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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SERGIPE 
CURSO DE DIREITO 
 
Aracaju, 09 de janeiro de 2023. 
 
 
Prezado (a) aluno (a), 
 
 
A disciplina Introdução ao Estudo do Direito II, DIRE 0216, na turma 2, sob a 
minha docência, será, como antes o fora IED I, ministrada com a utilização da presente 
apostila, ao longo deste semestre letivo (2022/2), tomando por base os livros constantes 
da bibliografia indicada para a disciplina em apreço, mas, abordando, também, vários 
outros livros, conforme constam das referências bibliográficas, ao final da apostila. 
Contudo, quero mais uma vez lembrar que uma apostila não poderia ter a 
pretensão de esgotar os assuntos constantes do conteúdo programático. Assim, a presente 
apostila é tão somente um roteiro a ser seguido. Nada mais do que isso. Há alunos (as) 
que, infelizmente, se limitam à apostila. E outros nem tanto. Claro que, nesse caso, podem 
não lograr êxito na disciplina. Logo, para uma melhor compreensão do texto apostilado, 
e, especificamente, para melhor sedimentar os conhecimentos relativos à disciplina, 
objetivando, inclusive, um bom resultado nas provas, faz-se necessário aprofundar o 
estudo por meio dos livros que integram a bibliografia básica e daqueles livros indicados 
pelo professor. Isso é o mínimo. E sem esse mínimo, o seu aprendizado e a respectiva 
aferição ficarão seriamente prejudicados. 
Você sabe que os livros nem sempre tratam de todos os assuntos, ou, às vezes, 
não o fazem a contento. Portanto, não espere encontrar tudo que precisa em um só livro. 
E lembro que, se queira ou não, cada um dos alunos ou um grande profissional do Direito 
não será nada, absolutamente nada, se não for, sobretudo, um grande cidadão, na essência 
da palavra. Se não compreender, no mínimo, que todos são iguais perante a lei. Essa 
igualdade deve ser exercitada e defendida por todos e para todos. Quem entender diferente 
disso, não será digno do Direito. E parodiando Tobias Barreto, “poderá até mesmo ganhar 
o pão, mas certamente não ganhará honra”. Resta saber se a lei é igual para todos. No 
Brasil de agora, parece que não. Isso, porém, não deve demover a nossa crença no Direito 
e na Justiça. 
 
Cordialmente, 
 
 
José Lima Santana 
Professor 
 
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P R O G R A M A D A D I S C I P L I N A 
 
I - CONTEÚDO PROGRAMÁTICO (de acordo com o ementário da 
disciplina, na forma do que consta do projeto pedagógico do curso, que, por 
dever de ofício e por respeito aos alunos, eu cumpro). 
 
1 Conhecimento Jurídico 
 
2 Técnica Jurídica 
 
3 Teoria do Ordenamento Jurídico 
 
4 Escolas do Pensamento Jurídico e Teorias Jurídicas Pós-positivistas 
 
5 Hermenêutica Jurídica. Obrigatoriedade e aplicação da lei 
 
6 Hierarquia e constitucionalidade das leis 
 
7 Interpretação da lei: espécies e resultados 
 
8 Procedimentos de integração 
 
9 Eficácia da lei no tempo 
 
Observação: achei por bem juntar os conteúdos dos itens 5 e 7, pois entendemos 
que os mesmos devem ser ministrados em conjunto: interpreta-se a lei para aplicá-la. Por 
outro lado, acrescentamos o item Relações Jurídicas, no final, como meio complementar 
ao que foi estudado em IED I, referente ao Direito Subjetivo e, também, a fim de 
proporcionar uma ponte para a parte introdutória ao Direito Civil. 
 
II – OBJETIVOS DA DISCIPLINA 
 
São objetivos da disciplina: 
 
a) Geral 
 
– Sequenciar o processo de adaptação do aluno ao curso jurídico. 
 
b) Específicos 
 
– Apresentar as diferentes escolas do pensamento jurídico; 
 
– Ensinar sobre a hermenêutica jurídica; 
 
– Ensinar sobre a interpretação a aplicação das leis. 
 
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III – METODOLOGIA E RECURSOS 
 
A disciplina será ministrada através de aulas expositivas com 
discussões coletivas. Os discentes serão encorajados a participar dos debates, 
pois a aula não deve ser um monólogo. Serão utilizados esta apostila e os 
textos que o professor indicar. 
 
IV – CRITÉRIOS DE AVALIAÇÃO E FREQUÊNCIA 
 
A avaliação será feita por meio de duas avaliações, por meio de 
trabalhos escritos em número que o professor solicitar. A frequência às aulas 
síncronas será também forma de avaliação. 
 
V – BIBLIOGRAFIA BÁSICA 
 
1. DINIZ, Maria Helena. Compêndio de Introdução à Ciência do Direito. 21 
ed. São Paulo: Editora Saraiva, 2010. 
2. GUSMÃO, Paulo Dourado de. Introdução ao Estudo do Direito. 44 ed. 
Rio de Janeiro: Editora Gen/Forense, 2011. 
3. FERRAZ JR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito. 5 ed. 
São Paulo: Editora Atlas, 2007. 
4. NADER, Paulo. Introdução ao Estudo do Direito. 33 ed. Rio de Janeiro: 
Editora Gen/Forense, 2011. 
5. REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27 ed. 9 reimpressão. 
São Paulo: Editora Saraiva, 2009. 
 
VI – BIBLIOGRAFIA COMPLEMENTAR 
 
 Toda aquela referenciada no texto apostilado. 
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1 CONHECIMENTO JURÍDICO 
 
1.1Conhecimento científico 
 
Estudamos em IED I que o termo ciência tem caráter não unívoco, ou 
seja, não apresenta um único sentido. Ao menos é o que afirmam alguns 
estudiosos com base no fato de que a ciência, no geral, assim mesmo deve 
ser entendida. Outros, em contrapartida, consideram o caráter unívoco da 
ciência. Compreendemos que há de prevalecer a primeira impressão, com 
respeito aos que pensam o contrário. Sabe-se que a ciência é constituída por 
um conjunto de enunciados, que são constatações. 
 
O conhecimento científico procura dar às constatações um caráter 
estritamente descritivo, genérico, comprovado e sistematizado. Assim, o 
conhecimento científico constitui um corpo sistemático de enunciados 
verdadeiros. E faz oposição ao saber vulgar. Trata-se, pois, de um saber 
metodicamente fundado, demonstrado e, como dito antes, sistematizado. 
 
Em outras palavras, o conhecimento científico não é um saber pronto 
e acabado, mas, sim, um saber obtido e elaborado deliberadamente com 
consciência dos fins a que se propõe; é, enfim, saber metódico (pesquisa, 
experimentação, descrição). 
 
Bem explana HUGO DE BRITO MACHADO ao dizer que: 
 
O conhecimento é uma relação que se estabelece entre um objeto e um sujeito 
pensante, que o apreende e assim o faz seu conhecido. Como depende sempre das 
referências consideradas pelo sujeito, o conhecimento é sempre relativo. Essa 
relatividade, aliás, pode ser constatada facilmente em uma situação que 
costumamos colocar como exemplo em nossas aulas. Se todos os alunos, em uma 
sala de aula, fizerem, individualmente, a descrição da sala em que se encontram, 
seguramente teremos tantas descrições diferentes quantos são os alunos. Cada um 
dará ênfase a um aspecto do objeto, que é a sala, e por isto mesmo, embora a sala 
seja exatamente a mesma, teremos várias descrições diferentes. 
Com o Direito, enquanto objeto do conhecimento, ocorre coisa semelhante. 
Vários são os aspectos pelos quais pode ser conhecido, examinado, vivenciado 
pelas diversas pessoas, de sorte que são várias as suas versões (2004, p. 43-44). 
 
1.2 Concepções epistemológico-jurídicas referentes à cientificidade do 
conhecimento jurídico 
 
A Filosofia do Direito, enquanto epistemologia jurídica trata dos 
problemas inerentes à Ciência do Direito, delimitando o sentido de ciência, 
a especificidade do objeto e do método da especulação jurídico-científica, 
além de refletir sobre o caráter teórico, prático ou crítico do Direito. Como 
lembra MARIA HELENA DINIZ, partindo da sugestão de CARLOS 
5 
 
COSSIO, várias são as teorias espistemológico-jurídicas dos dois últimos 
séculos voltadas para a Ciência do Direito, compreendendo seis direções: 
racionalismo metafísico ou jusnaturalista, empirismo exegético, historicismo 
casuístico, sociologismo eclético, racionalismo dogmático, egologia 
existencial (2008, p. 35). Outras podem ser encontradas. 
 
EDITH MARIA BARBOSA RAMOS dá a seguinte contribuição para 
o debate acerca da análise que devemos fazer do Direito: 
 
Analisar o direito de modo científico,envolvido no fenômeno social, é de extrema 
importância para a compreensão da realidade jurídica e se faz objeto de análise de 
todos os estudiosos e aplicadores do direito que têm um mínimo de consciência 
crítica. O direito vinculado apenas à concepção dogmática tem falhado nos seus 
objetivos fundamentais, quais sejam, a justiça e segurança sociais, o que ocasiona, 
ainda, o distanciamento de seu escopo socioeconômico (consagração de uma 
igualdade concreta, e não meramente formal, e que ao mesmo tempo não resulte 
num prejuízo da liberdade). Vinculado a uma relação absolutamente positivista, o 
direito direciona-se a uma estrutura dominadora e autoritária (2003, p. 2). 
 
É óbvio que os positivistas dogmatizados em excesso não pensam 
assim. Observamos, nos diversos livros de Direito, a partir dos que tratam da 
parte introdutória, que a formação dos nossos juristas, em maioria, tem sido 
caracterizada pelo dogmatismo. Estes acabam inibidos de “analisar 
criticamente as antinomias, as lacunas, os defeitos, as falhas e a 
incompletude do direito, [impedindo-os] de posicionar-se criticamente no 
dever de superação dos problemas e conflitos sociais”, como diz a autora 
acima citada (2003, p. 3). E diz mais: “Dessa forma, constata-se, a alienação 
do próprio direito, que se conforma em afirmar e reafirmar suas verdades 
como válidas, semelhantes a dogmas de uma fé religiosa” (RAMOS, 2003, 
p. 3). 
 
É preciso enfatizar que uma ciência deve conter teoria, juízos e 
princípios. A teoria é a essência de qualquer ciência. Não pode haver ciência 
sem pressupostos. Logo, a ideia de princípio (pressuposto) é essencial à 
ciência. Quanto aos juízos são eles apreciações da realidade, ou seja, “algo”, 
que pode negar ou afirmar sua qualidade (qualidade de ciência). Enfim, os 
juízos são os enunciados. Os princípios dão a formação da base científica. 
 
