cabe deixar de 
considerar as observações de Silvia. O pesquisador branco das relações 
raciais pode reproduzir os pensamentos racistas vulgares do dia a dia 
no ambiente privado, em meio às pessoas que confia. A principal 
razão para o conflito seria a disputa pelo poder. Segundo as palavras 
de Silvia, a questão do poder também afetaria os teóricos raciais bran­
cos. O branco possui, praticamente, todo o poder, além do fato de que 
ser branco também é poder (CARDOSO, 2010).
Ainda assim, não abrem mão de nada, não faz concessão de ne­
nhuma parte do que considera “seu espaço”: aquele de maior poder, 
prestígio, valor simbólico e econômico. Caso, da função de médico, 
não pelo o quanto se ganha, mais pelo o fascínio que exerce, devido 
aos conhecimentos técnicos que possui. Se o negro ocupa essa pro­
fissão produz estranhamento na sociedade racializada, em virtude de 
uma mentalidade com uma perspectiva desmedidamente branca.
(o papo de brancos entre brancos em segredo)
Existe aquela piadinha racista que 0 cara conta. Ah, 0 fulano 
ficou “puto” porque contei essa piada, mas tem motivo para 
ficar puto? Eles contam a piada para mim, mas não contam 
para 0 negro. Eles me veem como cúmplice e quando você não 
entra na ideia da cumplicidade, causa certa frustração. Nesse 
instante ele desconversa. Não, não foi bem assim, desculpa, 
foi brincadeira. O tema é complexo, algo parecido com a con­
versa entre as mulheres. Elas dizem que sentem vontade de 
falar umas com as outras e que não se sentem à vontade para 
falar na presença de um homem. E 0 homem também se sente 
à vontade de falar uns com os outros e não falam perto de 
uma mulher. Nem quando tem aquele grau de intimidade, 
sua amiga de infância, mas você não coloca isso, acho que 
seria uma relação de cumplicidade, (clayton).
Em segredo, nos diálogos entre brancos, as piadas racistas se 
proliferam. Elas são semelhantes às piadas machistas que homens 
contam em segredo quando estão entre si. A presença de uma mulher 
já mudaria a dinâmica. No próximo trecho da entrevista, Clayton reve­
lará que o branco de esquerda pode querer orientar o debate sobre a 
questão racial ou desqualificá-lo. Para mais, revela que a relação entre 
orientador branco e o orientador negro pode ter um caráter pater­
nalista, como se o negro fosse menos capaz do que o branco em ter­
mos de potencial acadêmico. Além disso, em segredo, o orientador 
branco com orientando negro também pode manifestar seu racismo 
diante de brancos confiáveis.
Lourenço: Existe a questão de ser da esquerda também?
Clayton: Sim, mas veja bem, tem aquele apelo que é bem 
comum. Eu militei nisso, conheço isso. Faço parte disso. A 
própria pessoa não se dá conta. Até pessoas que estudam a 
temática que às vezes querem agenciar. Conheço muitos, sei 
lá, professores, que estudam a temática e que pegam orien- 
tandos, professores brancos, que pegam orientandos que não 
são brancos, que às vezes soltam algumas coisas de racismo. 
Complicado, né? Porque “é assim e assado”, coisa até des­
confortável. Ou então tem aquela coisa do paternalismo: 
“Estou aqui pra te ajudar”, uma relação que não tem com 
orientandos brancos.
Em suma, o critério de somente considerar o branco crítico aquele 
que desaprova o racismo publicamente, ainda se mostra razoável. 
Levando-se em conta as nossas incoerências, também devo considerar 
a má-fé, a hipocrisia. É possível que uma pessoa em público 
apresente-se como antirracista, no entanto, em privado, revela-se ra­
cista. Há outras características possíveis de serem consideradas para 
distinguir a branquitude crítica da aerifica.
TABELA I - AS CARACTERISTICAS DA BRANQUITUDE CRITICA E ACRITICA
BRANQUITUDE CRÍTICA BRANQUITUDE ACRÍTICA
i. Perfil. 0 branco de maneira em 
geral.
i. Perfil. 0 branco de maneira 
específica, membros ou 
simpatizantes de grupos da 
“neo-KKK” e neonazistas e outros 
dessalinha.
fonte: elaborada pelo proprio autor.
