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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE CCSA – DEPARTAMENTO DE DIREITO Aracaju, 04 de julho de 2022. Prezados (as) alunos (as), A disciplina Introdução ao Estudo do Direito I (DIRE0215), componente da Matéria de Ensino IED, para a qual eu fui aprovado em concurso público, em 1997, será ministrada, na Turma 02, neste primeiro semestre letivo de 2021, com a utilização da presente apostila. A base da mesma é constituída pelos livros constantes da bibliografia que está indicada no projeto pedagógico do nosso curso de Direito, com pequeno acréscimo, mas, abordando, também, várias outras obras, conforme constam das referências bibliográficas, no total de cento e nove (109) obras consultadas e citadas ao longo do texto apostilado. Eu quero lembrar que uma apostila não poderia ter a pretensão de esgotar os assuntos constantes do conteúdo programático, mesmo esta apostila sendo revista, atualizada e ampliada, ano após ano. Assim, esta apostila é tão somente um roteiro a ser seguido. Nada mais do que isso. Há alunos que, infelizmente, se limitam a ler a apostila. Claro que, nesse caso, podem não lograr êxito na disciplina. Logo, para uma melhor compreensão dos textos apostilados, e, especificamente, para melhor sedimentar os conhecimentos relativos à disciplina, objetivando, inclusive, um bom resultado nas avaliações, faz-se necessário aprofundar o estudo por meio dos livros que integram a bibliografia básica e de outros textos indicados pelo professor. Isso é o mínimo. Vocês devem ter em mente que os livros nem sempre tratam de todos os assuntos, ou, às vezes, não o fazem a contento. Portanto, jamais esperem encontrar tudo que necessitam em um só livro. Nem se apeguem apenas a um deles, embora vocês possam escolher um desses livros como preferencial. E, aliás, devem fazê-lo. É preciso, ainda, lembrar que vocês estão cursando uma disciplina que tem por objetivo lhes introduzir no mundo da Ciência do Direito. Desse modo, devem estudar o conteúdo da ementa com muita disposição para aprender. Não foi à toa, logicamente, que vocês chegaram à Universidade e, mais de perto, ao curso de Direito. De tal forma, devem estar – ou devem procurar estar – aptos para receber os conhecimentos jurídicos, inicialmente indispensáveis. O esforço de todos é imprescindível, mas, talvez, o esforço dobrado de alguns seja mais do que essencial. Tudo vai depender do que você deseja no curso. José Lima Santana Professor 2 P R O G R A M A D A D I S C I P L I N A I - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 1 CONCEITO, IMPORTÂNCIA, OBJETO E FINALIDADE DA DISCIPLINA. CIÊNCIA, LINGUAGEM E MÉTODO DO DIREITO 2 RELAÇÕES DO DIREITO COM OUTRAS ÁREAS DO SABER 3 CODIFICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 4 TENDÊNCIAS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO 5 MORAL E DIREITO 6 NORMAS DE USO SOCIAL 7 JUSTIÇA E EQUIDADE 8 RAMOS DO DIREITO: PÚBLICO E PRIVADO 9 CRIAÇÃO DO DIREITO: FONTES FORMAIS E MATERIAIS 10 DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO 11 ATO E FATO JURÍDICO 12 ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA II – OBJETIVOS DA DISCIPLINA São objetivos da disciplina: a) Gerais – Colaborar com o aluno no processo de adaptação ao curso jurídico; – Ministrar noções essenciais à formação de uma consciência jurídica; – Fomentar o desenvolvimento do raciocínio jurídico e a formação da consciência jurídica. 3 b) Específicos – Ministrar os conceitos gerais do Direito; – Oferecer uma visão de conjunto do Direito; – Ensinar os traços característicos da Técnica Jurídica. III – METODOLOGIA E RECURSOS A disciplina será ministrada através de aulas expositivas e de seminários, quando e se for o caso. Os discentes serão encorajados a participar dos debates, pois a aula não deve ser um monólogo. Serão utilizados esta apostila, a bibliografia básica e os textos que o professor indicar. IV – CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E FREQUÊNCIA Duas serão as avaliações com base na apostila e na bibliografia básica. A frequência será devidamente anotada, como determinam as normas acadêmicas da UFS. V – BIBLIOGRAFIA BÁSICA 1. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 21 ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. 2. FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, Decisão, Dominação. 10 ed. São Paulo: Editora GEN/Atlas, 2018. 3. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 44 ed. Rio de Janeiro: Editora GEN/Forense, 2011. 4. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 39 ed. Rio de Janeiro: Editora GEN/Forense, 2017. 5. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. 9 reimpressão. São Paulo: Editora Saraiva, 2009. A bibliografia complementar é composta por todas as demais obras indicadas nas referências bibliográficas e citadas nesta apostila. 4 1 CONCEITO, IMPORTÂNCIA, OBJETO E FINALIDADE DA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO DIREITO. CIÊNCIA, LINGUAGEM E MÉTODO DO DIREITO 1.1 Conceito e importância 1.1.1 O sentido da palavra “introdução” Iniciando o contato preliminar com a disciplina Introdução ao Estudo do Direito I, é preciso lembrar que o vocábulo introdução vem do verbo introduzir, que, por sua vez, é composto por duas palavras latinas: um advérbio intro (= para dentro) e um verbo ducere (= conduzir). Logo, “introduzir é conduzir de um lugar para outro, fazer penetrar num lugar novo”, como ensina o professor francês MICHEL MIAILLE (1994, p. 16). Diz EDITH MARIA BARBOSA RAMOS: Se introduzir é expressão de um movimento de deslocamento, não existe movimento sem força iniciadora propulsora. Não há movimento que ocorra por si mesmo, como uma lógica própria das coisas. Não há força propulsora sem objetivo definido. Não há introdução que possa ser caracterizada como sem objetivo, finalidade, e absolutamente neutra. Quando alguém depara com um lugar desconhecido, é sempre uma estranha experiência. Normalmente, procura-se um guia que conduza ao conhecimento [...]. A função primordial do professor de Introdução ao Direito é, consciente de suas concepções ideológicas, políticas, culturais e sociais, responsabilizar-se pelos caminhos escolhidos, pelo sentido determinado ao conteúdo e pelo objeto delimitado (2003, p. 49). Na verdade, todos têm, embora empiricamente, algum conhecimento do que vem a ser o Direito. Cada um aqui, por exemplo, o tem, por conta do dia a dia. O que não se tem, ainda, é o conhecimento científico do Direito, que começará, agora, a ser amealhado. 1.1.2 O que é “Introdução ao Estudo do Direito” Introdução ao Estudo Direito é a disciplina de iniciação ao estudo da Ciência Jurídica, que recolhe de outras disciplinas jurídicas, como Filosofia do Direito, Sociologia do Direito, História do Direito etc., as informações necessárias para compor o quadro de conhecimento a ser ministrado aos 5 acadêmicos, que se iniciam no mundo jurídico. No caso do Curso de Direito da UFS, são duas as disciplinas introdutórias: IED I e IED II, vistas nos dois primeiros semestres letivos. A disciplina em apreço é uma disciplina propedêutica. E por propedêutica entende-se o estudo preparatório que serve de iniciação ou introdução a uma ciência. A palavra propedêutica vem do grego pro (= preliminar) e paideutikê (= arte de instruir). A presente disciplina propõe-se simplesmente introduzir o aluno no mundo fascinante do Direito, cujos segredos não podem ser desvendados por toda uma vida. E por quê? Porque o Direito é dinâmico, e deve, pois, estar em constante transformação, a fim de acompanhar as mutações sociais. A partir desta disciplina e de outras propedêuticas, os alunos devem ser preparados para receber os conhecimentos jurídicos futuros mais completos e específicos, que se seguirão no desenrolar dos cinco anos de estudo da Ciência Jurídica, nagraduação. 1.1.3 O primeiro contato organizado com o Direito A disciplina em estudo “é o primeiro contato organizado que o estudante mantém com o conhecimento jurídico”, como sustenta PAULO DE BESSA ANTUNES (1992, p. 13). No início do estudo é importante partir do pressuposto de que o Direito é um fenômeno socialmente verificado. Ou seja, o Direito está presente na vida social, na vida de cada indivíduo que está na sociedade. Logo, as posições jurídicas das pessoas estão intimamente ligadas à posição social dos homens, aos seus papéis como autores sociais, como sujeitos da História. 