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BIOQUÍMICA APLICADA Daikelly Iglesias Braghirolli Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons e fosforilação oxidativa) Objetivos de aprendizagem Ao final deste texto, você deve apresentar os seguintes aprendizados: Definir a função da respiração celular e seus objetivos. Explicar os processos e produtos relacionados ao ciclo do ácido cítrico. Identificar o objetivo e o mecanismo do transporte de elétrons na cadeia respiratória e fosforilação oxidativa. Introdução A respiração celular é um processo com alto rendimento energético. É ela que fornece a quantidade de trifosfato de adenosina (ATP) necessária para que o nosso organismo possa executar todas as suas funções. A respiração celular compreende a geração das coenzimas reduzidas NADH e FADH2 pelo ciclo do ácido cítrico, a transferência de seus elétrons até o O2 pela cadeia transportadora de elétrons e a produção de ATP pela fosforilação oxidativa. Neste capítulo, vamos entender como o ciclo do ácido cítrico está organizado e quais são os substratos e os seus produtos. Após, vamos identificar como os elétrons gerados no ciclo do cítrico são carregados pela cadeia transportadora e como ocorre o acoplamento desse processo com a fosforilação oxidativa. A respiração celular e o ciclo do ácido cítrico A respiração celular compreende a fase aeróbica do catabolismo energético das biomoléculas, sendo caracterizada pelo consumo de O2 e produção de CO2 pelas células. Ela ocorre em três fases. Inicialmente, os polissacarídeos, os ácidos graxos e as proteínas são degradados até um intermediário comum, a molécula de acetil-CoA. Na presença de oxigênio, a acetil-CoA pode ser totalmente oxidada até CO2 e H2O. A segunda fase da respiração celular compreende a oxidação do acetil-CoA até CO2 pela via metabólica denominada ciclo do ácido cítrico (também chamado ciclo dos ácidos tricarboxílicos ou ciclo de Krebs). A energia proveniente do catabolismo do acetil-CoA é conservada na forma de ATP e, principalmente, na forma das coenzimas reduzidas: NADH e FADH2. Por fi m, essas coenzimas são oxidadas na última etapa da respiração celular, quando ocorre a fosforilação oxidativa. Os elétrons das coenzimas reduzidas são doados à molécula de O2 pela cadeia de transporte de elétrons, o que proporciona a fosforilação oxidativa do difosfato de guanosina (ADP) em ATP (NELSON; COX, 2014; PINTO, 2017). A respiração celular apresenta uma alta eficiência no que se refere à extração de energia das biomoléculas. É por meio da respiração celular que o nosso organismo consegue obter a quantidade de ATP necessária para executar todas as suas funções (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2014). Vamos aprender agora como esses processos acontecem nas células. Primeiro, vamos entender como ocorre a geração de coenzimas reduzidas pelo ciclo do ácido cítrico. O ciclo do ácido cítrico é uma via central do metabolismo aeróbico. A glicose, os ácidos graxos e a maioria dos aminoácidos são convertidos em acetil-CoA ou em outros intermediários do ciclo do ácido cítrico durante o seu catabolismo e são totalmente oxidados por essa via no processo de respiração celular. Além de ser responsável pela oxidação de acetil-CoA, o ciclo do ácido cítrico fornece diferentes intermediários metabólicos que são utilizados como precursores em vias anabólicas. Em função disso, o ciclo do ácido cítrico é caracterizado como uma via anfibólica, já que realiza tanto funções catabólicas como anabólicas (NELSON; COX, 2014). O ciclo do ácido cítrico ocorre na matriz mitocondrial e é formado por oito reações de oxirredução, que conduzem a oxidação do grupo acetila da molécula de acetil-CoA em duas moléculas de CO2 e uma molécula de trifosfato de guanosina (GTP). Os elétrons extraídos da acetil-CoA são transferidos às Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons...)2 