2. Desaprova 0 racismo 
publicamente.
2. Não é racista. Ele é 
“naturalmente” superior a todos 
os não brancos.
3. Difícil captar a desaprovação ao 
racismo no espaço privado.
Maior dificuldade 
metodológica para 0 pesquisador 
negro, devido aos segredos entre 
branco e branco.
4. Não critica deforma geral 0 
privilégio branco.
5. Vive sob 0 princípio da 
igualdade, em tese.
3. É público e notório que ele é 
superior.
A História comprova isto.
4. Não se baseia necessariamente 
na comprovação biológica de 
superioridade porque, na 
atualidade, tornou-se uma tese 
insustentável.
5. Defende 0 privilégio branco.
6. Vive sob 0 signo da 
modernidade.
6. Desconsidera 0 princípio da 
igualdade. 0 princípio seria uma 
imposição “absurda” da Carta 
Magna.
7. Ama, convive, “tolera”, 
“suporta”, convive 
hipocritamente com 0 Outro.
7. Vive sob 0 princípio da 
desigualdade, apesar do 
anacronismo.
8. Não prega 0 ódio racial. 8. Vive sob 0 signo da Tradição.
9. Ele é sincero, ele é hipócrita na 
sua concepção relativa ao negro.
9. Não suporta 0 Outro.
10. Prega 0 ódio racial.
11. Ele possui características 
homicidas declaradas.
12. É sincero na sua concepção a 
respeito do negro.
A respeito da branquitude crítica, em breves comentários, seria o 
seguinte: a Tabela i, ponto (3) mostra que branco crítico não questiona 
o privilégio racial. Isso acontece em virtude de ele ser ou agir como 
Drácula^2, isto é, “não se enxergar”, no sentido de se autocriticar. O 
(4), apesar da igualdade em Lei, na prática ocorre à desigualdade racial 
(HASENBALG, 2005) ou, se preferirem, as vantagens por ser branco. 
(6) Em termos de valores sócio-históricos e filosóficos, o branco crítico 
vive sob o signo da modernidade, a igualdade “em tese" é um desses 
valores. O (7) branco crítico ama, convive, “tolera” (no sentido de 
quem diz, até que ponto suporto conviver com você); ele suporta, vive 
de forma hipócrita com o não branco. Na verdade, não gostaria, é obri­
gado. O (8) não prega o ódio racial, assim como não desaprova o ra­
cismo publicamente. Para o (9), o branco crítico pode ser sincero em 
sua relação de igualdade com o negro, no entanto, também existem os 
hipócritas.
No que se refere ao branco acrítico na Tabela 1, ponto (2), (3) e (4), 
a branquitude aerifica não se considera racista. Ela nasceu superior, 
como a tese biológica tornou-se insustentável e a História comprovaria 
a superioridade racial (CHESNEAUX, 1995). Os hens (5), (6) e (7) 
defendem a ideia de que o branco deve ser privilegiado mesmo em 
razão de ser branco, porque ele é melhor do que os Outros. (8) Vive 
sob o signo da tradição de que as pessoas nascem desiguais, os privi­
légios por “nascença”, ele se justificam pelas ações do homem branco, 
suas virtuosidades na História; o embasamento teórico profundo 
tornou-se dispensável para explicar esse ponto de vista dogmático. (9), 
(10) e (n), a branquitude aerifica não suporta o Outro e prega o ódio 
racial, podendo, inclusive, assassinar pessoas e grupos não brancos. 
(12) A branquitude aerifica, em regra, é sincera no sentido de que não 
gosta de negro e outras identidades culturais (HALL, 2005), as quais 
considera inferiores.
A branquitude acrítica diz respeito ao branco que não possui crí­
tica em relação ao racismo. Ele realmente não tem consideração para 
com o Outro, que para ele poderia nem existir; e aqueles que existem, 
devem se subordinar a ele. O termo crítica pode ser usado em concep­
ções diferentes, de acordo com os autores. Contudo, não deixa de ser 
um apontamento de um problema, o levantar de uma questão. Isto é, 
evidencia que as coisas poderíam ser diferentes e não são. No caso do 
racismo para o branco acrítico, não há nenhum problema em o negro 
ser maltratado, discriminado injustamente, receber violência física ou 
moral, e até ser assassinado por ser negro. Afinal, trata-se de um 
negro, um ser inferior.