1.1.4 Como devem ser o ensino e o estudo preliminar do Direito O ensino inicial do Direito, através da disciplina Introdução ao Estudo do Direito, “deve ser pautado pelo objetivo de fornecer ao estudante-cidadão as noções elementares do sistema jurídico, bem como os rudimentos de seus direitos e de sua responsabilidade social”, como ensina ANTUNES (1992, p. 14). TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. diz que: O direito é um dos fenômenos mais notáveis da vida humana. Compreendê-lo é compreender uma parte de nós mesmos. É saber em parte por que obedecemos, por 6 que mandamos, por que nos indignamos, por que aspiramos a mudar em nome de ideais, por que em nome de ideais conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar no direito e, no entanto, o direito também nos oprime e tira-nos a liberdade. Por isso, compreender o direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a conceituações lógicas e racionalmente sistematizadas. O encontro com o direito é diversificado, às vezes conflitivo e incoerente, às vezes linear e consequente (2018, p.1). Portanto, estudar e compreender o Direito pode não ser uma tarefa fácil, e, na verdade, não o é, porém, sem dúvida, é gratificante. E exige “não só perspicácia, inteligência e preparo, mas também encantamento, intuição, espontaneidade”, como observa o citado mestre (2018, p.1). Para compreender o Direito “é preciso, pois, saber e amar”. E “só o homem que sabe pode ter-lhe o domínio. Mas só quem o ama, é capaz de dominá-lo, rendendo-se a ele”, como diz FERRAZ JR. (2018, p.1). O estudante que ora se inicia no estudo do Direito precisa ter paciência e perseverança, não pretendendo encontrar num só livro tudo o que necessita, como, aliás, foi dito na mensagem da página 1. É sempre oportuno lembrar que uma introdução é apenas uma abertura, que deve levar o aluno a ampliar seu universo, e nunca a reduzi-lo a esquemas simplificados. Ainda esta outra lição de FERRAZ JR.: Por tudo isso, o direito é um mistério, o mistério do princípio e do fim da sociabilidade humana. Suas raízes estão enterradas nesta força oculta que nos move a sentir remorso quando agimos indignamente e que se apodera de nós quando vemos alguém sofrer uma injustiça. Introduzir-se no estudo do direito é, pois, entronizar-se num mundo fantástico de piedade e impiedade, de sublimação e de perversão, pois o direito pode ser sentido como uma prática virtuosa que serve ao bom julgamento, mas também usado como instrumento para propósitos ocultos ou inconfessáveis. Estudá-lo sem paixão é como sorver um vinho precioso apenas para saciar a sede. Mas estudá-lo sem interesse por seu domínio técnico, seus conceitos, seus princípios é inebriar-se numa fantasia inconsequente. Isto exige, pois, precisão e rigor científico, mas também abertura para o humano, para a história, para o social, numa forma combinada que a sabedoria ocidental, desde os romanos, vem esculpindo como obra sempre por acabar (2018, p. 1). 1.1.4.1 A questão do ensino jurídico É preciso levar em consideração um aspecto importante do processo ensino/aprendizagem no Curso de Direito, que é a própria questão em si do ensino jurídico, ou seja, uma questão de ordem pedagógica. Nos dias atuais devem ser feitas críticas à pedagogia aplicada, em geral, nos Cursos de Direito, 7 nos quais, em regra, ainda se usa a chamada “pedagogia do oprimido”, na expressão do educador PAULO FREIRE, em que o educando é sempre visto como aquele que “precisa saber”, que está na sala de aula para “receber conhecimentos”. Analisando este fator, RIZZATTO NUNES, professor e desembargador em São Paulo, diz: Esse ensino feito por narrativas conduz o educando à memorização mecânica dos conteúdos: os alunos são tidos como vasilhas, recipientes a serem “enchidos” pelo educador. Quanto mais o recipiente for enchido, melhor será o educador; quando mais dócil for o educando na permissão do enchimento, melhor será o educando. Não há entre os dois propriamente comunicação – dialógica como seria de esperar –, mas apenas transferências, nas quais o educador “comunica”, isto é, informa, remete e o educando recebe, memoriza e repete (2007, p. 2). Já passou da hora da virada. É preciso que a instituição de ensino superior veja no aluno não apenas o ser que vem para amealhar cultura jurídica, mas também o ser que deve vir para produzir cultura jurídica. A aula, por exemplo, não deve ser um monólogo, mas um constante diálogo. Para tanto, professor e aluno devem estar imbuídos da utilização de novos pilares para a construção do processo ensino/aprendizagem. Trata-se de uma via de mão dupla. O professor não deve se sentir o “sabe-tudo” e o aluno não deve se sentir o “nada-sabe”. Juntos, devem construir uma nova pedagogia em que os instrumentos podem até mesmo ser os mesmos de sempre, mas com um modo novo de utilização. O professor deve abrir-se para ouvir o aluno, atentar para os seus questionamentos, e este deve esmerar-se em buscar fundamento para poder e saber questionar. Para tanto, atente-se para os subitens II e III, do item 1.1.6. Enfim, a sala de aula, ou qualquer outro espaço físico no qual venha a se desenrolar o processo pedagógico, há de sempre alimentar a alma e estimular o raciocínio. 1.1.5 Três mandamentos importantes O professor DALMO DE ABREU DALLARI, citado por ANTÔNIO BENTO BETIOLI (2000, p. 6), registra três importantes mandamentos, que devem ser assimilados por todos que realmente pretendem dedicar-se a uma profissão jurídica. São eles: I – Conhecer bem o Direito, para senti-lo e acreditar nele; II – Acreditar no Direito sempre, jamais cedendo ao arbítrio, a qualquer pretexto; 8 III – Fazer da crença no Direito, uma arma de intransigente defesa da justiça e da dignidade humana. 1.1.6 Destaques da importância da disciplina A disciplina Introdução ao Estudo do Direito funciona como um elo entre a cultura geral, que se obtém até o ensino médio, e a cultura específica do Direito, que se abre a partir de agora. Daí se podem listar os seguintes destaques de sua importância: I – Auxiliar o aluno no preparo de adaptação ao curso jurídico; II – Ministrar noções essenciais à formação de uma consciência jurídica; III – Fomentar o desenvolvimento do raciocínio jurídico e despertar no aluno o espírito crítico ajudando-o na formação da consciência jurídica. Ora, por raciocínio jurídico entende-se a capacidade de observar os problemas colocados ante o jurista e dar-lhes uma solução possível dentro do ordenamento (ou sistema) jurídico. Seria como fazer um diagnóstico. É importante ter em mente que o mundo jurídico é um aspecto parcial do mundo real. 1.2 Objeto da disciplina A disciplina Introdução ao Estudo do Direito tem, segundo PAULO NADER (2017 p. 3-4) e BETIOLI (2000, p. 11), tríplice objeto, a saber: I – Os conceitos gerais do Direito, que dão ao aluno condições favoráveis de estudar mais adiante as diversas disciplinas especializadas da grade curricular; II – A visão de conjunto do Direito, fornecendo uma vista panorâmica da Ciência Jurídica, que jamais seria obtida por meio do estudo isolado dos diferentes ramos da árvore jurídica; III – Os traços característicos da técnica jurídica,levando os alunos à familiarização com a linguagem jurídica e com o método jurídico, peculiares ao Direito. Não será custoso lembrar que toda ciência tem sua linguagem e seu método próprios. E isso também ocorre com o Direito. 9 1.3 Finalidade da disciplina Dentre as diversas finalidades apontadas pelos doutrinadores acerca da Introdução ao Estudo do Direito, podem ser distinguidas as seguintes: I – Dar ao iniciante na Ciência do Direito “as noções e os princípios jurídicos fundamentais, indispensáveis ao raciocínio jurídico” (GUSMÃO, 2011, p. 20). II – Fornecer “uma visão global de conjunto, bem como as possíveis raízes sociais e históricas do Direito e o seu fundamento filosófico” (GUSMÃO, 2011, p. 20). III – Criar no estudante “uma mentalidade jurídica, proporcionando-lhe uma bagagem cultural [necessária] para a compreensão da Ciência Jurídica e dos conceitos jurídicos básicos para a elaboração científica do direito” (DINIZ, 2008, p. 8). A importância da Introdução ao Estudo do Direito, enfim, fica patente nas palavras de PAULO FERREIRA DA CUNHA, jurista português: A chave de tudo parece residir essencialmente na cadeira de Introdução ao (Estudo do) Direito, a qual, a nosso ver, deve ser a grande porta de todo o Curso, simultaneamente abrindo horizontes filosóficos e técnicos. Ela terá, por isso, que ser suficientemente aliciante e rigorosa para poder cabalmente cumprir a sua tarefa. [...] Por exemplo: não se compreende como se saia do 1º ano sem o domínio dos conceitos básicos, técnicos e prescrições legais que permitam a correcta interpretação e aplicação das normas (ao menos a aplicação no tempo, e em sede geral); ou que se não conheça bem o nosso sistema institucional (legal) de fontes do Direito; ou que se ignorem os âmbitos dos diversos ramos do Direito. Tudo isso são matérias de alto interesse prático, sem as quais qualquer curso jurídico fica irremediavelmente comprometido à partida, nas suas bases (1990, p. 19-20). 1.4 Ciência, linguagem e método do Direito 1.4.1 Noções preliminares sobre o termo “ciência” Iniciando o estudo da Ciência do Direito, devemos lembrar que, há muito tempo, na escola fundamental e média, já travamos conhecimento com várias ciências: matemática, biologia etc. 10 O termo “ciência” vem do latim scientia, do verbo scire, que significa saber. Como bem analisa TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., “o termo ciência não é unívoco”, ou seja, não apresenta uma só forma de interpretação; não é, pois, homogêneo. Diz, ainda, que “se é verdade que com ele designamos um tipo específico de conhecimento, não há, entretanto, um critério único que determine a extensão, a natureza e os caracteres deste conhecimento; os diferentes critérios têm fundamentos filosóficos que ultrapassam a prática científica, mesmo quando esta prática pretende ser ela própria usada como critério” (1980, p. 9). Modernamente, segundo FERRAZ JR., as “discussões sobre o termo ciência estão ligadas à metodologia”. As “diversas ciências têm práticas metódicas que lhes são próprias e, eventualmente, exclusivas”, muito embora não sejam acordes os entendimentos sobre “uma dualidade fundamental e radical do método das chamadas ciências humanas e das ciências da natureza” (1980, p. 9). 1.4.1.1 A explicação científica Segundo afirma SÍLVIO DE MACEDO, “a ciência tem algo de explicabilidade. É da natureza da ciência o explicar. Daí que a explicação científica é um dos modos de manifestar-se a própria ciência. O problema da explicação científica pode ser examinado sob três aspectos: a) como explicação propriamente dita; b) como descrição; c) como compreensão” (1986, p. 5). A cada modelo de ciência, predomina um daqueles aspectos. É preciso distinguir a explicação sob nexo causal da explicação sob nexo lógico. A primeira é peculiar às ciências naturais e outras, enquanto a segunda, também chamada demonstração, é própria das ciências abstratas. A descrição está ligada às ciências biológicas. Há quem afirme que a compreensão é pertinente às ciências do espírito ou do intelecto. 