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1 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Políticas públicas e populações indígenas: uma análise sobre sua evolução histórica e implicações Public policies and indigenous populations: an analysis of their historical evolution and implications Políticas públicas y poblaciones indígenas: un análisis de su evolución histórica y implicaciones DOI: 10.55905/revconv.17n.6-135 Originals received: 05/14/2024 Acceptance for publication: 06/04/2024 José Uilson da Silva Especialista em Docência para a Educação Profissional e Tecnológica Instituição: Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia do Espírito Santo (IFES) Endereço: Vitória - Espírito Santo, Brasil E-mail: joseuilsondasilva115@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0000-0003-1832-5818 Josivan Silva Júnior Mestrando em Administração Instituição: Universidade Federal do Cariri (UFCA) Endereço: Juazeiro do Norte - Ceará, Brasil E-mail: josivanjr@gmail.com Luan Martins Abreu Especialista em Ciências da Natureza, suas Tecnologias e o Mundo do Trabalho Instituição: Universidade federal do Piauí (UFPI) Endereço: Teresina - Piauí, Brasil E-mail: luan.abreu@prof.ce.gov.br Reuber Araujo Silva Mestrando em Propriedade Intelectual e Transferência de Tecnologia para Inovação Instituição: Universidade Federal da Bahia (UFBA) Endereço: Salvador - Bahia, Brasil E-mail: reuber.silva@ifba.edu.br Orcid: https://orcid.org/0000-0003-3591-5457 José Jiordanny dos Santos Lima Graduado em Sistemas de Informação Instituição: Universidade Federal de Alagoas (UFAL) Endereço: Maceió-AL, Brasil E-mail: josejiordannysantoslima@gmail.com mailto:joseuilsondasilva115@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-1832-5818 mailto:josivanjr@gmail.com https://orcid.org/0000-0003-3591-5457 mailto:josejiordannysantoslima@gmail.com 2 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Will Jones Pereira Moreira Mestrando pelo Programa de Mestrado Profissional em Educação Profissional e Tecnológica em Rede Nacional do Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de Roraima (PROFEPT-IFRR) Instituição: Instituto Federal de Roraima Endereço: Boa Vista - Roraima, Brasil E-mail: willmoreira2507@gmail.com Orcid: https://orcid.org/0009-0004-0022-364X RESUMO Este estudo aprofunda-se na análise da evolução histórica das políticas públicas voltadas às populações indígenas, explorando sua objetificação ao longo dos tempos. Por meio de uma metodologia de revisão bibliográfica abrangente e da análise de documentos históricos, busca-se avaliar a efetividade dos direitos de cidadania conferidos aos povos indígenas, destacando a importância do reconhecimento de sua autonomia como coletividade diferenciada bem como sua participação na construção das políticas públicas. Atualmente, as questões envolvendo os indígenas ocupam posição central na agenda das políticas públicas, sendo discutidas dentro de um contexto histórico-político que molda tanto os sujeitos quanto os objetos dessas políticas. Desde a instituição do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, observou-se um avanço significativo na participação dos indígenas no processo de formulação, implementação e execução das políticas públicas. Nesse sentido, este estudo enfatiza a importância de compreender o papel ativo dos povos indígenas na construção das políticas que os afetam, ressaltando sua representatividade como coletividades com características culturais e sociais únicas que os distinguem da sociedade nacional. Palavras-chave: indígenas, políticas públicas, práticas de significação, autonomia. ABSTRACT This study delves into the analysis of the historical evolution of public policies aimed at indigenous populations, exploring their objectification over time. Through a comprehensive literature review methodology and analysis of historical documents, we seek to assess the effectiveness of citizenship rights granted to indigenous peoples, highlighting the importance of recognizing their autonomy as a distinct collective as well as their participation in shaping public policies. Currently, issues involving indigenous peoples occupy a central position on the public policy agenda, being discussed within a historical-political context that shapes both the subjects and objects of these policies. Since the establishment of the Indian Protection Service (SPI) in 1910, there has been a significant advancement in indigenous