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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 
CCSA – DEPARTAMENTO DE DIREITO 
 
Aracaju, 04 de julho de 2022. 
 
Prezados (as) alunos (as), 
 
A disciplina Introdução ao Estudo do Direito I (DIRE0215), componente da 
Matéria de Ensino IED, para a qual eu fui aprovado em concurso público, em 1997, será 
ministrada, na Turma 02, neste primeiro semestre letivo de 2021, com a utilização da presente 
apostila. A base da mesma é constituída pelos livros constantes da bibliografia que está 
indicada no projeto pedagógico do nosso curso de Direito, com pequeno acréscimo, mas, 
abordando, também, várias outras obras, conforme constam das referências bibliográficas, 
no total de cento e nove (109) obras consultadas e citadas ao longo do texto apostilado. 
Eu quero lembrar que uma apostila não poderia ter a pretensão de esgotar os 
assuntos constantes do conteúdo programático, mesmo esta apostila sendo revista, 
atualizada e ampliada, ano após ano. Assim, esta apostila é tão somente um roteiro a ser 
seguido. Nada mais do que isso. Há alunos que, infelizmente, se limitam a ler a apostila. 
Claro que, nesse caso, podem não lograr êxito na disciplina. Logo, para uma melhor 
compreensão dos textos apostilados, e, especificamente, para melhor sedimentar os 
conhecimentos relativos à disciplina, objetivando, inclusive, um bom resultado nas 
avaliações, faz-se necessário aprofundar o estudo por meio dos livros que integram a 
bibliografia básica e de outros textos indicados pelo professor. Isso é o mínimo. 
Vocês devem ter em mente que os livros nem sempre tratam de todos os assuntos, ou, 
às vezes, não o fazem a contento. Portanto, jamais esperem encontrar tudo que necessitam 
em um só livro. Nem se apeguem apenas a um deles, embora vocês possam escolher um 
desses livros como preferencial. E, aliás, devem fazê-lo. 
É preciso, ainda, lembrar que vocês estão cursando uma disciplina que tem por 
objetivo lhes introduzir no mundo da Ciência do Direito. Desse modo, devem estudar o 
conteúdo da ementa com muita disposição para aprender. Não foi à toa, logicamente, que 
vocês chegaram à Universidade e, mais de perto, ao curso de Direito. De tal forma, devem 
estar – ou devem procurar estar – aptos para receber os conhecimentos jurídicos, inicialmente 
indispensáveis. O esforço de todos é imprescindível, mas, talvez, o esforço dobrado de alguns 
seja mais do que essencial. Tudo vai depender do que você deseja no curso. 
 
 
 
José Lima Santana 
Professor 
 
 
 
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P R O G R A M A D A D I S C I P L I N A 
 
 
I - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO 
 
1 CONCEITO, IMPORTÂNCIA, OBJETO E FINALIDADE DA DISCIPLINA. 
CIÊNCIA, LINGUAGEM E MÉTODO DO DIREITO 
 
2 RELAÇÕES DO DIREITO COM OUTRAS ÁREAS DO SABER 
 
3 CODIFICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 
 
4 TENDÊNCIAS DO DIREITO BRASILEIRO CONTEMPORÂNEO 
 
5 MORAL E DIREITO 
 
6 NORMAS DE USO SOCIAL 
 
7 JUSTIÇA E EQUIDADE 
 
8 RAMOS DO DIREITO: PÚBLICO E PRIVADO 
 
9 CRIAÇÃO DO DIREITO: FONTES FORMAIS E MATERIAIS 
 
10 DIREITO OBJETIVO E DIREITO SUBJETIVO 
 
11 ATO E FATO JURÍDICO 
 
12 ORGANIZAÇÃO JUDICIÁRIA 
 
II – OBJETIVOS DA DISCIPLINA 
 
São objetivos da disciplina: 
 
a) Gerais 
 
– Colaborar com o aluno no processo de adaptação ao curso jurídico; 
 
 – Ministrar noções essenciais à formação de uma consciência jurídica; 
 
– Fomentar o desenvolvimento do raciocínio jurídico e a formação da 
consciência jurídica. 
 
 3 
b) Específicos 
 
– Ministrar os conceitos gerais do Direito; 
 
– Oferecer uma visão de conjunto do Direito; 
 
– Ensinar os traços característicos da Técnica Jurídica. 
 
III – METODOLOGIA E RECURSOS 
 
A disciplina será ministrada através de aulas expositivas e de seminários, 
quando e se for o caso. Os discentes serão encorajados a participar dos debates, 
pois a aula não deve ser um monólogo. Serão utilizados esta apostila, a 
bibliografia básica e os textos que o professor indicar. 
 
IV – CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E FREQUÊNCIA 
 
 Duas serão as avaliações com base na apostila e na bibliografia básica. A 
frequência será devidamente anotada, como determinam as normas acadêmicas 
da UFS. 
 
V – BIBLIOGRAFIA BÁSICA 
 
1. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 21 
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. 
2. FERRAZ JR. Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito – Técnica, 
Decisão, Dominação. 10 ed. São Paulo: Editora GEN/Atlas, 2018. 
3. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 44 ed. Rio 
de Janeiro: Editora GEN/Forense, 2011. 
4. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 39 ed. Rio de Janeiro: 
Editora GEN/Forense, 2017. 
5. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. 9 reimpressão. São 
Paulo: Editora Saraiva, 2009. 
 
A bibliografia complementar é composta por todas as demais obras indicadas 
nas referências bibliográficas e citadas nesta apostila. 
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1 CONCEITO, IMPORTÂNCIA, OBJETO E 
FINALIDADE DA INTRODUÇÃO AO ESTUDO DO 
DIREITO. CIÊNCIA, LINGUAGEM E MÉTODO DO 
DIREITO 
 
1.1 Conceito e importância 
 
1.1.1 O sentido da palavra “introdução” 
 
Iniciando o contato preliminar com a disciplina Introdução ao Estudo do 
Direito I, é preciso lembrar que o vocábulo introdução vem do verbo introduzir, 
que, por sua vez, é composto por duas palavras latinas: um advérbio intro (= 
para dentro) e um verbo ducere (= conduzir). Logo, “introduzir é conduzir de 
um lugar para outro, fazer penetrar num lugar novo”, como ensina o professor 
francês MICHEL MIAILLE (1994, p. 16). 
 
Diz EDITH MARIA BARBOSA RAMOS: 
 
Se introduzir é expressão de um movimento de deslocamento, não existe movimento 
sem força iniciadora propulsora. Não há movimento que ocorra por si mesmo, como 
uma lógica própria das coisas. Não há força propulsora sem objetivo definido. Não 
há introdução que possa ser caracterizada como sem objetivo, finalidade, e 
absolutamente neutra. 
Quando alguém depara com um lugar desconhecido, é sempre uma estranha 
experiência. Normalmente, procura-se um guia que conduza ao conhecimento [...]. 
A função primordial do professor de Introdução ao Direito é, consciente de suas 
concepções ideológicas, políticas, culturais e sociais, responsabilizar-se pelos 
caminhos escolhidos, pelo sentido determinado ao conteúdo e pelo objeto delimitado 
(2003, p. 49). 
 
 Na verdade, todos têm, embora empiricamente, algum conhecimento do 
que vem a ser o Direito. Cada um aqui, por exemplo, o tem, por conta do dia a 
dia. O que não se tem, ainda, é o conhecimento científico do Direito, que 
começará, agora, a ser amealhado. 
 
1.1.2 O que é “Introdução ao Estudo do Direito” 
 
Introdução ao Estudo Direito é a disciplina de iniciação ao estudo da 
Ciência Jurídica, que recolhe de outras disciplinas jurídicas, como Filosofia do 
Direito, Sociologia do Direito, História do Direito etc., as informações 
necessárias para compor o quadro de conhecimento a ser ministrado aos 
 5 
acadêmicos, que se iniciam no mundo jurídico. No caso do Curso de Direito da 
UFS, são duas as disciplinas introdutórias: IED I e IED II, vistas nos dois 
primeiros semestres letivos. 
 
 A disciplina em apreço é uma disciplina propedêutica. E por propedêutica 
entende-se o estudo preparatório que serve de iniciação ou introdução a uma 
ciência. A palavra propedêutica vem do grego pro (= preliminar) e paideutikê 
(= arte de instruir). A presente disciplina propõe-se simplesmente introduzir o 
aluno no mundo fascinante do Direito, cujos segredos não podem ser 
desvendados por toda uma vida. E por quê? Porque o Direito é dinâmico, e deve, 
pois, estar em constante transformação, a fim de acompanhar as mutações 
sociais. 
 
 A partir desta disciplina e de outras propedêuticas, os alunos devem ser 
preparados para receber os conhecimentos jurídicos futuros mais completos e 
específicos, que se seguirão no desenrolar dos cinco anos de estudo da Ciência 
Jurídica, nagraduação. 
 
1.1.3 O primeiro contato organizado com o Direito 
 
A disciplina em estudo “é o primeiro contato organizado que o estudante 
mantém com o conhecimento jurídico”, como sustenta PAULO DE BESSA 
ANTUNES (1992, p. 13). No início do estudo é importante partir do 
pressuposto de que o Direito é um fenômeno socialmente verificado. Ou seja, o 
Direito está presente na vida social, na vida de cada indivíduo que está na 
sociedade. Logo, as posições jurídicas das pessoas estão intimamente ligadas à 
posição social dos homens, aos seus papéis como autores sociais, como sujeitos 
da História. 
 
1.1.4 Como devem ser o ensino e o estudo preliminar do Direito 
 
O ensino inicial do Direito, através da disciplina Introdução ao Estudo do 
Direito, “deve ser pautado pelo objetivo de fornecer ao estudante-cidadão as 
noções elementares do sistema jurídico, bem como os rudimentos de seus 
direitos e de sua responsabilidade social”, como ensina ANTUNES (1992, p. 
14). 
 
TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. diz que: 
 
O direito é um dos fenômenos mais notáveis da vida humana. Compreendê-lo é 
compreender uma parte de nós mesmos. É saber em parte por que obedecemos, por 
 6 
que mandamos, por que nos indignamos, por que aspiramos a mudar em nome de 
ideais, por que em nome de ideais conservamos as coisas como estão. Ser livre é estar 
no direito e, no entanto, o direito também nos oprime e tira-nos a liberdade. Por isso, 
compreender o direito não é um empreendimento que se reduz facilmente a 
conceituações lógicas e racionalmente sistematizadas. O encontro com o direito é 
diversificado, às vezes conflitivo e incoerente, às vezes linear e consequente (2018, 
p.1). 
 
Portanto, estudar e compreender o Direito pode não ser uma tarefa fácil, 
e, na verdade, não o é, porém, sem dúvida, é gratificante. E exige “não só 
perspicácia, inteligência e preparo, mas também encantamento, intuição, 
espontaneidade”, como observa o citado mestre (2018, p.1). 
 