1.3 O Direito como objeto de conhecimento: perfil histórico 
 
1.3.1 Direito e conhecimento do Direito: origens 
 
A visão do Direito como simbolismo remete às noções de: a) Direito 
como ideia de retidão e equilíbrio; b) Direito como símbolo de retidão e 
equilíbrio. Noções, contudo, vagas e que, por isso mesmo, exigem algumas 
6 
 
precisões. Portanto, partindo-se da Grécia, a palavra grega diké (que, como 
sabemos, designava a deusa da Justiça) derivava de um vocábulo 
significando “limites à terra de um homem”. Daí veio outra conotação: 
aquilo que é ligado ao próprio, à propriedade, ao que é de cada um. Donde 
se seguia que o Direito se vinculasse também “ao que é devido, ao que é 
exigível e à culpa”. Culpa daquele que afrontasse as normas jurídicas. Na 
mesma conotação encontram assento a propriedade, a pretensão e o pecado. 
Na sequência dessa conotação viriam o processo, a pena e o pagamento. 
 
Desta forma, diké era o poder de estabelecer o equilíbrio social, de 
maneira abrangente. Nas sociedades primitivas esse poder estava dominado 
pelo elemento organizador através, de início, do princípio do parentesco. O 
princípio valia para as relações políticas (sucessão do poder → trono), 
econômicas (sucessão econômica → herança) e culturais (conhecimento 
passado de geração a geração). 
 
Produzia-se, então, uma segmentação que organizava a comunidade 
em famílias, grupos de famílias, clãs, grupos de clãs. Dentro da comunidade, 
todos eram parentes; o não-parente era uma figura esdrúxula. As alternativas 
de comportamento eram pobres: isto ou aquilo; tudo ou nada (FERRAZ JR., 
2007, p. 52-53). 
 
1.3.2 O indivíduo, a comunidade e a ordem 
 
 Na comunidade, o indivíduo só era alguém por causa de sua 
pertinência parental ao clã. O poder de estabelecer o equilíbrio social ligava-
se ao parentesco. No Direito arcaico só havia lugar para a única ordem 
possível: a ditada pela divindade e, por isso, sagrada. Logo, o Direito era a 
ordem querida (e não criada) por uma divindade. Como ordem não criada, 
mas, sim, querida, o Direito obrigava tanto o homem quanto a divindade, que 
o defendia, o impunha, mas não o produzia nem o modificava. A ideia de um 
Deus criador surgiu na tradição judaica e passa, depois, à tradição cristã 
(FERRAZ JR., 2007, p. 53). 
 
1.3.3 O Direito como forma rígida de distribuição social 
 
 O estabelecimento do “que é de cada um”, isto é, o “seu” de cada qual 
(aquilo que é devido), variava conforme a posição social. Firmava-se a 
predileção pelo Direito como uma forma rígida de distribuição social. Quem 
contrariava essa forma (o contraventor) era imediatamente expulso da 
comunidade. Em suma: ou se estava dentro dela (comunidade) e, portanto, 
com o Direito, ou se estava fora dela, ou seja, contra o Direito. O Direito, 
assim, confundia-se com os modos característicos de agir do povo. Os usos 
e costumes manifestavam-se na forma de regras gerais. O Direito era 
7 
 
percebido, primariamente, quando o comportamento de alguém ou de um 
grupo infringia a expectativa consagrada pelas regras. 
 
 Apareceram, então, sacerdotes ou juízes esporádicos que, como 
guardiões do Direito, regulavam sua aplicação. Mas esta (a aplicação) não se 
separava do próprio Direito. Diante disto, o conhecimento do Direito não era 
algo separado dele (do Direito). O conhecimento do Direito e a sua prática 
(de aplicação) não se distinguiam. Confundiam-se a guarda, a aplicação e o 
saber do Direito. 
 
1.3.4 O desenvolvimento das sociedades e o Direito 
 
 O desenvolvimento das sociedades pelo aumento quantitativo ou pelo 
aumento da complexidade das interações humanas possíveis levou à 
substituição do princípio do parentesco (por sua pobreza, isto é, pela sua 
restrição) como base da organização social. Nas culturas antigas (China, 
Índia, Grécia, Roma) apareceram, por exemplo, os mercados. E estes 
possibilitaram o atendimento das necessidades entre os não-parentes. 
 
A posição do comerciante deixava de ser determinada por uma 
situação na família, no clã. O comércio deixava de ser uma atividade só 
permitida aos patriarcas. Começava a aparecer o domínio político, 
localizado em centros de administração. Esse domínio político diferenciava-
se da organização religiosa, guerreira, cultural etc. (FERRAZ JR., 2007, p. 
53). As primeiras cidades edificadas foram importantes para esse estágio do 
desenvolvimento das sociedades. 
 
1.3.5 O primado do centro político 
 
 A primazia do centro político teve grande importância para o Direito 
como poder de estabelecimento do equilíbrio social. As comunidades 
organizaram-se como sociedade política (polis), criando-se uma forma 
hierárquica de domínio baseada em prestígio. Essa forma hierárquica levava 
a símbolos que determinavam quem era quem na sociedade, relações de 
status, modos distintos de linguagem etc. De tal forma, o Direito que 
ordenava, que regrava, passou a ligar-se aos homens como tais: os homens 
como seres livres. A liberdade era, assim, um status próprio do cidadão. 
 
1.3.6 As fórmulas prescritivas 
 
 A transformação do centro político exigia que o Direito se 
manifestasse através de fórmulas prescritivas de validade permanente. Essas 
fórmulas prescritivas não se prendem mais às relações de parentesco, porém 
reconhecem certos modos de escolha (liberdade participativa). O Direito, 
8 
 
então, firmava-se como uma ordem que alcançava todos os setores da vida 
social (político, econômico, religioso, cultural etc.), mas com eles não se 
confundia. Assim sendo, tornava-se possível contrapor o sacerdote ao 
guerreiro, o pai ao filho, o comerciante ao governante, sem que o Direito, de 
antemão, se identificasse com um ou com outro. 
 
 O contraventor, então, deixava de ser banido da comunidade, para 
invocar esse mesmo Direito que alguém levantou contra ele, dentro da 
comunidade, e não fora dela (tratava-se do direito de defesa, que, hoje, se diz 
ampla, conforme dispõe o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal). Na 
comunidade que o acusava, ele se defendiaaté provar ou não a sua inocência. 
Como ordem (ou ordenamento), o Direito perdeu seu caráter maniqueísta (o 
lícito como bem e o ilícito como mal), herança das religiões. O tratamento 
que passou a ser dado a quem tinha comportamento desviante era regulado, 
passando por procedimentos decisórios. Surgiram as formas de jurisdição: 
partes, advogados, juízes, tribunais etc. O Direito abarcou o lícito e o ilícito, 
pois este (ilícito), embora proibido, era também um comportamento jurídico 
(que interessava ao Direito, para a devida punição). 
 
1.3.7 O surgimento dos juristas 
 
 A procedimentalização do Direito fez surgir um grupo especializado, 
com um papel social peculiar: os juristas. Estes desenvolveram uma 
linguagem peculiar, com critérios próprios, formas probatórias etc. 
Separaram-se outras formas de exercício do poder (político, econômico, 
religioso) do exercício do poder argumentativo. A partir daí nasceu a arte de 
conhecer, elaborar e operar o Direito. 
 
1.3.8 Conquista tardia da cultura humana 
 
 O conhecimento do Direito como algo diferenciado dele, foi, pois, 
uma conquista tardia da cultura humana. Passou-se a diferenciar o direito-
objeto do Direito-ciência, exigindo que o fenômeno jurídico alcançasse uma 
abstração maior, desligando-se de relações concretas, como as de parentesco 
(o pai não tinha poder de vida e morte sobre o filho apenas por que era pai; 
havia, ali, uma relação jurídica). 
 
 Como programa decisório, o Direito fez surgir a possibilidade de o 
direito-objeto separar-se de sua interpretação, de seu saber, de suas figuras 
teóricas e doutrinárias que criaram técnicas de persuasão, de hermenêutica, 
que distinguiam entre leis, costumes, religião etc. 
 
 
9 
 
1.3.9 O saber jurídico não linear 
 
 O desenvolvimento do saber jurídico não é linear. Em diferentes 
culturas, ele se faz na forma de programas e de recuos. Acompanhar esse 
desenvolvimento é tarefa que ultrapassa uma introdução ao estudo do 
Direito. Mas para compreender o direito-objeto é importante mostrar como 
uma cultura teorizou o próprio Direito. Quem tem a missão de conhecer o 
Direito deve tomar em suas mãos o seu entendimento. Para o estudante, o 
ponto inicial é a própria dogmática, ou seja, o modo como paulatinamente 
ela se formou (FERRAZ JR., 2007, p. 53-55). 
 
1.4 O desenvolvimento do pensamento dogmático 
 
1.4.1 Os Direitos dos povos sem escrita 
 
Antes de adentrarmos na questão da dogmática, vamos abordar, ainda 
que superficialmente, a questão dos Direitos dos povos pré-históricos, ou 
seja, que viveram antes da invenção da escrita. Esses povos tiveram mesmo 
Direitos constituídos? Muitos estudiosos não os admitem como lembra 
JOHN GILISSEN, professor da Universidade de Bruxelas: 
 
Numerosos juristas contestaram mesmo que os povos sem escrita possam ter um 
sistema jurídico porque eles não encontram aí instituições tais como definidas nos 
sistemas romanistas ou de common Law, por exemplo, a noção de justiça, de regra 
de direito (rule of Law), de lei imperativa de responsabilidade individual. Marx e 
Engels consideram, sob influência do pensamento de Hegel, que o direito está 
ligado ao Estado e afirmam que não há direito nos grupos sociais que não 
atingiram o estádio de organização social (1995, p. 36). 
 
O autor, contudo, acredita na possibilidade descartada pelos pais do 
Manifesto Comunista: 
 
Mas, sob a influência dos trabalhos dos etnólogos e dos sociólogos, admite-se 
agora em geral que os costumes dos povos sem escrita têm um caráter jurídico 
porque existem aí meios de constrangimento para assegurar o respeito das regras 
de comportamento. Admite-se assim que não existe uma noção universal e eterna 
de justiça, podendo esta noção variar com o tempo e com o espaço (1995, p. 36). 
 