coenzimas NAD+ e FAD+, gerando 3 NADHs e 1 FADH2. O ciclo do ácido cítrico utiliza, em sua primeira reação, o substrato oxaloacetato. Na última reação da via, o oxaloacetato é regenerado. Em função disso, o ciclo do ácido cítrico é classificado como uma via cíclica (VOET; VOET, 2013). A seguir, vamos identificar o que ocorre em cada reação do ciclo do ácido cítrico (Figura 1): Reação 1: o ciclo do ácido cítrico inicia pela condensação do acetil- -CoA, uma molécula de dois carbonos, ao oxaloacetato, uma molécula de quatro carbonos. Essa reação é catalisada pela enzima citrato sintase e leva à formação de citrato (seis átomos de carbono) e CoA (NELSON; COX, 2014). Reação 2: o citrato é convertido no seu isômero isocitrato pela enzima aconitase (NELSON; COX, 2014). Reação 3: o isocitrato é oxidado e descarboxilado, formando o α-cetoglutarato. Nessa reação, catalisada pela enzima isocitrato-desi- drogenase, o isocitrato perde um átomo de carbono na forma de CO2. Na sua oxidação, os elétrons são transferidos à coenzima NAD+ ou NADP+ (de acordo com a isoforma da enzima) (NELSON; COX, 2014). Reação 4: o α-cetoglutarato é oxidado e descarboxilado, formando succinil-CoA. Essa reação é catalisada pelo complexo enzimático α-cetoglutarato desidrogenase. Mais um átomo de carbono é retirado do intermediário metabólico, na forma de CO2. Observe que, nesse ponto, a acetil-CoA já foi completamente oxidada a duas moléculas de CO2. Vale ressaltar que os carbonos que são liberados dos intermedi- ários na forma de CO2 não são especificamente os átomos de carbono provenientes do grupo acetila da acetil-CoA. Os elétrons extraídos do α-cetoglutarato são doados ao aceptor NAD+, que é reduzido à NADH (NELSON; COX, 2014). Reação 5: o succinil-CoA é convertido a succinato pela enzima succinil- -CoA-sintetase. Nessa etapa, a ligação tioéster entre a CoA e o grupo succinil é hidrolisada. A energia liberada a partir da hidrólise é utilizada para a produção da molécula de GTP a partir da ligação de ADP e fosfato inorgânico (Pi). O GTP pode ser facilmente convertido em ATP por meio da reação de transferência do Pi à molécula de ADP, catalisada pela enzima nucleosídeo-difosfatocinase (NELSON; COX, 2014). 3Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons... Reação 6: o succinato é oxidado a fumarato. Essa reação é catalisada pela enzima succinato-desidrogenase, que apresenta o cofator FAD+ como aceptor de elétrons. As três últimas reações do ciclo do ácido cítrico levam à regeneração da molécula oxaloacetato (NELSON; COX, 2014). Reação 7: o fumarato é hidratado, formando malato, pela enzima fu- marase (NELSON; COX, 2014). Reação 8: o malato é oxidado, regenerando o oxaloacetato. Essa reação é catalisada pela enzima L-malato-desidrogenase. Os elétrons extraídos do malato são transferidos à coenzima NAD+ (NELSON; COX, 2014). Ao término de cada volta do ciclo do ácido cítrico, temos a seguinte reação estequiométrica: 1 acetil-CoA + 3 NAD+ + 1FAD+ + 1GDP + Pi 2 CO2 + 1 CoA + 3 NADH + 1 FADH2 + 1 GTP Como podemos notar, a quantidade de energia produzida diretamente por essa via é baixa: apenas uma molécula de GTP. Porém, grande parte da energia liberada pela oxidação de acetil-CoA acaba sendo conservada na forma das coenzimas reduzidas NADH e FADH2. Essas coenzimas são utilizadas pela cadeia transportadora de elétrons. Nesse processo, a oxida- ção dos NADHs e FADH2 leva à produção de uma grande quantidade de moléculas de ATP. A oxidação de cada molécula de NADH e FADH2 leva, por meio da fosforilação oxidativa, à produção de 2,5 e 1,5 moléculas de ATP, respectivamente. Além de ser central para a produção de energia, o ciclo do ácido cí- trico também é um importante fornecedor de substratos para outras vias metabólicas. Bioenergética: respiração celular (ciclodo ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons...)4 Figura 1. Etapas do ciclo do ácido cítrico. Fonte: Adaptada de Voet e Voet (2013, p. 790). Citrato- -sintase 1. 