1.4.1.2 Noção de Ciência do Direito 1.4.1.2.1 Considerações gerais De acordo com WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, a “expressão ‘ciência jurídica’ é relativamente recente, constituindo uma criação da chamada Escola Histórica do Direito, surgida na Alemanha no século XVIII”. Entretanto, diz ele, “a primeira grande elaboração teórica do Direito deve-se aos romanos, 11 que incorporaram para isso as categorias forjadas pelos gregos para o conhecimento em geral” (2001, p. 25). Na visão desse mestre cearense, “a questão do caráter científico do Direito romano tem como pano de fundo a teoria da ciência vigente na época, que era grega por excelência. ARISTÓTELES concebia a ciência como o conhecimento da coisa como ela é, ou seja, o conhecimento de sua necessidade, de suas causas e relações. Assim, naquela época, conhecimento científico era aquele de validez universal e que captava a essência dos fenômenos” (2001, p. 25). Diz, ainda, GUERRA FILHO, que se pode considerar “científico o estudo do Direito já em Roma, desde que se tenha uma concepção ampla do que seja ciência, enquadrando-a em uma perspectiva histórica...”. “Tratava-se de um saber prático. Guiado por um método próprio, adequado a seu objeto, dotado de um senso de rigor na construção de sua terminologia e mesmo de uma intuição para atingir a veracidade por intermédio da retórica”. E a retórica tem por objeto formular as regras da criação. Ela “dá, portanto, ao Direito romano o caráter de algo que o jurista ‘não se limita a aceitar, mas constrói de modo responsável’. Esse é um aspecto essencial do Direito em qualquer época histórica” (2001, p. 26). Em Roma a atividade jurídica era conhecida como jurisprudentia, palavra que recebia os mais diversos qualificativos: arte, disciplina, ciência, notícia. Seu centro gravitacional era uma noção que estava contida na própria palavra: a prudentia. FERRAZ JR. diz que ARISTÓTELES fala da prudência, “como conhecimento moral, capaz de sopesar, diante da mutabilidade das coisas, o valor e a utilidade delas, bem como a correção e justeza do comportamento humano” (1977, p. 20). E acrescenta que: A ‘ciência’ jurídica dos romanos nos põe em meio do problema da cientificidade do direito, sem tematizá-lo diretamente. Nela está presente, de modo agudo, a problemática da chamada ciência prática, do saber que não apenas contempla e descreve, mas também age e prescreve. Este caráter, aflorado na jurisprudência romana, vai marcar o pensamento científico do direito no correr dos séculos, tornando-se não só um dos traços distintivos, mas também motivo para inúmeras tentativas de reforma, cujo intuito – bem sucedido ou fracassado – será dar-lhe um caráter de ciência, conforme os modelos da racionalidade matemática (1977, p. 20- 21). GUERRA FILHO, discorrendo sobre a exposição de FERRAZ JR., diz que: 12 Na problemática da ciência prática do saber repousa o principal traço distintivo da ciência jurídica, que juristas, imbuídos de uma concepção de ciência baseada na racionalidade matemática, tentam apagar, sem se darem conta de que com isso inviabilizam a ciência adequada ao estudo do Direito, afastando-se o método apropriado ao seu objeto, como exige a práxis jurídica na convivência social (2001, p. 27). 1.4.1.2.2 A natureza científica do estudo do Direito A maioria dos estudiosos reconhece a natureza científica do estudo do Direito. Mas há considerações a serem feitas, como, por exemplo, o que vem a ser a Ciência Jurídica? MARIA HELENA DINIZ faz a seguinte observação: Sobre essa questão encontramos todas as respostas possíveis e imagináveis, porque o termo ‘ciência’ não é unívoco e porque há uma surpreendente pluralidade de concepções epistemológico-jurídicas quepretendem dar uma visão da ciência jurídica, cada qual sob um critério diferente. A ciência do direito distingue-se pelo seu método e também pelo seu objeto (2008, p. 27). MIGUEL REALE, dissertando sobre a noção de Ciência do Direito, afirma: A Ciência do Direito, ou Jurisprudência – tomada esta palavra na sua acepção clássica –, tem por objeto o fenômeno jurídico tal como ele se encontra historicamente realizado. Vejam bem a diferença. A Ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico tal como ele se caracteriza no espaço e no tempo, enquanto que a Filosofia do Direito indaga das condições mediante as quais essa concretização é possível. A Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual. Assim é que o Direito dos gregos antigos pode ser objeto de ciência, tanto como o da Grécia de nossos dias. Não há, em suma, Ciências do Direito em abstrato, isto é, sem referência direta a um campo de experiência social. Isto não significa, todavia, que, ao estudarmos as leis vigentes e eficazes no Brasil ou na Itália, não devamos estar fundados em princípios gerais comuns, produto de uma experiência histórica que tem as mesmas raízes, as do Direito Romano (2002, p. 16-17). REALE, falando para iniciantes do Curso de Direito, diz que “não é possível, a essa altura do nosso curso, esclarecer a natureza da Ciência Jurídica, que alguns pretendem seja apenas uma Arte, ou uma Técnica”. E acrescenta que somente “após situarmos o Direito entre as formas da investigação social é que poderemos esclarecer essas e outras questões que muitas vezes subentendem simples divergências terminológicas” (2002, p. 17-18). 13 Alguns autores tentam ver a Ciência do Direito como a teoria da norma jurídica. Outros a vêm como a teoria da interpretação da norma jurídica. E outros mais a distinguem como a teoria da decisão judicial, fazendo-se uso, logicamente, da própria norma jurídica. 1.4.1.2.3 O campo de atuação e o objeto da Ciência do Direito Diz-nos REALE que o objeto da Ciência do Direito é o fenômeno jurídico. E os fenômenos jurídicos, uma vez normatizados (vide item 4.3 sobre a Teoria Tridimensional do Direito), compõem os sistemas jurídicos de cada país, particularmente. Antes de trazer a compreensão de GIORGIO DEL VECCHIO sobre o tema, trazemos o seu discurso sobre a distinção entre o campo de atuação da Filosofia do Direito e da Ciência do Direito: Se o estudo do Direito, enquanto nele se adota o ponto de vista do [aspecto] universal, constitui o objeto da Filosofia do Direito, de notar é, todavia, que o mesmo pode ser também considerado sob outro ponto de vista: o particular. Nesse caso, será ele então objeto da Ciência Jurídica propriamente dita ou Jurisprudência stricto sensu. A diferença entre a Filosofia e a Ciência do Direito reside, pois, no modo pelo qual cada umas delas considera o Direito: a primeira, no seu aspecto universal; a segunda, no seu aspecto particular (1979, p. 304). E sobre o objeto em si da Ciência do Direito, diz o jusfilósofo italiano: Em todos os tempos e em todos os povos há um sistema positivo do Direito (isto é: um complexo de normas ou de institutos que informam e regulam, com caráter obrigatório, a vida de um povo). Há assim uma série variada de sistemas, conforme os diversos povos e as diferentes épocas. A Ciência do Direito tem por objeto os sistemas particulares, considerados individualmente para cada povo em todo tempo (por exemplo: direito romano, italiano, alemão, português, brasileiro etc.) (1979, p. 304). 1.4.1.2.4 A negação da cientificidade do Direito Embora, como foi dito no item anterior, a maioria dos estudiosos reconhecem a cientificidade do Direito, há alguns opositores. A primeira negação incisiva de tal caráter foi a publicação feita por JULIUS HERMANN VON KIRCHMANN (1802-1884), procurador do rei da Prússia, em Berlin, em 1848, cujo título é “A falta de valor da jurisprudência como ciência”, fruto de uma conferência realizada no ano anterior (1847). Disse o jurista alemão que “a ciência do direito, tendo por objeto o contingente, é também contingente: três palavras retificadoras do legislador tornam inútil uma inteira biblioteca jurídica”. Logo, segundo KIRCHMANN, uma simples lei revogadora de um 14 sistema jurídico inutilizaria a ciência jurídica. Nesse sentido, aliás, já na Grécia antiga, o filósofo PROTÁGORAS, nascido em 490 a. C., dizia permanecerem “justas e boas as leis para a cidade somente durante o tempo em que ela assim as considerasse” (Apud GUSMÃO, 2011, p. 4 – nota de rodapé nº 2). Comentando o assunto, afirma ANGEL LATORRE: Embora Kirchmann atacasse, não tanto a possibilidade duma ciência do seu tempo, algumas das suas frases converteram-se quase em símbolos deste ataque ao valor científico da atividade dos juristas. O argumento básico, no aspecto que agora nos interessa, expresso num parágrafo célebre e muitas vezes repetido dessa conferência, é o seguinte: ‘os juristas – disse von Kirchmann – ocupam-se, sobretudo, das lacunas, dos equívocos, das contradições das leis positivas; daquilo que nelas há de falso, de antiquado, de arbitrário. O seu objeto é a ignorância, a insensatez, a paixão do legislador... Por força da lei positiva, os juristas converteram-se em vermes que só vivem da madeira apodrecida; desviando-se da sã, estabelecem o seu ninho na enferma. Na medida em que a ciência faz do contingente o seu objeto, ela mesma se torna contingência; três palavras retificadoras do legislador convertem bibliotecas inteiras em lixo’ (1978, p. 130). Referindo-se ao ataque de KIRCHMANN, LATORRE diz que o mesmo “baseia-se em que, estando a ciência jurídica vinculada à legislação e variando esta segundo a vontade do legislador, a obra do jurista é efêmera, depende do capricho daquele e não pode seriamente pretender descobrir nada de real e permanente” (1978, p. 130-131). O jurista italiano CAPOGRASSI, respondendo à objeção de KIRCHMANN e outros, admitiu que “pode ser sustentada a natureza científica do estudo do direito, apesar de sua mutabilidade, desde que não se considere a norma jurídica, que é mutável, como o objeto da ciência do direito, mas a experiência jurídica dotada de certa estabilidade, semelhante à dos demais fatos históricos, pois, pelo menos, ao se modificar, não apaga a experiência passada, que, como tradição, se mantém viva. Diga-se de passagem: não é a norma que é mutável, mas o seu conteúdo” (GUSMÃO, 2011, p. 5). A voz de KIRCHMANN tem ecoado no tempo e no espaço. Ainda hoje alguns o seguem, afirmando a não cientificidade do Direito, posição com a qual não concordamos como, ademais, não concorda a maioria dos juristas. Para nós, o Direito é, sim, uma ciência social. 