Comentando o pensamento de GILISSEN, diz PAULO DE BESSA 
ANTUNES: 
 
John Gilissen admite a existência do direito nos povos sem escrita, chegando 
mesmo a arrolar as suas características básicas: a) é limitado o seu grau de 
abstração; b) os direitos são muito variados em razão do isolamento das 
comunidades que os adotam; c) guardam semelhanças entre si e d) guardam 
imensa proximidade com as normas religiosas, sendo praticamente impossível 
distingui-los (1992, p. 21). 
10 
 
 
1.4.2 Direitos da Antiguidade 
 
Os mais antigos escritos de natureza jurídica datam de mais de dois 
mil anos antes de Cristo. Vieram do Egito e da Mesopotâmia. Até o fim do 
século XIX nada se conhecia dos Direitos da Antiguidade, a não ser o Direito 
romano, o Direito grego e o Direito hebraico. As descobertas arqueológicas 
a partir do início do século XX trouxeram vários textos jurídicos do Egito e, 
sobretudo, da Mesopotâmia. Daremos voz a GILISSEN: 
 
O Egito não nos transmitiu até à data códigos nem livros jurídicos; mas foi a 
primeira civilização na história da humanidade que desenvolveu um sistema 
jurídico que pode chamar-se individualista. Rompendo com as solidariedades 
ativas e passivas dos direitos arcaicos e feudais, o direito egípcio da época da III 
à V dinastia (cerca de 3000 a 2600) e o da XVIII dinastia (1500-1300) parecem 
ter sido tão evoluídos e tão individualistas como o direito romano clássico. 
A Mesopotâmia foi o país que conheceu as primeiras formulações do direito. Os 
sumérios, os acadianos, os hititas, os assírios, redigiram textos jurídicos que se 
podem chamar de “códigos”, os quais chegaram a formular regras de direito mais 
ou menos abstratas. 
Os hebreus, situados entre o Egito e a Mesopotâmia, não atingiram um 
desenvolvimento do seu direito tão grande como os seus vizinhos; mas registraram 
na Bíblia, o seu livro religioso, um conjunto de preceitos morais e jurídicos que 
foram perpetuados, não somente no seu próprio sistema jurídico até os nossos dias, 
mas sobretudo no direito canônico, direito dos cristãos, e mesmo no direito 
muçulmano. 
A Grécia, como o Egito, não deixou grandes recolhas jurídicas, nem vastas 
codificações. Mas com os seus pensadores, sobretudo Platão e Aristóteles, fundou 
a ciência política, ou seja, a ciência do governo, da polis ou cidade; ela é assim a 
base do nosso direito público moderno (1995, p.51-52). 
 
BILLIER et MARYIOLI dão-nos esta impressão acerca do Direito 
grego: 
 
O objeto dos grandes legisladores gregos [no caso, Drácon, Sólon, Licurgo e 
Clístenes] é a politeia. Esse conceito [...] deve ser entendido em sentido amplo. 
Não corresponde exatamente, por exemplo, à expressão moderna ‘regime 
político’. Em grego antigo, o vocábulo politeia tem múltiplas acepções; 
organização política, constituição, vida política, política da cidade, república, 
democracia, poder político, governo, direito da cidade, direito político do cidadão. 
Contudo, é possível remeter o campo semântico do termo para uma definição 
global e fundamental: a politeia é a própria questão do direito, uma vez que ela 
orienta a questão das instituições e do direito de cidadania. Participar da politeia 
é simplesmente desfrutar de seus direitos; quer dizer, beneficiar-se do direito 
como tal. Note-se que se trata essencialmente do direito ‘público’ (2005, p. 53). 
 
Os romanos vão nos legar um portentoso monumento jurídico. Ainda 
GILISSEN: 
11 
 
Enfim Roma, na época da República e sobretudo no tempo do Império, fez a 
síntese de tudo o que os outros direitos da antiguidade não tinham trazido. Como 
os egípcios, os romanos realizaram, nos primeiros séculos da nossa era, um 
sistema jurídico que atingiu um nível inigualável até então. Muito mais que os 
mesopotâmicos, eles tiveram de formular as regras do seu direito e redigiram 
vastos livros de direito. Sobretudo os romanos criaram a ciência do direito; o que 
os jurisconsultos romanos dos II e III séculos da nossa era escreveram, serve ainda 
hoje de base a uma importante parte do nosso sistema jurídico. 
Antes dos romanos, os povos da antiguidade não puderam, parece, construirum 
sistema jurídico coerente; mas esta constatação é provavelmente a consequência 
da insuficiência das fontes jurídicas atualmente disponíveis. É possível que um 
dia a descoberta de novos documentos permita fazer recuar de vários séculos, ou 
mesmo milênios, o aparecimento de uma ciência do direito, baseada em princípios 
jurídicos gerais e abstratos (1995, p. 52). 
 
1.4.3 A jurisprudência romana 
 
I – Roma como referência inicial 
 
Examinando a dogmática jurídica dentro de um panorama histórico, 
tem-se como sua finalidade: a) identificar o papel que ela desempenhou na 
vida social; b) identificar o desenvolvimento do pensamento dogmático na 
cultura ocidental. O objeto dessa investigação é delimitado pelos argumentos 
da doutrina em justificar como a dogmática conseguiu afirmar-se. Antes de 
estudar as teorias dogmáticas, estudam-se as teorizações jurídicas que 
constituíram a Ciência Dogmática do Direito. 
 
No Brasil, parte-se das origens do pensamento jurídico europeu 
continental, excluindo-se, claro, o pensamento jurídico insular anglo-saxão. 
A referência inicial é sempre Roma. O Direito (jus) era tido como um 
fenômeno sagrado, desde a fundação daquela cidade. O Direito marcaria a 
cultura romana desde o começo. Como forma cultural sagrada, o Direito 
romano era o exercício de uma atividade ética. Era também a prudência, 
virtude moral do equilíbrio e da ponderação nos atos de julgar. De tal modo 
que a prudência ganhou relevância especial, recebendo a qualificação 
particular de jurisprudência (juris + prudentia). 
 
A jurisprudência romana desenvolveu-se num ordenamento jurídico 
que, na prática, dizia respeito a um quadro regulativo geral, pois a legislação 
romana restringia-se a regular matérias especiais. Surgiu, assim, o direito 
pretoriano (não legislado, no sentido de que não era advindo de leis votadas 
pelo Senado). 
 
 
12 
 
II – O direito pretoriano 
 
O direito pretoriano surgiu entre 201 e 27 a. C, e era produzido pelos 
pretores através dos editos (magistratuum edicta). Não era um direito 
legislado, pois o pretor não legislava, e, tecnicamente, não criava direito 
novo (lembrar de IED I: só a lei em sentido técnico cria direito novo), mas 
as suas decisões gozavam de proteção legal e com frequência serviam de 
fonte para novas regras de direito. Surgiu paralelamente ao ius civile, para 
complementá-lo e corrigi-lo. O direito pretoriano assim foi definido pelo 
famoso jurista romano Papiniano: Ius praetorium est quod praetores 
introduxerunt adiuvandi vel supplendi vel corrigendi iuris civilis gratia 
propter utilitatem publicam (O direito pretoriano é o que os pretores 
introduziram para complementar e corrigir o direito civil para a utilidade 
pública). O ius civile e o direito pretoriano seriam fundidos no Corpus Iuris 
Civilis. 
 
 O direito pretoriano representava apenas uma forma supletiva de 
ordem jurídica vigente. Servia para ajudar a superar ou corrigir o Direito 
Civil. E não se constituía de proposições jurídicas materiais. 
 
O edito do pretor (direito pretoriano) era formado por esquemas de 
ações para determinados fatos-tipos (lembrar o juízo disjuntivo de COSSIO, 
na apostila de IED I: Dado Ft [fato-tipo], deve ser P; não-dado P, deve ser 
SP) e por fórmulas para a condução de processos. Eram, a bem dizer, 
proposições jurídicas formais. Ao direito pretoriano faltavam certas regras 
como, por exemplo, regras de preenchimento de contratos. Também no 
aspecto de fórmulas, como no caso dos contratos de compra e venda, estas 
eram apenas espécies de molduras, que deveriam ser preenchidas para uma 
aplicação prática. Eram, pois, espécies de modelos de contratos. 
 
Na época da República e do Principado (antes da fase imperial) tudo 
isso ocorria. Os juízes que exerciam a jurisprudência eram leigos. Somente 
no período imperial, com a atuação dos jurisconsultos, que se transformaram 
na mais alta instância judicante do Império, surgiu a teoria jurídica, a partir 
do trabalho de juízes profissionais (FERRAZ JR., 2007, p. 55-56). Vide item 
4.8. 
 
1.4.4 A influência dos jurisconsultos 
 
A influência dos jurisconsultos deu-se sob a forma das respostas que 
eles davam às consultas que eram feitas por uma das partes, quando ocorria 
um conflito diante do tribunal. Isso já foi estudado em IED I, nas fontes do 
Direito. As respostas deles (responsa) constituem o início de uma teoria 
jurídica entre os romanos. 
13 
 
Os responsa, de início, continham pouca argumentação quando se 
tratava do desenvolvimento coordenado e lógico de premissas e conclusões, 
limitando-se a apoiar decisões posto que afirmadas por ilustres 
personalidades da vida jurídica romana. Mais tarde apareceriam o principia 
e o regulae por conta do grande número de responsa, que levava à escolha 
de premissas e ao fortalecimento das opiniões por meio de justificações. 
Advém daí o recurso a conhecimentos técnicos aprendidos dos gregos, tais 
como a retórica, a gramática, a filosofia etc. Alguns autores, contudo, 
contestam essa influência grega, atribuindo aos próprios romanos. 
 
Sobre o trabalho do jurisconsulto romano diz o norte-americano 
ROSCOE POUND: 
 
O jurisconsulto não tinha poder legislativo nem imperium. A autoridade de seu 
responsum, logo que a Lei deixou de ser uma tradição de classe, encontrar-se-ia 
em sua racionalidade intrínseca; no apelo que fazia à razão e senso de justiça do 
judex. Na frase grega, se acaso era direito, era-o por natureza (1965, p. 20). 
 
De qualquer forma, os romanos desenvolveram um modo peculiar de 
teorizar o Direito. Era um modo de pensar característico, que se podia 
chamar de jurisprudencial. A palavra jurisprudência – juris + prudentia, 
como anotado no item 1.4.3, uma das formas usadas pelos romanos, ao lado 
de disciplina, scientia, ars, notitia, para designar o saber jurídico – liga-se ao 
que a filosofia grega chamava de fronesis (discernimento). 
 