2. Isocitrato- -desidrogenase 3. a-Cetoglutarato- -desidrogenase 4. Succinil-CoA- -sintetase 5. Succinato- -desidrogenase 6. Malato- -desidrogenase 8. Oxalacetato Citrato Isocitrato a-Cetoglutarato Ciclo do ácido cítrico CoASH CoASH Acetil-CoA CoASH 1 NAD1 CO2 1 NADH Piruvato-desidrogenase H2O H2O H2O H2O Aconitase COO2 CH2 FADH2 FAD GTP GDP 1 Pi NAD1 NADH 1 H1 C O *COO2 CCH3 COO 2 O CCH3 S O CoA COO2 CH2 CHO COO2 CH2 *COO2 COO2 CH2 CH COO2 *COO2 CHO H = COO2 CHO H CH2 COO2 =1/2 1/2 1/2 1/2 = COO2 CH HC COO2 = = COO2 CH2 COO2 = = CH2 COO2 CH2 = CH2 C O S CoA COO2 CH2 = CH2 C O *COO2 COO2 CH2 = C CH *COO2 COO2 cis-Aconitato COO2 CH2 = C C O *COO2 H COO2 OxalossucinatoSuccinil-CoA Succinato CoASH Fumarato L-Malato NAD1 NADH 1 H1 Fumarase7. CO2 NAD1 NADH 1 H1 Isocitrato- -desidrogenase 3. 2. Aconitase = Piruvato = = *CO2 1/2 1/2 5Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons... Regulação do ciclo do ácido cítrico As enzimas citrato sintase, isocitrato desidrogenase e α-cetoglutarato de- sidrogenase são enzimas que catalisam reações bastante exergônicas e que controlam a velocidade do ciclo do ácido cítrico. Em função disso, elas atuam como pontos de regulação da via. Essas enzimas são reguladas por ligação alostérica de alguns de seus produtos e, também, respondem ao estado ener- gético das células, de acordo com as razões [ATP]/[ADP].[Pi] e [NADH]/ [NAD+] (VOET; VOET, 2013). Citrato sintase: a disponibilidade de seus substratos (acetil-CoA e oxaloacetato) pode limitar a formação do produto de sua reação, o citrato. Ainda, quando aumentado, o citrato reduz a atividade dessa enzima. O succinil-CoA, a razão [NADH]/[NAD+] aumentada, assim como o ATP também reduzem a sua atividade. Enquanto isso, o ADP aumenta a atividade da citrato-sintase (NELSON; COX, 2014). Isocitrato desidrogenase: o aumento das concentrações de ATP causa redução da atividade dessa enzima. Enquanto isso, o aumento de ADP ocasiona a sua indução. O Ca2+ é um íon que desempenha várias funções no organismo, sendo essencial no processo de contração muscular. O Ca2+ também atua como um regulador do ácido cítrico, aumentando a atividade da enzima isocitrato desidrogenase e, assim, estimulando a produção de energia (VOET; VOET, 2013). α-cetoglutarato desidrogenase: o aumento da relação [NADH]/ [NAD+] também reduz a atividade dessa enzima, assim como faz o seu produto succinil-CoA. Enquanto isso, o Ca2+ aumenta a atividade da α-cetoglutarato desidrogenase (NELSON; COX, 2014). Estrutura mitocondrial. As mitocôndrias são as organelas nas quais ocorre a produção de energia aeróbica em eucariontes. Elas são formadas por duas membranas: membrana externa e membrana interna. A membrana externa mitocondrial é lisa e permeável a moléculas pequenas e íons. Enquanto isso, a membrana interna apresenta grande número de invaginações, que formam as “cristas”, e é impermeável à grande parte das pequenas moléculas e dos íons. Para que possam passar pela membrana interna mitocondrial, as moléculas Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons...)6 Cadeia transportadora de elétrons A cadeia de transporte de elétrons é formada por quatro complexos enzimáticos, inseridos na membrana mitocondrial interna. Esses complexos enzimáticos são fl avoproteínas ou citocromos que atuam como carregadores de elétrons, capazes de aceitar e transferir elétrons. Além dos quatro complexos, a ubiquinona também participa da cadeia transportadora. A ubiquinona, também chamada coenzima Q, atua no recebimento e na transferência de elétrons. Ela apresenta uma estrutura hidrofóbica e pequena, que permite que ela se difunda na membrana mitocondrial interna (NELSON; COX, 2014). Para entender melhor, veja a Figura 2 a seguir. Figura 2. Representação da cadeia transportadora