15 1.4.1.2.5 A expressão “Ciência do Direito” na atualidade Apesar das críticas apontadas à cientificidade do Direito, é preciso entender, como diz LATORRE, que: Para encarar nos nossos dias o problema do caráter científico da ciência jurídica, temos de abandonar alguns dos preconceitos e preocupações que tanto pesaram no século passado no ânimo dos juristas e dos não juristas. O primeiro dado importante é a mudança do conceito e sentido do que é a ciência na sua manifestação mais característica, quer dizer, as ciências da natureza e as próprias matemáticas. Sabe-se perfeitamente que muitas das velhas pretensões ‘científicas’ podem considerar-se ultrapassadas (1978, p. 137). E acentua o professor da Universidade de Barcelona, desta feita voltando- se mais especificamente para a Ciência do Direito: A nova perspectiva, e considerando como ciência qualquer tipo de conhecimento racional e sistemático dum setor da realidade natural, social ou cultural, não existem graves problemas para falar duma ciência jurídica,já que esta consiste na atividade dirigida a conhecer de forma racional e sistemática uma parcela daquela realidade, que é o Direito (1978, p. 139). Tomando apenas um ponto do ataque de KIRCHMANN, qual seja o caráter efêmero da obra jurídica – representada pela legislação, cujo conteúdo é mutável –, GUERRA FILHO traz-nos a seguinte argumentação: Com relação à vigência temporária do Direito, lembre-se que também as cosmologias, por exemplo, modificam-se no correr da história, em que o sistema ptolemaico é como que ‘revogado’ pelo copernicano, o qual, por sua vez, é corrigido por Newton, Kepler e outros, estando atualmente superado pelas teorias relativistas de Einstein, que nada nos garante terão validade eterna (2001, p. 94). Não se pode esquecer, contudo, que a polêmica sobre a cientificidade ou não do Direito não está bem resolvida. Há, ainda, muito chão a palmilhar. 1.4.2 Direito e Linguagem Diz REALE que cada “ciência exprime-se numa linguagem”. Daí “dizer que há uma Ciência Física é dizer que existe um vocabulário da Física”. Assim, “onde quer que exista uma ciência, existe uma linguagem correspondente”. Ou seja, “cada cientista tem a sua maneira própria de expressar-se, e isto também acontece com a Ciência do Direito. Os juristas falam numa linguagem própria e devem ter orgulho de sua linguagem multimilenar, dignidade que bem poucas ciências podem invocar” (2002, p. 7-8). 16 Logo, como qualquer outra ciência, a Ciência Jurídica exprime-se numa linguagem técnica. Vale dizer: numa linguagem técnico-jurídica. De tal forma, a Ciência Jurídica encontra na linguagem sua possibilidade de existir, tendo por conta o seguinte: a) não poderia produzir seu objeto numa dimensão exterior à linguagem; b) onde não há rigor linguístico não há ciência, pois esta requer rigorosa linguagem científica; c) deve construir seu objeto sobre dados que são expressos pela própria linguagem, ou seja, a linguagem da ciência jurídica fala sobre algo que já é linguagem anteriormente a esta fala; d) o elemento linguístico apresenta-se como instrumento de interpretação, pois, sendo a linguagem do legislador subjetiva e variável, o jurista deverá, na interpretação literal, atingir o sentido específico e objetivo da palavra, buscando verificar o sentido da lei; e) se a linguagem do legislador for incompleta, o jurista deverá indicar os meios para completá-la, mediante o estudo dos mecanismos de integração; f) o elemento linguístico pode ser considerado como instrumento de construção científica, uma vez que a linguagem do legislador não é ordenada, o jurista deve reduzi-la a um sistema; a atividade sistemática ou construção de um determinado sistema jurídico é uma das principais tarefas do jurista. 1.4.2.1 Linguagem legal Como sustenta DINIZ, citando JUAN-RAMON CAPELLA, o Direito, por condição de existência, deve ser “formulável numa linguagem, ante o postulado da alteridade [alter = outro]”. Isto é, o Direito “elaborado pelo órgão competente é fator de controle social, prescreve condutas obrigadas, permitidas e proibidas, formulando a linguagem em que a norma se objetiva” (2008, p. 171). Vê-se, assim, que a linguagem legal, como diz, ainda, DINIZ, “é a linguagem utilizada pelo direito, ou seja, pelos órgãos que têm poder normativo, 17 ou melhor, é a linguagem das leis, entendendo estas no sentido amplo de normas jurídicas” (2008, p. 171). 1.4.2.2 Linguagem do jurista As normas são proposições prescritivas (normativas), pois prescrevem esta ou aquela conduta-padrão a ser seguida na vida social. Já as sobreproposições, próprias da ciência jurídica, quer dizer dos juristas, dos que pensam o Direito e sobre ele escrevem, são descritivas (teoréticas). Elas descrevem as proposições prescritivas. Sabemos que a norma (proposição prescritiva) é feita pelos legisladores ou, na forma da lei, por quem poderá fazê-lo, excepcionalmente (chefe do Poder Executivo, por exemplo, quando edita medida provisória etc.). Os juristas, ou seja, os pensadores do Direito não produzem normas, mas podem “influir na evolução do direito, pois nada obsta que através dos órgãos criadores e aplicadores do direito positivo, ou da elaboração de direito novo, as teses científicas passem do descritivo para o prescritivo” (DINIZ, 2008, p. 183). 1.4.2.3 Metalinguagem e textos jurídicos Metalinguagem significa a linguagem que serve para descrever ou falar sobre outra linguagem. Em seu labor científico, o jurista “expõe suas conclusões numa sequência de enunciados, isto é, de proposições descritivas, que forma o contexto científico”. A linguagem do jurista apresenta dois níveis: o da particularidade do texto, que é peculiar a cada jurista, considerando certas circunstâncias, e o da sistematicidade, que condiciona o discurso (texto), “tendo em vista a pretensão de verdade situada no âmbito das proposições descritivas” (DINIZ, 2008, p. 187-188). Contudo, é preciso atentar para essa outra lição da mestra anteriormente mencionada: Para que uma metalinguagem possa servir de instrumento para o método da compreensão do texto científico, tornando-o um auxiliar imprescindível para a leitura eficiente dos textos científico-jurídicos, deverá: a) apresentar uma definição clara de todos os termos utilizados; b) manter-se dentro dos limites da simplicidade e economia, no que se refere aos termos e à estrutura contextual; c) não mostrar contradições; d) ser consequente e metódica (2008, p. 188). 18 1.4.2.4 Vocabulário jurídico Lembrando as palavras de REALE, às vezes, “as expressões correntes, de uso comum do povo, adquirem, no mundo jurídico, um sentido técnico especial” (2002, p. 8). É o caso, por exemplo, da palavra competência – adjetivo competente. Assim, quando se diz que o juiz da Primeira Vara Criminal não é competente para julgar as causas relativas à cobrança judicial do IPTU (lançado na “dívida ativa” do Município de Aracaju) pela Prefeitura Municipal, não se está, de modo nenhum, aferindo a competência, enquanto preparo cultural e técnico do magistrado. Nesse caso, competente “é o juiz que, por força de dispositivos legais da organização judiciária, tem poder para examinar e resolver determinados casos, porque competência, juridicamente falando, é ‘a medida ou a extensão da jurisdição’” (REALE, 2002, p. 8). No caso da cobrança judicial da dívida ativa do Município de Aracaju, é competente o Juiz de uma das Varas da Fazenda Pública da Capital, porque nessa matéria jurídica ele tem jurisdição. Como diz REALE, quando se fala na incompetência do juiz, não se trata “do valor, do mérito ou demérito do magistrado, mas da sua competência legal de tomar conhecimento da ação [que se propõe intentar ou que se intentou]” (2002, p. 8). Dispondo sobre a linguagem do Direito e o vocabulário jurídico, REALE dá-nos esta outra lição preciosa: É necessário, pois, que dediquem [ele fala diretamente aos estudantes iniciantes] a maior atenção à terminologia jurídica, sem a qual não poderão penetrar no mundo do Direito. Por que escolheram os senhores o estudo do Direito e não o de outra ciência qualquer? Se pensarem bem, nós estamos aqui nesta Faculdade para realizar uma viagem de cinco anos; cinco anos para descobrir e conhecer o mundo jurídico, e sem a linguagem do Direito não haverá possibilidade de comunicação. Não cremos seja necessário lembrar que teoria da comunicação e teoria da linguagem se desenvolvem em íntima correlação, sendo essa uma verdade que não deve ser olvidada pelos juristas. Uma das finalidades de nosso estudo é esclarecer ou determinar o sentido dos vocábulos jurídicos, traçando as fronteiras das realidades e das palavras. À medida que forem adquirindo o vocabulário do Direito, com o devido rigor, - o que não exclui, mas antes exige os valoresda beleza e da elegância, - sentirão crescer pari passu os seus conhecimentos jurídicos (2002, p. 8-9). 