A crítica ao racismo ganha maior vigor na comunidade 
internacional^ depois da Segunda Guerra Mundial, devido ao exter­
minio de milhões de judeus e outros grupos motivados pelo odio 
étnico-racial, entre outras razões. Com respeito a isso, cabem duas 
observações: (i) a branquitude crítica analisa e condena os aconte­
cimentos desse período histórico; (2) a branquitude aerifica conserva, 
justifica e reescreve a História, numa perspectiva de heroificar Adolf 
Hitler, minimizando ou negando o Holocausto.
As branquitudes crítica e aerifica^ são um conceito que propus 
inspirado pelo Criticai whiteness studies (Estudos críticos da bran­
quitude) (WARE, 2004a). Em relação aos estudos estadunidenses, so­
mente me inspirei em fazer uso do nome “crítica” com outro contexto 
e significado, nada mais do que isso. Jamais pensei ou proponho que 
a realidade brasileira se ajuste à produção sobre a identidade branca 
estrangeira. Elas podem ser referenciais teóricos úteis em alguns con­
textos, assim como em outros não. São úteis, principalmente, se não 
atrapalharem “a vida”, a realidade social brasileira (MARX; ENGELS, 
2003).
As linhas de pesquisas dos Estados Unidos e do Reino Unido 
procuraram descobrir e distinguir os diferentes tipos de racismos. 
Eles estudam desde os atos racistas praticados no cotidiano até o 
assassinato motivado pelo ódio, deixando de distinguir os diferentes 
perfis dos protagonistas. Eles diferenciam os tipos de racismos, entre­
tanto, não distinguem os autores. Eles somente observam a especi­
ficidade da ação e não do sujeito da ação. Nessa lógica, ao definirem a 
branquitude sustentam que uma de suas características seria ser 
homicida (WARE, 2004b).
A branquitude é diversa. O branco é, inclusive, antirracista. Por­
tanto, não podemos definir a característica da branquitude como 
homicida. Todas as pessoas são capazes de matar o Outro, mas essa 
não é necessariamente uma característica de quem vive pelo consenso 
ético e legal social moderno, de quem é fortemente regulado pela soci­
edade. Especialmente, o branco crítico, aquele que desaprova o ra­
cismo, mesmo quando é somente em público.
Quanto à branquitude acrítica, faz sentido considerar que uma de 
sua característica é ser assassina. Eles podem até mesmo não sentir 
culpa, pois o Outro é inferior. O problema deles é com a Lei, com a 
coerção que pode advir de seu ato. Portanto, a característica homicida 
não cabe à branquitude crítica, em tese^, mas cabe à branquitude 
acrítica. De forma semelhante, é necessário definir as diferentes práticas 
de racismos. Do mesmo modo, não compete deixar de distinguir a pessoa, 
ou grupo, que pratica racismo. Distinguir os variados tipos de sujeitos e de 
ações. As diferentes formas de branquitudes e seus diferentes modos de 
manifestações.
As atuais literaturas científicas referentes ao branco-tema tem 
realizado essa tarefa (CARDOSO, 2008, 2010, 2014; SCHUCMAN, 
2012; PASSOS, 2013; MOREIRA, 2012, 2014; MIRANDA, 2015; 
LOPES, 2013, 2016). Pesquisam e analisam as diversas acepções do 
que do significa ser branco e as diferentes manifestações dessa iden­
tidade racial. Os conceitos branquitude crítica e branquitude acrítica 
são apenas uma distinção entre tantas outras possibilidades que serão 
exploradas no futuro. No caso das pesquisadoras Cláudia Miranda e 
Ana Passos (2011), a partir do conceito de branquitude crítica, elas 
propuseram um método para que o branco antirracista pudesse re­
construir sua identidade racial. O objetivo é que o branco direcione a 
sua ação no sentido de abolir a ideia de superioridade racial que é ine­
rente à branquitude. Ele, enquanto branco antirracista, enfrenta a 
angústia de se colocar contra o racismo e ao mesmo tempo ser privi­
legiado por ser branco, em virtude de viver numa sociedade racia- 
lizada. Trata-se de uma proposta de “desaprendimento”, de “desa­
prender” o racismo. Isso foi tratado por uma das pessoas que entre­
vistei,César, um teórico da Educação.