Para compreender o Direito “é preciso, pois, saber e amar”. E “só o 
homem que sabe pode ter-lhe o domínio. Mas só quem o ama, é capaz de 
dominá-lo, rendendo-se a ele”, como diz FERRAZ JR. (2018, p.1). O estudante 
que ora se inicia no estudo do Direito precisa ter paciência e perseverança, não 
pretendendo encontrar num só livro tudo o que necessita, como, aliás, foi dito 
na mensagem da página 1. É sempre oportuno lembrar que uma introdução é 
apenas uma abertura, que deve levar o aluno a ampliar seu universo, e nunca a 
reduzi-lo a esquemas simplificados. 
 
Ainda esta outra lição de FERRAZ JR.: 
 
Por tudo isso, o direito é um mistério, o mistério do princípio e do fim da sociabilidade 
humana. Suas raízes estão enterradas nesta força oculta que nos move a sentir remorso 
quando agimos indignamente e que se apodera de nós quando vemos alguém sofrer 
uma injustiça. Introduzir-se no estudo do direito é, pois, entronizar-se num mundo 
fantástico de piedade e impiedade, de sublimação e de perversão, pois o direito pode 
ser sentido como uma prática virtuosa que serve ao bom julgamento, mas também 
usado como instrumento para propósitos ocultos ou inconfessáveis. Estudá-lo sem 
paixão é como sorver um vinho precioso apenas para saciar a sede. Mas estudá-lo sem 
interesse por seu domínio técnico, seus conceitos, seus princípios é inebriar-se numa 
fantasia inconsequente. Isto exige, pois, precisão e rigor científico, mas também 
abertura para o humano, para a história, para o social, numa forma combinada que a 
sabedoria ocidental, desde os romanos, vem esculpindo como obra sempre por acabar 
(2018, p. 1). 
 
1.1.4.1 A questão do ensino jurídico 
 
 É preciso levar em consideração um aspecto importante do processo 
ensino/aprendizagem no Curso de Direito, que é a própria questão em si do 
ensino jurídico, ou seja, uma questão de ordem pedagógica. Nos dias atuais 
devem ser feitas críticas à pedagogia aplicada, em geral, nos Cursos de Direito, 
 7 
nos quais, em regra, ainda se usa a chamada “pedagogia do oprimido”, na 
expressão do educador PAULO FREIRE, em que o educando é sempre visto 
como aquele que “precisa saber”, que está na sala de aula para “receber 
conhecimentos”. Analisando este fator, RIZZATTO NUNES, professor e 
desembargador em São Paulo, diz: 
 
Esse ensino feito por narrativas conduz o educando à memorização mecânica dos 
conteúdos: os alunos são tidos como vasilhas, recipientes a serem “enchidos” pelo 
educador. Quanto mais o recipiente for enchido, melhor será o educador; quando mais 
dócil for o educando na permissão do enchimento, melhor será o educando. Não há 
entre os dois propriamente comunicação – dialógica como seria de esperar –, mas 
apenas transferências, nas quais o educador “comunica”, isto é, informa, remete e o 
educando recebe, memoriza e repete (2007, p. 2). 
 
Já passou da hora da virada. É preciso que a instituição de ensino superior 
veja no aluno não apenas o ser que vem para amealhar cultura jurídica, mas 
também o ser que deve vir para produzir cultura jurídica. A aula, por exemplo, 
não deve ser um monólogo, mas um constante diálogo. Para tanto, professor e 
aluno devem estar imbuídos da utilização de novos pilares para a construção do 
processo ensino/aprendizagem. Trata-se de uma via de mão dupla. O professor 
não deve se sentir o “sabe-tudo” e o aluno não deve se sentir o “nada-sabe”. 
Juntos, devem construir uma nova pedagogia em que os instrumentos podem 
até mesmo ser os mesmos de sempre, mas com um modo novo de utilização. O 
professor deve abrir-se para ouvir o aluno, atentar para os seus questionamentos, 
e este deve esmerar-se em buscar fundamento para poder e saber questionar. 
Para tanto, atente-se para os subitens II e III, do item 1.1.6. Enfim, a sala de aula, 
ou qualquer outro espaço físico no qual venha a se desenrolar o processo 
pedagógico, há de sempre alimentar a alma e estimular o raciocínio. 
 
1.1.5 Três mandamentos importantes 
 
O professor DALMO DE ABREU DALLARI, citado por ANTÔNIO 
BENTO BETIOLI (2000, p. 6), registra três importantes mandamentos, que 
devem ser assimilados por todos que realmente pretendem dedicar-se a uma 
profissão jurídica. São eles: 
 
I – Conhecer bem o Direito, para senti-lo e acreditar nele; 
 
II – Acreditar no Direito sempre, jamais cedendo ao arbítrio, a qualquer 
pretexto; 
 
 8 
III – Fazer da crença no Direito, uma arma de intransigente defesa da 
justiça e da dignidade humana. 
 
1.1.6 Destaques da importância da disciplina 
 
A disciplina Introdução ao Estudo do Direito funciona como um elo entre 
a cultura geral, que se obtém até o ensino médio, e a cultura específica do 
Direito, que se abre a partir de agora. Daí se podem listar os seguintes destaques 
de sua importância: 
 
 I – Auxiliar o aluno no preparo de adaptação ao curso jurídico; 
 
 II – Ministrar noções essenciais à formação de uma consciência jurídica; 
 
III – Fomentar o desenvolvimento do raciocínio jurídico e despertar no 
aluno o espírito crítico ajudando-o na formação da consciência jurídica. 
 
Ora, por raciocínio jurídico entende-se a capacidade de observar os 
problemas colocados ante o jurista e dar-lhes uma solução possível dentro do 
ordenamento (ou sistema) jurídico. Seria como fazer um diagnóstico. É 
importante ter em mente que o mundo jurídico é um aspecto parcial do mundo 
real. 
 
1.2 Objeto da disciplina 
 
A disciplina Introdução ao Estudo do Direito tem, segundo PAULO 
NADER (2017 p. 3-4) e BETIOLI (2000, p. 11), tríplice objeto, a saber: 
 
I – Os conceitos gerais do Direito, que dão ao aluno condições favoráveis 
de estudar mais adiante as diversas disciplinas especializadas da grade 
curricular; 
 
II – A visão de conjunto do Direito, fornecendo uma vista panorâmica da 
Ciência Jurídica, que jamais seria obtida por meio do estudo isolado dos 
diferentes ramos da árvore jurídica; 
 
III – Os traços característicos da técnica jurídica,levando os alunos à 
familiarização com a linguagem jurídica e com o método jurídico, 
peculiares ao Direito. 
 
Não será custoso lembrar que toda ciência tem sua linguagem e seu 
método próprios. E isso também ocorre com o Direito. 
 9 
1.3 Finalidade da disciplina 
 
Dentre as diversas finalidades apontadas pelos doutrinadores acerca da 
Introdução ao Estudo do Direito, podem ser distinguidas as seguintes: 
 
 I – Dar ao iniciante na Ciência do Direito “as noções e os princípios 
jurídicos fundamentais, indispensáveis ao raciocínio jurídico” 
(GUSMÃO, 2011, p. 20). 
 
II – Fornecer “uma visão global de conjunto, bem como as possíveis 
raízes sociais e históricas do Direito e o seu fundamento filosófico” 
(GUSMÃO, 2011, p. 20). 
 
III – Criar no estudante “uma mentalidade jurídica, proporcionando-lhe 
uma bagagem cultural [necessária] para a compreensão da Ciência 
Jurídica e dos conceitos jurídicos básicos para a elaboração científica do 
direito” (DINIZ, 2008, p. 8). 
 
 A importância da Introdução ao Estudo do Direito, enfim, fica patente nas 
palavras de PAULO FERREIRA DA CUNHA, jurista português: 
 
A chave de tudo parece residir essencialmente na cadeira de Introdução ao (Estudo 
do) Direito, a qual, a nosso ver, deve ser a grande porta de todo o Curso, 
simultaneamente abrindo horizontes filosóficos e técnicos. Ela terá, por isso, que ser 
suficientemente aliciante e rigorosa para poder cabalmente cumprir a sua tarefa. 
[...] 
Por exemplo: não se compreende como se saia do 1º ano sem o domínio dos conceitos 
básicos, técnicos e prescrições legais que permitam a correcta interpretação e 
aplicação das normas (ao menos a aplicação no tempo, e em sede geral); ou que se 
não conheça bem o nosso sistema institucional (legal) de fontes do Direito; ou que se 
ignorem os âmbitos dos diversos ramos do Direito. Tudo isso são matérias de alto 
interesse prático, sem as quais qualquer curso jurídico fica irremediavelmente 
comprometido à partida, nas suas bases (1990, p. 19-20). 
 
1.4 Ciência, linguagem e método do Direito 
 
1.4.1 Noções preliminares sobre o termo “ciência” 
 
Iniciando o estudo da Ciência do Direito, devemos lembrar que, há muito 
tempo, na escola fundamental e média, já travamos conhecimento com várias 
ciências: matemática, biologia etc. 
 
 10 
O termo “ciência” vem do latim scientia, do verbo scire, que significa 
saber. Como bem analisa TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR., “o termo ciência 
não é unívoco”, ou seja, não apresenta uma só forma de interpretação; não é, 
pois, homogêneo. Diz, ainda, que “se é verdade que com ele designamos um 
tipo específico de conhecimento, não há, entretanto, um critério único que 
determine a extensão, a natureza e os caracteres deste conhecimento; os 
diferentes critérios têm fundamentos filosóficos que ultrapassam a prática 
científica, mesmo quando esta prática pretende ser ela própria usada como 
critério” (1980, p. 9). 
 
Modernamente, segundo FERRAZ JR., as “discussões sobre o termo 
ciência estão ligadas à metodologia”. As “diversas ciências têm práticas 
metódicas que lhes são próprias e, eventualmente, exclusivas”, muito embora 
não sejam acordes os entendimentos sobre “uma dualidade fundamental e 
radical do método das chamadas ciências humanas e das ciências da natureza” 
(1980, p. 9). 
 
1.4.1.1 A explicação científica 
 
Segundo afirma SÍLVIO DE MACEDO, “a ciência tem algo de 
explicabilidade. É da natureza da ciência o explicar. Daí que a explicação 
científica é um dos modos de manifestar-se a própria ciência. O problema da 
explicação científica pode ser examinado sob três aspectos: a) como explicação 
propriamente dita; b) como descrição; c) como compreensão” (1986, p. 5). 
 