19 1.4.3 Método da Ciência do Direito Para KARL LARENZ (1903-1993) a “metodologia de uma ciência é a sua reflexão sobre a própria atividade. Ela não pretende somente, porém, descrever os métodos aplicados na ciência, mas também compreendê-los, isto é, conhecer a sua necessidade, a sua justificação e os seus limites. A necessidade e a justificação de um método decorrem do significado, da especificidade estrutural do objeto que por meio dele deve ser elucidado” (1997, p. XXI-XXII - Prefácio). Para que as tarefas dos estudiosos do Direito alcancem êxito “há necessidade de seguir-se um método, uma via que nos leve a um conhecimento seguro e certo”, como afirma REALE (2002, p. 10). MARIA HELENA DINIZ afirma que o “método é a garantia de veracidade de um conhecimento”. E que é, também, “a direção ordenada do pensamento na elaboração da ciência”. Diz, ainda, que “não se deve confundir método com técnica, pois o saber científico pode utilizar diversas técnicas, mas só pode ter um método” (2008, p. 18). Na presente disciplina, os estudantes vão adquirir as noções básicas do método jurídico. É preciso reforçar o pensamento de DINIZ, salientando que método “é o caminho que deve ser percorrido para a aquisição da verdade, ou, por outras palavras, de um resultado exato ou rigorosamente verificado”. E mais: “sem método, não há ciência” (REALE, 2002, p. 10). Cada ciência tem seu objeto. Para que haja ciência, é fundamental a unidade de objeto. Logo, trata-se de “um saber metodicamente fundado sobre um objeto”. (DINIZ, 2008, p. 20). E com a Ciência do Direito não seria diferente. Pode-se, pois, dizer que o Direito, como ciência, é um saber condicionado por seu objeto e objetivo. Ainda, mais uma vez, a palavra de DINIZ: É o critério filosófico adotado pelo jurista que determina seu objeto. Essa operação pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente, governada pelo método, que fixará as bases de sistematização da ciência jurídica (2008, p. 30). Por sua vez, FERRAZ JR. adverte que há grandes debates entre os estudiosos sobre o método da Ciência Jurídica. Ressaltam-se três posições: 20 a) a que insiste na ‘historicidade’ do método e vê a Ciência do Direito como uma atividade metódica, que consiste em pôr em relevo o relacionamento espácio-temporal do fenômeno jurídico, buscando neste relacionamento o seu ‘sentido’; b) a que defende uma concepção analítica, reduzindo a atividade metódica do jurista ao relacionamento do Direito com as suas condições lógicas; c) a que, evitando posições historicistas, tenta um relacionamento do Direito com as condições empíricas a ele subjacentes, na busca de ‘estruturas funcionais’ (Apud DINIZ, 2008, p. 31). Enfim, diz KARL LARENZ: Não se pode, portanto, tratar da Ciência do Direito sem simultaneamente tratar do próprio Direito. Toda e qualquer metodologia do Direito se funda numa teoria do Direito, ou quando menos implica-a. Ela exibe necessariamente um duplo rosto – um que está voltado para a dogmática jurídica e para a teoria do Direito e assim, em última análise, para a filosofia do Direito. Nesta dupla direção reside a dificuldade da metodologia, mas também o seu particular encanto (1997, p. XXII – Prefácio). Esperamos que as dificuldades que possam ser encontradas, a partir de agora e pelos cinco anos de estudo que vocês terão pela frente, possam ser vencidas pelo encanto que, por certo, o Direito despertará em cada um (a). E uma vez na vida profissional, cada um (a) possa atuar com o mínimo de falhas técnicas e esmerada condução ética. Observação: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação: Diniz. Compêndio de Introdução... Capítulo II, números 1, 2 e 5 (p. 13-25 e 165-188). Gusmão. Introdução ao... Capítulo I, números 1 e 2 (p. 3-7). Reale, Lições Preliminares... Capítulo I (p. 1-11). 21 2 RELAÇÕES DO DIREITO COM OUTRAS ÁREAS DO SABER 2.1 Conceito de Direito Antes de compreender as relações que o Direito mantém com outras áreas do saber, faz-se preciso conhecer o Direito, a partir da etimologia da palavra, para que, assim, se possa conceituá-lo. Partindo-se de sua conceituação, chegar- se-á às relações interdisciplinares. 2.1.1 Etimologia da palavra “direito” O professor ROBERTO LYRA FILHO (1927-1986) afiança que “a maior dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato fiel” (2003, p. 7). Para compreender o Direito deve-se partir da compreensão do vocábulo “direito”. 2.1.2 Problema epistemológico Epistemologia vem dos vocábulos gregos epistême (ciência) e logos (estudo), significando teoria da ciência. Assim, estudar Direito, objetivando, inclusive, a sua definição, é fazer epistemologia. Ou seja, é teorizar sobre a Ciência do Direito. E é isso que deverá ser feito, a partir de agora. 2.1.3 Definição nominal e real ANDRÉ FRANCO MONTORO diz que “conceituar o Direito é defini- lo” (2008, p. 52). E acrescenta que “há duas espécies de definição”: I – A nominal, que diz o que uma palavra ou nome significa. Ex.: Como se pode conceituar a palavra mesa ou a palavra manga? Há duas espécies de definição nominal, segundo JOÃO BATISTA HERKENHOFF, jurista e magistrado capixaba aposentado: a) A definição etimológica de “Direito” explica a origem desse vocábulo. b) A definição semântica de “Direito” procura os diversos sentidos que a palavra teve, através dos tempos, ou seja, os sentidos do vocábulo no curso de seu desenvolvimento (2001, p. 2). 22 II – A real (ou lógica), que diz o que uma coisa ou realidade é, ou seja, busca descobrir a essência do objeto definido. Ex.: O que, na realidade, é a mesa? Um objeto de madeira, de ferro? Ou é a mesa diretora dos trabalhos de uma reunião de professores e alunos? O que, na realidade, é a manga? Uma fruta? Um componente da camisa? E, ainda assim, neste último caso, seria manga curta ou comprida? Seguindo, pois, um princípio lógico, é preciso estudar, inicialmente, a significação da palavra direito. Em seguida, estuda-se a realidade que o constitui. 2.1.4 Origem do vocábulo “direito” De onde vem a palavra direito? MONTORO leva-nos à constatação de que a origem da palavra direito encontra-se no latim, pela junção das palavras dis (= muito, intenso) e rectum (= reto, direito). Daí, disrectum, que significa muito reto, muito direito (2008, p. 53). Para os latinos, di(s)rectum ou [apenas] rectum é aquilo que está de acordo com uma régua ou regra (regula). Da palavra disrectum originou-se a palavra direito, que encontra palavras equivalentes em outros idiomas originados do latim, a saber: derecho (espanhol), diritto (italiano), droit (francês) e drept(u) (romeno). Mas, em outras línguas ocidentais modernas, há também similares para a palavra direito: right (inglês), recht (alemão), regt (holandês), como se pode ver em MONTORO (2008, p. 53). Afirma HERKENHOFF que “o vocábulo ‘Direito’ (disrectum ou directum) surgiu na Idade Média, aproximadamente no século IV” (2001, p. 3). Surgiu para o mundo jurídico, claro. SÍLVIO DE MACEDO, por sua vez, diz que a palavra directum ganhou forma no latim vulgar, significando linha reta, e, por extensão, “a retidão moral e jurídica, a reta posta na conduta humana como parâmetro” (1986, p. 7). Assim como outros, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. situa o uso da palavra directum (ou derectum), a partir da Idade Média: No correr dos séculos, porém, a expressão jus foi, pouco a pouco, sendo substituída por derectum. Nos textos jurídicos latinos, esta última, tendo caráter mais popular e vinculada ao equilíbrio da balança, não aparecia,sendo encontrada apenas nas fontes não jurídicas, destinadas ao povo. Foi a partir do século IV d. C. que ela começou a ser usada também pelos juristas. Guardou, porém, desde suas origens, um sentido moral e principalmente religioso, por sua proximidade com a deificação da justiça. 23 Nos séculos VI ao IX, as fórmulas derectum e directum passam a sobrepor-se ao uso de jus. Depois do século IX, finalmente, derectum é a palavra consagrada, sendo usada para indicar o ordenamento jurídico ou uma norma jurídica em geral (2018, p. 13). 2.1.5 Outra noção da palavra “direito” Ao lado do conjunto de palavras sobre as quais se falou, existe outro que, nas línguas modernas, liga-se à noção de Direito. Trata-se dos vocábulos jurídico, jurisconsulto, judicial, jurisprudência etc., que também estão presentes em quase todas as línguas modernas. A origem desses vocábulos também se encontra no latim, no termo jus (juris), que significa, igualmente, direito. Os romanos usaram o vocábulo jus para significar o que era lícito, e injuria, para designar o que era ilícito. Recuando um pouco, há de se encontrar duas origens diferentes para o termo jus: I – Justum (para alguns): que significa aquilo que é justo, ou seja, de acordo com a justiça (de Justitia, nome da deusa romana da Justiça). II – Jussum (para outros): particípio passado do verbo jubere, que significa mandar, ordenar. Logo direito seria aquilo que é ordenado. De certa forma, dizem determinados estudiosos que o Direito teria, ao longo do tempo, saído do sentido de justum (o que é justo) para o sentido de jussum (o que foi ordenado). Esta é uma visão positivista do Direito. 