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Livro Didático C6 - Habilidade 18

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Linguagens NÃO é interpretação
Competência 6
Habilidade 18
Linguagens, códigos e 
suas tecnologias
AUTORES:
Felipe Pereira Cunha | Gabriel Torres 
IMAGENS:
© pixabay.com
© pinterest.com
© FreeImagens.com
© Autores
CAPA:
Humberto Nunes
PROJETO GRÁFICO E 
DIAGRAMAÇÃO:
Vânia Möller | Cristiano Marques
DIREITOS RESERVADOS: 
© Felipe Pereira
“Todos os escritos (religiosos, políticos, literários, históricos e etc.) formam um gesto coletivo: é o próprio território do Texto 
traçado, colorido. Sigamos um momento, de artigo em artigo, a mão comum que, longe ajudar a escrever a definição do Texto 
(que não exsite: o Texto não é conceito), descreve (des-screve) a prática de escrita.
Visto que só se concretiza no significante, o Texto debate-se, frequentemente, com o significado, que tende a fazer ricochete 
sobre ele: se o significado triunfa, o texto deixa de ser Texto, e passar a ser um objeto lúdico daquilo que representa.”
O Rumor da Língua, Roland Barthes
HABILIDADE 18 
Identificar os elementos que concorrem para a progressão temática e para a 
organização e estruturação de textos de diferentes gêneros e tipos.
dO que é um texto?
 
A palavra “texto” vem do latim textilis¸ que 
estava ligada à ideia de “tecer”, “tecido”. Não 
à toa, “têxtil” também é com ‘x’, revelando a 
origem comum. Ou seja, texto – no sentido mais 
puro da palavra – é uma costura de palavra com 
palavra, como se houvesse um fio condutor que 
conectasse um vócabulo a outro, de modo a 
formar um contínuo estruturado, dando origem 
a algo transcende seu material inicial. 
Para que se estude com profundidade a estrutura 
textual, a escritura textual, a análise textual e 
etc. é necessário, antes de tudo, ir em busca de 
uma definição para isso que se chama texto. Em 
primeiro lugar, não há dúvidas de que um texto é 
uma congregação de palavras faladas ou escritas. 
Todo texto só nasce na língua, e por isso é (como 
tudo o que é na língua) simbólico. Mas em que 
momento essa aglomeração de palavras torna-
se um texto? O que promove, entre as palavras, 
a unidade textual? O que me faz entender que 
uma palavra se conecta a outra palavra específica 
(e nunca a qualquer outra)? Em que momento 
o milagre da estrutura do sentido se torna 
percptível? Como o significado transita entre os 
sujeitos por entre os corpos textuais?
Essas são perguntas que podem ser respondidas 
das mais variadas formas, por várias vertentes 
linguísticas diferentes – todas elas conseguindo 
compreender sempre um aspecto da língua (e 
portanto do texto), e nunca a sua totalidade (até 
porque a humanidade ainda não teve tempo para 
apresentar uma visão simples, óbvia e facilmente 
aplicável a tudo o que vem da língua). Por isso, 
nos limitaremos a compreender a seguinte lógica: 
sendo o texto um produto da língua e sendo a língua 
uma sistema simbólico, concluímos, sem esforço, 
que todo texto é simbólico, ou melhor: todo texto 
é um símbolo. Isto é, todo texto representa algo 
que não é o texto em si. Todo texto apresenta 
uma estrutura externa, física, visível (que são as 
próprias palavras interconectadas), e todo texto 
também apresenta uma estrutura submersa, 
parcialmente visível, turva, obscura, (que são 
os significados, as mensagens, as sensações, as 
interpretações: o próprio ser reagindo a tudo o 
que é textual). 
É possível supor que a verdadeira unidade 
mínima da língua seria o texto (e não a palavra, 
como supõe a maioria). A expressão verdadeira do 
uso da língua é o texto. Afinal, a palavra, isolada, 
não tem muita efetividade semântica; a palavra, 
por si só, é um pacote de sentidos que não se 
realiza sem estar concatenada a outras palavras. 
Sem ancorar-se umas nas outras, as palavras são 
ilhas utópicas de sentido e não nos dizem nada, 
não se realizam. É no texto que o sentido existe 
e somente em função do texto que a transmissão 
de sentidos acontece por meio da língua.