participation in the formulation, implementation, and execution of public policies. In this sense, this study emphasizes the importance of understanding the active role of indigenous peoples in shaping the policies that affect them, highlighting their representativeness as collectivities with unique cultural and social characteristics that distinguish them from the national society. Keywords: indigenous people, public policies, signification practices, autonomy. RESUMEN Este estudio profundiza en el análisis de la evolución histórica de las políticas públicas dirigidas a las poblaciones indígenas, explorando su objetivación a lo largo del tiempo. A través de una https://orcid.org/0009-0004-0022-364X 3 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 metodología de revisión bibliográfica exhaustiva y análisis de documentos históricos, buscamos evaluar la efectividad de los derechos de ciudadanía otorgados a los pueblos indígenas, destacando la importancia del reconocimiento de su autonomía como colectivo diferenciado, así como su participación en la construcción de políticas públicas. Actualmente, las cuestiones relacionadas con los indígenas ocupan una posición central en la agenda de políticas públicas, siendo discutidas dentro de un contexto histórico-político que moldea tanto a los sujetos como a los objetos de estas políticas. Desde el establecimiento del Servicio de Protección al Indio (SPI) en 1910, se ha observado un avance significativo en la participación indígena en la formulación, implementación y ejecución de políticas públicas. En este sentido, este estudio enfatiza la importancia de comprender el papel activo de los pueblos indígenas en la conformación de las políticas que los afectan, destacando su representatividad como colectividades con características culturales y sociales únicas que los distinguen de la sociedad nacional. Palabras clave: indígenas, políticas públicas, prácticas de significación, autonomía. 1 INTRODUÇÃO A questão indígena, no âmbito das políticas públicas, é abordada como uma linha histórico-política que investiga uma determinada trajetória histórica. Essa abordagem implica em indagações sobre as condições dos povos indígenas e na análise de suas implicações teórico- políticas, buscando formular uma racionalidade e uma estrutura de poder. Este estudo, por meio de revisão bibliográfica e análise documental, investiga a eficácia da garantia dos direitos de cidadania no contexto dos povos indígenas, com a premissa do reconhecimento de sua autonomia como uma coletividade distinta. A relevância desta discussão reside na participação dos povos indígenas na formulação das políticas públicas, destacando-se dos demais grupos sociais pela representatividade de suas coletividades, que possuem especificidades que as distinguem da sociedade nacional. O objetivo deste artigo é analisar as diversas formas de inserção das populações indígenas no Brasil ao longo da história no que diz respeito às políticas públicas. A análise parte de considerações fundamentais, observando que os indígenas se tornaram alvo das políticas públicas a partir de 1910, com a criação do Serviço de Proteção ao Índio e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPI). 4 Contribucionesa Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 2 ASPECTOS HISTÓRICOS Historicamente, a realidade enfrentada pela população indígena tem sido negligenciada pelas políticas sociais públicas. No entanto, estas políticas representam um importante mecanismo de enfrentamento às situações de risco e vulnerabilidade, sendo incumbência do Estado garantir sua implementação no intuito de assegurar aos cidadãos acesso a serviços como saúde, educação, assistência social, saneamento básico e qualificação profissional, conforme garantido pela Constituição. Sob uma perspectiva histórica, Lima (1995) indica que a população indígena no momento da chegada dos europeus ao Brasil no século XVI era estimada em cinco milhões de pessoas. A colonização do Brasil é caracterizada como um processo de dominação que se centraliza no modelo de subjugação do outro. Esse processo resultou na devastação da população indígena, tanto através de práticas como escravidão, trabalho forçado, maus-tratos, confinamento em aldeamentos e internatos, quanto por epidemias de doenças infecciosas decorrentes do contato com os europeus. De acordo com a Fundação Nacional de Saúde (Funasa), a partir de 1910 começa a se delinear uma