Fronesis era uma espécie de sabedoria e capacidade de julgar, e 
consistia numa virtude desenvolvida pelo homem prudente, capaz de avaliar 
soluções, apreciar situações e tomar decisões. Para o exercício da fronesis, 
era preciso o desenvolvimento de uma arte ou técnica no trato e no confronto 
de opiniões, proposições e ideias. Era o que Aristóteles chamava dialética. 
Dialéticos, segundo ele, eram discursos meramente verbais, mas suficientes 
para fundamentar um diálogo coerente (discurso comum). A dialética 
enquanto arte das contradições tinha por utilidade o exercício escolar da 
palavra, propiciando um método eficiente de argumentação (FERRAZ JR., 
2007, p. 56-57). 
 
1.4.5 O objeto do conhecimento jurídico 
 
1.4.5.1 Questionamento inicial 
 
Ao se estudar o objeto do conhecimento jurídico, um questionamento 
deve de início ser feito: o objeto em comento é o estudo das leis ou do 
Direito? Esta pergunta e outras afins nos levam a filosofar sobre o Direito. 
E não apenas uma é a resposta que se pode obter. Ao contrário, são muitas, 
14 
 
a depender da corrente doutrinária à qual se apega este ou aquele estudioso 
do Direito. 
 
Para HANS KELSEN e seus discípulos “o objeto do conhecimento 
jurídico é exclusivamente a norma”, ou seja, “o estudante do Direito estuda 
leis”. Para certos positivistas, liderados pelo inglês JOHN AUSTIN, seriam 
objeto do conhecimento jurídico “as leis, no exato sentido em que se costuma 
empregar esta palavra”. Para outros positivistas, seguidores do francês 
LÉON DUGUIT, seria o fato social o objeto do conhecimento jurídico. Mas 
para outro francês, FRANÇOIS GÉNY, seria a ação humana. Há uma 
posição intermediária provinda do italiano BENVENUTO DONATI, para 
quem o objeto do conhecimento jurídico é a ação humana enquanto regulada 
pela norma (MENDONÇA, 2002, p. 18). 
 
1.4.5.2 A norma jurídica 
 
O pensamento kelseniano de que a norma é o objeto do conhecimento 
jurídico tem raiz kantiana, ou seja, recebe influênciada obra de 
IMMANUEL KANT, embora KELSEN tenha afirmado que não conhecia 
essa obra quando escreveu a Teoria Pura do Direito. Se assim foi, ao menos 
não se pode ignorar que ele sofreu, no mínimo, uma influência indireta de 
KANT. O difícil é acreditar que KELSEN não tenha lido KANT. Todos, 
basicamente, o leram. 
 
Para o austríaco, “o pensamento humano não seria capaz de aprender 
a natureza do Direito, mas deveria limitar-se a um registro meramente 
fenomenal de sua realidade”. KELSEN partiu dessa compreensão. Dessa 
forma, a Ciência do Direito (por ele tida como pura) tem “como objeto o 
fenômeno jurídico, a aparência do Direito, por ele identificada com a norma 
jurídica”, como diz MENDONÇA, que acrescenta: 
 
Lamentavelmente, tornou-se impossível para KELSEN qualquer investigação 
sobre o Direito como fato social (objeto da Sociologia Jurídica e não da Ciência 
lógica do Direito) e, mais ainda, qualquer aprofundamento relativo à natureza do 
Direito, ou seja, sobre a Justiça (objeto específico da Filosofia do Direito). Pensar 
um Direito ideal, pensar como o Direito deveria ser, seria para ele, uma impureza 
metodológica, uma impureza em relação ao método científico (positivista) a que 
se autolimitava (2002, p. 20). 
 
Outros positivistas tinham o mesmo pensamento de KELSEN. Os 
exegetas (Escola Exegética do Direito) tinham na lei o objeto do 
conhecimento jurídico. Logo, conhecer a lei seria conhecer o Direito, como, 
aliás, afirmava DEMOLOMBE, que era professor: “Eu não conheço Direito 
Civil; ensino apenas o Código de Napoleão”. AUSTIN, na Inglaterra, e 
MERKEL, na Alemanha, ambos positivistas, asseguravam que o objeto do 
15 
 
conhecimento jurídico devia se limitar à lei. Porém, DUGUIT via no fato da 
solidariedade humana, e não na lei, o dado limite para a Ciência do Direito 
(MENDONÇA, 2002, p. 20). 
 
1.4.5.3 A ação humana 
 
FRANÇOIS GÉNY, diferentemente de outros positivistas, não via na 
lei, mas, sim, na ação humana, possuidora de juridicidade imanente, o 
objeto do conhecimento jurídico. Eis como MENDONÇA explica, e o faz 
muito bem, o pensamento de GÉNY a esse respeito: 
 
Partiu da distinção entre o dado e o construído no Direito. O dado seria a própria 
ação humana, com suas características específicas e imutáveis, que o Direito, 
enquanto construído [situado, portando, no mundo cultural, como foi estudado em 
IED I], enquanto técnica, pretenderia modelar. Essa técnica consistiria num 
conjunto de processos destinados: 
a) à confecção da norma jurídica (técnica legislativa); 
b) à sua aplicação (técnica judiciária); e 
c) à sistematização dos conceitos a ela relativos (técnica doutrinária). 
Processos técnicos do Direito seriam, por exemplo, as ficções e presunções (por 
exemplo, admitir que o homem, no dia em que atinge 18 anos de idade, adquire 
suficiente maturidade e passa a ser responsável). Processo técnico jurídico seria, 
também, a criação de categorias jurídicas, como a figura do crime e da 
contravenção, dos direitos reais, dos contratos etc. A ação legislativa não poderia, 
no entanto, desrespeitar o dado, a natureza, onde se encontram elementos 
imutáveis, físicos (como a situação geográfica, o clima etc.), biológicos (como a 
bissexualidade, a idade etc.), psíquicos (como a idade, a maturidade, a sanidade), 
ou ainda psicossociais (como as correntes de economia dominantes etc.). A 
juridicidade não brota para GÉNY da norma, não resulta da criação da lei, mas 
está ínsita na própria ação, no próprio ser. Numa afirmação manifesta de 
jusnaturalismo, a norma apenas a reconhece, se e quando, naturalmente, ela existe 
na ação (2002, p. 20-21). 
 
1.4.5.4 A ação humana enquanto regulada pela norma 
 
Para BENVENUTO DONATI o conhecimento jurídico tem como 
objeto “a ação humana regulada pela norma”. Ou seja, o Direito não se 
ocuparia nem da ação humana em si mesma, nem da norma, mas da norma 
aplicada à ação. A sua posição é eclética, isto é, mescla o aproveitável das 
posições anteriores (a norma jurídica e a ação humana). Mas, como em toda 
teoria mista ou eclética, essa teoria junta também as deficiências das outras 
duas. 
 
1.5 Filosofia da ação humana 
 
 Os positivistas e os normativistas kelsenianos não negam que a ação 
humana seja a base fundamental do Direito, como lembra MENDONÇA. E 
16 
 
diz ele que tão somente “por razões metodológicas, entendem que a Ciência 
do Direito não pode se ocupar dela (que seria objeto de outras disciplinas) 
e, por isso, deve ocupar-se apenas do fenômeno normativo” Acrescenta o 
autor citado que: 
 
Esta reflexão só pode ser feita em plano filosófico, tipo de reflexão com a qual o 
estudante de Direito deve acostumar-se o mais rápido possível (2002, p. 22). 
 
Partindo do filósofo francês MAURICE BLONDEL, o autor acima 
mencionado repete que “não existe no ser inércia total nem espontaneidade 
pura”. E mais: “Todos os seres estão permanentemente em ação. O ser que 
não age não é”. Até mesmo na pedra imóvel pode-se descobrir, no mínimo, 
o movimento atômico, “assemelhado ao movimento sideral das estrelas e 
planetas”. MENDONÇA disserta, filosofando: 
 
O ser humano participa também desse movimento. O existencialismo explorou ao 
máximo o fato de que nós não somos seres prontos, acabados, mas nos fazemos, 
na medida em que somos, e somos, na medida em que nos fazemos – isto é a 
existência. O que nos caracteriza e diferencia dos demais seres é nossa capacidade 
de um agir consciente e livre, um agir que brota de nossa interioridade, fruto de 
uma decisão interior. 
[...] 
Toda ação humana é condicionada pelo pensamento. A Psicologia Experimental 
explorou a interioridade expressa pela ação humana, a compulsória objetivação 
das ideias, chegando ao que se denominou a lei da motricidade das ideias: toda 
imagem representada num campo de consciência, tende a realizar-se, a tornar-se 
ato (2002, p. 22-23). 
 
Assim, para o pensador inglês G. K. CHESTERTON, “se o homem 
não age como pensa, acaba pensando como age”. 
 
MENDONÇA continua sua preleção: 
 
Todo comportamento humano é fruto de uma filosofia de vida. Viver é filosofar. 
Por isso, as palavras podem enganar, enquanto as ações revelam a verdadeira 
realidade de qualquer um. 
Voltando a BLONDEL, a ação humana é o lugar de encontro entre a causalidade 
e a finalidade. Como todos os demais seres, somos empurrados pelas leis de 
causalidade, mas, livremente, elegemos e buscamos nossos próprios fins. A força 
da liberdade faculta-nos a opção entre o bem e o mal, proporciona sermos mais e 
melhores, quando exercemos, adequadamente, nossa racionalidade e optamos em 
função dela, embora seja também ela que gera a possibilidade do mal, a vitória do 
irracional sobre o racional em nossas decisões. 
Nós somos feitos para o bem, para o justo, para a perfeição, para a realização dos 
valores de nossa natureza. Nós somos axiotrópicos, isto é, buscamos sempre os 
valores pelos quais e para os quais somos chamados. A ação boa ou justa não é 
convencional, fruto da vontade de alguém, fruto da lei, nem mesmo do poderoso, 
mas decorre de nossa natureza. A ação é essencialmente boa ou justa, 
17 
 
independentemente dos poderosos. A ação má ou injusta é um escândalo da 
natureza, que só o homem, graças a sua liberdade, pode criar (2002, p. 23). 
 
Diante do exposto, pode-se dizer que ação moral é a ação boa por sua 
natureza, estudada pela Moral. E ação justa é aquela que se dirige ao bem 
comum, nas relações intersubjetivas (relações de uns com outros), regidas 
pelas leis jurídicas e estudadas pela Ciência do Direito, que se ocupa da ação 
e do fato justos. 
 