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Esses são textos que tentam formar 
uma maneira de compreender a 
morte e a vida fora da carne, fora dos 
corpos, fora da materialidade. São 
textos que lidam com o que estaria 
do “lado de lá”. Por isso, ancoram-
se em evidências santas, sagradas, 
transcendentais, extracorpóreas. 
O que todos têm em comum é, 
de alguma forma, pregar o bem, 
a paz consigo mesmo e com sua 
comunidade, a conservação da vida. 
O que importa, para nosso estudo, 
é que todos eles se subordinam à 
língua e, portanto, à estrutura textual.
dO Texto e a legitimação dos pensamentos
Quando a palavra vira texto, ela ganha vida, for-
ma, ação, sentido, causa e efeito; ganha também 
temporalidade, pois é enunciada, se organiza, se 
estrutura: existe. Não se sabe exatamente desde 
quando a língua existe. Há poucas evidências his-
tóricas que permitam exatificar quando e onde 
surgiu a comunicação por meio de um sistema 
sonoro simbólico; porém, não saber desde quan-
do a língua existe, não nos impede de afirmar, ca-
tegoricamente, que ela existe e que nos inflencia 
individual e coletivamente. As manifestações lin-
guísticas revelam nossas relações de poder, nossas 
formas de compreender o mundo, nossos medos, 
nossas visões acerca da vida e da morte: enfim, 
tanto os textos que escrevemos e falamos como o 
que lemos e ouvimos nos fazem ser quem somos: 
a língua nos ajuda a moldar o caráter e a individua-
lidade. Estaria eu afirmando que analfabetos não 
apresentam existência linguística pelo simples fato 
de que não leem? Absolutamente, não. Todo ser 
humano (mesmo não sabendo ler e escrever, mes-
mo escrevendo e lendo com pouca frequência e 
eficiência) tem uma língua, pois apresenta comu-
nicação articulada, sabe se expressar por meio da 
fala, sabe reconhecer sentimentos e intenções por 
meio da observação da fala dos outros. Ou seja, 
todo ser humano, desde que nasce, está em con-
tato com textos, que se apresentam por meio de 
históricas contadas pelos pais, por meio de men-
tiras contadas pelos pais, por meio das histórias 
imaginadas pela criança, que conversa muito so-
zinha e só o faz pela língua. Enfim, somos sufoca-
dos por textos de toda ordem que se camuflam e 
nos escondem o fato de que são manifestações de 
um sistema simbólico, sistema esse que não tem 
como compromisso a verdade, mas sim, e ape-
nas, uma representação da verdade.
Vejamos alguns exemplos de textos...
 Competência 6 | 3
Esses são exemplos de textos que se propõem a uma tarefa muito perigosa: definir, descrever, observar a língua. 
O perigo dessa atitude é evidente visto que todos aqueles que querem falar sobre língua precisam usá-la para 
explicá-la, de modo que a língua nunca será um mero objeto de análise, mas sim um processo por meio do qual 
nos revelamos e temos acesso a alguém que se revela pelas frases que escolhe. A língua nunca é simplesmente 
aquilo que se analisa, mas também é aquilo por meio do qual se analisa. Isto é, falar e escrever sobre a língua é 
voltar a língua sobre ela própria e assim conseguir arrancar dela somente o que ela é capaz de descrever. Por isso, 
é preciso cautela para escolher as palavras que compõem os textos que analisam a língua.
Mas o que todos os textos têm em comum?
Esses são exemplos de textos que regem (ou buscam reger) o bom funcionamento da sociedade (o bom 
comportamento das pessoas). Aquilo que, orgulhosamente, chamamos de nossos direitos e deveres nada mais são 
do que registros textuais que, no momento em que deixam de ser Texto, ou no momento em que são trocados por 
outros textos, evaporam. Isto é, todos os nossos direitos estão registrados em um texto, e no momento em que esses 
registros textuais somem, nossos direitos de fato também somem. Para exemplificar, basta pensar na ditadura militar 
vivida no Brasil, em que todas as prisões abusivas e todas as torturas estavam dentro da lei. Isto é, estavam dentro do 
texto da lei, que previa total liberdade de ação ao governo, que era, naquele momento, o exército.
Haveria uma natureza textual? Uma carac-
terística que apareça em todo e qualquer texto? 
O que uma bíbliae uma receita de bolo têm em 
comum? Por que posso chamar de texto tanto a 
Constituição Federal, quanto a pixação que vejo 
na parte de uma universidade? 