política indigenista através do Serviço de Proteção ao Índio (SPI), subordinado ao Ministério da Agricultura (Brasil, 2002). Essa política baseava-se em uma concepção que considerava os indígenas como estando em um estágio primitivo da humanidade, porém suscetíveis a serem governados e integrados à sociedade nacional através de programas educacionais e agrícolas. Segundo as análises de Lima (1995), o SPI representou a primeira política pública direcionada às populações indígenas. Esta iniciativa proporcionou uma intervenção estatizada nas vidas dessas populações, estabelecendo uma correlação entre trabalho, vida e linguagem. As ações estatizadas, ou seja, as formas de governo sobre os povos indígenas, envolveram a definição de um estatuto jurídico para os índios, conferindo-lhes status legal como sendo parte do território nacional, e as negociações sobre a presença militar na implementação e gestão do SPI. Dessa forma, o SPI desempenhou um duplo papel na formulação das políticas públicas ao conferir aos povos indígenas um reconhecimento jurídico e, ao mesmo tempo, os tornou alvos de investimentos políticos significativos. 5 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Lima (1995, p. 118) argumenta que a atribuição de indianidade seria a via de acesso e forma intermediária do cumprimento de um projeto de extinção dos povos nativos enquanto entidades discretas, dotadas de uma historicidade diferencial e de autodeterminação política seria uma forma de operacionalização de um racismo de Estado (Lima, 1995, p. 118). Por sua vez, Langdon (2000) observa que até 1910 não existiam políticas de saúde direcionadas às populações indígenas. Os atendimentos médicos eram esporádicos, geralmente realizados por missionários. A criação do SPI em 1910 marcou o início de uma intervenção estatal na saúde indígena, porém essa intervenção era caracterizada pela falta de organização e consistência. Este serviço, iniciando um processo de intervenção estatal, visava abordar diversas problemáticas, incluindo a saúde indígena. No entanto, as intervenções eram caracterizadas pela falta de organização e sistemática. Langdon (2000) interpreta essa desorganização e falta de consistência não devem ser vistas como simples falhas, mas sim como estratégias deliberadas do próprio dispositivo estatal. O objetivo era integrar progressivamente as populações indígenas ao sistema produtivo nacional, visando pacificar as relações entre o governo e os povos indígenas, como descreve o Decreto nº 8.072: “Art. 1°. a) prestar assistência aos índios do Brasil, que vivam aldeados, reunidos em tribos, em estado nômade ou promiscuamente com civilizados” (Brasil, 1910). Ao discutir as estratégias de proteção, integração e pacificação das populações indígenas, Lima (1995) as concebe como tecnologias biopolíticas surgidas em resposta à emergência das populações indígenas como uma questão social. Nesse contexto, Não se trata de uma problemática constituída em razão da diversidade cultural com a qual as políticas públicas se defrontam, e sim de condições culturais em que a diferença é tornada uma questão social. Há emergência como questão social na medida em que as estratégias disciplinares utilizadas, até então, não são mais suficientes para o aniquilamento disso que diferia do projeto de desenvolvimento nacional a visibilidade de uma população dentro do território nacional com uma historicidade diferencial e de autodeterminação política. A forma encontrada é justamente incorporar as populações indígenas ao sistema produtivo nacional. Entretanto, esse plano de ação defronta-se com uma problemática a ser equacionada: propriedade da terra e cidadania (Lima, 1995, p. 118). De acordo com a análise de Lima (1995), 6 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Os índios selvagens eram os alvos principais da ação do Serviço não só por obstaculizarem o avanço sobre o interior ou se acharem em guerra, mas também por oferecerem melhores oportunidades para o trabalho de civilização: encontrando-se em estágio primitivo da inelutável marcha da humanidade para o progresso, indiscutivelmente inferiores, a educação adequada os impediria de se transformarem em indivíduos cheios de defeitos (Lima, 1995, p. 125). O ano de 1942 marcou um ponto de inflexão significativo nas políticas públicas direcionadas às populações indígenas com a promulgação do Decreto nº 10.625/21 (Brasil, 2021). Neste período, o Serviço de Proteção ao Índio (SPI), então