de elétrons e da fosforilação oxidativa. Fonte: Rodwell (2018, p. 131). precisam ser transportadas através de canais específicos. A membrana interna é o local onde ocorre a fosforilação oxidativa. A mitocôndria apresenta dois compartimentos internos: o espaço intermembrana, delimitado pelas membranas externa e interna, e a matriz mitocondrial, delimitada pela membrana interna. Na matriz mitocondrial, são encontradas as enzimas que compõem o ciclo do ácido cítrico e outras vias de oxidação, como a β-oxidação (via de oxidação de ácidos graxos) e as vias de degradação de aminoácidos. Ainda, a matriz mitocondrial apresenta cofatores, nucleotídeos, substratos, DNA e RNA. A seletividade da membrana interna permite a compartimentalização de vias metabólicas na mitocôndria. Fonte: Harvey e Ferrier (2012). 7Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons... Na cadeia transportadora, os elétrons provenientes das coenzimas NADH e FADH2 são transferidos dos complexos I e II para o complexo III, pela coenzima Q, e, após, para o complexo IV, pela proteína citocromo c. No complexo IV, o O2 atua como o aceptor final dos elétrons. Essa sequência na transferência de elétrons ocorre em função de o potencial de redução ser crescente ao longo dos grupos prostéticos dos complexos enzimáticos. Dessa forma, os elétrons fluem espontaneamente dos carregadores com menor potencial de redução até os carregadores com maior potencial de redução (PINTO, 2017). No Quadro 1, identificamos os quatro carregadores de elétrons da cadeia transportadora e seus grupos prostéticos, responsáveis pela transferência de elétrons. Fonte: Adaptado de Nelson e Cox (2014). Complexo Nomenclatura Grupos prostéticos I NADH: ubiquinona- -oxidorredutase ou NADH desidrogenase Flavina mononucleotídeo (FMN) Centros ferro-enxofre (Fe-S) II Succinato desidrogenase FAD+/FADH Fe-S III Complexo de citocromo bc1 ou ubiquinona: citocromo c-oxidorredutase Citocromo bL e bH Citocromo cp Fe-S IV Citocromo-oxidase Citocromo a Íon cobre Citocromo a3 Quadro 1. Complexos enzimáticos formadores da cadeia transportadora de elétrons O complexo I catalisa dois processos simultâneos e acoplados: ele é aceptor de elétrons provenientes do NADH e, também, bombeador de prótons. Esse complexo transfere um íon hidreto e um próton provenientes do NADH para a coenzima Q. Ao doar elétrons, o NADH é oxidado à sua forma NAD+. Ao mesmo tempo que realiza a transferência de elétrons, o complexo I utiliza a energia proveniente desse processo para bombear 4 H+ da matriz mitocondrial para o espaço intermembrana (PINTO, 2017). Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons...)8 O complexo II é a enzima que catalisa a sexta reação do ciclo do ácido cítrico. Nessa reação, FADH2 é gerado. O complexo II transfere os elétrons do FADH2 também para a coenzima Q. O complexo III é responsável por catalisar a transferência de elétrons da coenzima Q para o citocromo c. Ao mesmo tempo, ele bombeia 4H+ em direção ao espaço intermembrana. O citocromo c é uma proteína solúvel do espaço intermembrana. Após receber elétrons, ele se direciona ao complexo IV. O complexo IV é responsável por transferir os elétrons do citocromo c para o oxigênio molecular. Quando reduzido, o oxigênio é convertido em H2O. Ao mesmo tempo, o complexo IV bombeia 2H+ parao espaço intermembrana, a cada par de elétrons que são transferidos ao O2. O O2 permanece ligado ao complexo até que seja totalmente reduzido a H2O (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2014). Como podemos verificar, ao longo da cadeia transportadora, os elétrons foram extraídos das coenzimas NADH e FADH2 e transferidos para o oxigênio molecular. A energia liberada na oxidação do NADH e FADH2 foi utilizada pelos complexos enzimáticos para bombear prótons da matriz mitocondrial em direção ao espaço intermembrana. O bombeamento de prótons em direção