2.1.6 A palavra grega “diké” Para complementar a indicação de possíveis origens da palavra direito, deve-se citar a palavra grega diké. Diké era a deusa grega da Justiça, filha de Zeus e Themis, que corresponde à deusa romana Justitia (ou Iustitia). A deusa romana mantinha os olhos vendados e segurava a balança com as duas mãos, a fim de equilibrar o Direito. Os olhos vendados significavam que o julgador deveria agir com prudência na aplicação da justiça, ou seja, buscar o equilíbrio entre o abstrato e o concreto. A deusa grega mantinha os olhos abertos, apontando “para uma concepção mais abstrata, especulativa e generalizadora que precedia, em importância, o saber prático” (FERRAZ JR., 2018, p. 12-13). Numa das mãos 24 portava a balança e, na outra, segurava uma espada: quando a balança não estivesse equilibrada, por qualquer motivo, a força do Estado (representada pela espada) a faria equilibrar. Os gregos usavam a palavra díkaion, para significar algo dito solenemente pela deusa Diké. E o que a deusa dizia era o correto, o certo, o tido como direito. Portanto, costuma-se dizer que diké, em grego, também significa direito. Dizem alguns estudiosos que, em Roma, a palavra jus correspondia à palavra grega díkaion (FERRAZ JR., 2018, p. 12). Todavia, segundo MONTORO, não há “nas línguas modernas palavras vinculadas ao diké grego” (2008, p.55). 2.1.7 Imprecisões do vocábulo “direito” No uso comum, a palavra direito é imprecisa, conforme diz FERRAZ JR. (2018, p. 14) e como se verá a seguir: I – Sob o ponto de vista sintático, a palavra direito pode ser conectada: a) Com verbos: Ex.: “Meu direito não vale nada”. b) Com substantivos: Ex.: “O Direito é uma ciência”. c) Com adjetivos: Ex.: “Este direito é injusto”. II – A própria palavra direito pode ser usada: a) Como substantivo: Ex.: “No Direito legislado brasileiro ainda não há norma ordinária que permita o casamento de pessoas do mesmo sexo”. b) Como advérbio: Ex.: “Maria Beicinho não agiu direito”. c) Como adjetivo: Ex.: “Tico Brucutu não é um homem direito”. 2.2 Acepções da palavra direito Ao teorizar sobre uma determinada ciência, não há porque se limitar ao estudo da palavra que simboliza tal ciência. Deve-se sair do plano das palavras para penetrar no das realidades, como ensina MONTORO (2008, p. 55). Então, é preciso estudar o Direito sob as diversas acepções. 25 2.2.1 Direito-norma Muitas vezes são ouvidas frases que indicam uma permissão ou uma proibição legal, como, por exemplo: “O direito assegura o casamento entre homem e mulher”. Ou: “O direito proíbe a bigamia”. Nesses casos, direito significa a norma, a regra social obrigatória que pode permitir ou proibir essa ou aquela conduta. Os romanos chamavam-no norma agendi (norma para agir ou segundo a qual agir). 2.2.2 Direito-faculdade É quando a palavra direito é empregada para designar o direito (ou o poder) de uma pessoa sobre determinado objeto, como, por exemplo, o direito que tem o proprietário de uma casa de usar o seu imóvel e dele dispor, ou o direito do credor de cobrar a dívida de seu devedor, ou, ainda, o direito de propor uma ação em juízo, dentre tantos outros. Seria, pois, o direito subjetivo, que é individualizado, próprio de alguém. Os romanos chamavam-no facultas agendi (faculdade de agir), em oposição a norma agendi, que é o direito norma, ou seja, o direito enquanto norma. Há, modernamente, contradições quanto ao emprego da expressão direito-faculdade, como se verá no momento certo. 2.2.3 Direito-justo (ou ideal) Essa acepção comporta dois sentidos diferentes, que são: I – Justo objetivo Às vezes, Direito, na acepção de justo, significa o bem que é devido a alguém por justiça. Exemplo: quando se diz, com base na Constituição Federal, que a educação é direito de todos, ou quando se diz que o salário é um direito do trabalhador, a palavra direito significa aquilo que é devido por justiça. É o chamado justo objetivo. Ou seja, é o bem que é devido a uma pessoa por uma exigência da justiça, pois não seria justo que a educação fosse privilégio de poucos, nem que o trabalhador deixasse de receber o salário correspondente à respectiva jornada de trabalho. Outros exemplos: o respeito à vida é devido a todo ser humano; o imposto é devido pelo contribuinte ao Estado etc. 26 II – Justo qualificativo Noutros casos, justo significa aquilo que está em conformidade com a justiça. Por exemplo: quando é dito que não é direito (significando que não é justo, que não é correto) condenar um deficiente mental, se quer dizer que a condenação, neste exemplo, não é conforme os preceitos da justiça. Nesse caso, justo significa um qualificativo, indicando a conformidade com as exigências da justiça. Logo, a justiça exige tratamento desigual para os desiguais. Assim sendo, não se trataria um irresponsável penal (o alienado mental que não pode ser responsabilizado pelos seus atos, por não ter consciência) do mesmo modo como deve ser tratada uma pessoa normal (penalmente responsável), ou seja, consciente dos seus atos. 2.2.4 Direito-ciência A palavra direito é também utilizada para designar a Ciência do Direito. Quando é afirmado que cabe ao Direito estudar a criminalidade, ou quando se diz que alguém está estudando Direito, ou, ainda, quando se fala em método ou objeto do Direito, emprega-se a palavra direito com o sentido de ciência. 2.2.5 Direito-fato social Os juristas e, sobretudo, os sociólogos empregam o vocábulo direito no sentido de fato social. Quando estuda uma coletividade, a Sociologia distingue várias espécies de fenômenos (ou fatos) sociais: religiosos, econômicos, culturais e, dentre estes, situa-se o Direito, que é visto como um aspecto da vida social. E, como tal, é estudado sociologicamente. 2.2.6 Alguns conceitos de Direito I – Direito-norma IHERING: “O direito é um conjunto de normas coativamente garantidas pelo poder público”. CLÓVIS BEVILACQUA: “O direito é uma regra social obrigatória”. 27 II – Direito-faculdade MAYER: “Direito é o poder moral de fazer, exigir ou possuir algumacoisa”. IHERING: “Direito é o interesse protegido pela lei”. III – Direito-justo ULPIANO: “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o seu direito”. LIBERATORE: “Direito é tudo o que é reto, na ordem dos costumes”. SANTO TOMÁS DE AQUINO: “Direito é o que é devido a outrem, segundo uma igualdade”. IV – Direito-ciência CELSO: “Direito é a arte do bom e do justo”. HERMANN POST: “Direito é a exposição sistematizada de todos os fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas”. V – Direito-fato social TOBIAS BARRETO: “Direito é o conjunto das condições existenciais e evolucionais da sociedade, coativamente asseguradas”. LÉVY BRÜHL: “Direito é o fenômeno social por excelência: mais do que a religião, mais do que a língua, mais do que a arte, ele revela a natureza íntima do grupo social” (Apud MONTORO, 2008, p. 56-63). 2.3 O Direito e suas relações com outras áreas do saber Do mesmo modo como os homens se relacionam entre si no convívio social, as ciências também mantêm relações umas com as outras. Houve um tempo em que a Filosofia e a História eram as áreas do saber que interessavam aos juristas. Mas a partir da segunda metade do século XX, ou fins da primeira metade, os juristas passaram a buscar novas fontes do saber “para compreender, em sua globalidade, a realidade social de seu tempo, à qual deve aplicar o direito” (GUSMÃO, 2011, p. 23). 28 De tal maneira, desde a “segunda metade do século XX, não mais se pode pensar em estudar o direito sem o conhecimento de outras ciências que facilitam a exegese, a aplicação e, principalmente, a criação do direito” (GUSMÃO, 2011, p. 23). O desconhecimento de certas ciências, que mantêm estreitas relações com a Ciência Jurídica acabaria contribuindo para a “perda do papel social que desempenhou o jurista no nosso passado até os anos 60, para a qual concorreu também a crise do ensino jurídico, divorciado das demais ciências sociais, destinado exclusivamente a formar profissionais eficientes, ‘doutores em leis’, e não juristas” (GUSMÃO, 2011, p. 23). GUSMÃO tem plena razão nas assertivas acima. O Direito não pode ser estudado e pensado a não ser levando-se em conta suas necessárias relações com outras ciências, sociais ou não, num processo dinâmico e dialético de correlação. Há correlações, por exemplo, entre os fatores econômicos e os religiosos; entre os fatores familiais e os morais; entre os fatores jurídicos e os econômicos; entre a mobilidade social e os fatores políticos; entre os fenômenos sociais e os não-sociais, como os biológicos, os geográficos, os demográficos etc. Os estudiosos do Direito precisam entendê-los “como [eles] realmente são”, diz o autor (2011, p. 23). Este é o papel de todos: dos que fazem a norma jurídica e dos que a estudam ou a aplicam. 2.3.1 Sociologia A Sociologia estuda os fatos sociais, e o Direito é um fato social, como resultante de vários fatores sociais: religiosos, morais, geográficos, econômicos, demográficos etc. A Sociologia é, ainda, a ciência das instituições sociais; por seu lado, o Direito dá a devida forma jurídica a muitas dessas instituições, como é o caso do estado, da família, da propriedade etc. Falando sobre Exegese e Sociologia do Direito, FRANZ NEUMANN diz que A ciência do direito é tanto uma ciência das normas quanto da realidade. Enquanto uma ciência das normas, ela tem como questão o significado objetivo das normas jurídicas. Enquanto uma ciência da realidade, ela investiga as relações entre normas jurídicas, a subestrutura (Substrat) social, o comportamento social de sujeitos jurídicos e dos administradores do direito (2013, p. 49). 