(a tarefa de “desaprender” o racismo)
No filme The Color of fear^á eles viram o personagem branco 
racista admitir publicamente que ele cometera um grande 
erro. Ele pediu desculpas e tentou desaprender o racismo. 
Como resultado disso perdeu todos os amigos mais íntimos. O 
que significa isso? Ele estava rodeado de pessoas que pen­
savam como ele. Ele era um racista e por isso não sabia o que 
era pensar diferente, fora desse quadro. (César).
A fala de César destaca que o personagem dedicou-se em mudar, 
esforçou-se em desaprender o racismo. Nisso acabou por ser “excluido”, 
“isolado”, “ignorado” do grupo ao qual ele pertencia. O ostracismo 
que vivenciou foi porque admitiu ser racista publicamente e ainda 
pediu desculpas. Assim, escandalizou seus antigos colegas, que per­
sistiram com a mentalidade racista em relação ao negro. Não saber 
pensar fora desse quadro seria não questionar o lugar do branco como 
superior, justamente um dos significados da branquitude que se faz 
necessário “desaprender”.
CRÍTICA E A ACRÍTICA E O CONTEÚDO
No que diz respeito à distinção entre branquitudes crítica e aeri­
fica, ainda se apresenta como necessária, se pararmos para observar a 
produção acadêmica relativa à branquitude nos cenários interno e ex­
terno. Os trabalhos que existem se referem à branquitude crítica. 
Raramente encontramos análise referente à branquitude acrítica. É 
possível entender o motivo. Faço menção ao considerável o obstáculo 
que significa acessar grupos neonazistas ou neo-Ku Klux Klan, sim­
patizantes etc. O pesquisador branco crítico terá que se disfarçar de 
branco aerifico. Quando ao pesquisador negro somente será possível 
realizar o trabalho escondido pela Internet, ao se disfarçar de branco. 
Na hipótese de a tarefa ser realizada por um pesquisador branco aeri­
fico, provavelmente, pela lógica, o produto consistirá em justificar as 
idéias de grupos como os neonazistas.
Diante disso, existe uma produção crescente referente à 
branquitude crítica, aquela que pratica racismo, mas não necessa­
riamente chega ao assassinato^, enquanto quase inexistem trabalhos 
que pesquisem a branquitude acrítica, que possui característica evi­
dentemente homicida. A branquitude acrítica age como quem diz: 
você que é “diferente”, leia-se não branco, pode ser assassinado. O 
fato de ser negro justifica sua morte praticada pelo branco acrítico. A 
branquitude acrítica acentua o traço racista inerente à identidade 
branca. O exemplo mais extremo de sua ação aparece nos casos de 
assassinatos e genocídios de não brancos (WARE, 2004a). Ao con­
trário do branco de branquitude crítica, em particular o branco antir- 
racista, que pode se ocupar da tarefa para “desaprender” o racismo, a 
branquitude acrítica potencializa a característica racista da identidade 
branca. Essa é mais uma característica que distingue os dois tipos de 
brancos: o crítico pode se empreender em “desaprender”, “mini­
mizar”, objetivar abolir as características racistas da branquitude, en­
quanto que para o acrítico isso não é uma questão^.
Não obstante o genocídio de judeus, ciganos e homossexuais^ 
efetuado pelos nazistas durante a Segunda Grande Guerra (ARENDT, 
2006), neste início de século grupos neonazistas ressurgem e proli­
feram no Brasil e em outros territórios. Esse tipo de branquitude acrí­
tica sustenta-se na ideia de uma superioridade racial, apesar de viver 
um contexto em que essa tese é francamente desautorizada e recha­
çada pela comunidade internacional ocidental. As organizações neona­
zistas e outras que comungam de pensamentos de ultradireita cres­
cem e se fortalecem. Eles fazem uso da Internet como ferramenta de 
contato e mobilização. O contato virtual serve também ao propósito de 
se esquivarem das penalidades da Lei. Eles são cautelosos para que 
não tenham que responder pelos crimes de ódio e/ou crimes contra a 
humanidade.