ao espaço intermembrana faz com que esse compartimento apresente uma maior concentração de H+ do que a matriz mitocondrial. Dessa forma, ele se apresenta mais ácido e também mais positivo que ela. Assim, ao final da cadeia de transporte, a energia das coenzimas foi conservada na forma de um gradiente eletroquímico entre a matriz e o espaço intermembrana da mitocôndria. Esse gradiente eletroquímico é denominado força próton-motriz (NELSON; COX, 2014). Neste link, você pode assistir a uma animação que demonstra o funcionamento da cadeia transportadora de elétrons. https://goo.gl/Tdbi32 9Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons... Fosforilação oxidativa A força próton-motriz apresenta dois componentes: a energia potencial química, originada na diferença da concentração de prótons entre a matriz mitocondrial e espaço intermembrana, e a energia potencial elétrica, originada na diferença de cargas entre os dois compartimentos (NELSON; COX, 2014). Esses prótons exibem a tendência de voltar para a matriz mitocondrial, a favor de seu gradiente eletroquímico. Eles fazem isso por meio de um poro para prótons, presente na enzima ATP-sintase (VOET; VOET, 2013). Observe a Figura 3 a seguir. Figura 3. Estrutura da ATP-sintase. O domínio F0 é formado por um disco de subunidades C. Ele fornece um poro para o fluxo de H+ de volta à matriz mitocondrial. O domínio F1 é formado pelas subunidades α e β e é responsável pela fosforilação do ADP. Fonte: Rodwell (2018, p. 132). A ATP-sintase também está inserida na membrana interna da mitocôn- dria. Essa enzima apresenta dois domínios funcionais: F0 e F1. O domínio F0, também chamado complexo V, é integral à membrana e atua como um Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons...)10 canal de prótons. O F1 é um domínio periférico de membrana que apresenta atividade catalítica, sendo responsável pela fosforilação do ADP. À medida que os prótons retornam à matriz mitocondrial por F0, o domínio F1 se movimenta, catalisando a reação de ADP + Pi e formando ATP. A ATP-sintase converte a energia armazenada na forma de potencial eletroquímico em fosforilação do ADP. Aproximadamente, uma molécula de ATP é formada pelo fluxo de quatro H+ de volta à matriz mitocondrial. Assim, o fluxo de um par de elétrons pro- venientes das coenzimas NADH e FADH2 até o O2 geram aproximadamente 2,5 e 1,5 moléculas de ATP, respectivamente (VOET; VOET, 2013). A cadeia transportadora de elétrons e a síntese de ATP são exemplos de acoplamento quimiosmótico. Quimiosmótico é um conceito utilizado para descrever reações enzi- máticas que envolvem transporte e reação química. A fosforilação de ATP é um processo dependente da cadeia transportadora de elétrons. A cadeia de transporte de elétrons, por sua vez, somente atua quando a ATP-sintase está ativa e possibilitando o fluxo de prótons de volta para a matriz mito- condrial (NELSON; COX, 2014). Algumas proteínas atuam como desacopladores desses processos. As proteínas desa- copladoras (UCP) também se localizam na membrana interna das mitocôndrias e atuam como canais para prótons. Quando ativadas, essas proteínas atuam como um canal alternativo para o fluxo de prótons de volta à matriz mitocondrial. Assim, o gradiente eletroquímico acaba sendo dissipado na forma de calor. A ATP-sintase, por sua vez, não dispõe da força próton-motriz para realizar a fosforilação do ADP. As UCPs, como a termogenina, são utilizadas para a manutenção da temperatura em mamíferos recém-nascidos. Os bebês, por exemplo, exibem o tecido adiposo marrom. Esse tecido apresenta uma alta quantidade de mitocôndrias, que apresentam em sua membrana interna a termogenina. A disposição de tecido adiposo marrom nos seres humanos diminui com o aumento da idade (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2014; PINTO, 2017). Regulação da fosforilação oxidativa Tanto o ciclo do