A cada modelo de ciência, predomina um daqueles aspectos. É preciso 
distinguir a explicação sob nexo causal da explicação sob nexo lógico. A 
primeira é peculiar às ciências naturais e outras, enquanto a segunda, também 
chamada demonstração, é própria das ciências abstratas. 
 
A descrição está ligada às ciências biológicas. Há quem afirme que a 
compreensão é pertinente às ciências do espírito ou do intelecto. 
 
1.4.1.2 Noção de Ciência do Direito 
 
1.4.1.2.1 Considerações gerais 
 
De acordo com WILLIS SANTIAGO GUERRA FILHO, a “expressão 
‘ciência jurídica’ é relativamente recente, constituindo uma criação da chamada 
Escola Histórica do Direito, surgida na Alemanha no século XVIII”. Entretanto, 
diz ele, “a primeira grande elaboração teórica do Direito deve-se aos romanos, 
 11 
que incorporaram para isso as categorias forjadas pelos gregos para o 
conhecimento em geral” (2001, p. 25). 
 
Na visão desse mestre cearense, “a questão do caráter científico do 
Direito romano tem como pano de fundo a teoria da ciência vigente na época, 
que era grega por excelência. ARISTÓTELES concebia a ciência como o 
conhecimento da coisa como ela é, ou seja, o conhecimento de sua necessidade, 
de suas causas e relações. Assim, naquela época, conhecimento científico era 
aquele de validez universal e que captava a essência dos fenômenos” (2001, p. 
25). 
 
Diz, ainda, GUERRA FILHO, que se pode considerar “científico o estudo 
do Direito já em Roma, desde que se tenha uma concepção ampla do que seja 
ciência, enquadrando-a em uma perspectiva histórica...”. “Tratava-se de um 
saber prático. Guiado por um método próprio, adequado a seu objeto, dotado de 
um senso de rigor na construção de sua terminologia e mesmo de uma intuição 
para atingir a veracidade por intermédio da retórica”. E a retórica tem por objeto 
formular as regras da criação. Ela “dá, portanto, ao Direito romano o caráter de 
algo que o jurista ‘não se limita a aceitar, mas constrói de modo responsável’. 
Esse é um aspecto essencial do Direito em qualquer época histórica” (2001, p. 
26). 
 
Em Roma a atividade jurídica era conhecida como jurisprudentia, 
palavra que recebia os mais diversos qualificativos: arte, disciplina, ciência, 
notícia. Seu centro gravitacional era uma noção que estava contida na própria 
palavra: a prudentia. FERRAZ JR. diz que ARISTÓTELES fala da prudência, 
“como conhecimento moral, capaz de sopesar, diante da mutabilidade das 
coisas, o valor e a utilidade delas, bem como a correção e justeza do 
comportamento humano” (1977, p. 20). E acrescenta que: 
 
A ‘ciência’ jurídica dos romanos nos põe em meio do problema da cientificidade do 
direito, sem tematizá-lo diretamente. Nela está presente, de modo agudo, a 
problemática da chamada ciência prática, do saber que não apenas contempla e 
descreve, mas também age e prescreve. Este caráter, aflorado na jurisprudência 
romana, vai marcar o pensamento científico do direito no correr dos séculos, 
tornando-se não só um dos traços distintivos, mas também motivo para inúmeras 
tentativas de reforma, cujo intuito – bem sucedido ou fracassado – será dar-lhe um 
caráter de ciência, conforme os modelos da racionalidade matemática (1977, p. 20-
21). 
 
GUERRA FILHO, discorrendo sobre a exposição de FERRAZ JR., diz 
que: 
 12 
Na problemática da ciência prática do saber repousa o principal traço distintivo da 
ciência jurídica, que juristas, imbuídos de uma concepção de ciência baseada na 
racionalidade matemática, tentam apagar, sem se darem conta de que com isso 
inviabilizam a ciência adequada ao estudo do Direito, afastando-se o método 
apropriado ao seu objeto, como exige a práxis jurídica na convivência social (2001, 
p. 27). 
 
1.4.1.2.2 A natureza científica do estudo do Direito 
 
A maioria dos estudiosos reconhece a natureza científica do estudo do 
Direito. Mas há considerações a serem feitas, como, por exemplo, o que vem a 
ser a Ciência Jurídica? MARIA HELENA DINIZ faz a seguinte observação: 
 
Sobre essa questão encontramos todas as respostas possíveis e imagináveis, porque o 
termo ‘ciência’ não é unívoco e porque há uma surpreendente pluralidade de 
concepções epistemológico-jurídicas quepretendem dar uma visão da ciência 
jurídica, cada qual sob um critério diferente. A ciência do direito distingue-se pelo 
seu método e também pelo seu objeto (2008, p. 27). 
 
MIGUEL REALE, dissertando sobre a noção de Ciência do Direito, 
afirma: 
 
A Ciência do Direito, ou Jurisprudência – tomada esta palavra na sua acepção clássica 
–, tem por objeto o fenômeno jurídico tal como ele se encontra historicamente 
realizado. Vejam bem a diferença. A Ciência do Direito estuda o fenômeno jurídico 
tal como ele se caracteriza no espaço e no tempo, enquanto que a Filosofia do Direito 
indaga das condições mediante as quais essa concretização é possível. 
A Ciência do Direito é sempre ciência de um Direito positivo, isto é, positivado no 
espaço e no tempo, como experiência efetiva, passada ou atual. Assim é que o Direito 
dos gregos antigos pode ser objeto de ciência, tanto como o da Grécia de nossos dias. 
Não há, em suma, Ciências do Direito em abstrato, isto é, sem referência direta a um 
campo de experiência social. Isto não significa, todavia, que, ao estudarmos as leis 
vigentes e eficazes no Brasil ou na Itália, não devamos estar fundados em princípios 
gerais comuns, produto de uma experiência histórica que tem as mesmas raízes, as do 
Direito Romano (2002, p. 16-17). 
 
REALE, falando para iniciantes do Curso de Direito, diz que “não é 
possível, a essa altura do nosso curso, esclarecer a natureza da Ciência Jurídica, 
que alguns pretendem seja apenas uma Arte, ou uma Técnica”. E acrescenta que 
somente “após situarmos o Direito entre as formas da investigação social é que 
poderemos esclarecer essas e outras questões que muitas vezes subentendem 
simples divergências terminológicas” (2002, p. 17-18). 
 
 13 
Alguns autores tentam ver a Ciência do Direito como a teoria da norma 
jurídica. Outros a vêm como a teoria da interpretação da norma jurídica. E 
outros mais a distinguem como a teoria da decisão judicial, fazendo-se uso, 
logicamente, da própria norma jurídica. 
 
1.4.1.2.3 O campo de atuação e o objeto da Ciência do Direito 
 
Diz-nos REALE que o objeto da Ciência do Direito é o fenômeno 
jurídico. E os fenômenos jurídicos, uma vez normatizados (vide item 4.3 sobre a 
Teoria Tridimensional do Direito), compõem os sistemas jurídicos de cada país, 
particularmente. Antes de trazer a compreensão de GIORGIO DEL VECCHIO 
sobre o tema, trazemos o seu discurso sobre a distinção entre o campo de 
atuação da Filosofia do Direito e da Ciência do Direito: 
 
Se o estudo do Direito, enquanto nele se adota o ponto de vista do [aspecto] universal, 
constitui o objeto da Filosofia do Direito, de notar é, todavia, que o mesmo pode ser 
também considerado sob outro ponto de vista: o particular. Nesse caso, será ele então 
objeto da Ciência Jurídica propriamente dita ou Jurisprudência stricto sensu. 
A diferença entre a Filosofia e a Ciência do Direito reside, pois, no modo pelo qual 
cada umas delas considera o Direito: a primeira, no seu aspecto universal; a segunda, 
no seu aspecto particular (1979, p. 304). 
 
E sobre o objeto em si da Ciência do Direito, diz o jusfilósofo italiano: 
 
Em todos os tempos e em todos os povos há um sistema positivo do Direito (isto é: 
um complexo de normas ou de institutos que informam e regulam, com caráter 
obrigatório, a vida de um povo). Há assim uma série variada de sistemas, conforme 
os diversos povos e as diferentes épocas. 
A Ciência do Direito tem por objeto os sistemas particulares, considerados 
individualmente para cada povo em todo tempo (por exemplo: direito romano, 
italiano, alemão, português, brasileiro etc.) (1979, p. 304). 
 
1.4.1.2.4 A negação da cientificidade do Direito 
 
Embora, como foi dito no item anterior, a maioria dos estudiosos 
reconhecem a cientificidade do Direito, há alguns opositores. A primeira 
negação incisiva de tal caráter foi a publicação feita por JULIUS HERMANN 
VON KIRCHMANN (1802-1884), procurador do rei da Prússia, em Berlin, em 
1848, cujo título é “A falta de valor da jurisprudência como ciência”, fruto de 
uma conferência realizada no ano anterior (1847). Disse o jurista alemão que “a 
ciência do direito, tendo por objeto o contingente, é também contingente: três 
palavras retificadoras do legislador tornam inútil uma inteira biblioteca 
jurídica”. Logo, segundo KIRCHMANN, uma simples lei revogadora de um 
 14 
sistema jurídico inutilizaria a ciência jurídica. Nesse sentido, aliás, já na Grécia 
antiga, o filósofo PROTÁGORAS, nascido em 490 a. C., dizia permanecerem 
“justas e boas as leis para a cidade somente durante o tempo em que ela assim 
as considerasse” (Apud GUSMÃO, 2011, p. 4 – nota de rodapé nº 2). 
 
Comentando o assunto, afirma ANGEL LATORRE: 
 
Embora Kirchmann atacasse, não tanto a possibilidade duma ciência do seu tempo, 
algumas das suas frases converteram-se quase em símbolos deste ataque ao valor 
científico da atividade dos juristas. O argumento básico, no aspecto que agora nos 
interessa, expresso num parágrafo célebre e muitas vezes repetido dessa conferência, 
é o seguinte: ‘os juristas – disse von Kirchmann – ocupam-se, sobretudo, das lacunas, 
dos equívocos, das contradições das leis positivas; daquilo que nelas há de falso, de 
antiquado, de arbitrário. O seu objeto é a ignorância, a insensatez, a paixão do 
legislador... Por força da lei positiva, os juristas converteram-se em vermes que só 
vivem da madeira apodrecida; desviando-se da sã, estabelecem o seu ninho na 
enferma. Na medida em que a ciência faz do contingente o seu objeto, ela mesma se 
torna contingência; três palavras retificadoras do legislador convertem bibliotecas 
inteiras em lixo’ (1978, p. 130). 
 
Referindo-se ao ataque de KIRCHMANN, LATORRE diz que o mesmo 
“baseia-se em que, estando a ciência jurídica vinculada à legislação e variando 
esta segundo a vontade do legislador, a obra do jurista é efêmera, depende do 
capricho daquele e não pode seriamente pretender descobrir nada de real e 
permanente” (1978, p. 130-131). 
 