subordinado ao Ministério da Guerra, foi transferido novamente para o Ministério da Agricultura, consolidando uma abordagem que visava objetivar as populações indígenas através de medidas de proteção, assistência e amparo à vida. Por meio deste decreto, a vida indígena passou a ser considerada como parte das responsabilidades nacionais, articulada à terra. Este movimento foi concebido como uma tecnologia do dispositivo de colonização, cujo propósito era evitar o extermínio das tribos, seja por hostilidades mútuas ou por conflitos com os não indígenas. Além disso, o Estado assumiu a responsabilidade de “educar e instruir o índio”, incutindo neles a ideia de pertencimento à nação brasileira (Brasil, 2021). A partir da década de 1950, o Ministério da Saúde iniciou um plano de ações direcionado às populações indígenas e rurais de difícil acesso. Esse plano incluía campanhas de vacinação, atendimento odontológico, controle de doenças transmissíveis como tuberculose e outras enfermidades. Em 1963, mesmo com o SPI ainda sob a gestão do Ministério da Agricultura, o Ministério da Saúde passou a incorporar em suas atividades a execução de planos de assistência médico-sanitária para os índios (Brasil, 2002). No entanto, essas iniciativas de atenção à saúde indígena enfrentaram desafios significativos. As condições ontológicas que objetivavam as populações indígenas e uma política de racismo institucionalizado pelo Estado que priorizava a inércia em detrimento da promoção da vida foram obstáculos importantes. Além disso, essas abordagens frequentemente ignoravam os sistemas de representações, valores e práticas próprias das comunidades indígenas em relação à doença e ao tratamento, bem como seus próprios especialistas (Brasil, 2002). É evidente que, desde 1910, houve avanços consideráveis com relação às políticas públicas destinadas às populações indígenas. No entanto, ainda há um longo caminho a percorrer 7 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6,p. 01-15, 2024 jan. 2021 para que essas políticas reconheçam plenamente as necessidades e perspectivas das comunidades indígenas, e continuem a evoluir nessa direção. Os avanços mencionados se concentraram principalmente na consolidação e garantia dos direitos vigentes para as populações indígenas. Questões como a posse da terra foram abordadas, respeitando a organização interna das etnias e punindo crimes cometidos contra essas populações. A fiscalização dos aldeamentos foi intensificada para evitar coerções, e as relações foram mantidas por meio de inspetores do serviço, que atuavam como representantes das populações indígenas. Levando em consideração suas formas de ocupação, foram implementadas melhorias nas condições materiais de vida, incluindo habitação e meios de produção agrícola/industrial. Além disso, sempre que possível, as terras que lhes foram injustamente tiradas foram restituídas. Também houve iniciativas como promoção da mudança de certos grupos indígenas, fornecimento de recursos musicais/artísticos, introdução da pecuária em territórios indígenas, ensino de instruções primárias e profissionais aos filhos de indígenas, e o levantamento de dados sociodemográficos das populações indígenas. O Serviço de Proteção aos Índios e Localização de Trabalhadores Nacionais (SPILTN), criado pelo Decreto nº 8.072, em 20 de junho de 1910, tinha como atribuição primordial pacificar e proteger os grupos indígenas, além de estabelecer núcleos de colonização com base na mão de obra sertaneja (Brasil, 1910). Posteriormente, em 6 de janeiro de 1918, pelo Decreto-Lei nº 3.454, as duas instituições foram separadas e o SPILTN foi renomeado como SPI. Esta última instituição foi extinta em 1967 com a criação da Fundação Nacional do Índio (FUNAI) (Brasil, 1918). A criação da FUNAI ocorreu durante a ditadura militar, período marcado por violações extremas dos direitos indígenas, devido aos diversos conflitos entre governo, proprietários de terras e indígenas. O governo, buscando expandir econômica e politicamente o país, implementou medidas que não contemplavam os interesses indígenas, priorizando obras de infraestrutura e expansão das terras rurais. A questão dos direitos indígenas só voltou a ter destaque com a instauração do regime democrático na década de 1980, possibilitando a discussão sobre a situação dos povos nativos perante a sociedade civil. Este período de democratização permitiu uma revisão e regularização da situação jurídica