Quando a branquitude acrítica se expressa de maneira extrema, 
pratica extermínios; quando age de forma mais “branda”, procura se 
inserir no jogo democrático (CARDOSO, 2010). Seus discursos racis­
tas e xenofóbicos podem ser disfarçados na forma de pensamento 
religioso tradicional e/ou perspectiva nacionalista. Ao utilizarem estra­
tégias como essas, inserem-se nas disputas eleitorais, para, quem 
sabe, alcançarem o poder, mudarem a Constituição, promulgarem 
outra Carta que imponha, por meio de regras positivadas, o princípio 
da desigualdade. A branquitude acrítica pode também fazer uso da 
máquina do Estado de forma direta^, mediante o uso da força, para 
perseguir todos aqueles que consideram indesejáveis. No caso aqui 
tratado, seu primeiro alvo seria o negro, certamente.
A TEORIA CRÍTICA EA CRÍTICA DA CRÍTICA CRÍTICA
Diante de tudo, o que importa reter é o seguinte: elaborei o con­
ceito branquitude crítica e branquitude acrítica inspirado nos Estudos 
críticos da branquitude. Essas pesquisas concentram-se em proble- 
matizar a branquitude crítica, principalmente porque o contato direto 
com a branquitude acrítica é uma tarefa perigosa para o pesquisador 
e/ou policial disfarçado quando decidem investigá-los. Os empecilhos 
não significam a conclusão de que a pesquisa não deva ser realizada. 
Todavia, é necessário pensar em metodologias para que o trabalho 
possa acontecer em segurança. A sociedade e a academia necessitam 
compreender, com maior propriedade, as pessoas e grupos que justi­
ficam e defendem a tese de ódio; problematizar o branco que se consi­
dera no direito de agredir, de matar o outro não branco simplesmente 
porque ele é branco e a branquitude lhe confere tal poder. É impor­
tante que fiquemos atentos a respeito da branquitude acrítica, e uma 
produção teórica a respeito é fundamental, inclusive, serviría de base 
para outras ações. A branquitude acrítica é preocupante porque se 
trata de um tipo de branco que é uma ameaça ao convívio social, o 
convívio igualitário entre os diferentes.
Quanto à minha base, quando faço uso da palavra crítica, ao fazer 
uso do conceito branquitude crítica e branquitude acrítica, tenho 
como arcabouço a Teoria Crítica no sentido em que propôs Max 
Horkheimer (2009). Ao escrever a respeito da Teoria Crítica e Teoria 
Tradicional, o filósofo alemão vai pontuar o que considera Teoria 
Crítica. Ao tentar sintetizar suas idéias centrais, cabe novamente ques­
tionar: a crítica serve para quê? Poderiamos responder que serve para 
mostrar como as “coisas deveriam ser...” (NOBRE, 2004). Logo, “elas 
não são...”. Quem melhor mostra como “as coisas não são...”, “o que 
deveriam ser...”, é a “Prática”, mas e quanto a Teoria? “Ela mostra 
como as coisas são”, ou melhor, a Teoria Tradicional mostra “as coisas 
como são”. Ela também se encontra distanciada da “Prática” por causa 
do princípio teórico-metodológico de neutralidade científica, que 
resultaria em maior objetividade nos trabalhos realizados pelas ciên­
cias humanas.
O filósofo Horkheimer (2009) criticará a separação entre “Teoria” 
e “Prática”. Não nos caberia nem uma “ação cega”, sem base teórica, 
nem um “conhecimento vazio”, distante da prática. Isso significa que 
somente é possível mostrar “como as coisas são...” a partir da pers­
pectiva “de como elas poderiam ser...”, já que “a existência não esgota 
as possibilidades de existência” (SANTOS, 2002, p. 23). A Teoria Crí­
tica procura entender o mundo a partir do melhor que ele poderia ser 
(NOBRE, 2004). Ela não abdica das “potencialidades não realizadas...” 
do tempo presente. A Teoria Crítica situa-se no universo teórico de 
Karl Marx (2003), objetiva continuar a sua tradição. Contudo, pode 
romper com sua ideia de Revolução^, quando pretende potencializar 
as possibilidades emancipatórias do seu momento histórico. Karl 
Marx pensa no mundo que supere o capital, uma revolução, enquanto 
o “teórico crítico” pode vir a potencializar as possibilidades emanci­
patórias da

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