 O jurista italiano CAPOGRASSI, respondendo à objeção de 
KIRCHMANN e outros, admitiu que “pode ser sustentada a natureza científica 
do estudo do direito, apesar de sua mutabilidade, desde que não se considere a 
norma jurídica, que é mutável, como o objeto da ciência do direito, mas a 
experiência jurídica dotada de certa estabilidade, semelhante à dos demais fatos 
históricos, pois, pelo menos, ao se modificar, não apaga a experiência passada, 
que, como tradição, se mantém viva. Diga-se de passagem: não é a norma que 
é mutável, mas o seu conteúdo” (GUSMÃO, 2011, p. 5). 
 
A voz de KIRCHMANN tem ecoado no tempo e no espaço. Ainda hoje 
alguns o seguem, afirmando a não cientificidade do Direito, posição com a qual 
não concordamos como, ademais, não concorda a maioria dos juristas. Para nós, 
o Direito é, sim, uma ciência social. 
 
 
 15 
1.4.1.2.5 A expressão “Ciência do Direito” na atualidade 
 
Apesar das críticas apontadas à cientificidade do Direito, é preciso 
entender, como diz LATORRE, que: 
 
Para encarar nos nossos dias o problema do caráter científico da ciência jurídica, 
temos de abandonar alguns dos preconceitos e preocupações que tanto pesaram no 
século passado no ânimo dos juristas e dos não juristas. O primeiro dado importante 
é a mudança do conceito e sentido do que é a ciência na sua manifestação mais 
característica, quer dizer, as ciências da natureza e as próprias matemáticas. Sabe-se 
perfeitamente que muitas das velhas pretensões ‘científicas’ podem considerar-se 
ultrapassadas (1978, p. 137). 
 
E acentua o professor da Universidade de Barcelona, desta feita voltando-
se mais especificamente para a Ciência do Direito: 
 
A nova perspectiva, e considerando como ciência qualquer tipo de conhecimento 
racional e sistemático dum setor da realidade natural, social ou cultural, não existem 
graves problemas para falar duma ciência jurídica,já que esta consiste na atividade 
dirigida a conhecer de forma racional e sistemática uma parcela daquela realidade, 
que é o Direito (1978, p. 139). 
 
Tomando apenas um ponto do ataque de KIRCHMANN, qual seja o 
caráter efêmero da obra jurídica – representada pela legislação, cujo conteúdo 
é mutável –, GUERRA FILHO traz-nos a seguinte argumentação: 
 
Com relação à vigência temporária do Direito, lembre-se que também as 
cosmologias, por exemplo, modificam-se no correr da história, em que o sistema 
ptolemaico é como que ‘revogado’ pelo copernicano, o qual, por sua vez, é corrigido 
por Newton, Kepler e outros, estando atualmente superado pelas teorias relativistas 
de Einstein, que nada nos garante terão validade eterna (2001, p. 94). 
 
Não se pode esquecer, contudo, que a polêmica sobre a cientificidade ou 
não do Direito não está bem resolvida. Há, ainda, muito chão a palmilhar. 
 
1.4.2 Direito e Linguagem 
 
Diz REALE que cada “ciência exprime-se numa linguagem”. Daí “dizer 
que há uma Ciência Física é dizer que existe um vocabulário da Física”. Assim, 
“onde quer que exista uma ciência, existe uma linguagem correspondente”. Ou 
seja, “cada cientista tem a sua maneira própria de expressar-se, e isto também 
acontece com a Ciência do Direito. Os juristas falam numa linguagem própria 
e devem ter orgulho de sua linguagem multimilenar, dignidade que bem poucas 
ciências podem invocar” (2002, p. 7-8). 
 16 
 Logo, como qualquer outra ciência, a Ciência Jurídica exprime-se numa 
linguagem técnica. Vale dizer: numa linguagem técnico-jurídica. De tal forma, 
a Ciência Jurídica encontra na linguagem sua possibilidade de existir, tendo por 
conta o seguinte: 
 
a) não poderia produzir seu objeto numa dimensão exterior à linguagem; 
 
b) onde não há rigor linguístico não há ciência, pois esta requer rigorosa 
linguagem científica; 
 
c) deve construir seu objeto sobre dados que são expressos pela própria 
linguagem, ou seja, a linguagem da ciência jurídica fala sobre algo que já 
é linguagem anteriormente a esta fala; 
 
d) o elemento linguístico apresenta-se como instrumento de 
interpretação, pois, sendo a linguagem do legislador subjetiva e variável, 
o jurista deverá, na interpretação literal, atingir o sentido específico e 
objetivo da palavra, buscando verificar o sentido da lei; 
 
e) se a linguagem do legislador for incompleta, o jurista deverá indicar os 
meios para completá-la, mediante o estudo dos mecanismos de 
integração; 
 
f) o elemento linguístico pode ser considerado como instrumento de 
construção científica, uma vez que a linguagem do legislador não é 
ordenada, o jurista deve reduzi-la a um sistema; a atividade sistemática 
ou construção de um determinado sistema jurídico é uma das principais 
tarefas do jurista. 
 
1.4.2.1 Linguagem legal 
 
 Como sustenta DINIZ, citando JUAN-RAMON CAPELLA, o Direito, 
por condição de existência, deve ser “formulável numa linguagem, ante o 
postulado da alteridade [alter = outro]”. Isto é, o Direito “elaborado pelo órgão 
competente é fator de controle social, prescreve condutas obrigadas, permitidas 
e proibidas, formulando a linguagem em que a norma se objetiva” (2008, p. 
171). 
 
Vê-se, assim, que a linguagem legal, como diz, ainda, DINIZ, “é a 
linguagem utilizada pelo direito, ou seja, pelos órgãos que têm poder normativo, 
 17 
ou melhor, é a linguagem das leis, entendendo estas no sentido amplo de normas 
jurídicas” (2008, p. 171). 
 
1.4.2.2 Linguagem do jurista 
 
 As normas são proposições prescritivas (normativas), pois prescrevem 
esta ou aquela conduta-padrão a ser seguida na vida social. Já as 
sobreproposições, próprias da ciência jurídica, quer dizer dos juristas, dos que 
pensam o Direito e sobre ele escrevem, são descritivas (teoréticas). Elas 
descrevem as proposições prescritivas. 
 
 Sabemos que a norma (proposição prescritiva) é feita pelos legisladores 
ou, na forma da lei, por quem poderá fazê-lo, excepcionalmente (chefe do Poder 
Executivo, por exemplo, quando edita medida provisória etc.). Os juristas, ou 
seja, os pensadores do Direito não produzem normas, mas podem “influir na 
evolução do direito, pois nada obsta que através dos órgãos criadores e 
aplicadores do direito positivo, ou da elaboração de direito novo, as teses 
científicas passem do descritivo para o prescritivo” (DINIZ, 2008, p. 183). 
 
1.4.2.3 Metalinguagem e textos jurídicos 
 
 Metalinguagem significa a linguagem que serve para descrever ou falar 
sobre outra linguagem. 
 
 Em seu labor científico, o jurista “expõe suas conclusões numa sequência 
de enunciados, isto é, de proposições descritivas, que forma o contexto 
científico”. A linguagem do jurista apresenta dois níveis: o da particularidade 
do texto, que é peculiar a cada jurista, considerando certas circunstâncias, e o 
da sistematicidade, que condiciona o discurso (texto), “tendo em vista a 
pretensão de verdade situada no âmbito das proposições descritivas” (DINIZ, 
2008, p. 187-188). 
 
Contudo, é preciso atentar para essa outra lição da mestra anteriormente 
mencionada: 
 
 Para que uma metalinguagem possa servir de instrumento para o método da 
compreensão do texto científico, tornando-o um auxiliar imprescindível para a leitura 
eficiente dos textos científico-jurídicos, deverá: a) apresentar uma definição clara de 
todos os termos utilizados; b) manter-se dentro dos limites da simplicidade e 
economia, no que se refere aos termos e à estrutura contextual; c) não mostrar 
contradições; d) ser consequente e metódica (2008, p. 188). 
 
 18 
1.4.2.4 Vocabulário jurídico 
 
 Lembrando as palavras de REALE, às vezes, “as expressões correntes, de 
uso comum do povo, adquirem, no mundo jurídico, um sentido técnico 
especial” (2002, p. 8). É o caso, por exemplo, da palavra competência – adjetivo 
competente. 
 
Assim, quando se diz que o juiz da Primeira Vara Criminal não é 
competente para julgar as causas relativas à cobrança judicial do IPTU (lançado 
na “dívida ativa” do Município de Aracaju) pela Prefeitura Municipal, não se 
está, de modo nenhum, aferindo a competência, enquanto preparo cultural e 
técnico do magistrado. Nesse caso, competente “é o juiz que, por força de 
dispositivos legais da organização judiciária, tem poder para examinar e 
resolver determinados casos, porque competência, juridicamente falando, é ‘a 
medida ou a extensão da jurisdição’” (REALE, 2002, p. 8). 
 
No caso da cobrança judicial da dívida ativa do Município de Aracaju, é 
competente o Juiz de uma das Varas da Fazenda Pública da Capital, porque 
nessa matéria jurídica ele tem jurisdição. Como diz REALE, quando se fala na 
incompetência do juiz, não se trata “do valor, do mérito ou demérito do 
magistrado, mas da sua competência legal de tomar conhecimento da ação [que 
se propõe intentar ou que se intentou]” (2002, p. 8). 
 
Dispondo sobre a linguagem do Direito e o vocabulário jurídico, REALE 
dá-nos esta outra lição preciosa: 
 
É necessário, pois, que dediquem [ele fala diretamente aos estudantes iniciantes] a 
maior atenção à terminologia jurídica, sem a qual não poderão penetrar no mundo do 
Direito. Por que escolheram os senhores o estudo do Direito e não o de outra ciência 
qualquer? Se pensarem bem, nós estamos aqui nesta Faculdade para realizar uma 
viagem de cinco anos; cinco anos para descobrir e conhecer o mundo jurídico, e sem 
a linguagem do Direito não haverá possibilidade de comunicação. Não cremos seja 
necessário lembrar que teoria da comunicação e teoria da linguagem se desenvolvem 
em íntima correlação, sendo essa uma verdade que não deve ser olvidada pelos 
juristas. 
Uma das finalidades de nosso estudo é esclarecer ou determinar o sentido dos 
vocábulos jurídicos, traçando as fronteiras das realidades e das palavras. À medida 
que forem adquirindo o vocabulário do Direito, com o devido rigor, - o que não exclui, 
mas antes exige os valoresda beleza e da elegância, - sentirão crescer pari passu os 
seus conhecimentos jurídicos (2002, p. 8-9). 
 