29 2.3.2 História A História, que é o estudo do conhecimento do passado humano, enquanto processo de atividades e pensamento do homem, numa visão cronológica e sucessiva, serve ao jurista, pois o Direito é, em si mesmo, um fenômeno histórico. PAULO NADER afirma: O Direito e a História vivem em regime de mútua influência, a ponto de Ortolan, com algum exagero, ter afirmado que “todo historiador deveria ser jurisconsulto, todo jurisconsulto deveria ser historiador”. O certo é que o Direito vive impregnado de fatos históricos, que comandam o seu rumo, e a sua compreensão exige, muitas vezes, o conhecimento das condições sociais existentes à época em que foi elaborado. A Escola Histórica do Direito, de formação germânica, criada no início do século XIX, valorizou e deu grande impulso aos estudos históricos do Direito. Para esta Escola, que teve em Gustavo Hugo, Savigny e Puchta seus vultos mais proeminentes, o Direito era um produto da História (2017, p. 13). Foi por isso que nasceu a disciplina História do Direito, que tem por tarefa pesquisar e analisar os institutos jurídicos do passado, limitando-se à ordem jurídica nacional ou estendendo-se a povos determinados, ou, mesmo, à esfera mundial. 2.3.3 Economia A Economia, que trabalha com a ordem econômica, da qual depende o bem-estar coletivo, a paz social e o desenvolvimento (hoje dito, com precisão, sustentável) do país, é, também, uma ciência que mantém laços estreitos com o Direito, uma vez que este atua na vida econômica, regrando mercados, definindo regras para a atuação econômica da iniciativa privada ou sobre a intervenção estatal na vida econômica etc. Com relação aos laços existentes entre Direito e Economia, devem ser pontuadas as ideias, normalmente antagônicas, de juristas tidos como de visão capitalista ou socialista. A esse propósito, atente-se para esta lição de WILSON DE SOUZA CAMPOS BATALHA, acerca do pensamento do jurista russo EUGENY BRONISLANOVITCH PASUKANIS (1891-1937), tido como o maior pensador jurídico da extinta União Soviética: O erro de Pasukanis, que lhe custou a vida, consistiu em pretender que, em uma sociedade sem classes, os imperativos do Direito seriam substituídos por imperativos meramente técnicos de conduta social [a exemplo da economia, com grifos do autor da apostila], asseverando que as normas jurídicas pressupõem antagonismos de 30 interesses, típicos da sociedade dividida em classes, ao passo que as normas técnicas pressupõem unidade de fim (2000, p. 70). Houve até quem pretendesse reduzir o Direito à Economia, a exemplo de BENEDETTO CROCE, como afirma o autor acima referido. Sem dúvida, um erro grosseiro desse grande jurista italiano, cuja obra, no contexto geral, é sempre louvada. 2.3.4 Moral e Religião A Moral, como será visto no capítulo 5, tem como objeto o comportamento humano norteado por regras e valores enraizados em nossas consciências, e, assim, mantém aproximadas relações com o Direito. Este acolheu muitas regras morais, algumas delas também de cunho religioso. O estudo da Moral pelos juristas é fundamental no mundo contemporâneo em que várias formas de materialismo precisam ser humanizadas. A Religião, em parte, também interessa ao Direito. Nela e na Moral vão ser encontradas as bases do Direito antigo, como se verá mais tarde. 2.3.5 Ciência Política A Política, enquanto ciência, também interessa ao Direito, desde que aquela se ocupa do governo do Estado, do poder, das ideologias, por exemplo, e o Direito estatal ainda detém, no mundo atual, a essência do Direito, para o gáudio de muitos e para a contestação de poucos. É o embate entre o monismo jurídico e o pluralismo jurídico, que, adiante, serão objeto de estudo. 2.3.6 Outras ciências Além dessas áreas do saber, o Direito mantém relações com ciências de outras áreas, que não as ciências sociais. 2.3.6.1 Medicina Legal Trata-se do emprego de conhecimentos médico-cirúrgicos a fim de fazer a constituição de prova, tendo-se o homem como o objeto dela. O uso de certos conhecimentos médicos já era feito na Antiguidade, para fins jurídicos. Os conhecimentosmédicos são extremamente importantes tanto no Direito Penal, quanto no Direito Civil, abarcando situações como morte, lesão 31 corporal, aborto, estupro, sanidade mental, incapacidade para o ato sexual, que motiva a anulação do casamento, investigação de paternidade etc. 2.3.6.2 Psicologia Judiciária (ou Forense) Refere-se à parte da Psicologia que serve ao Judiciário para, por exemplo, descobrir o falso testemunho ou a autoria de delitos. O alvo da Psicologia Judiciária não é apenas a pessoa do delinquente, mas, também, a testemunha como meio de prova. Colabora na formação da convicção do magistrado acerca da veracidade ou não dos depoimentos prestados. Esse viés da Psicologia também cuida da parte psicológica do magistrado, do promotor e do advogado. Presta-se para a análise de “documentos e fatos em razão da personalidade de seus autores e da idade, do sexo e do estado de saúde dos mesmos” (GUSMÃO, 2011, p. 27). Por meio dela são obtidos meios e elementos necessários para descobrir verdades, falsidades, simulações etc. No chamado realismo jurídico norte-americano, a Psicologia Judiciária serve para indagar as motivações psicológicas das decisões judiciais. 2.3.6.3 Criminologia A história da Criminologia começa na Itália com o médico CESARE LOMBROSO (1835-1909), que trabalhava em prisões. Ele escreveu um clássico intitulado L’ Uomo Delinquente (O Homem Delinquente), cujas teorias revolucionaram os estudos criminais entre o fim do século XIX e as primeiras décadas do século XX. Trata do estudo do homem criminoso, valendo dizer, do delinquente e do crime, sob o ponto de vista dos fatores que o determinam, e não do ponto de vista legal (essa parte pertence ao Direito Penal). Objetiva fornecer elementos para a política de prevenção criminal, que nem sempre é usada pelos governos. Nesse caso, o crime é tratado como um fato, não cogitando de seus “elementos normativos”, como afirma SEELIG (Apud GUSMÃO, 2011, p. 27). 2.3.6.4 Antropologia Criminal É a parte da Criminologia que estuda as causas endógenas (internas) do delito. Assim como a Criminologia, o seu marco inicial foram os estudos de LOMBROSO. Interpreta o crime como “reflexo de uma personalidade, resultante de vários fatores (somático, psicológico, social)”. Pesquisa as 32 características orgânicas e morfológicas dos criminosos. Nessa pesquisa, usa o método estatístico. Tem grande serventia na avaliação da periculosidade do delinquente. 2.3.6.5 Psicologia Criminal Segundo GUARNIERI, a Psicologia Criminal pesquisa os “processos psíquicos do homem delinquente”, a partir dos motivos que o levam a delinquir (Apud GUSMÃO, 2011, p. 29). Alguns a têm como ramo da Antropologia Criminal. Todavia, graças ao desenvolvimento alcançado pela Psicologia, outros a têm como ciência autônoma. De qualquer forma, a Psicologia Criminal observa os resultados daquela. GUSMÃO dá uma boa demonstração do alcance moderno da Psicologia Criminal: A Psicologia Criminal vem traçando tipos de delinquentes, caracterizados por vários processos psicológicos: instintivos (dominados pelo instinto de conservação ou de procriação), neuróticos (motivos por neurose), afetivamente pervertidos (insensíveis, indiferentes, egoístas), emotivos, emocionais, vingativos etc. Os menores delinquentes têm merecido dela estudo aprofundado, dos quais se deduz serem eles levados à delinquência pela imaturidade, por erros de educação, por problemas afetivos, pela crise da família, pela falta de amparo dos pais, pelos maus exemplos etc. (2011, p. 29-30). Ela não lida com o delinquente anormal, que é objeto de estudo da Psiquiatria Criminal. Dentro dela há a Psicanálise Criminal, que estuda os motivos subconscientes e inconscientes do delito, empregando, para tanto, o método psicanalítico. Atualmente, também faz uso de testes. 2.3.6.6 Sociologia Criminal Serve para investigar os fatores ambientais e sociais do delito. O delito é visto como fato social. Antes, numa visão do monismo sociológico, definia o delito como resultado de um único fator social, sobretudo do econômico. Atualmente, graças à visão pluralista, tem insistido que o delito resulta da ocorrência de diversos fatores sociais. Para o delito o indivíduo concorre com seus fatores somáticos e psicológicos. 33 2.3.6.7 Criminalística A Criminalística era a denominação dada a todas as ciências que tinham por objeto o delito. Hoje, tem-se como Criminalística a ciência que cuida das provas criminais: prova pericial (médica, antropométrica, datiloscópica etc.), como também das técnicas para descobrir o autor do crime e o falso testemunho. Em síntese, cuida da fenomenologia criminal, ou seja, objetiva a investigação dos delitos. Observação: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação: Gusmão. Introdução ao... Capítulo II (p. 23-38). Montoro, Introdução à Ciência... Capítulo 1 (p. 52-63). 