desses povos, visando a proteção e garantia de seus direitos. A criação do Estatuto do Índio através da Lei nº 6.001/73, marcou um momento crucial na definição da situação dos povos indígenas no Brasil, estabelecendo a responsabilidade do 8 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 Estado na proteção de seus direitos. Esta legislação representou um marco importante ao reconhecer e formalizar os direitos dos povos nativos, definindo suas relações com a sociedade nacional e estabelecendo medidas para sua proteção e promoção. Outra conquista significativa ocorreu com a promulgação da Constituição de 1988, que, por meio do artigo 231, garantiu a preservação dos direitos dos indígenas e atribuiu ao Estado a responsabilidade de assegurar a diversidade étnica e a autonomia desses povos. Esse reconhecimento constitucional reforçou a importância da proteção dos direitos indígenas e estabeleceu um marco legal sólido para sua defesa (Brasil, 1988). Em 2009, o Decreto nº 7.056 promoveu uma reformulação da FUNAI, visando atualizar sua estrutura e melhorar seu funcionamento para oferecer um atendimento mais eficaz às comunidades indígenas. Esta iniciativa reflete o compromisso do Estado em fortalecer as políticas voltadas para os povos indígenas e melhorar a eficiência dos serviços prestados por este órgão. A atuação da FUNAI é orientada por diversos princípios, sendo um dos mais importantes o reconhecimento da organização social, costumes, línguas, crenças e tradições dos povos indígenas. A busca pela plena autonomia e autodeterminação desses povos no Brasil é uma prioridade, contribuindo para a consolidação do Estado democrático e pluriétnico e para o respeito à diversidade cultural e étnica do país. 3 POLÍTICAS PÚBLICAS COMO PRÁTICAS DE SIGNIFICAÇÃO As práticas de significação evidenciam acontecimentos que se transformam em condições ontológicas, na medida em que esses eventos são compreendidos como uma interseção de contextos históricos e existenciais. Foucault (2003), em sua abordagem sobre o tema, ressalta que entender a cultura como um campo de produção implica entendê-la sob uma perspectiva política, ética e estética. Isso se deve ao fato de que as práticas de significação são delineadas por condições socioculturais que, por sua vez, constituem um campo de lutas e poderes, criando um terreno propício para ações políticas (Foucault, 2003). Essas ações, aliadas às condições discursivas de probabilidade, exercem influência sobre outras possibilidades de ação, resultando em uma diversidade de práticas e sentidos. Deleuze 9 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 (1992, p. 125) define que a ética consiste em “um conjunto de regras facultativas que avaliam o que fazemos, o que dizemos, em função do modo de existência que isso implica”. Um plano político, nas palavras de Foucault (2004), consiste em um conjunto de relações de poder ou estratégias de poder que determinam nossas formas de ver, falar e viver, criando assim condições específicas de cultura. Essas estratégias de poder são moldadas tanto por determinados locais culturais quanto são condições para a existência de uma cultura. Assim, compreender as práticas de significação implica atuar dentro de um sistema cultural aberto, no qual determinadas práticas políticas deixam marcas na população, como a divisão de grupos dentro da sociedade, a atribuição de superioridade e inferioridade a determinados grupos, e a classificação de grupos como positivos e negativos. Estas práticas influenciam profundamente a maneira como as pessoas se percebem e interagem dentro da sociedade, moldando dinâmicas sociais e identidades coletivas. As políticas públicas são consideradas práticas de significação que, em vez de nivelar direitos e suportes sociais, acabam por acentuar as distinções, criando e ampliando diferenças no acesso a esses direitos e suportes. No que diz respeito à população indígena, a inatividade ou o tratamento igualitário pode reforçar representações previamente estabelecidas, estereótipos e prejulgamentos de uma sociedade imbuída pela imagem do índio de forma generalizada. Os indígenas refletem em sua diversidade os diversos aspectos de seu desenvolvimento social, cognitivo e afetivo, na maioria das vezes definido por relações sociais e experiências excludentes ao longo de suas vidas. Portanto, um tratamento uniforme apenas perpetua as desigualdades e as injustiças enfrentadas por esses grupos historicamente