 
 19 
1.4.3 Método da Ciência do Direito 
 
 Para KARL LARENZ (1903-1993) a “metodologia de uma ciência é a 
sua reflexão sobre a própria atividade. Ela não pretende somente, porém, 
descrever os métodos aplicados na ciência, mas também compreendê-los, isto 
é, conhecer a sua necessidade, a sua justificação e os seus limites. A necessidade 
e a justificação de um método decorrem do significado, da especificidade 
estrutural do objeto que por meio dele deve ser elucidado” (1997, p. XXI-XXII 
- Prefácio). 
 
 Para que as tarefas dos estudiosos do Direito alcancem êxito “há 
necessidade de seguir-se um método, uma via que nos leve a um conhecimento 
seguro e certo”, como afirma REALE (2002, p. 10). 
 
 MARIA HELENA DINIZ afirma que o “método é a garantia de 
veracidade de um conhecimento”. E que é, também, “a direção ordenada do 
pensamento na elaboração da ciência”. Diz, ainda, que “não se deve confundir 
método com técnica, pois o saber científico pode utilizar diversas técnicas, mas 
só pode ter um método” (2008, p. 18). 
 
Na presente disciplina, os estudantes vão adquirir as noções básicas do 
método jurídico. É preciso reforçar o pensamento de DINIZ, salientando que 
método “é o caminho que deve ser percorrido para a aquisição da verdade, ou, 
por outras palavras, de um resultado exato ou rigorosamente verificado”. E 
mais: “sem método, não há ciência” (REALE, 2002, p. 10). 
 
Cada ciência tem seu objeto. Para que haja ciência, é fundamental a 
unidade de objeto. Logo, trata-se de “um saber metodicamente fundado sobre 
um objeto”. (DINIZ, 2008, p. 20). E com a Ciência do Direito não seria 
diferente. Pode-se, pois, dizer que o Direito, como ciência, é um saber 
condicionado por seu objeto e objetivo. 
 
Ainda, mais uma vez, a palavra de DINIZ: 
 
É o critério filosófico adotado pelo jurista que determina seu objeto. Essa operação 
pela qual se constitui o objeto deve ser, obviamente, governada pelo método, que 
fixará as bases de sistematização da ciência jurídica (2008, p. 30). 
 
Por sua vez, FERRAZ JR. adverte que há grandes debates entre os 
estudiosos sobre o método da Ciência Jurídica. Ressaltam-se três posições: 
 
 20 
a) a que insiste na ‘historicidade’ do método e vê a Ciência do Direito 
como uma atividade metódica, que consiste em pôr em relevo o 
relacionamento espácio-temporal do fenômeno jurídico, buscando neste 
relacionamento o seu ‘sentido’; 
 
b) a que defende uma concepção analítica, reduzindo a atividade 
metódica do jurista ao relacionamento do Direito com as suas condições 
lógicas; 
 
c) a que, evitando posições historicistas, tenta um relacionamento do 
Direito com as condições empíricas a ele subjacentes, na busca de 
‘estruturas funcionais’ (Apud DINIZ, 2008, p. 31). 
 
 
Enfim, diz KARL LARENZ: 
 
Não se pode, portanto, tratar da Ciência do Direito sem simultaneamente tratar do 
próprio Direito. Toda e qualquer metodologia do Direito se funda numa teoria do 
Direito, ou quando menos implica-a. Ela exibe necessariamente um duplo rosto – um 
que está voltado para a dogmática jurídica e para a teoria do Direito e assim, em 
última análise, para a filosofia do Direito. Nesta dupla direção reside a dificuldade da 
metodologia, mas também o seu particular encanto (1997, p. XXII – Prefácio). 
 
Esperamos que as dificuldades que possam ser encontradas, a partir de 
agora e pelos cinco anos de estudo que vocês terão pela frente, possam ser 
vencidas pelo encanto que, por certo, o Direito despertará em cada um (a). E 
uma vez na vida profissional, cada um (a) possa atuar com o mínimo de falhas 
técnicas e esmerada condução ética. 
 
 
Observação: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação: 
 
Diniz. Compêndio de Introdução... Capítulo II, números 1, 2 e 5 (p. 13-25 e 165-188). 
Gusmão. Introdução ao... Capítulo I, números 1 e 2 (p. 3-7). 
Reale, Lições Preliminares... Capítulo I (p. 1-11). 
 
 21 
 2 RELAÇÕES DO DIREITO COM OUTRAS ÁREAS 
DO SABER 
 
2.1 Conceito de Direito 
 
 Antes de compreender as relações que o Direito mantém com outras áreas 
do saber, faz-se preciso conhecer o Direito, a partir da etimologia da palavra, 
para que, assim, se possa conceituá-lo. Partindo-se de sua conceituação, chegar-
se-á às relações interdisciplinares. 
 
2.1.1 Etimologia da palavra “direito” 
 
 O professor ROBERTO LYRA FILHO (1927-1986) afiança que “a maior 
dificuldade, numa apresentação do Direito, não será mostrar o que ele é, mas 
dissolver as imagens falsas ou distorcidas que muita gente aceita como retrato 
fiel” (2003, p. 7). Para compreender o Direito deve-se partir da compreensão do 
vocábulo “direito”. 
 
2.1.2 Problema epistemológico 
 
Epistemologia vem dos vocábulos gregos epistême (ciência) e logos 
(estudo), significando teoria da ciência. Assim, estudar Direito, objetivando, 
inclusive, a sua definição, é fazer epistemologia. Ou seja, é teorizar sobre a 
Ciência do Direito. E é isso que deverá ser feito, a partir de agora. 
 
2.1.3 Definição nominal e real 
 
 ANDRÉ FRANCO MONTORO diz que “conceituar o Direito é defini-
lo” (2008, p. 52). E acrescenta que “há duas espécies de definição”: 
 
I – A nominal, que diz o que uma palavra ou nome significa. Ex.: Como se 
pode conceituar a palavra mesa ou a palavra manga? 
 
 Há duas espécies de definição nominal, segundo JOÃO BATISTA 
HERKENHOFF, jurista e magistrado capixaba aposentado: 
 
 a) A definição etimológica de “Direito” explica a origem desse vocábulo. 
 
b) A definição semântica de “Direito” procura os diversos sentidos que a palavra teve, 
através dos tempos, ou seja, os sentidos do vocábulo no curso de seu desenvolvimento 
(2001, p. 2). 
 
 22 
II – A real (ou lógica), que diz o que uma coisa ou realidade é, ou seja, busca 
descobrir a essência do objeto definido. Ex.: O que, na realidade, é a mesa? Um 
objeto de madeira, de ferro? Ou é a mesa diretora dos trabalhos de uma reunião 
de professores e alunos? O que, na realidade, é a manga? Uma fruta? Um 
componente da camisa? E, ainda assim, neste último caso, seria manga curta ou 
comprida? 
 
Seguindo, pois, um princípio lógico, é preciso estudar, inicialmente, a 
significação da palavra direito. Em seguida, estuda-se a realidade que o 
constitui. 
 
2.1.4 Origem do vocábulo “direito” 
 
 De onde vem a palavra direito? MONTORO leva-nos à constatação de 
que a origem da palavra direito encontra-se no latim, pela junção das palavras 
dis (= muito, intenso) e rectum (= reto, direito). Daí, disrectum, que significa 
muito reto, muito direito (2008, p. 53). 
 
 Para os latinos, di(s)rectum ou [apenas] rectum é aquilo que está de 
acordo com uma régua ou regra (regula). Da palavra disrectum originou-se a 
palavra direito, que encontra palavras equivalentes em outros idiomas 
originados do latim, a saber: derecho (espanhol), diritto (italiano), droit 
(francês) e drept(u) (romeno). Mas, em outras línguas ocidentais modernas, há 
também similares para a palavra direito: right (inglês), recht (alemão), regt 
(holandês), como se pode ver em MONTORO (2008, p. 53). 
 
 Afirma HERKENHOFF que “o vocábulo ‘Direito’ (disrectum ou 
directum) surgiu na Idade Média, aproximadamente no século IV” (2001, p. 3). 
Surgiu para o mundo jurídico, claro. SÍLVIO DE MACEDO, por sua vez, diz 
que a palavra directum ganhou forma no latim vulgar, significando linha reta, e, 
por extensão, “a retidão moral e jurídica, a reta posta na conduta humana como 
parâmetro” (1986, p. 7). 
 
Assim como outros, TÉRCIO SAMPAIO FERRAZ JR. situa o uso da 
palavra directum (ou derectum), a partir da Idade Média: 
 
No correr dos séculos, porém, a expressão jus foi, pouco a pouco, sendo substituída 
por derectum. Nos textos jurídicos latinos, esta última, tendo caráter mais popular e 
vinculada ao equilíbrio da balança, não aparecia,sendo encontrada apenas nas fontes 
não jurídicas, destinadas ao povo. Foi a partir do século IV d. C. que ela começou a 
ser usada também pelos juristas. Guardou, porém, desde suas origens, um sentido 
moral e principalmente religioso, por sua proximidade com a deificação da justiça. 
 23 
Nos séculos VI ao IX, as fórmulas derectum e directum passam a sobrepor-se ao uso 
de jus. Depois do século IX, finalmente, derectum é a palavra consagrada, sendo 
usada para indicar o ordenamento jurídico ou uma norma jurídica em geral (2018, p. 
13). 
 
2.1.5 Outra noção da palavra “direito” 
 
 Ao lado do conjunto de palavras sobre as quais se falou, existe outro que, 
nas línguas modernas, liga-se à noção de Direito. Trata-se dos vocábulos 
jurídico, jurisconsulto, judicial, jurisprudência etc., que também estão presentes 
em quase todas as línguas modernas. 
 
 A origem desses vocábulos também se encontra no latim, no termo jus 
(juris), que significa, igualmente, direito. Os romanos usaram o vocábulo jus 
para significar o que era lícito, e injuria, para designar o que era ilícito. 
Recuando um pouco, há de se encontrar duas origens diferentes para o termo 
jus: 
 
I – Justum (para alguns): que significa aquilo que é justo, ou seja, de acordo 
com a justiça (de Justitia, nome da deusa romana da Justiça). 
 
II – Jussum (para outros): particípio passado do verbo jubere, que significa 
mandar, ordenar. Logo direito seria aquilo que é ordenado. 
 
 De certa forma, dizem determinados estudiosos que o Direito teria, ao 
longo do tempo, saído do sentido de justum (o que é justo) para o sentido de 
jussum (o que foi ordenado). Esta é uma visão positivista do Direito. 
 
2.1.6 A palavra grega “diké” 
 
 Para complementar a indicação de possíveis origens da palavra direito, 
deve-se citar a palavra grega diké. Diké era a deusa grega da Justiça, filha de 
Zeus e Themis, que corresponde à deusa romana Justitia (ou Iustitia). 
 