34 3 CODIFICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 3.1 O Século XIX e a Codificação do Direito Tornou-se corrente falar na codificação mesopotâmica, notadamente no Código de Hammurabi. Sobre essa legislação falaremos no item 4.1.3. Todavia, sabemos que essa nomenclatura (codificação ou código) somente passaria a ser usada muito tempo depois da formulação das leis da Mesopotâmia. Em Roma, costuma-se apontar duas importantes codificações: a Lei das XII Tábuas e o Corpus Iuris Civilis de Justiniano (imperador do Império Romano do Oriente), cuja denominação só foi dada na Idade Média, e sobre o qual trataremos ao falar da doutrina como fonte do Direito, no item 9.6.3. Na civilização europeia, diz GUSMÃO, “o movimento codificador desponta no fim do século XVIII” (2011, p. 138). Contudo, não devemos esquecer que, muito antes, já se manifestavam as chamadas “Ordenações”, como ocorreu na península ibérica com as Ordenações do Reino (Afonsinas, de 1446, Manuelinas, de 1512, e Filipinas, de 1593, sendo esta espanhola, mas vigente também em Portugal, quando este esteve sob o domínio de Espanha, e, por consequência, vigente no Brasil). No século XVIII pontificaram, por exemplo, as Ordenações de Luís XIV, em França, de 1747 e de 1748, a compilação prussiana de 1784 a 1788, a coleção de leis italianas, de 1723, o Código Civil da Bavária, de 1756. Como bem acentua GUSMÃO, a “Codificação como movimento jurídico alcança o seu apogeu no século XIX”. E diz mais: Em razão dela os direitos ocidentais, quanto à forma, se dividem em: a) direito constitucional, ou direito codificado, que compreende o grupo francês, balizado pelo Código de Napoleão (Code Civil des Français), [de 1804, mas que só entrou em vigor em 1807] e o grupo alemão, marcado pelo Código Civil alemão (BGB) de 1900; b) sistema da Common Law ou do grupo anglo-americano, em que predomina o precedente judicial [sobre o qual disporemos no item 9.5 desta apostila] (2011, p. 137). O movimento da codificação do Direito triunfou. Esse movimento significa “a tendência para enfeixar em uma única lei matéria jurídica vasta, em regra, uma parte do Direito, com o objetivo de dar-lhe unidade de tratamento jurídico” (GUSMÃO, 2011, p. 138). Nesse caso, a lei se denomina Código (do latim codex). Entendemos, modernamente, que o código é um conjunto de normas ordenadas de maneira sistemática, enumeradas de acordo com um plano 35 predeterminado, como será estudado oportunamente, no Direito Civil, no Direito Penal etc. Devemos entender, todavia, que a codificação, “como movimento jurídico, não é a formulação de códigos – muitos países, que pertencem ao sistema da Common Law [Lei Comum], têm alguns códigos –, mas, sim, a adesão ao direito escrito, ao direito codificado ou legislado, para o qual a lei é a principal fonte do Direito. Nesse caso, em código estão os principais ramos do Direito”. A maioriados países ocidentais aderiu a esse movimento. Acrescenta o autor acima citado, com razão, que a “codificação não só unifica o Direito, disciplinando em uma lei vasta matéria jurídica, como, também, a apresenta de forma orgânica, unificada, sistematizada, em virtude não só de suas regras observarem princípios gerais que o informam, como, também, de as normas codificadas serem agrupadas pelo escopo que perseguem” (2011, p. 138). As normas codificadas não se põem em conflito, mas se acham integradas. Há, assim, compatibilidade entre elas, pois guardam os mesmos princípios filosóficos. A codificação acaba com a legislação dispersa, uma vez que a unifica, além de apresentar, muitas vezes, tratamento jurídico novo. 3.2 Conceito de código Segundo PAULO NADER, “código é o conjunto orgânico e sistemático de normas jurídicas escritas e relativas a um amplo ramo do Direito”. Nessa configuração, ressalta o autor, “o Código Civil da Prússia, de 1794, foi o primeiro ordenamento elaborado em bases científicas” (2017, p. 208). É importante dar atenção à seguinte explanação do autor acima citado: O código reúne, em um só texto, disposições relativas a uma ordem de interesse. Pode abranger a quase totalidade de um ramo, como o Código Civil, ou alcançar apenas uma parcela menor da ordem jurídica, como é a situação, por exemplo, do Código Florestal. Não é a quantidade de normas que identifica o código. Este pode apresentar maior ou menor extensão. Normalmente constitui-se por um amplo desenvolvimento, pois a regulamentação de uma ordem de interesse é sempre uma tarefa complexa. Há leis que são extensas e não constituem códigos. Fundamental é a organicidade, que não pode deixar de existir. O código deve ser um todo harmônico, em que as diferentes partes se entrelaçam, se complementam. A aplicação do código é análoga ao funcionamento do organismo animal. Neste, os órgãos diversos conjugam as suas funções e nenhum possui autonomia. As partes que compõem o código desenvolvem uma atividade solidária; há uma interpenetração nos diversos segmentos que o integram. Daí dizer-se que os códigos possuem organicidade (2017, p. 208). 36 3.3 Distinção entre código, consolidação e compilação O item anterior tratou do conceito de código. Tecnicamente, podemos fazer a distinção entre código, consolidação e compilação. Por código entende-se, segundo GUSMÃO, a “lei nova sobre vasta matéria jurídica” (2011, p. 139), complementando o que disse NADER. Codificar é o ato de, pretensamente, reunir todas as normas que regem uma dada matéria (civil, penal etc.) num único código. O código traz a disciplina fundamental e completa do ramo do Direito de que trata. Todavia, a sua unidade legislativa é afetada pelas leis acessórias ao código, chamadas de leis extravagantes. E isso se dá porque tanto o código envelhece, quanto há assuntos novos que às vezes são deixados para regramento por leis acessórias. Por consolidação, entende-se “a uniformização do Direito preexistente, esparso e fragmentário” (GUSMÃO, 2011, p. 139), como foi o caso da Consolidação das Leis Civis (1858), feita pelo jurista TEIXEIRA DE FREITAS, ou, hoje, da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. A consolidação é o resultado da incorporação. Diz NADER que quando “a consolidação se revela sistematizada, é chamada código aberto, para indicar que não é um conjunto permanente de normas e pode ser alterado sempre” (2011, p. 209). E por compilação deve-se entender “a redação, na forma escrita, de costumes ou de legislação fragmentária” (GUSMÃO, 2011, p. 139). Assim, no caso das leis da Mesopotâmia, seria preferível falar em compilação, e não em codificação. Mas, acostumou-se a falar em códigos mesopotâmicos. 3.4 A não perfeição dos códigos Precisamos atentar para o fato de que os chamados códigos antigos eram, na verdade, compilações. De qualquer forma, o objetivo da codificação, da consolidação ou da compilação é o mesmo: a uniformização do Direito. Atendo- nos à codificação, podemos concluir, entretanto, que os códigos não se constituem em obras perfeitas. A visão de perfeição dos códigos esteve presente, no passado, quando o Código Civil francês, ou Código de Napoleão, foi editado, em 1804, para viger no ano seguinte. Diziam alguns dos juristas franceses, como LAURENT, que o Direito Civil estaria contido no código. E BUGNET, “professor civilista do período de ascensão positivista” chegou a dizer que não conhecia o Direito http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lei_extravagante&action=edit&redlink=1 http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lei_extravagante&action=edit&redlink=1 37 Civil, e que só ensinava o Código Civil (Code Napoleón), como lembra WANDER BASTOS (1999, p. 13). É o que se chama de dogmatismo jurídico. Sabemos que os códigos envelhecem, não acompanham a dinâmica da vida social, chegando ao ponto de dar lugar a outros, como aconteceu, em 2002, com o Código Civil brasileiro atual, que substituiu o Código de 1916, vigente a partir de 1917. Os códigos envelhecidos se tornam espécies de “colchas de retalhos”, pois agregam legislação dita extravagante, que é a legislação posterior, que, paulatinamente, os reformam, sem, contudo, alcançar a finalidade precípua da codificação, que, como já sabemos, é a unificação do Direito. Os códigos envelhecidos vão se tornando, em muitas de suas normas, ultrapassados, incapazes de dar solução aos novos conflitos sociais. De tal forma, eles se tornam caricaturas do Direito. Assim sendo, a jurisprudência vai injetando nos códigos que envelheceram “sangue jurídico novo”, por meio de interpretações atualizadoras, motivadas por novas ideias, teorias e princípios que correspondem aos novos tempos, e que já não podem ser alcançados pela filosofia que inspirou os velhos códigos. Há uma questão que deve ser levada em conta sobre o envelhecimento dos códigos. Nesse sentido, diz NADER, citando MOREIRA ALVES, Ministro aposentado do STF: Quando o Código envelhece? Desenvolvendo esta questão, o jurista José Carlos Moreira Alves afirmou que o código envelhece apenas quando deixa de oferecer condições para a formação de novas construções jurídicas. Nessa fase, em que se mostra impotente para esquematizar os problemas sociais, o código atinge o seu período crepuscular e deve ser substituído (2017, p. 210). 3.5 A oposição à codificação Convencido de que os códigos fossilizam o Direito, SAVIGNY se opôs à codificação, travando célebre polêmica jurídica com THIBAUT. Coube àquele lançar as bases da chamada Escola História do Direito, anteriormente citada. Antes de SAVIGNY, também na Alemanha, REHBERG se insurgiu contra a codificação. THIBAUT, professor da Universidade de Heidelberg, publicou, em 1814, o livro Sobre a Necessidade de um Direito Civil Geral para a Alemanha, em defesa da codificação do Direito nacional. Em resposta, e no mesmo ano, 38 SAVIGNY publicou o livro Da Vocação de Nossa Época para a Legislação e a Ciência do Direito, combatendo as ideias de THIBAUT. Como lembra GUSMÃO, para SAVIGNY “a certeza do Direito e a sua unidade não são alcançadas [...] com os códigos, que petrificam o Direito, mas com o progresso da Ciência do Direito, desde que ela reflita o sentimento jurídico, a consciência jurídica do povo e as suas reais necessidades” (2011, p. 140). Embora a crítica de SAVIGNY tenha sido importante para a Filosofia do Direito e para a própria Ciência do Direito, ela não teve força para impedir o avanço da codificação do Direito, na Alemanha e no ocidente em geral. Da polêmica saiu-se THIBAUT vencedor. A codificação moderna, partindo da França, ganhou a corrida contra o Direito Comum (Direito romano adaptado pelos glosadores às necessidades europeias desde a Idade Média até o século XIX) e contra o Direito