Considerando que os textos têm os mais diferentes 
significados e se referem aos mais variados 
campos da realidade, é preciso deixar claro que 
só conseguiremos achar a essência de todos os 
textos procurando naquilo que há de concreto 
nos texto, na sua estrutura, no funcionamento do 
sistema linguístico, na capacidade das palavras de se 
referirem umas às outras. A progressão temática e 
a estruturação textual só são explicadas se forem 
observados os mecanismos da língua, o código da 
língua, suas regras. 
Isto é, só conseguiremos perceber, enquanto 
lemos, o modo como um texto progride 
tematicamente (avançando no assunto que 
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PRONOMES e CONJUNÇÕES
aborda) no momento em que notarmos como é 
decisivo conseguir ler o que se está lendo e vincular 
o que é lido agora ao que já foi lido anteriormente. 
A memória é a grande competência necessária 
à prática textual. Um texto só avança porque se 
constrói em uma estrutura autorreferencial. O 
que está em um texto sempre está em relação 
ao próprio texto. A progressão temática também 
representa a repetição temática. Isto é, o tema 
se repete, reaparece, ressurge envolto às mais 
diferentes formas frasais, e nessa reaparição, 
progride, continua, se espraia, avança: existe. 
E assim o texto se organiza e se estrutura. 
Os maiores exemplos de engranagens linguísticas 
que funcionam especificamente na pregressão 
temática e na estrutura textual são os pronomes 
e as conjunções. Afinal, são palavras de um tipo 
muito especial, visto que só têm valor dentro dos 
textos; só existem na sua tecitura, só ganham 
sentido na medida em que estão entre outras 
palavras. 
Para exemplificar, observemos o pronome isso. 
Qual seu significado? Qual sua mensagem? 
Quando uso a palavra isso, me refiro a quê? 
Ora, não é difícil notar que a mensagem de isso 
só se constrói no momento em que essa palavra 
está envolvida entre outras palavras nas quais 
se ancora para constituir significado. Isso nunca 
pode ser a primeira palavra de um texto. Isso 
sempre sucede outras palavras, das quais precisa, 
para ter algo a que se referir. Se escrevo: “A bolsa 
está em alta; isso faz diferença para que parcela 
da sociedade?”, observe que isso, nessa frase, 
significa “a bolsa estar em alta”. Agora se escrevo: 
“Encontrei cocô de cachorro frente à porta da 
minha casa; isso é um absurdo”, o significado de 
isso, agora, é “cocô de cachorro frente à porta 
da minha casa”, sem nem mencionar os issos 
que usei nesse texto, que são todos issos que se 
referem aos próprios issos. 
Para trazer um exemplo de uma conjunção, 
pensemos na palavra mas. Sabe-se que mas 
funciona na língua como um nexo entre frases, 
como um funsível entre orações, e que coloca as 
duas (ou mais) orações que vincula em relação 
de oposição. Isto é, a conjunção tem certa 
autonomia significativa; no entanto, ela só se 
realiza e se mostra relevante para a escritura 
textual a partir do momento em que entra no 
fluxo textual, fazendo com que haja sentido não 
só nas frases de um texto, mas também entre 
elas. Nessa conexão frase a frase, também reside 
a organização textual. Vejamos um exemplo com 
a seguinte frase: “O advogado de defesa tinha 
uma teoria genial, mas inédita”. A uma primeira 
vista, não compreendemos o que levou o autor 
do texto a escolher a palavra mas. No entanto, no 
meio jurídico, as teorias ganham valor à medida 
que se aproximam de outros casos já ocorridos. 
Isto é, uma defesa tem mais chance de obter 
sucesso ao passo que ancora seus argumentos 
(sempre organizados textualmente) com base em 
outras teorias já defendidas. Por isso, defender 
uma teoria inédita é algo prejudicial a qualquer 
advogado. E só compreendendo isso é que 
conseguiríamos compreender aquele mas, que 
não carrega só o seu significado, mas também o 
significado das duas frases que conecta, fazendo 
com que tenhamos uma leitura complexa, que 
englobe a compreensão da frase 1, a compreensão 
da frase 2 e a compreensão do vínculo entre elas, 
estabelecido pelo mas. 
E assim se forma o tecido textual, por meio de 
mecanismos de autoreferência, por meio de 
palavras que organizam o texto e permitem a 
progressão do tema em questão.
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