A deusa romana mantinha os olhos vendados e segurava a balança com 
as duas mãos, a fim de equilibrar o Direito. Os olhos vendados significavam 
que o julgador deveria agir com prudência na aplicação da justiça, ou seja, 
buscar o equilíbrio entre o abstrato e o concreto. 
 
A deusa grega mantinha os olhos abertos, apontando “para uma 
concepção mais abstrata, especulativa e generalizadora que precedia, em 
importância, o saber prático” (FERRAZ JR., 2018, p. 12-13). Numa das mãos 
 24 
portava a balança e, na outra, segurava uma espada: quando a balança não 
estivesse equilibrada, por qualquer motivo, a força do Estado (representada pela 
espada) a faria equilibrar. 
 
Os gregos usavam a palavra díkaion, para significar algo dito 
solenemente pela deusa Diké. E o que a deusa dizia era o correto, o certo, o tido 
como direito. Portanto, costuma-se dizer que diké, em grego, também significa 
direito. Dizem alguns estudiosos que, em Roma, a palavra jus correspondia à 
palavra grega díkaion (FERRAZ JR., 2018, p. 12). 
 
 Todavia, segundo MONTORO, não há “nas línguas modernas palavras 
vinculadas ao diké grego” (2008, p.55). 
 
2.1.7 Imprecisões do vocábulo “direito” 
 
 No uso comum, a palavra direito é imprecisa, conforme diz FERRAZ JR. 
(2018, p. 14) e como se verá a seguir: 
 
I – Sob o ponto de vista sintático, a palavra direito pode ser conectada: 
 
a) Com verbos: Ex.: “Meu direito não vale nada”. 
 
b) Com substantivos: Ex.: “O Direito é uma ciência”. 
 
c) Com adjetivos: Ex.: “Este direito é injusto”. 
 
II – A própria palavra direito pode ser usada: 
 
a) Como substantivo: Ex.: “No Direito legislado brasileiro ainda não 
há norma ordinária que permita o casamento de pessoas do mesmo 
sexo”. 
 
b) Como advérbio: Ex.: “Maria Beicinho não agiu direito”. 
 
 c) Como adjetivo: Ex.: “Tico Brucutu não é um homem direito”. 
 
2.2 Acepções da palavra direito 
 
 Ao teorizar sobre uma determinada ciência, não há porque se limitar ao 
estudo da palavra que simboliza tal ciência. Deve-se sair do plano das palavras 
para penetrar no das realidades, como ensina MONTORO (2008, p. 55). Então, 
é preciso estudar o Direito sob as diversas acepções. 
 25 
2.2.1 Direito-norma 
 
 Muitas vezes são ouvidas frases que indicam uma permissão ou uma 
proibição legal, como, por exemplo: “O direito assegura o casamento entre 
homem e mulher”. Ou: “O direito proíbe a bigamia”. Nesses casos, direito 
significa a norma, a regra social obrigatória que pode permitir ou proibir essa 
ou aquela conduta. Os romanos chamavam-no norma agendi (norma para agir 
ou segundo a qual agir). 
 
2.2.2 Direito-faculdade 
 
 É quando a palavra direito é empregada para designar o direito (ou o 
poder) de uma pessoa sobre determinado objeto, como, por exemplo, o direito 
que tem o proprietário de uma casa de usar o seu imóvel e dele dispor, ou o 
direito do credor de cobrar a dívida de seu devedor, ou, ainda, o direito de propor 
uma ação em juízo, dentre tantos outros. Seria, pois, o direito subjetivo, que é 
individualizado, próprio de alguém. 
 
 Os romanos chamavam-no facultas agendi (faculdade de agir), em 
oposição a norma agendi, que é o direito norma, ou seja, o direito enquanto 
norma. 
 
 Há, modernamente, contradições quanto ao emprego da expressão 
direito-faculdade, como se verá no momento certo. 
 
2.2.3 Direito-justo (ou ideal) 
 
 Essa acepção comporta dois sentidos diferentes, que são: 
 
I – Justo objetivo 
 
Às vezes, Direito, na acepção de justo, significa o bem que é devido a 
alguém por justiça. Exemplo: quando se diz, com base na Constituição Federal, 
que a educação é direito de todos, ou quando se diz que o salário é um direito 
do trabalhador, a palavra direito significa aquilo que é devido por justiça. É o 
chamado justo objetivo. Ou seja, é o bem que é devido a uma pessoa por uma 
exigência da justiça, pois não seria justo que a educação fosse privilégio de 
poucos, nem que o trabalhador deixasse de receber o salário correspondente à 
respectiva jornada de trabalho. Outros exemplos: o respeito à vida é devido a 
todo ser humano; o imposto é devido pelo contribuinte ao Estado etc. 
 
 26 
II – Justo qualificativo 
 
Noutros casos, justo significa aquilo que está em conformidade com a 
justiça. Por exemplo: quando é dito que não é direito (significando que não é 
justo, que não é correto) condenar um deficiente mental, se quer dizer que a 
condenação, neste exemplo, não é conforme os preceitos da justiça. Nesse caso, 
justo significa um qualificativo, indicando a conformidade com as exigências 
da justiça. Logo, a justiça exige tratamento desigual para os desiguais. Assim 
sendo, não se trataria um irresponsável penal (o alienado mental que não pode 
ser responsabilizado pelos seus atos, por não ter consciência) do mesmo modo 
como deve ser tratada uma pessoa normal (penalmente responsável), ou seja, 
consciente dos seus atos. 
 
2.2.4 Direito-ciência 
 
A palavra direito é também utilizada para designar a Ciência do Direito. 
Quando é afirmado que cabe ao Direito estudar a criminalidade, ou quando se 
diz que alguém está estudando Direito, ou, ainda, quando se fala em método ou 
objeto do Direito, emprega-se a palavra direito com o sentido de ciência. 
 
2.2.5 Direito-fato social 
 
 Os juristas e, sobretudo, os sociólogos empregam o vocábulo direito no 
sentido de fato social. Quando estuda uma coletividade, a Sociologia distingue 
várias espécies de fenômenos (ou fatos) sociais: religiosos, econômicos, 
culturais e, dentre estes, situa-se o Direito, que é visto como um aspecto da vida 
social. E, como tal, é estudado sociologicamente. 
 
2.2.6 Alguns conceitos de Direito 
 
I – Direito-norma 
 
IHERING: “O direito é um conjunto de normas coativamente garantidas 
pelo poder público”. 
 
CLÓVIS BEVILACQUA: “O direito é uma regra social obrigatória”. 
 
 27 
II – Direito-faculdade 
 
MAYER: “Direito é o poder moral de fazer, exigir ou possuir algumacoisa”. 
 
IHERING: “Direito é o interesse protegido pela lei”. 
 
III – Direito-justo 
 
ULPIANO: “Justiça é a vontade constante e perpétua de dar a cada um o 
seu direito”. 
 
LIBERATORE: “Direito é tudo o que é reto, na ordem dos costumes”. 
 
SANTO TOMÁS DE AQUINO: “Direito é o que é devido a outrem, 
segundo uma igualdade”. 
 
IV – Direito-ciência 
 
CELSO: “Direito é a arte do bom e do justo”. 
 
HERMANN POST: “Direito é a exposição sistematizada de todos os 
fenômenos da vida jurídica e a determinação de suas causas”. 
 
V – Direito-fato social 
 
TOBIAS BARRETO: “Direito é o conjunto das condições existenciais e 
evolucionais da sociedade, coativamente asseguradas”. 
 
LÉVY BRÜHL: “Direito é o fenômeno social por excelência: mais do 
que a religião, mais do que a língua, mais do que a arte, ele revela a natureza 
íntima do grupo social” (Apud MONTORO, 2008, p. 56-63). 
 
2.3 O Direito e suas relações com outras áreas do saber 
 
 Do mesmo modo como os homens se relacionam entre si no convívio 
social, as ciências também mantêm relações umas com as outras. Houve um 
tempo em que a Filosofia e a História eram as áreas do saber que interessavam 
aos juristas. Mas a partir da segunda metade do século XX, ou fins da primeira 
metade, os juristas passaram a buscar novas fontes do saber “para compreender, 
em sua globalidade, a realidade social de seu tempo, à qual deve aplicar o 
direito” (GUSMÃO, 2011, p. 23). 
 28 
De tal maneira, desde a “segunda metade do século XX, não mais se pode 
pensar em estudar o direito sem o conhecimento de outras ciências que facilitam 
a exegese, a aplicação e, principalmente, a criação do direito” (GUSMÃO, 
2011, p. 23). 
 
O desconhecimento de certas ciências, que mantêm estreitas relações 
com a Ciência Jurídica acabaria contribuindo para a “perda do papel social que 
desempenhou o jurista no nosso passado até os anos 60, para a qual concorreu 
também a crise do ensino jurídico, divorciado das demais ciências sociais, 
destinado exclusivamente a formar profissionais eficientes, ‘doutores em leis’, 
e não juristas” (GUSMÃO, 2011, p. 23). 
 
GUSMÃO tem plena razão nas assertivas acima. O Direito não pode ser 
estudado e pensado a não ser levando-se em conta suas necessárias relações 
com outras ciências, sociais ou não, num processo dinâmico e dialético de 
correlação. Há correlações, por exemplo, entre os fatores econômicos e os 
religiosos; entre os fatores familiais e os morais; entre os fatores jurídicos e os 
econômicos; entre a mobilidade social e os fatores políticos; entre os fenômenos 
sociais e os não-sociais, como os biológicos, os geográficos, os demográficos 
etc. Os estudiosos do Direito precisam entendê-los “como [eles] realmente são”, 
diz o autor (2011, p. 23). 
 
Este é o papel de todos: dos que fazem a norma jurídica e dos que a 
estudam ou a aplicam. 
 
2.3.1 Sociologia 
 
A Sociologia estuda os fatos sociais, e o Direito é um fato social, como 
resultante de vários fatores sociais: religiosos, morais, geográficos, econômicos, 
demográficos etc. A Sociologia é, ainda, a ciência das instituições sociais; por 
seu lado, o Direito dá a devida forma jurídica a muitas dessas instituições, como 
é o caso do estado, da família, da propriedade etc. 
 
Falando sobre Exegese e Sociologia do Direito, FRANZ NEUMANN diz 
que 
 
A ciência do direito é tanto uma ciência das normas quanto da realidade. Enquanto 
uma ciência das normas, ela tem como questão o significado objetivo das normas 
jurídicas. Enquanto uma ciência da realidade, ela investiga as relações entre normas 
jurídicas, a subestrutura (Substrat) social, o comportamento social de sujeitos 
jurídicos e dos administradores do direito (2013, p. 49). 
 