1.6 Direito, estado e política 
 
1.6.1 Considerações preliminares 
 
 Muitas e diferentes são as concepções acerca das relações entre o 
Direito e o Estado, como veremos no item 1.6.2.2. 
 
 PAULO NADER sustenta que: “A visão do fenômeno jurídico não 
pode ser completa se não for acompanhadapela noção de Estado e seus fins”. 
Citando ALESSANDRO GROPPALI, diz, ainda, que, entre o Direito e o 
Estado, “há uma interdependência e compenetração” (2011, p. 129). Logo, 
nessa concepção, o Direito emerge do Estado, que é uma instituição jurídica. 
Este detém o poder político, que controla a produção jurídica e sua aplicação. 
Enquanto isso, a ordem jurídica estabelecida “impõe limites à atuação do 
Estado, definindo seus direitos e obrigações”, como acrescenta NADER (vide 
item 1.6.2.2 – III). 
 
1.6.2 Estado 
 
Vimos, em IED I, que se entende que o Estado é a mais complexa e 
perfeita das sociedades. Se, sociologicamente, o Estado é visto como uma 
espécie de sociedade, politicamente, ele é um ente jurídico. Já sabemos que, 
na definição clássica de GEORG JELLINEK, o Estado é “a corporação de 
um povo, assentada num determinado território e dotado de um poder 
originário de mando” (Apud SIQUEIRA JR., 2001, p. 28). 
 
A doutrina atual toma três direções para a compreensão e conceituação 
do Estado. 
 
I – Sociológica 
 
É a que analisa o Estado sob o aspecto social, abarcando os seus 
aspectos jurídico, econômico e espiritual, bem como o seu processo de 
formação e composição étnica; nessa visão, o Estado é objeto da Sociologia. 
 
 
18 
 
II – Política 
 
É a que se refere “à pesquisa dos meios a serem empregados pelo 
Estado, a fim de promover o bem-estar da coletividade, que é seu objetivo”; 
nesse aspecto o Estado é objeto da Política. 
 
III – Jurídica 
 
É aquela que analisa “a estrutura normativa do Estado, a partir das 
constituições até a legislação ordinária” ou infraconstitucional; assim, o 
Estado é objeto da Ciência Jurídica, e é exatamente isso o que nos interessa, 
neste estudo. 
 
1.6.2.1 Poder de mando 
 
 Dotado de poder de mando, o Estado avoca a si a criação do Direito, 
como foi visto, constituindo, assim, o chamado monismo jurídico. Aliás, 
como é sabido, cabe ao Estado enquanto unidade de poder, a aplicação da 
sanção jurídica. Como ordenação de poder, o Estado regula as formas e os 
processos de execução coercitiva do Direito. Esta é a visão tradicional, 
enfim, conservadora. 
 
1.6.2.2 Teorias sobre a relação entre o Direito e o Estado 
 
 Nesta disciplina não nos parece razoável descer a detalhes acerca das 
teorias que tentam justificar as origens e os fins do Estado. Disso hão de 
encarregar-se a Sociologia do Direito e a Teoria Geral do Estado, cabendo, 
aqui, a análise das teorias que dizem respeito à relação entre o Direito e o 
Estado. São elas: 
 
I - Teoria dualística 
 
Por esta teoria, Direito e Estado constituiriam duas ordens 
completamente distintas, ignorando-se mutuamente. Esta teoria é absurda, 
pois o Estado é uma instituição social, é uma pessoa jurídica, portanto, 
portador de direitos e deveres. E o Direito, por seu turno, só obtém 
efetividade graças à ação estatal. 
 
II – Teoria monística 
 
Assegura que Direito e Estado formam uma só entidade. HANS 
KELSEN é seu principal defensor. O Estado seria tão somente a 
personalização de uma ordem jurídica, antecedendo o Direito. A maioria da 
doutrina, contudo, afiança que o Direito, historicamente, antecedeu ao 
aparecimento do Estado. Ao menos o Direito rudimentar. 
19 
 
III – Teoria do paralelismo 
 
Essa teoria “afirma que Direito e Estado são entidades distintas, mas 
que se acham interligadas e em regime de mútua dependência” (NADER, 
2011, p. 137). Esta teoria parece ter sido ditada pelo bem senso. 
 
 Sobre as relações de interdependência entre o Estado e o Direito, deve-
se considerar esta lição de HUGO DE BRITO MACHADO: 
 
 Relações nas quais ora predomina o Direito, ora predomina o poder, em face do 
que a história nos oferece o testemunho da existência arbitrária, e de estados nos 
quais o poder é no mais das vezes exercido de forma arbitrária, e de estados nos 
quais o poder é no mais das vezes exercido segundo o Direito. Daí podermos falar 
em estados de arbítrio, para designar os primeiros, e em Estado de Direito, para 
designar os últimos (2004, p. 39). 
 
1.6.3 Arbitrariedade e estado de direito 
 
1.6.3.1 Arbitrariedade 
 
Pode-se dizer que “arbitrariedade é conduta antijurídica praticada por 
órgãos da administração pública e violadora de formas do Direito”, como 
ensina NADER (2011, p. 137). Ora, é preciso considerar que arbitrariedade 
e Direito não se conformam; são, portanto, ideias inconciliáveis. 
 
A arbitrariedade é caracterizada pelo fato de uma ação pôr-se de 
encontro à ordem jurídica estabelecida. Pode materializar-se mediante uma 
ação, quando o poder público, por exemplo, exorbita a sua competência, ou 
por omissão, que pode ocorrer na hipótese de um órgão administrativo 
negar-se à prática de um ato de sua competência. A violação do Direito 
pode atingir o aspecto de forma ou o de conteúdo, caracterizando, em 
ambos os casos, a infração jurídica. 
 
 No caso de violação da forma, pode-se tomar como exemplo o fato de 
o Poder Legislativo, numa determinada votação, não observar o quorum 
estabelecido por lei para aquele tipo de deliberação. Isso se verifica quando 
o quorum previsto seria maioria absoluta, ou seja, metade mais um da 
totalidade dos membros, mas a deliberação ocorreu por maioria simples, ou 
seja, metade mais um dos membros presentes à sessão em que se deu a 
votação. 
 
Já no caso do conteúdo, pode-se exemplificar com o fato de o Poder 
Executivo não respeitar os limites de sua competência e vir a dispor sobre 
assunto de competência do Poder Legislativo, ou seja, o conteúdo, 
legalmente, não lhe diz respeito (é o caso, p. ex., de o chefe do Poder 
20 
 
Executivo conceder o título de cidadania a alguém, cuja competência é 
legislativa). 
 
 É preciso fazer coro com HUGO DE BRITO MACHADO quando diz 
que na “elaboração das prescrições jurídicas o uso do conhecimento jurídico 
a serviço do arbítrio é extremamente perigoso, porque permite que o artífice 
da norma a construa de modo a, salvando as aparências, dar oportunidade 
para a prática do [próprio] arbítrio” (2004, p. 38). 
 
1.6.3.2 Estado de direito 
 
 Houve um tempo, no chamado ancien régime, no qual prevalecia o 
Estado de polícia, arbitrário, em que os cidadãos não gozavam de direitos 
fundamentais, devidamente protegidos pelo império da lei. Naqueles idos do 
absolutismo, imperava a vontade do monarca, cristalizada na expressão 
egocentrista atribuída ao rei LUIZ XIV: “L’ État c’est moi”. 
 
Com o advento da Revolução Francesa, em que os direitos dos 
cidadãos foram garantidos e o Estado foi estruturado seguindo o modelo dos 
poderes independentes e harmônicos, tal como concebido por 
MONTESQUIEU, tem-se que a ordem jurídica seja um conjunto orgânico 
coerente e bem definido. Nesse estágio, o Estado não é apenas um órgão 
sancionador, ou seja, não se limita a aplicar as sanções cabíveis aos 
transgressores da norma jurídica, mas se torna uma pessoa jurídica portadora 
de obrigações, exatamente porque se encontra fundado na lei, e em princípios 
jurídicos claros e previamente definidos. Nesse sentido, diz PAULO DE 
BESSA ANTUNES: 
 
Nos princípios jurídicos adotados pelo Estado de Direito Democrático prevalecem 
a impessoalidade e a generalidade. A lei não é mais a vontade singular de um 
governante ou grupo autocrático, a lei passa a ser concebida como fruto e 
consequência da própria nação que nela expressa a sua vontade, tida como vontade 
geral (1998, p. 89). 
 
 Não se quer dizer que, hoje, todos os Estados se constituem em Estado 
de Direito. Ainda há, lamentavelmente, Estados que vivem no limbo do 
arbítrio. E não são poucos. 
 
 HUGO DE BRITO MACHADO afiança que se poderia “entender 
como Estado de Direito aquele que é regulado por normas jurídicas”. Ora, se 
isso fosse levado em consideração, poder-se-ia dizer que “todo Estado seria 
Estado de Direito, pois todos os Estados são de algum modo regidos por 
normas”, como ele mesmodiz. E não é bem assim. Por exemplo, o Estado 
brasileiro, no período da ditadura militar (1964-1985) era regido por normas 
jurídicas. Nem por isso se constituía em Estado de Direito. 
21 
 
O raciocínio do jurista acima citado é complementado da seguinte 
maneira: 
 
Na verdade, somente se deve considerar Estado de Direito aquele dotado de 
regramento jurídico capaz de colocar limites ao poder, evitando as práticas 
arbitrárias dos governantes. Não basta a existência de um estatuto jurídico do 
poder, pois estatuto jurídico do poder e Estado de Direito na verdade não são 
sinônimos (2004, p. 40). 
 
Também, e, sobretudo, se pode falar em Estado de Direito, em toda 
sua plenitude, quando o povo participa da administração pública, quer pela 
escolha de seus legítimos representantes, na chamada democracia 
representativa, quer pela sua participação direta, na forma prevista em lei, 
no que se chama democracia participativa, que se manifesta por meio do 
controle social da Administração Pública. 
 
 Em memorável publicação, intitulada ‘Carta aos Brasileiros’, 
GOFFREDO TELLES JÚNIOR identificou o Estado de Direito por três 
pontos básicos: “por ser obediente ao Direito; por ser guardião dos direitos; 
e por ser aberto para as conquistas da cultura jurídica”. Por sua vez, com base 
no jurista alemão ULRICH KLUG, NADER afirma que “não haverá Estado 
de Direito quando uma pessoa puder exercer sobre outra um poder 
incontrolado” (2011, p. 139). 
 
 A característica essencial do Estado de Direito está na submissão 
deste à ordem jurídica estabelecida de forma legítima, e, especialmente, no 
cumprimento das decisões judiciais. 
 