marginalizados. Nesse contexto, as palavras de Dayrell (1996) ressaltam a importância de compreender os jovens indígenas como sujeitos socioculturais, Essa outra perspectiva implica superar a visão homogeneizante e estereotipada da noção de aluno, dando-lhe um outro significado. Trata-se de compreendê-lo na sua diferença, enquanto indivíduo que possui uma historicidade, com visões de mundo, escalas de valores, sentimentos, emoções, desejos, projetos, com lógicas de comportamentos e hábitos que lhe são próprios (Dayrell, 1996, p. 5). Além disso, Santos (2009) destaca a necessidade de compreender essas diferenças e promover a troca de saberes na prática, valorizando a diversidade. Ele enfatiza que, embora seja importante buscar a igualdade, é essencial priorizar a discussão e o reconhecimentodas 10 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 diferenças. Qualquer esforço nesse sentido deve ser organizado de forma a dar voz e espaço ao outro. Neste contexto, é crucial reconhecer que manter uma comunicação baseada no respeito às diferenças é desafiador, uma vez que requer mecanismos que permitam o conhecimento e o reconhecimento do outro. É importante destacar a perspectiva de Woodward (2009), que ressalta a marcação da diferença como um mecanismo que pode levar à marginalização, estereotipação e exclusão de grupos e indivíduos. A diferença pode ser construída de forma negativa através da “exclusão ou da marginalização daqueles que são definidos como ‘outros’, ou forasteiros” (Woodward, 2009, p. 7). O debate sobre a diferença inevitavelmente envolve a discussão sobre a questão da identidade. Como observado por Woodward (2009, p. 7), “a identidade depende da diferença, mas não o oposto. Nas relações sociais, diferenças simbólicas e sociais são estabelecidas, ao menos em parte, por meio de sistemas classificatórios”. Em sociedades marcadas pela supremacia branca, como apontado por Silva, Hall e Woodward (2010), ser branco não é considerado uma identidade étnica e racial, devido à invisibilidade de sua posição hegemônica. Isso demonstra como a força homogeneizadora da identidade está diretamente ligada à sua invisibilidade. Nesse sentido, Silva e Souza (2008) ressaltam que compreender a identidade e a diferença como uma questão de produção significa tratar as relações entre as diferentes culturas não como uma questão de consenso, de diálogo, ou comunicação, mas como uma questão que envolve fundamentalmente relações de poder (Silva; Souza, 2008, p. 169). O discurso ideológico de igualdade apresenta, muitas vezes, a tentativa de diluir a noção de diferença, em uma lógica de pluralismo conservador e integrador. No entanto, as políticas de ações afirmativas reconhecem o direito constitucional à diferença. Ainda assim, este direito levanta questões sobre porque os povos indígenas devem ser tratados de forma diferente, especialmente quando a premissa é tratar todos igualmente perante a lei. Esses questionamentos destacam a necessidade de considerar as especificidades e histórias de injustiça que os povos indígenas enfrentaram ao longo do tempo. 11 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 4 RESULTADOS E DISCUSSÕES Os protagonistas centrais das políticas públicas voltadas aos povos indígenas são, sem dúvida, eles próprios, suas organizações e representações. Como evidenciado no artigo, houve um notável amadurecimento do movimento indígena ao longo dos anos, especialmente a partir da década de 1970, resultando no crescimento e na diversificação significativos das organizações nativas, geridas pelos próprios indígenas, que agora desempenham um papel muito mais ativo na formulação e implementação das políticas. Nesse contexto, é fundamental destacar a histórica participação de órgãos que interagem diretamente com os povos indígenas. Ao longo dos anos, esses órgãos têm aumentado consideravelmente sua participação na formulação e execução das políticas indígenas, anteriormente exclusivas dos ministérios governamentais. Além disso, vale destacar a contribuição das organizações não-governamentais (ONGs) e das instituições religiosas católicas e protestantes, que frequentemente se mobilizam em apoio aos povos indígenas. Atualmente, as políticas públicas voltadas aos povos indígenas estão tendo maior visibilidade na sociedade, mas ainda há espaço para melhorias significativas. O cenário é bastante complexo, com a política indigenista sendo formulada e implementada através do estabelecimento de parcerias formais entre setores governamentais, organizações indígenas, ONGs e missões religiosas. Embora a institucionalização de políticas públicas indigenistas tenha uma longa história, observa-se nos últimos anos um fenômeno crescente de descentralização e desconcentração das ações relacionadas a essa pauta. Isso implica no compartilhamento de responsabilidades entre ministérios e órgãos federais na execução e monitoramento das políticas de promoção e proteção dos direitos indígenas, além de uma descentralização, que envolve a distribuição de competências entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal. A FUNAI, a partir de reflexões internas e decorrentes do diálogo com outros órgãos responsáveis pela execução de ações no âmbito da política indigenista, tem acumulado informações para propor essa iniciativa, estando apta a coordenar e formular propostas através de um processo participativo, envolvendo indígenas e outros órgãos públicos relevantes. Apesar da existência de uma legislação que distribui a responsabilidade pela execução da política indigenista brasileira entre diversos órgãos e entidades políticas, é necessário examinar 12 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 a desconcentração e descentralização dessas responsabilidades. Esses aspectos exigem atenção e aprimoramento, uma vez que ainda não foram amplamente assimilados pela opinião pública, pelos órgãos públicos e pelos próprios executores da política. É comum que a FUNAI seja chamada a se manifestar acerca de questões da política indigenista cuja execução não é de sua competência, mas sim coordenadas por outros órgãos. 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS Considerando a análise aprofundada da evolução histórica das políticas públicas voltadas para as populações indígenas, é possível observar um notável avanço na participação e representação desses povos ao longo do tempo. Desde a instituição do Serviço de Proteção ao Índio (SPI) em 1910, até os dias atuais, os indígenas têm desempenhado um papel cada vez mais ativo na formulação, implementação e execução de políticas que os afetam diretamente. Esse progresso representa não apenas uma conquista em termos de reconhecimento da autonomia e identidade indígena, mas também uma evolução significativa na promoção dos direitos humanos e da justiça social. É importante ressaltar que a participação ativa dos povos indígenas na construção das políticas públicas não apenas fortalece sua voz e representatividade, mas também enriquece o processo decisório com perspectivas e conhecimentos ancestrais únicos. A diversidade cultural e a pluralidade de experiências dessas comunidades contribuem para uma abordagem mais abrangente e inclusiva no desenvolvimento e implementação de políticas que impactam diretamente suas vidas e territórios. No entanto, apesar dos avanços conquistados, ainda há desafios significativos a serem enfrentados no caminho da plena efetivação dos direitos indígenas. A desconcentração e descentralização das políticas públicas ainda carecem de aprimoramento, assim como a necessidade de combater estereótipos e preconceitos arraigados que continuam a marginalizar e excluir os povos indígenas de suas próprias terras e decisões que os afetam. Portanto, é fundamental que os governos, organizações não governamentais e a sociedade em geral reconheçam e valorizem a importância da autodeterminação e participação ativa dos povos indígenas na construção de políticas públicas que os impactam. A garantia dos direitos territoriais, culturais, sociais e econômicos dessas comunidades é essencial para promover a 13 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 justiça e a igualdade, respeitando suas identidades únicas e contribuindo para o fortalecimento da democracia e da diversidade. Assim, o estudo da evolução histórica das políticas públicas relacionadas aos povos indígenas destaca a importância de reconhecer suas contribuições e necessidadesespecíficas, visando a construção de um futuro mais inclusivo, justo e sustentável para todas as comunidades indígenas. 14 Contribuciones a Las Ciencias Sociales, São José dos Pinhais, v.17, n.6, p. 01-15, 2024 jan. 2021 REFERÊNCIAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em https://www2.camara.leg.br/legin/fed/consti/1988/constituicao-1988-5- outubro-1988-322142-normaatualizada-pl.pdf. Acesso em 10 mar. 2024. BRASIL. 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