 29 
2.3.2 História 
 
A História, que é o estudo do conhecimento do passado humano, 
enquanto processo de atividades e pensamento do homem, numa visão 
cronológica e sucessiva, serve ao jurista, pois o Direito é, em si mesmo, um 
fenômeno histórico. PAULO NADER afirma: 
 
O Direito e a História vivem em regime de mútua influência, a ponto de Ortolan, com 
algum exagero, ter afirmado que “todo historiador deveria ser jurisconsulto, todo 
jurisconsulto deveria ser historiador”. O certo é que o Direito vive impregnado de 
fatos históricos, que comandam o seu rumo, e a sua compreensão exige, muitas vezes, 
o conhecimento das condições sociais existentes à época em que foi elaborado. A 
Escola Histórica do Direito, de formação germânica, criada no início do século XIX, 
valorizou e deu grande impulso aos estudos históricos do Direito. Para esta Escola, 
que teve em Gustavo Hugo, Savigny e Puchta seus vultos mais proeminentes, o 
Direito era um produto da História (2017, p. 13). 
 
Foi por isso que nasceu a disciplina História do Direito, que tem por tarefa 
pesquisar e analisar os institutos jurídicos do passado, limitando-se à ordem 
jurídica nacional ou estendendo-se a povos determinados, ou, mesmo, à esfera 
mundial. 
 
2.3.3 Economia 
 
A Economia, que trabalha com a ordem econômica, da qual depende o 
bem-estar coletivo, a paz social e o desenvolvimento (hoje dito, com precisão, 
sustentável) do país, é, também, uma ciência que mantém laços estreitos com o 
Direito, uma vez que este atua na vida econômica, regrando mercados, 
definindo regras para a atuação econômica da iniciativa privada ou sobre a 
intervenção estatal na vida econômica etc. 
 
Com relação aos laços existentes entre Direito e Economia, devem ser 
pontuadas as ideias, normalmente antagônicas, de juristas tidos como de visão 
capitalista ou socialista. A esse propósito, atente-se para esta lição de WILSON 
DE SOUZA CAMPOS BATALHA, acerca do pensamento do jurista russo 
EUGENY BRONISLANOVITCH PASUKANIS (1891-1937), tido como o 
maior pensador jurídico da extinta União Soviética: 
 
O erro de Pasukanis, que lhe custou a vida, consistiu em pretender que, em uma 
sociedade sem classes, os imperativos do Direito seriam substituídos por imperativos 
meramente técnicos de conduta social [a exemplo da economia, com grifos do autor 
da apostila], asseverando que as normas jurídicas pressupõem antagonismos de 
 30 
interesses, típicos da sociedade dividida em classes, ao passo que as normas técnicas 
pressupõem unidade de fim (2000, p. 70). 
 
 Houve até quem pretendesse reduzir o Direito à Economia, a exemplo de 
BENEDETTO CROCE, como afirma o autor acima referido. Sem dúvida, um 
erro grosseiro desse grande jurista italiano, cuja obra, no contexto geral, é 
sempre louvada. 
 
2.3.4 Moral e Religião 
 
A Moral, como será visto no capítulo 5, tem como objeto o comportamento 
humano norteado por regras e valores enraizados em nossas consciências, e, 
assim, mantém aproximadas relações com o Direito. Este acolheu muitas regras 
morais, algumas delas também de cunho religioso. O estudo da Moral pelos 
juristas é fundamental no mundo contemporâneo em que várias formas de 
materialismo precisam ser humanizadas. 
 
A Religião, em parte, também interessa ao Direito. Nela e na Moral vão 
ser encontradas as bases do Direito antigo, como se verá mais tarde. 
 
2.3.5 Ciência Política 
 
A Política, enquanto ciência, também interessa ao Direito, desde que 
aquela se ocupa do governo do Estado, do poder, das ideologias, por exemplo, 
e o Direito estatal ainda detém, no mundo atual, a essência do Direito, para o 
gáudio de muitos e para a contestação de poucos. É o embate entre o monismo 
jurídico e o pluralismo jurídico, que, adiante, serão objeto de estudo. 
 
2.3.6 Outras ciências 
 
Além dessas áreas do saber, o Direito mantém relações com ciências de 
outras áreas, que não as ciências sociais. 
 
2.3.6.1 Medicina Legal 
 
 Trata-se do emprego de conhecimentos médico-cirúrgicos a fim de fazer 
a constituição de prova, tendo-se o homem como o objeto dela. O uso de certos 
conhecimentos médicos já era feito na Antiguidade, para fins jurídicos. 
 
 Os conhecimentosmédicos são extremamente importantes tanto no 
Direito Penal, quanto no Direito Civil, abarcando situações como morte, lesão 
 31 
corporal, aborto, estupro, sanidade mental, incapacidade para o ato sexual, que 
motiva a anulação do casamento, investigação de paternidade etc. 
 
2.3.6.2 Psicologia Judiciária (ou Forense) 
 
 Refere-se à parte da Psicologia que serve ao Judiciário para, por exemplo, 
descobrir o falso testemunho ou a autoria de delitos. O alvo da Psicologia 
Judiciária não é apenas a pessoa do delinquente, mas, também, a testemunha 
como meio de prova. Colabora na formação da convicção do magistrado acerca 
da veracidade ou não dos depoimentos prestados. 
 
 Esse viés da Psicologia também cuida da parte psicológica do magistrado, 
do promotor e do advogado. Presta-se para a análise de “documentos e fatos em 
razão da personalidade de seus autores e da idade, do sexo e do estado de saúde 
dos mesmos” (GUSMÃO, 2011, p. 27). Por meio dela são obtidos meios e 
elementos necessários para descobrir verdades, falsidades, simulações etc. 
 
 No chamado realismo jurídico norte-americano, a Psicologia Judiciária 
serve para indagar as motivações psicológicas das decisões judiciais. 
 
2.3.6.3 Criminologia 
 
 A história da Criminologia começa na Itália com o médico CESARE 
LOMBROSO (1835-1909), que trabalhava em prisões. Ele escreveu um 
clássico intitulado L’ Uomo Delinquente (O Homem Delinquente), cujas teorias 
revolucionaram os estudos criminais entre o fim do século XIX e as primeiras 
décadas do século XX. 
 
Trata do estudo do homem criminoso, valendo dizer, do delinquente e do 
crime, sob o ponto de vista dos fatores que o determinam, e não do ponto de 
vista legal (essa parte pertence ao Direito Penal). Objetiva fornecer elementos 
para a política de prevenção criminal, que nem sempre é usada pelos governos. 
Nesse caso, o crime é tratado como um fato, não cogitando de seus “elementos 
normativos”, como afirma SEELIG (Apud GUSMÃO, 2011, p. 27). 
 
2.3.6.4 Antropologia Criminal 
 
É a parte da Criminologia que estuda as causas endógenas (internas) do 
delito. Assim como a Criminologia, o seu marco inicial foram os estudos de 
LOMBROSO. Interpreta o crime como “reflexo de uma personalidade, 
resultante de vários fatores (somático, psicológico, social)”. Pesquisa as 
 32 
características orgânicas e morfológicas dos criminosos. Nessa pesquisa, usa o 
método estatístico. Tem grande serventia na avaliação da periculosidade do 
delinquente. 
 
2.3.6.5 Psicologia Criminal 
 
 Segundo GUARNIERI, a Psicologia Criminal pesquisa os “processos 
psíquicos do homem delinquente”, a partir dos motivos que o levam a delinquir 
(Apud GUSMÃO, 2011, p. 29). Alguns a têm como ramo da Antropologia 
Criminal. Todavia, graças ao desenvolvimento alcançado pela Psicologia, 
outros a têm como ciência autônoma. De qualquer forma, a Psicologia Criminal 
observa os resultados daquela. 
 
GUSMÃO dá uma boa demonstração do alcance moderno da Psicologia 
Criminal: 
 
A Psicologia Criminal vem traçando tipos de delinquentes, caracterizados por vários 
processos psicológicos: instintivos (dominados pelo instinto de conservação ou de 
procriação), neuróticos (motivos por neurose), afetivamente pervertidos (insensíveis, 
indiferentes, egoístas), emotivos, emocionais, vingativos etc. Os menores 
delinquentes têm merecido dela estudo aprofundado, dos quais se deduz serem eles 
levados à delinquência pela imaturidade, por erros de educação, por problemas 
afetivos, pela crise da família, pela falta de amparo dos pais, pelos maus exemplos 
etc. (2011, p. 29-30). 
 
Ela não lida com o delinquente anormal, que é objeto de estudo da 
Psiquiatria Criminal. Dentro dela há a Psicanálise Criminal, que estuda os 
motivos subconscientes e inconscientes do delito, empregando, para tanto, o 
método psicanalítico. Atualmente, também faz uso de testes. 
 
2.3.6.6 Sociologia Criminal 
 
 Serve para investigar os fatores ambientais e sociais do delito. O delito é 
visto como fato social. Antes, numa visão do monismo sociológico, definia o 
delito como resultado de um único fator social, sobretudo do econômico. 
Atualmente, graças à visão pluralista, tem insistido que o delito resulta da 
ocorrência de diversos fatores sociais. Para o delito o indivíduo concorre com 
seus fatores somáticos e psicológicos. 
 
 
 33 
2.3.6.7 Criminalística 
 
A Criminalística era a denominação dada a todas as ciências que tinham 
por objeto o delito. Hoje, tem-se como Criminalística a ciência que cuida das 
provas criminais: prova pericial (médica, antropométrica, datiloscópica etc.), 
como também das técnicas para descobrir o autor do crime e o falso testemunho. 
Em síntese, cuida da fenomenologia criminal, ou seja, objetiva a investigação 
dos delitos. 
 
 
 
Observação: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação: 
 
Gusmão. Introdução ao... Capítulo II (p. 23-38). 
Montoro, Introdução à Ciência... Capítulo 1 (p. 52-63). 
 
 34 
3 CODIFICAÇÃO NO DIREITO BRASILEIRO 
 
3.1 O Século XIX e a Codificação do Direito 
 
 Tornou-se corrente falar na codificação mesopotâmica, notadamente no 
Código de Hammurabi. Sobre essa legislação falaremos no item 4.1.3. Todavia, 
sabemos que essa nomenclatura (codificação ou código) somente passaria a ser 
usada muito tempo depois da formulação das leis da Mesopotâmia. Em Roma, 
costuma-se apontar duas importantes codificações: a Lei das XII Tábuas e o 
Corpus Iuris Civilis de Justiniano (imperador do Império Romano do Oriente), 
cuja denominação só foi dada na Idade Média, e sobre o qual trataremos ao falar 
da doutrina como fonte do Direito, no item 9.6.3. 
 