 Mais uma vez, a lição de HUGO DE BRITO MACHADO, que, 
acertadamente, combate a edição (pelo Estado) de normas com eficácia 
retroativa em detrimento do cidadão: 
 
 A irretroatividade das leis, como princípio de garantia do cidadão, na verdade 
faz parte da própria essência do Direito. A irretroatividade das leis é o mínimo 
que um ordenamento jurídico pode oferecer para preservar a liberdade humana. 
A liberdade do ser humano, de se conduzir, conhecendo o significado jurídico e 
assim a consequência de seus atos. Sem o princípio da irretroatividade não existe 
ordenamento jurídico. Segurança, valor protegido pela irretroatividade, e justiça 
são valores universais e perenes que se confundem com a própria ideia de 
Direito. Integram a essência deste (2004, p. 41). 
 
Já o norte-americano JOHN RAWLS (1921-2002) diz: 
 
 O Estado de direito implica, sobretudo, o papel determinante de algumas 
instituições, assim como práticas judiciárias e legais que lhes estão associadas. 
Pode implicar, entre outras coisas, que todos os empregados do governo, 
22 
 
inclusive o poder executivo, sejam submetidos à lei, que seus atos estejam 
sujeitos a investigação judicial, que o poder judicial seja suficientemente 
independente e que a autoridade civil prevaleça sobre a autoridade militar (2000, 
p. 371). 
 
 Em tudo o que foi dito anteriormente repousa o Estado de Direito. 
 
 Apenas para fechar este item, lembramos que alguns juristas fazem a 
distinção entre Estado de Direito e Estado Democrático de Direito. No 
primeiro caso ter-se-ia o Estado regido por leis, pura e simplesmente; no 
segundo, ter-se-ia o Estado regido por leis legítimas. 
 
1.6.4 Conjugação estado/interesse dos cidadãos 
 
 JOSÉ FERNANDO DE CASTRO FARIAS lembra que, para HEGEL, 
“o Estado é bem constituído quando os seus fins gerais conjugam-se com o 
interesse peculiar dos cidadãos; um encontra no outro a sua satisfação e a sua 
realização: ‘o momento de tal união representa os períodos do seu (Estado) 
florescimento, da sua virtude, da sua força e de sua felicidade’” (2004, p. 
29). 
 
 Lembra MIGUEL REALE, discorrendo sobre o maior dos pensadores 
sergipanos, TOBIAS BARRETO, que ele considera “o maior dos pensadores 
do Nordeste”, que este nosso valoroso patrício disse que “o cidadão é a forma 
social do homem, como o Estado é a forma social do povo”, devendo o 
Estado ser “a sabedoria do poder” (1998, p. 182; 187). 
 
1.6.5 Política 
 
 Como já é amplamente sabido, o termo política provém de polis, 
politikós, significando tudo aquilo que diz respeito à cidade e, desse modo, 
ao cidadão no seu convívio social, segundo nos transmitiu ARISTÓTELES, 
o genial filósofo estagirita. 
 
 O jurista português MÁRIO BIGOTTE CHORÃO conceitua a 
política, em termos amplos, como “a atividade humana concernente à 
organização e governo da sociedade civil ou política, v.g., da comunidade 
que modernamente se define como Estado” (2000, p. 210). 
 
 É preciso salientar de pronto que Estado e Política são assuntos 
tratados em disciplinas apropriadas. Aqui interessa-nos apenas as relações 
de ambos com o Direito. 
 
 
23 
 
1.6.6 Direito e Política 
 
 VENOSA afirma que o aplicador do “Direito utiliza-se de leis 
elaboradas pelo Poder Legislativo e, por vezes, excepcionalmente, no Estado 
de Direito, pelo Poder Executivo. Nesse sentido, não pode ser esquecido que 
o Direito é um produto da Política. O operador do Direito também exerce 
uma função política. O Direito é, na verdade, um limitador da atividade 
política, pois, ao ser aplicado ao caso concreto, cerceia e limita a atividade 
política” (2006, p. 235). 
 
 Já DIMITRI DIMOULIS alerta para o fato de que os “políticos 
deveriam respeitar o Direito, que impõe o princípio da probidade na 
administração do dinheiro público, pune a corrupção e obriga a cuidar do 
bem-estar de todos. Dessa forma, o Direito aparece como um instrumento 
mais poderoso do que a vontade política” (2007, p. 119). 
 
 É importante conhecer as relações entre o Direito e a Política. Para 
tanto, é imperioso distinguir entre poder legítimo e ilegítimo. Legítimo é o 
poder que é exercido por quem foi autorizado por uma norma ou por um 
conjunto de normas, absorvidas e aceitas pela sociedade. Ilegítimo, por 
exemplo, é o poder paralelo estabelecido atualmente por sociedades 
criminosas que atuam no seio social. Tais sociedades também exercem o 
poder e a política, mas à margem do Estado. 
 
 Inegavelmente, a política gira “em torno do Estado e suas estruturas. 
Não resta dúvida que o Estado é a mais importante das instituições políticas 
(vide item 1.6.2). É no Estado que a política se realiza em toda sua magnitude. 
Não é o Estado, contudo, o reduto exclusivo da política, pois política existe 
onde está presente o relacionamento humano. Assim, há uma política na 
empresa, no local de trabalho, nas associações, nas pessoas jurídicas em 
geral, na família, nas escolas e nas universidades, nas ruas. O que importa, 
porém, como ciência política, é a política do Estado, que traça as normas e a 
direção da Administração” (VENOSA, 2006, p. 236). 
 
 A política do Estado é institucional, ou seja, cuida dos desígnios da 
nação. Como ser social e, por conseguinte, político, o homem comum faz 
política na escola, nas ruas, dentro de casa. Entretanto, somente a política do 
Estado cuida de estruturar as instituições. Mas a política também tem por fim 
agir como mecanismo de convencimento e, assim, procura transformar as 
instituições. Nesse sentido, as leis que emanam do Estado são reflexos de 
sua política. Verifica-se, portanto, que há uma estreita relação entre Política 
e Direito. 
 
 
24 
 
1.7 Direito da Política 
 
 Não se pode negar que o Direito é um instrumento da Política. No 
Direito existe uma esfera técnica e uma esfera política. Cabe à Política 
escolher um caminho e ao Direito cabe instrumentalizar esse caminho 
ensejando a realização das diretrizes políticas. Pode-se dizer, então, que 
existe o Direito da política. A Política serve-se do Direito para realizar seus 
objetivos. Há quem entende que nem todas as normas jurídicas têm cunho 
político, pois algumas normas são eminentemente técnicas. Todavia, as 
normas técnicas complementam as normas quetêm inspiração política. 
 
1.8 Crise da Política e Direito 
 
 Há, sim, uma crise da Política. Isto fica bastante acentuado quando se 
percebe que a sociedade é colocada à margem das discussões e decisões 
políticas, por aqueles que detêm cargos públicos e deles fazem uso não para 
a busca constante do bem-estar social, mas para que sejam trampolins para 
suas conquistas pessoais ou fins escusos. Percebe-se que há uma ligação 
estreita entre Política e Moral, pois ambas deixam transparecer a ideia de 
ação, de conduta. Porém, os critérios são diferentes, posto que nem sempre 
o que é obrigatório na Moral o é na Política. Nem sempre o que é moralmente 
lícito é politicamente correto. O ideal mesmo é que as condutas políticas se 
aproximem o quanto possível da Moral e com ela se harmonizem, sustentam 
alguns. Na visão de NORBERTO BOBBIO a dicotomia entre Política e 
Moral é impossível de ser equacionada no mesmo plano, no mesmo nível em 
que são colocadas outras esferas de conduta. Diz ele: 
 
Não que não tenham existido teorias que sustentaram a tese contrária, a tese na 
qual também a política se submete, ou melhor, deve se submeter, à lei moral, mas 
nunca puderam se firmar com argumentos muitos convincentes, e foram 
considerados tão nobres quanto inúteis (2000, p. 180). 
 
Em que pese o pensamento bobbiano, é preciso considerar que deve 
haver uma conduta na política, ou seja, uma ética, que sempre deve ser 
avaliada em cada momento histórico. CELSO ANTÔNIO CASTRO e 
LEONOR PEÇANHA FALCÃO, avaliando que cultura e desenvolvimento 
somente podem obter sucesso dentro do campo ético, dizem: 
 
Todo comportamento social deve pautar-se pela ética. No entanto, no domínio 
político, a ética é tida como algo extraordinário. É a posição inversa da obediência 
das leis. Os políticos falam da ética como se fosse uma virtude rara. Isso só 
denuncia que para eles o normal é desconhecê-la (2004, p. 15). 
 
 
25 
 
1.9 Política do Direito 
 
 Quando se fala em política do direito, fala-se, segundo CHORÃO, no 
“entrecruzamento do direito e da política [visando ao] estudo da adequação 
dos meios jurídicos, nomeadamente legislativos, à realização dos fins da 
sociedade política” (2000, p. 217). 
 
VENOSA alerta: 
 
Podemos distinguir dois conceitos de política do direito, ainda que intimamente 
relacionados. Há um primeiro conceito que diz respeito à determinação dos 
objetivos da atividade normativa indicados pela autoridade legislativa. Em um 
segundo conceito, podemos nos referir à política do direito como a técnica e os 
instrumentos jurídicos mais adequados para atingir os objetivos anteriormente 
fixados. Esses dois conceitos correspondem, sem dúvida, às principais atividades 
políticas dos agentes do Estado (2006, p. 241). 
 
 Pode-se afirmar, em princípio, que “o sujeito ativo da política do 
direito é o órgão constitucional dotado de legitimação política, 
principalmente o legislador, mas também, em menor grau, o Poder Executivo 
e o Poder Judiciário”, como diz VENOSA, acrescentando que o Estado “terá 
uma política do Direito tanto mais eficaz quanto maior for sua capacidade de 
alterar eficazmente os rumos estabelecidos, de acordo com as necessidades 
históricas”. Ou seja, o Direito é dinâmico porque dinâmica é a sociedade que 
o cria e dele depende para manter-se em ordem e paz (2006, p. 241). 
 
 VENOSA ainda afirma: 
 
 A capacidade de adaptação do Estado talvez seja hoje o maior obstáculo à sua 
correta atuação. Essa capacidade depende, por demais, como é óbvio, da cultura 
jurídica dos responsáveis pelo Estado. Cada vez mais há tendência, que deve ser 
tanto quanto possível sofreada, de invasão do direito público na esfera privada e 
na autonomia da vontade. Essa é uma tendência universal. Muitas vezes, sob a 
alegação de conceder-se maior proteção geral, violam-se a autonomia da vontade 
e os direitos fundamentais. A cada passo, essa política do Direito deve ser 
questionada (2006, p. 241-242). 
 
 É sempre bom lembrar que nenhum ordenamento estatal funcionará 
de forma adequada se não forem fornecidos aos cidadãos instrumentos 
procedimentais para a proteção de seus direitos. 
 
 JOSÉ EDUARDO FARIA, analisando a correlação existente entre 
Direito e Poder, em termos nitidamente tridimensionais, e dentro do tema ‘a 
política do direito’, salienta: 
 
De fato, dada a tensão existente entre as situações de conflito que existem na vida 
em sociedade, fica evidenciada a visão da correlação fundamental existente entre 
26 
 
direito e poder, em termos de solução normativa positivada: a ordenação dos fatos 
segundo valores, encontrando seu momento culminante num ato de poder que 
expressa a opção por uma, entre diversas proposições normativas, e instaura uma 
norma jurídica. 
 Daí o fenômeno da objetivação do poder, que está na essência do conceito de 
legalidade e na raiz da moderna ideia de Estado de Direito: o poder objetivado é 
aquele exercido de acordo com certas normas impessoais que se desligam das 
vontades que o prescreveram, convertendo-se em intencionalidades objetivadas. 
Esta ordenação dos fatos segundo critérios de valor é que permite entender o 
direito, como o faz Freund, como a intermediação entre as atividades políticas e 
os valores morais, ou seja, a ‘dialética entre a política e a ética’ (1978, p. 22). 
 
 
OBSERVAÇÃO: leitura obrigatória, inclusive para fins de avaliação: 
 
1. Nader: Capítulo XIII. 
2. Venosa: Capítulo 9. 
 
27 
 
2 TÉCNICA JURÍDICA 
 
2.1 Considerações preliminares 
 
 MIGUEL REALE afirma, com acentuada propriedade, que “a 
Revolução Francesa atinge um ponto culminante com a publicação do 
Código Civil de Napoleão”, o que se deu em 1804, para viger no ano 
seguinte. Esse Código Civil francês era “um monumento da ordenação da 
vida civil, projetado com grande engenho e não menor arte”, diz o mestre 
paulista (2002, p. 277). 
 
Um dos elaboradores do citado Código, PORTALIS (Jean-Étienne-
Marie - 1746/1807), reconheceu que o estatuto civil francês continha 
insuficiências e lacunas. Entretanto, os seus primeiros intérpretes e 
aplicadores não pensavam dessa maneira, considerando “que não havia 
parcela da vida social que não tivesse sido devida e adequadamente regulada, 
razão pela qual haviam sido revogadas todas as ordenações, usos e costumes 
até então vigentes” (REALE, 2002, p. 277). 
 
 Ora, já sabemos que naquele instante mesmo da edição do Código de 
Napoleão o monismo jurídico aflorava com vigor. A Escola Dogmática, 
também chamada Exegética ou Legalista, pregava a estreita observância dos 
ditames da lei. REALE mostra o porquê disso: 
 
Compreende-se essa atitude. A Revolução Francesa vinha declarar a igualdade de 
todos perante a lei e, ao mesmo tempo esfacelava os núcleos nos quais ainda 
subsistiam sistemas jurídicos particularistas com pretensão de ‘soberania’ perante 
o Estado. Os privilégios e as prerrogativas da nobreza e do clero desapareceram 
para que o Direito se revelasse apenas através da vontade geral. ‘Todos os direitos 
são fixados pela lei’, como expressão da vontade geral, proclamou Jean Jacques-
Rousseau, fundando criadoramente o pensar político do seu tempo. 
Surgia, assim, o Código Civil, como expressão da vontade comum, não admitindo 
qualquer concorrência por parte dos usos e costumes e, também, por parte de 
elaborações legislativas particulares (2002, p. 277-278). 
 
Como já estudamos, a lei foi elevada a um plano tão distinguido que, 
nos sistemas de inspiração romana, passou a ser a fonte única do Direito. 
Logo, o problema da Ciência do Direito “resolveu-se, de certa maneira, no 
problema da interpretação melhor da lei”, criando-se, de pronto, duas 
verdades paralelas: “o Direito positivo é a lei; e, outra: a Ciência do Direito 
depende da interpretação da lei segundo processos lógicos adequados” 
(REALE, 2002, p. 278). 
 
A interpretação da lei acabaria sendo a base da Escolada Exegese 
francesa, que, no decorrer do século XIX, prelecionou que na lei positiva 
28 
 
(elaborada pelo Estado, na concepção monista) repousava toda e qualquer 
possibilidade de uma solução para todos os casos concretos da vida social. 
Dependia de saber interpretar o Direito. A lei era o ápice, era tudo. 
 
O dever do jurista era ater-se ao texto legal. Fora dele não havia 
soluções possíveis. Estavam lançadas “as bases do que se costuma 
denominar Jurisprudência conceitual, por dar mais atenção aos preceitos 
jurídicos, esculpidos na lei, do que às estruturas sociais, aos campos de 
interesses aos quais aqueles conceitos se destinam” (REALE, 2002, p. 
278). 
 
 PAULO NADER anota que o homem para alcançar “os fins que 
deseja, necessita utilizar um conjunto de meios e recursos adequados, ou 
seja, de empregar a técnica”. E acrescenta: “Os antigos definiam-na como 
recta ratio factibilium (reta razão no plano do fazer), para distingui-la, 
consoante expõe a doutrina, da recta ratio agibilium (reta razão no plano 
de agir). Técnica, no dizer de Legaz e Lacambra, como lembra NADER, 
consiste no ‘conjunto de operações pelas quais se adaptam meios 
adequados aos fins buscados ou desejados’” (2011, p. 221). 
 
 A ciência dirige o conhecimento humano, ao passo que a técnica 
objetiva a atividade humana. 
 
2.2 Breve compreensão sobre a técnica jurídica 
 
Diz NADER que para que “o Direito cumpra a finalidade de prover o 
meio social de segurança e justiça, é indispensável que, paralelamente ao 
seu desenvolvimento filosófico e científico, avance também no campo da 
técnica”. Para ele, “somente com a conjugação da filosofia, ciência e 
técnica, a ordem jurídica pode apresentar-se como um instrumento apto a 
orientar o bem comum” (2011, p. 222). 
 
2.3 O que é técnica jurídica 
 
 Denomina-se técnica jurídica “o conjunto de meios e de 
procedimentos que tornam prática e efetiva a norma jurídica”. De tal forma, 
quando “o legislador [por exemplo] elabora um código, as normas ficam 
acessíveis ao conhecimento; ao desenvolver a técnica de interpretação, o 
exegeta revela o sentido e o alcance da norma jurídica; com a técnica de 
aplicação, os juízes e administradores dão efetividade à norma jurídica. 
Para cumprir as suas tarefas, o técnico obrigatoriamente deverá possuir o 
conhecimento científico do Direito” (NADER, 2011, p. 222). 
 
 
29 
 
2.4 Espécies de técnica jurídica 
 
 A Doutrina costuma distinguir, em parte, três espécies de técnica 
jurídica, a saber: técnica de elaboração, técnica de interpretação e técnica 
de aplicação. Alguns doutrinadores aludem à técnica doutrinária, 
“desenvolvida pelos juristas no preparo de seus trabalhos científicos e no 
ensino do Direito”, como salienta NADER. O mesmo autor considera, 
todavia, que a “elaboração de monografias está ligada às técnicas de 
comunicação de pensamento e o magistério do Direito às técnicas da 
didática especial” (2011, p. 223). Com ele comungamos plenamente. 
 
2.4.1 Técnica de elaboração 
 
 Diz respeito ao Direito escrito e se desdobra em técnica legislativa e 
processo legislativo. O processo legislativo foi estudado em IED I, no 
capítulo destinado às Fontes do Direito, no item referente à lei. Por 
oportuno, faremos uma ligeira apresentação da técnica legislativa, embora, 
no presente estudo, nos caiba, sobretudo, apreciar a técnica de interpretação 
e a técnica de aplicação. 
 
2.4.2 Técnica de interpretação 
 
 Objetiva revelar o significado das expressões jurídicas. É tarefa de 
todos os destinatários da norma jurídica, e não apenas de seus aplicadores 
(juízes, nos processos judiciais, e administradores, nos processos 
administrativos). O fim da técnica de interpretação consiste em propiciar 
ao espírito humano o conhecimento do Direito (normas escritas ou 
consuetudinárias). 
 
Os meios mais utilizados na interpretação do Direito são o 
gramatical, o lógico, o sistemático, o histórico, e, modernamente, o 
teleológico, que serão analisados adiante, no capítulo 5. 
 
2.4.3 Técnica de aplicação 
 
 Alguns autores a denominam técnica judicial. Sua finalidade é 
orientar os juízes e administradores, na tarefa de julgar. Aos juízes, claro, 
nos processos judiciais e aos administradores, nos processos administrativos. 
Essa espécie de técnica não se limita “à simples aplicação das normas aos 
casos concretos, mas compreende os meios de apuração das provas e 
pressupõe o conhecimento da técnica de interpretação”. Por tradição, “a 
aplicação do Direito é considerada um silogismo, em que a premissa maior 
é a norma jurídica, a premissa menor é o fato e a conclusão é a sentença ou 
decisão” (NADER, 2011, p. 223). 
30 
 
2.5 Conteúdo da técnica jurídica 
 
Segundo NADER, o jurista argentino ABELARDO TORRÉ (Apud 
NADER, 2011, p. 224) divide o conteúdo da técnica jurídica em meios 
formais e substanciais. 
 
Os meios formais são a linguagem (compreendendo os vocábulos, as 
fórmulas, o aforismo e o estilo), as formas e o sistema de publicidade. Quanto 
aos meios substanciais são: as definições, os conceitos, as categorias, as 
presunções e as ficções. 
 
2.5.1 Meios formais 
 
 Referem-se às formalidades e seus elementos estruturais, 
indispensáveis aos atos da vida jurídica. 
 
I – Linguagem 
 
 A linguagem é o instrumento básico do entendimento humano. O 
Direito depende da linguagem, pois ela expressa os modelos de 
comportamento a serem seguidos pelos indivíduos no seio social. Os textos 
legais devem ser redigidos numa linguagem sem distorções. Do contrário 
poderão advir distorções na aplicação da lei. Além das leis, as decisões 
judiciais, os contratos e outras modalidades de negócios jurídicos devem ser 
elaborados com simplicidade, clareza e concisão, sem perder-se de vista o 
estilo próprio do Direito e a precisão dos conceitos. 
 
a) Vocábulos: a linguagem jurídica deve buscar a conciliação entre os 
interesses da ciência e os referentes ao conhecimento do Direito pelo 
povo, evitando o tecnicismo desnecessário. Saliente-se, todavia, que a 
linguagem jurídica faz uso de vocábulos que lhes são próprios, como: 
debênture (forma de captação de recursos mediante a emissão de 
títulos; confere a seu detentor um direito de crédito contra a 
companhia emissora), codicilo (forma de declaração de últimas 
vontades, que se destina a disposições sobre coisas de pequeno valor, 
tais como funeral, legado de pequenos objetos etc.), anticrese (o 
devedor transfere ao seu credor a posse e os frutos do imóvel de sua 
propriedade; o credor colhe os frutos e abate o valor da dívida; é de 
pouco uso atualmente). Também são usados vocábulos de uso comum, 
mas com sentido jurídico específico, tais como repetição (direito do 
consumidor de receber valores pagos indevidamente; fala-se em 
repetição de indébito como decisão judicial), tradição (é a entrega 
efetiva da coisa móvel feita pelo proprietário-alienante ao adquirente, 
em virtude de um contrato, com a intenção de transferir o domínio), 
31 
 
penhor (quando alguém deixa algum bem em garantia de um 
empréstimo, como joias, por exemplo). 
 
b) Fórmulas: no passado o Direito era constituído por fórmulas de cunho 
religioso, que eram adotadas nos negócios jurídicos e nos atos 
judiciais. Tais fórmulas tendem a desaparecer, embora algumas ainda 
sejam usadas em termos judiciais e até mesmo em contratos 
particulares ou públicos. No caso do casamento, na forma do art. 1.535 
do Código Civil, exige-se que o presidente do ato profira esta fórmula 
sacramental: “De acordo com a vontade que ambos acabais de afirmar 
perante mim, de vos receberdes por marido e mulher, eu, em nome da 
lei, vos declaro casados”. 
 
c) Aforismos: são brocardos, sentenças breves e conceituosas, que ainda 
são usados nos trabalhos científicos, nas decisões judiciais, nas peças 
jurídicas em geral; certos aforismos são de origem romana: acessio 
temporis(acessão do tempo); ad argumentandum tantum (apenas para 
argumentar); ad nutum (à vontade, ao agrado); fumus boni juris 
(fumaça do bom direito); honoris causa (por título honorífico); in 
limine litis (no começo da lide); locus regit actum (o lugar determina 
o ato); summuum jus, summa injuria (suprema justiça, suprema 
injúria); sub judice (pendente do juiz); tempus regit actum (o tempo 
rege o ato); verbo ad verbum (palavra por palavra) etc. 
 
d) Estilo: o estilo jurídico deve ser sóbrio, simples, claro e conciso. A 
clareza da linguagem deve ser a preocupação do legislador e do jurista. 
“A beleza do estilo, diz NADER, se justifica apenas quando vem 
ornamentar o saber jurídico” (2011, p. 226). 
 
II - Formas 
 
 Afirma NADER que as “formalidades exigidas pelo ordenamento 
jurídico têm a finalidade de proteger os interesses dos que participam na 
realização dos fatos jurídicos, bem como a de manter organizados os 
assentamentos públicos, como o de registro das pessoas naturais e jurídicas 
e de imóveis” (2011, p. 227). 
 
 Há negócios jurídicos que só têm validade se forem produzidos de 
acordo com a forma prevista em lei. São os chamados atos formais ou 
solenes. Quando não há condição legal para a celebração do ato, este é tido 
como ato não formal. Na atividade jurisdicional é constante a formalidade, 
uma vez que o rito das ações judiciais é cheio de exigências formais, ditadas 
pelo Direito Processual. 
 
32 
 
III - Sistema de publicidade 
 
 Os atos da vida jurídica que afetam o bem comum devem constar de 
registros públicos e, quando necessário, devem ser publicados. Se esses atos 
que interessam ao convívio social ficassem na penumbra o Direito não se 
configuraria numa vitória dos povos civilizados. Dentre os atos jurídicos que 
devem ser publicados acham-se as fontes escritas do direito (leis, decretos 
etc.), fatos ligados à organização das pessoas jurídicas, atos do poder 
público, formalidades relativas ao casamento civil etc. Os atos que não 
precisam ser publicados, mas devem constar de assentamentos públicos são, 
dentre outros, as escrituras públicas lavradas nos tabelionatos, inscrições nos 
cartórios de registro civil (nascimento, casamento, morte etc.), registro de 
imóveis etc. 
 
2.5.2 Meios substanciais 
 
Esses meios são de natureza lógica e derivam do intelecto. 
 
I - Definições 
 
Não cabe ao legislador definir os elementos integrantes do Direito. 
Essa tarefa é própria da doutrina, a quem compete estudar, interpretar e 
explicar a fenomenologia jurídica, como, aliás, vimos em IED I. Definir é 
dar precisão ao “sentido de uma palavra ou revelar um objeto por suas notas 
essenciais”. Todavia, às vezes o legislador dá-nos certas definições, a fim de: 
a) evitar insegurança na interpretação, quando ocorre divergência doutrinária 
sobre a matéria; b) atribuir a um fenômeno jurídico sentido especial, distinto 
do habitual; c) apresentar um instituto novo, não divulgado suficientemente 
pela doutrina (NADER, 2011, p. 227-228). 
 
II - Conceitos 
 
Atenção para a explicitação de NADER: 
 
Conceito ou noção é a representação intelectual da realidade. Enquanto a definição 
é um juízo externo, que revela o conhecimento de alguma coisa mediante a 
expressão verbal, o conceito é um juízo interno, conhecimento pensante, que pode 
ou não vir expresso objetivamente por palavras. O termo lei é a expressão verbal 
de um conceito. Este consiste no fato de o espírito possuir a ideia de um objeto 
por seus caracteres gerais. Para que alguém possa definir um ser deve, 
primeiramente, possuí-lo intelectualmente, isto é, conhecê-lo (2011, p. 228). 
 
Os conceitos jurídicos têm a função de simplificar os textos 
legislativos e de lhes imprimir maior rigor e precisão lógica. É comum 
33 
 
recorrer-se aos conceitos de culpa, dolo, insolvência, justa causa, legítima 
defesa, contrato etc. 
 
III - Categorias 
 
 Com vistas à simplificação da ordem jurídica, dotando-a de 
sistematização e praticidade, a doutrina cria a categoria, que é um gênero 
agregador de várias espécies que têm afinidades comuns. Por exemplo: a 
pessoa jurídica de Direito Privado é uma categoria que reúne várias espécies 
tais como: sociedade civil, comercial, associações, fundações, organizações 
religiosas, partidos políticos, na forma do art. 44 do Código Civil (vide item 
9.13.2.2). As categorias são de grande utilidade à técnica dos códigos, vez que 
permitem ao legislador referir-se apenas ao gênero, ao invés de enumerar as 
várias espécies que o compõem. 
 
IV - Presunções 
 
 Buscando inspiração no Código Civil francês (Código de Napoleão), 
CLÓVIS BEVILACQUA definiu a presunção como a “ilação que se tira de 
um fato conhecido para provar a existência de outro desconhecido”. É 
considerar verdadeiro o apenas provável. Ou como diziam os romanos, 
“tomar-se por verdadeiro o fato antes de claramente demonstrado”. Usa-se 
muito a presunção de inocência, presunção de veracidade etc. 
 
 A presunção divide-se em: simples ou comum e legal. 
 
a) Presunção simples ou comum: também chamada “de homem”, é 
feita pelo juiz, baseado no senso comum, ao examinar a matéria de 
fato. A sua dedução deve ser feita com prudência e somente quando 
for possível fundar-se em matéria de prova. Segundo MOACYR 
AMARAL SANTOS, citado por NADER, dar-se-á tal presunção 
quando o “juiz, fundado em fatos provados, ou suas circunstâncias, 
raciocina, guiado pela sua experiência e pelo que ordinariamente 
acontece, e conclui por presumir a existência de um outro fato” 
(2011, p. 229). 
 
b) Presunção legal: é a estabelecida por lei e subdivide-se em: 
 
b1) absoluta: também denominada peremptória e juris et de jure 
(direito e de direito), não admite prova em contrário. Caso a parte 
interessada consiga provar o contrário, tal fato será insubsistente. 
Tomemos como exemplo o art. 163 do Código Civil, que configura 
esta espécie: “Presumem-se fraudatórias dos direitos dos outros 
34 
 
credores as garantias de dívidas que o devedor insolvente tiver dado 
a algum credor”. 
 
b2) relativa: chamada de condicional e juris tantum (até onde o direito 
permite), caracteriza-se por admitir prova em contrário. Como diz 
NADER, a “conclusão que a lei atribui a determinadas situações 
prevalece somente na ausência de prova em contrário”. Citamos como 
exemplo o art. 1.231 do Código Civil: “o domínio presume-se 
exclusivo e ilimitado, até prova em contrário”. 
 
b3) mista ou intermédia: a lei estabelece uma presunção que, em 
princípio, não admite prova em contrário, a não ser através de 
determinado tipo por ela previsto. No Código Civil atual pode ser 
citado o teor do art. 1.545 como exemplo da presunção legal mista: 
 
“O casamento de pessoas que, na posse do estado de casadas, não possam 
manifestar vontade, ou tenham falecido, não se pode contestar em prejuízo da 
prole comum, salvo mediante certidão do Registro Civil que prove que já era 
casada alguma delas, quando contraiu o casamento impugnado”. 
 
 V - Ficções 
 
Ocorrem as ficções quando o legislador, por necessidade, aplica a 
uma categoria jurídica o regramento próprio de outra. Dessa forma ele se 
utiliza do elemento ficção jurídica que, segundo FERRARA, “é um 
instrumento de técnica legislativa para transportar o regulamento jurídico 
de um fato para fato diverso que, por analogia de situações, ou por outras 
razões, se deseja comparar ao primeiro” (Apud NADER, 2011, p. 230). 
Exemplos: as embaixadas estrangeiras, por ficção jurídica, são 
consideradas como se elas fossem uma extensão do território de seus 
respectivos Países; os acessórios de um imóvel são móveis por natureza, 
mas recebem o tratamento jurídico próprio de imóveis. 
 
Observemos, entretanto, que a ficção jurídica não tem o condão de 
transformar em verdadeiro o que é evidentemente falso. Assim sendo, não 
procede a crítica de IHERING, para quem a ficção jurídica é a “mentira

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