ácido cítrico como a fosforilação oxidativa são vias que somente ocorrem mediante a presença de oxigênio. O O2 é o aceptor fi nal de elétrons na cadeia transportadora. Portanto, na sua ausência, esse processo não consegue prosseguir e o gradiente de prótons não é formado. Dessa forma, a atividade da ATP-sintase (que utiliza a energia conservada na força próton-motriz) é 11Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons... reduzida. Ainda, com a redução da atividade da cadeia transportadora, as coenzimas reduzidas NADH e FADH2 acabam se acumulando e não são re- generadas às suas formas oxidadas, NAD+ e FAD+. Isso acarreta a redução da atividade do ciclo do ácido cítrico, já que algumas de suas vias de oxirredução utilizam esses cofatores como aceptores de elétrons (BERG; TYMOCZKO; STRYER, 2014; NELSON; COX, 2014). A atividade da cadeia transportadora de elétrons é determinada pela de- manda de ATP. Os elétrons somente conseguem fluir na cadeia de transporte se o ADP estiver sendo fosforilado pela ATP-sintase. Quando a concentração de ADP está elevada, a atividade da fosforilação oxidativa se eleva para atender à demanda energética. Esse mecanismo é chamado de controle pelo aceptor. Por outro lado, quando a relação [ATP]/[ADP].[Pi] aumenta, a respiração celular diminui (NELSON; COX, 2014; VOET; VOET, 2013). A razão [ATP]/[ADP].[Pi] também controla a atividade do ciclo do ácido cítrico e de outras vias oxidativas, como a via glicolítica. Quando essa razão é reduzida, a velocidade da cadeia transportadora e da fosforilação oxidativa aumenta. Simultaneamente, a velocidade da oxidação do acetil-CoA pelo ciclo do ácido cítrico também aumenta, o que leva ao aumento das concentrações de NADH e FADH2, substratos da cadeia transportadora. Por outro lado, quando as concentrações de ADP estão reduzidas, NADH e FADH2 não são consumidos pela cadeia transportadora de elétrons. Assim, o ciclo do ácido cítrico torna-se mais lento, já que as coenzimas não estão sendo regeneradas às suas formas oxidadas, que são substratos para a via (NELSON; COX, 2014; VOET; VOET, 2013). A respiração celular é um processo de alto rendimento em relação à produção de ATP. Quando a sua atividade é reduzida, a produção de ATP diminui drasticamente. Por exemplo, a oxidação total da glicose leva à produção de 30 ou 32 moléculas de ATP. Esse processo inicia pela via glicolítica, na qual a glicose é degradada em duas moléculas de piruvato. Na via glicolítica, duas moléculas de ATP são produzidas. Em aerobiose, a degradação do piruvato é continuada. Ele é descarboxilado, formando acetil-CoA, e essa molécula, por sua vez, é oxidada pelo ciclo do ácido cítrico, gerando três NADHs e um FADH2. Essas coenzimas são utilizadas na cadeia transportadora de elétrons, culminando com a produção de ATP. Em condições de anaerobiose, a respiração celular não ocorre. Dessa forma, a extração de ATP a partir da glicose ocorre somente pela via glicolítica, sendo limitado a duas ATPs apenas (HARVEY; FERRIER, 2012). Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons...)12 BERG, J. M.; TYMOCZKO, J. L.; STRYER, L. Bioquímica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. HARVEY, R. A.; FERRIER, D. R. Bioquímica ilustrada. 5. ed. Porto Alegre:Artmed, 2012. NELSON, D. L.; COX, M. M. Princípios de bioquímica de Lehninger. 6. ed. Porto Alegre: Artmed, 2014. PINTO, W. J. Bioquímica clínica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2017. RODWELL, V. W. et al. Bioquímica ilustrada de Harper: Lange. 30. ed. Porto Alegre: Penso, 2018. VOET, D.; VOET, J. G. Bioquímica. 4. ed. Porto Alegre: Artmed, 2013. Leitura recomendada SMITH, C.; MARKS, A. D.; LIEBERMAN, M. Bioquímica médica básica de Marks: uma abor- dagem clínica. 2. ed. Porto Alegre: Artmed, 2007. 13Bioenergética: respiração celular (ciclo do ácido cítrico, cadeia transportadora de elétrons... Conteúdo: