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Aula 01 - Processo Penal 1 Aula 01 - Processo Penal Date Processo Penal Property Darlan Benevides de Queiroz Discussão e apresentação da disciplina. Ementa. Metodologia. Direito Processual Penal: Noções introdutórias. Funções e características do Direito Processual Penal. Conceitos iniciais acerca da atividade e órgãos da persecução penal. Histórico do Direito Processual Penal no mundo e no Brasil. Sistemas processuais (acusatório, inquisitivo e misto). Norma processual Penal no tempo e no espaço. Direito Processual Penal - Noções introdutórias: Como titular do direito de punir, o Estado é responsável pela atividade de persecução penal, entendida esta como a atividade de investigação e acusação em juízo daqueles a quem são imputadas práticas de infrações penais. Assim, o Direito Processual Penal surge como instrumento que regula tais atividades estatais voltadas à aplicação da Lei Penal, regulando não apenas as atividades de investigação a cargo da Polícia Judiciária e outros órgãos, como também a própria atividade em juízo, definindo os limites da atuação estatal a fim de garantir os direitos do acusado para que ao final a aplicação da lei penal seja justa e adequada ao fato praticado. Não causa surpresa, portanto, que o Processo Penal esteja cercado de garantias principalmente de índole constitucional, já que regulamenta uma atividade estatal que pode redundar na restrição da liberdade pessoal dos réus. Na definição de ROXIN (apud ARAÚJO e COSTA, 2019, p. 03 "O Direito Processo Penal contém os preceitos que regulam o esclarecimento dos delitos Aug 10, 2020 Aula 01 - Processo Penal 2 e a imposição de um castigo por parte do Estado" Portanto, o fim último do Direito Processual Penal é regular a atividade de persecução, tanto em juízo quanto antes, durante a investigação. Pode-se, portanto, dizer que a finalidade mediata do Processo Penal é a aplicação da Lei Penal e a finalidade imediata é a regulação do exercício da persecutio criminis, tanto em juízo quanto fora dele. Não nos parece correto afirmar que o Processo penal tem como fim imediato a realização do Direito Penal, visto que da atividade persecutória pode resultar pedido de absolvição até mesmo pelos órgãos estatais incumbidos da acusação. Nada obstante, encontram-se na doutrina opiniões no sentido de que o Processo Penal tem por fim imediato a aplicação do Direito Penal. Funções e características do Direito Processual Penal: Antes de mais nada, e preciso ressaltar que o Processo Penal é o que parte da doutrina chama de Direito Penal Adjetivo, em oposição ao conceito de Direito Penal Objetivo representado pelo Direito Penal dito material. É, pois, um direito instrumental, a despeito de intimamente vinculado ao Direito Penal material. Goza, no entanto, de autonomia didática e normativa, dado que tanto em âmbito acadêmico (com a instituição e regulamentação de conteúdos curriculares relacionados ao Processo Penal) quanto legal (com a existência de um direito processual penal legislado, consistente em alguns corpos normativos como os códigos de processo penal e de processo penal militar, além de farta legislação correlata) sua distinção em relação a outros ramos do Direito é bastante ressaltada. No entanto, a autonomia didática e normativa não significa uma separação completa e absoluta entre processo penal e Direito Penal, visto que na aplicação do processo penal há incidência de institutos claramente relacionados com o Direito Penal material, como é o caso do Direito de ação ou mesmo das causas extintivas da punibilidade, pelo que, como corretamente observa Paulo Queiroz ( https://www.pauloqueiroz.net/direito-penal-e-direito- processual-penal-autonomia-e-deficit-de-garantismo): "Por isso é que entre o https://www.pauloqueiroz.net/direito-penal-e-direito-processual-penal-autonomia-e-deficit-de-garantismo Aula 01 - Processo Penal 3 direito penal e o processo penal há uma relação de mútua referência e complementaridade, visto que o direito penal é impensável sem um processo penal (e vice-versa)." Posição Enciclopédica do Direito Processual Penal: A divisão entre Direito Público e Direito Privado já não tem tanta utilidade prática quanto no momento histórico em que foi cunhada, ainda mais pelo crescente prestígio experimentado pelo Direito Constitucional. A doutrina, no entanto, é praticamente unânime em afirmar o caráter de Direito público do Direito Processual, tanto o cível quanto o penal. Fontes do Direito Processual Penal: As fontes do direito são divididas em fontes materiais ou de criação e fontes formais, cognição ou de revelação. No caso do Processo Penal, somente o Estado pode criar normas de processo penal, sendo lícito afirmar que o Estado é a fonte de produção por excelência do Direito Processual Penal. No Brasil, a competência legislativa para criar normas de processo penal pertence à união CF, art. 22, I. Os estados-membros, no entanto, têm competência concorrente para legislar sobre procedimentos em matéria processual CF, art. 24, XI, de tal sorte que normas estaduais que não invadam o âmbito do processo, limitando-se a regular o Procedimento, são perfeitamente válidas: Anotação Vinculada - art. 24, inc. XI da Constituição Federal - "A legislação que disciplina o inquérito policial não se inclui no âmbito estrito do processo penal, cuja competência é privativa da União (art. 22, I, CF, pois o inquérito é procedimento subsumido nos limites da competência Aula 01 - Processo Penal 4 legislativa concorrente, a teor do art. 24, XI, da CF de 1988, tal como já decidido reiteradamente pelo STF. O procedimento do inquérito policial, conforme previsto pelo CPP, torna desnecessária a intermediação judicial quando ausente a necessidade de adoção de medidas constritivas de direitos dos investigados, razão por que projetos de reforma do CPP propõem a remessa direta dos autos ao Ministério Público. No entanto, apesar de o disposto no inciso IV do art. 35 da LC 106/2003 se coadunar com a exigência de maior coerência no ordenamento jurídico, a sua inconstitucionalidade formal não está afastada, pois insuscetível de superação com base em avaliações pertinentes à preferência do julgador sobre a correção da opção feita pelo legislador dentro do espaço que lhe é dado para livre conformação. Assim, o art. 35, IV, da LC estadual 106/2003 é inconstitucional ante a existência de vício formal, pois extrapolada a competência suplementar delineada no art. 24, § 1º, da CF de 1988.<br>[ADI 2.886, rel. p/ o ac. min. Joaquim Barbosa, j. 342014, P, DJE de 58 2014.]<br>Vide ADI 1.285 MC, rel. min. Moreira Alves, j. 25 101995, P, DJ de 2332001" As fontes formais, por sua vez, são as fontes de revelação do Direito: são as leis, tratados, decisões vinculantes (imediatas) e os costumes, analogia e princípios gerais de direito (mediatas). A interpretação das normas de Processo Penal: Quanto à origem: Aula 01 - Processo Penal 5 1 Autêntica ou legislativa: é aquela que é feita pelo próprio legislador e vincula o intérprete. Ex: art. 302 do CPP Art. 302. Considera-se em flagrante delito quem: I está cometendo a infração penal; II acaba de cometê-la; III é perseguido, logo após, pela autoridade, pelo ofendido ou por qualquer pessoa, em situação que faça presumir ser autor da infração; IV é encontrado, logo depois, com instrumentos, armas, objetos ou papéis que façam presumir ser ele autor da infração. 2 Doutrinária: é feita pelos estudiosos do Direito Processual. Não vincula o intérprete, podendo este se valer das indicações doutrinárias ou não. 3 Judicial ou jurisprudencial: Feita pelo Poder Judiciário através de decisões reiteradas ou de precedentes vinculantes. Até a Emenda Constitucional n.º 45/04 somente as decisões proferidas no controle de constitucionalidade vinculavam o intérprete. A partir da referida Emenda Constitucional, e mais intensamente após a vigência do Código de Processo Civilde 2015 Lei n.º 13.105/2015, os precedentes decididos de acordo com a sistemática dos recursos repetitivos, os que tenham sua relevância arguida e reconhecida pelo STF e as súmulas em geral passaram a vincular os intérpretes dentro dos limites das decisões proferidas, sendo que as súmulas vinculantes podem inclusive ser aplicadas a órgãos que não integram o Poder Judiciário CF, art. 103A Art. 103A. O Supremo Tribunal Federal poderá, de ofício ou por provocação, mediante decisão de dois terços dos Aula 01 - Processo Penal 6 seus membros, após reiteradas decisões sobre matéria constitucional, aprovar súmula que, a partir de sua publicação na imprensa oficial, terá efeito vinculante em relação aos demais órgãos do Poder Judiciário e à administração pública direta e indireta, nas esferas federal, estadual e municipal, bem como proceder à sua revisão ou cancelamento, na forma estabelecida em lei. Quanto ao modo de intepretação, temos: Interpretação histórico-evolutiva: Leva em consideração o processo de evolução histórica dos Institutos processuais. Sistemática: considerando que a norma processual se insere em um sistema, a interpretação sistemática procura contextualizar a aplicação da norma processual, tendo em vista o ramo do direito em que se insere, o conjunto de disposições próprias de cada subsistema normativo (ex: arts. 3.º, 139, 362, do CPP. Teleológica: busca-se, em tal forma de interpretação, identificar o fim visado pela norma e a partir de tal identificação procede-se à tomada de decisão interpretativa. Quanto ao resultado, ou extensão de seus efeitos, a interpretação da norma pode ser: Declarativa: quando o resultado da interpretação coincide com o texto da norma interpretada; Restritiva: quando o resultado da interpretação tem alcance menor do que o declarado na norma interpretada - lex magis dixit quam voluit. ex: art. 31 do CPP Aula 01 - Processo Penal 7 Art. 31. No caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Extensiva: quando o resultado da interpretação amplia o sentido original declarado na norma interpretada (lex minus dixit quam voluit): ex. art. 34 do CPP Art. 34. Se o ofendido for menor de 21 e maior de 18 anos, o direito de queixa poderá ser exercido por ele ou por seu representante legal. No caso exemplificado, a interpretação é de que se a norma vale para o direito de queixa, conforme declarado, vale também para o de representação (vale o argumento a fortiori, nesse caso). O processo penal, ao contrário do Direito Penal material, admite o recurso à analogia, e aos princípios gerais do direito como instrumentos de integração da norma. Tal é o sentido do art. 3.º do CPP Art. 3.º A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito. Aula 01 - Processo Penal 8 Conceitos iniciais acerca da atividade e órgãos da persecução penal. Os conceitos mais importantes sobre os quais devemos nos debruçar por ora são os de investigação criminal, persecução penal, ação penal e jurisdição. Investigação é a fase preliminar na qual são recolhidas evidências preliminares da existência do delito e de sua autoria. A investigação, por regra, é conduzida pela Polícia Judiciária, no entanto, o STF já assentou que não existe monopólio da investigação pelas polícias Judiciária e Federal), podendo outros órgãos CPI's, Banco Central, Ministério Público, etc.) conduzir investigações válidas, desde que respeitados os princípios constitucionais que veremos adiante neste curso. Persecução penal (persecutio criminis) é a atividade estatal vinculada pela qual um órgão constitucionalmente encarregado de promover a punição dos crimes Ministério Público, com exclusividade, no caso da ação penal pública) ou os legitimados pela lei penal (no caso da ação penal privada e da ação penal privada subsidiária) vem a juízo postular a aplicação da lei penal material de acordo com os procedimentos estabelecidos no CPP e leis processuais aplicáveis. Ação Penal é o direito autônomo e abstrato de pedir ao Judiciário a aplicação da norma penal ao caso concreto. Jurisdição é a atividade estatal de aplicação da norma abstrata ao caso concreto. Tais conceitos serão oportunamente aprofundados. Aula 01 - Processo Penal 9 Histórico do Direito Processual Penal no mundo e no Brasil. Sistemas processuais: Na antiguidade clássica - Nas sociedades clássicas Roma, Grécia), a acusação era formalizada predominantemente em modelo acusatório, cabendo a determinados cidadãos incumbidos da promoção da ação. Havia crimes públicos e privados e a decisão era normalmente tomada por um júri, cabendo ao juiz meramente a postura de fiscalizar o cumprimento dos procedimentos. Inquisição - por volta do século XIII o processo penal, sob influxo do Direito Canônico e da santa inquisição passou a ter caráter marcadamente inquisitivo. Havia intervenção direta dos órgãos julgadores na produção da prova, não havendo separação formal entre a figura do inquisidor e do julgador. Nesse momento histórico houve um crescimento da importância das chamadas ordálias, juízos de Deus e provas taxadas. A tortura era admitida como meio de obtenção da confissão, considerada, então, a rainha das provas. Direito revolucionário francês - após a revolução francesa surgiu o sistema dos juizados de instrução, na qual a investigação era feita por órgãos do judiciário, sem contraditório, e posteriormente o julgamento passava a ser oral, público e contraditório TOURINHO FILHO, p. 112. Direito contemporâneo - predomina, na atualidade o chamado sistema acusatório, no qual são linhas-mestras a acusação formalizada por órgão diverso do órgão julgador (Absolute Trennung zwischen Richter und Ankläger) Sistemas processuais (acusatório, inquisitivo e misto): Aula 01 - Processo Penal 10 A definição dos chamados sistemas processuais prende-se ao que se convencionou chamar de gestão da prova. O Sistema chamado Inquisitivo baseava-se no segredo do procedimento, na falta de separação entre as figuras do acusador e do julgador, na existência de provas tarifadas e na ausência de contraditório. O sistema acusatório, por outro lado, funda-se na gestão das provas pelas partes, mantendo-se o julgador em uma posição equidistante e inerte no que diz respeito à iniciativa probatória. O assim denominado sistema misto surgiu com o Code D'Instruction Criminelle, promulgado em 1808, que previa uma fase inicial inquisitiva, não contraditória e sigilosa e uma instrução em juízo ampla e contraditória. A Lei Processual penal no Espaço: A regra no processo penal é a atuação territorial da norma. Quando o processo se desenrolar no Brasil, a norma processual a ser aplicada é a brasileira. Excepcionalmente podem ser aplicadas normas processuais estrangeiras, em respeito a tratados ou convenções de que o Brasil seja signatário CPP, art. 1.º, I. A Lei Processual Penal no Tempo: As normas processuais penais aplicam-se imediatamente aos processos em curso (tempus regit actum). Aula 01 - Processo Penal 11 Há basicamente 3 sistemas referentes à aplicação da norma processual penal no tempo: o sistema da aplicação imediata (adotado pelo Brasil), o sistema da independência das fases, pelo qual considera-se cada fase processual (postulatória, de saneamento, instrutória e decisória) como um bloco sobre o qual se devem aplicar as regras correspondentes. e o princípio da anterioridade, que somente se aplica, no Brasil, ao Direito Penal material. A Lei de Introdução ao Código de Processo Penal Dec.Lei n.º 3.931/41 também estipula exceções ao princípio da aplicação imediata da norma processual, sendo os mais notáveis os dos arts. 3.º e 6.º: Art. 3º O prazo já iniciado, inclusive o estabelecido para a interposição de recurso, será regulado pelalei anterior, se esta não prescrever prazo menor do que o fixado no Código de Processo Penal. e Art. 6º As ações penais, em que já se tenha iniciado a produção de prova testemunhal, prosseguirão, até a sentença de primeira instância, com o rito estabelecido na lei anterior.