 Na civilização europeia, diz GUSMÃO, “o movimento codificador 
desponta no fim do século XVIII” (2011, p. 138). Contudo, não devemos 
esquecer que, muito antes, já se manifestavam as chamadas “Ordenações”, 
como ocorreu na península ibérica com as Ordenações do Reino (Afonsinas, de 
1446, Manuelinas, de 1512, e Filipinas, de 1593, sendo esta espanhola, mas 
vigente também em Portugal, quando este esteve sob o domínio de Espanha, e, 
por consequência, vigente no Brasil). No século XVIII pontificaram, por 
exemplo, as Ordenações de Luís XIV, em França, de 1747 e de 1748, a 
compilação prussiana de 1784 a 1788, a coleção de leis italianas, de 1723, o 
Código Civil da Bavária, de 1756. 
 
 Como bem acentua GUSMÃO, a “Codificação como movimento jurídico 
alcança o seu apogeu no século XIX”. E diz mais: 
 
Em razão dela os direitos ocidentais, quanto à forma, se dividem em: a) direito 
constitucional, ou direito codificado, que compreende o grupo francês, balizado pelo 
Código de Napoleão (Code Civil des Français), [de 1804, mas que só entrou em vigor 
em 1807] e o grupo alemão, marcado pelo Código Civil alemão (BGB) de 1900; b) 
sistema da Common Law ou do grupo anglo-americano, em que predomina o 
precedente judicial [sobre o qual disporemos no item 9.5 desta apostila] (2011, p. 
137). 
 
O movimento da codificação do Direito triunfou. Esse movimento 
significa “a tendência para enfeixar em uma única lei matéria jurídica vasta, em 
regra, uma parte do Direito, com o objetivo de dar-lhe unidade de tratamento 
jurídico” (GUSMÃO, 2011, p. 138). Nesse caso, a lei se denomina Código (do 
latim codex). Entendemos, modernamente, que o código é um conjunto de 
normas ordenadas de maneira sistemática, enumeradas de acordo com um plano 
 35 
predeterminado, como será estudado oportunamente, no Direito Civil, no 
Direito Penal etc. 
 
Devemos entender, todavia, que a codificação, “como movimento 
jurídico, não é a formulação de códigos – muitos países, que pertencem ao 
sistema da Common Law [Lei Comum], têm alguns códigos –, mas, sim, a 
adesão ao direito escrito, ao direito codificado ou legislado, para o qual a lei é 
a principal fonte do Direito. Nesse caso, em código estão os principais ramos 
do Direito”. A maioriados países ocidentais aderiu a esse movimento. 
Acrescenta o autor acima citado, com razão, que a “codificação não só unifica 
o Direito, disciplinando em uma lei vasta matéria jurídica, como, também, a 
apresenta de forma orgânica, unificada, sistematizada, em virtude não só de suas 
regras observarem princípios gerais que o informam, como, também, de as 
normas codificadas serem agrupadas pelo escopo que perseguem” (2011, p. 
138). 
 
As normas codificadas não se põem em conflito, mas se acham 
integradas. Há, assim, compatibilidade entre elas, pois guardam os mesmos 
princípios filosóficos. A codificação acaba com a legislação dispersa, uma vez 
que a unifica, além de apresentar, muitas vezes, tratamento jurídico novo. 
 
3.2 Conceito de código 
 
 Segundo PAULO NADER, “código é o conjunto orgânico e sistemático 
de normas jurídicas escritas e relativas a um amplo ramo do Direito”. Nessa 
configuração, ressalta o autor, “o Código Civil da Prússia, de 1794, foi o 
primeiro ordenamento elaborado em bases científicas” (2017, p. 208). 
 
 É importante dar atenção à seguinte explanação do autor acima citado: 
 
O código reúne, em um só texto, disposições relativas a uma ordem de interesse. Pode 
abranger a quase totalidade de um ramo, como o Código Civil, ou alcançar apenas 
uma parcela menor da ordem jurídica, como é a situação, por exemplo, do Código 
Florestal. Não é a quantidade de normas que identifica o código. Este pode apresentar 
maior ou menor extensão. Normalmente constitui-se por um amplo desenvolvimento, 
pois a regulamentação de uma ordem de interesse é sempre uma tarefa complexa. Há 
leis que são extensas e não constituem códigos. Fundamental é a organicidade, que 
não pode deixar de existir. O código deve ser um todo harmônico, em que as diferentes 
partes se entrelaçam, se complementam. A aplicação do código é análoga ao 
funcionamento do organismo animal. Neste, os órgãos diversos conjugam as suas 
funções e nenhum possui autonomia. As partes que compõem o código desenvolvem 
uma atividade solidária; há uma interpenetração nos diversos segmentos que o 
integram. Daí dizer-se que os códigos possuem organicidade (2017, p. 208). 
 36 
3.3 Distinção entre código, consolidação e compilação 
 
 O item anterior tratou do conceito de código. Tecnicamente, podemos 
fazer a distinção entre código, consolidação e compilação. 
 
Por código entende-se, segundo GUSMÃO, a “lei nova sobre vasta 
matéria jurídica” (2011, p. 139), complementando o que disse NADER. 
Codificar é o ato de, pretensamente, reunir todas as normas que regem uma dada 
matéria (civil, penal etc.) num único código. O código traz a disciplina 
fundamental e completa do ramo do Direito de que trata. Todavia, a sua unidade 
legislativa é afetada pelas leis acessórias ao código, chamadas de leis 
extravagantes. E isso se dá porque tanto o código envelhece, quanto há assuntos 
novos que às vezes são deixados para regramento por leis acessórias. 
 
Por consolidação, entende-se “a uniformização do Direito preexistente, 
esparso e fragmentário” (GUSMÃO, 2011, p. 139), como foi o caso da 
Consolidação das Leis Civis (1858), feita pelo jurista TEIXEIRA DE FREITAS, 
ou, hoje, da CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas. A consolidação é o 
resultado da incorporação. Diz NADER que quando “a consolidação se revela 
sistematizada, é chamada código aberto, para indicar que não é um conjunto 
permanente de normas e pode ser alterado sempre” (2011, p. 209). 
 
E por compilação deve-se entender “a redação, na forma escrita, de 
costumes ou de legislação fragmentária” (GUSMÃO, 2011, p. 139). Assim, no 
caso das leis da Mesopotâmia, seria preferível falar em compilação, e não em 
codificação. Mas, acostumou-se a falar em códigos mesopotâmicos. 
 
3.4 A não perfeição dos códigos 
 
 Precisamos atentar para o fato de que os chamados códigos antigos eram, 
na verdade, compilações. De qualquer forma, o objetivo da codificação, da 
consolidação ou da compilação é o mesmo: a uniformização do Direito. Atendo-
nos à codificação, podemos concluir, entretanto, que os códigos não se 
constituem em obras perfeitas. 
 
A visão de perfeição dos códigos esteve presente, no passado, quando o 
Código Civil francês, ou Código de Napoleão, foi editado, em 1804, para viger 
no ano seguinte. Diziam alguns dos juristas franceses, como LAURENT, que o 
Direito Civil estaria contido no código. E BUGNET, “professor civilista do 
período de ascensão positivista” chegou a dizer que não conhecia o Direito 
http://pt.wikipedia.org/wiki/Direito
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lei_extravagante&action=edit&redlink=1
http://pt.wikipedia.org/w/index.php?title=Lei_extravagante&action=edit&redlink=1
 37 
Civil, e que só ensinava o Código Civil (Code Napoleón), como lembra 
WANDER BASTOS (1999, p. 13). É o que se chama de dogmatismo jurídico. 
 
Sabemos que os códigos envelhecem, não acompanham a dinâmica da 
vida social, chegando ao ponto de dar lugar a outros, como aconteceu, em 2002, 
com o Código Civil brasileiro atual, que substituiu o Código de 1916, vigente a 
partir de 1917. Os códigos envelhecidos se tornam espécies de “colchas de 
retalhos”, pois agregam legislação dita extravagante, que é a legislação 
posterior, que, paulatinamente, os reformam, sem, contudo, alcançar a 
finalidade precípua da codificação, que, como já sabemos, é a unificação do 
Direito. 
 
Os códigos envelhecidos vão se tornando, em muitas de suas normas, 
ultrapassados, incapazes de dar solução aos novos conflitos sociais. De tal 
forma, eles se tornam caricaturas do Direito. Assim sendo, a jurisprudência vai 
injetando nos códigos que envelheceram “sangue jurídico novo”, por meio de 
interpretações atualizadoras, motivadas por novas ideias, teorias e princípios 
que correspondem aos novos tempos, e que já não podem ser alcançados pela 
filosofia que inspirou os velhos códigos. 
 
Há uma questão que deve ser levada em conta sobre o envelhecimento 
dos códigos. Nesse sentido, diz NADER, citando MOREIRA ALVES, Ministro 
aposentado do STF: 
 
Quando o Código envelhece? Desenvolvendo esta questão, o jurista José Carlos 
Moreira Alves afirmou que o código envelhece apenas quando deixa de oferecer 
condições para a formação de novas construções jurídicas. Nessa fase, em que se 
mostra impotente para esquematizar os problemas sociais, o código atinge o seu 
período crepuscular e deve ser substituído (2017, p. 210). 
 
3.5 A oposição à codificação 
 
Convencido de que os códigos fossilizam o Direito, SAVIGNY se opôs à 
codificação, travando célebre polêmica jurídica com THIBAUT. Coube àquele 
lançar as bases da chamada Escola História do Direito, anteriormente citada. 
Antes de SAVIGNY, também na Alemanha, REHBERG se insurgiu contra a 
codificação. 
 
THIBAUT, professor da Universidade de Heidelberg, publicou, em 1814, 
o livro Sobre a Necessidade de um Direito Civil Geral para a Alemanha, em 
defesa da codificação do Direito nacional. Em resposta, e no mesmo ano, 
 38 
SAVIGNY publicou o livro Da Vocação de Nossa Época para a Legislação e a 
Ciência do Direito, combatendo as ideias de THIBAUT. 
 
Como lembra GUSMÃO, para SAVIGNY “a certeza do Direito e a sua 
unidade não são alcançadas [...] com os códigos, que petrificam o Direito, mas 
com o progresso da Ciência do Direito, desde que ela reflita o sentimento 
jurídico, a consciência jurídica do povo e as suas reais necessidades” (2011, p. 
140). 
 
Embora a crítica de SAVIGNY tenha sido importante para a Filosofia do 
Direito e para a própria Ciência do Direito, ela não teve força para impedir o 
avanço da codificação do Direito, na Alemanha e no ocidente em geral. Da 
polêmica saiu-se THIBAUT vencedor. A codificação moderna, partindo da 
França, ganhou a corrida contra o Direito Comum (Direito romano adaptado 
pelos glosadores às necessidades europeias desde a Idade Média até o século 
XIX) e contra o Direito