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Autora: Profa. Luciana Mantzouranis Colaboradoras: Profa. Cristiane Jaciara Furlaneto Profa. Fernanda Torello de Mello Profa. Laura Cristina da Cruz Dominciano Bioquímica 9 BIOQUÍMICA Unidade I 1 CARBOIDRATOS 1.1 Estrutura e função dos carboidratos Os carboidratos são compostos que têm na sua estrutura os elementos químicos carbono, hidrogênio e oxigênio. Geralmente, eles apresentam como fórmula geral (CH2O)n, sendo n ≥ 3. A maioria dos carboidratos pode ser representada dessa forma, mas não todos, pois alguns contêm nitrogênio, fósforo ou enxofre, que não estão incluídos nessa fórmula. O nome carboidrato indica que eles são hidratos de carbono, designação oriunda da fórmula geral apresentada pela maioria desses compostos. A terminação ose é frequentemente utilizada na nomenclatura dos carboidratos. Alguns exemplos são a glicose e a ribose Veja a figura a seguir: A. B. C C C C H H H H H H H OH OH OH OH OH OH HO O OH H C C C C C CH2OH CH2OH Figura 1 – A) glicose; B) ribose Na figura 1A, podemos observar que a glicose tem 6 átomos de carbono, 12 de hidrogênio e 6 de oxigênio, portanto podemos representá-la como C6H12O6 ou (CH2O)6. Observação Em química, nas fórmulas que representam os compostos, os números fora dos parênteses valem para todos os elementos que estão dentro deles. Na figura 1B, podemos observar que a ribose tem 5 átomos de carbono, 10 de hidrogênio e 5 de oxigênio, portanto podemos representá-la como C5H10O5 ou (CH2O)5. Também podemos observar que os carboidratos apresentam vários grupos hidroxilas (OH), e por isso são considerados compostos poliálcoois. 10 Unidade I Observação Hidroxila ligada a carbono saturado corresponde à função orgânica álcool. A seguir estão representados outros exemplos de carboidratos: A. C. B. D. C C C C C C C C H H H H H H H OH OH O OH OH OH OH OH O OH H C C CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH C O CH2OH CH2OH Figura 2 – A) gliceraldeído; B) galactose; C) diidroxiacetona; D) ribulose Observação A terminação ose é frequentemente utilizada na nomenclatura dos carboidratos, mas nem todos têm o nome terminado dessa forma. Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação Os carboidratos da figura 2 podem ser representados pela fórmula geral dos carboidratos: (CHOs carboidratos da figura 2 podem ser representados pela fórmula geral dos carboidratos: (CH22O)n. O)n. Conte a quantidade de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio presente em cada um e os represente Conte a quantidade de átomos de carbono, hidrogênio e oxigênio presente em cada um e os represente seguindo a fórmula geral. seguindo a fórmula geral. Os carboidratos são as biomoléculas mais abundantes e constituem cerca de 60% da nossa dieta. Através de sua oxidação, obtemos a maior parte da energia utilizada pelo nosso organismo. Além de fonte energética, eles são componentes das membranas celulares, dos ácidos nucleicos – DNA e RNA –, da parede celular de bactérias, fungos e vegetais e do tecido conjuntivo de animais. 11 BIOQUÍMICA A pirâmide alimentar (figuras 3 e 4) mostra a importância dos carboidratos na nossa alimentação. Em sua base, estão os alimentos que precisam ser ingeridos em maior quantidade e, no topo, os que precisam ser ingeridos em menor quantidade. A base é constituída pelo grupo dos carboidratos. Alguns exemplos são: o trigo, o milho, o arroz, a batata, a mandioca, os pães, o macarrão dentre outros. Acúcares e doces Hortaliças Gorduras e óleos Leite, iogurte, queijo Frutas Leguminosas (feijão, soja, lentilha, ervilha) Pães, farinha, arroz e massa (derivados de grãos, tubérculos e raízes) Carne, aves, peixe, ovos Figura 3 – Pirâmide alimentar e os grupos alimentares 1 a 2 porções 4 a 5 porções 1 a 2 porções 3 porções 3 a 5 porções 1 porção 5 a 9 porções 1 a 2 porções Figura 4 – Pirâmide alimentar e as porções de consumo diário 12 Unidade I Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação Reflita um pouco sobre a sua alimentação. Será que ela está de acordo com as quantidades sugeridas Reflita um pouco sobre a sua alimentação. Será que ela está de acordo com as quantidades sugeridas na pirâmide alimentar?na pirâmide alimentar? 1.2 Classificação dos carboidratos 1.2.1 Classificação em relação à possibilidade de hidrólise Os monossacarídeos são os carboidratos mais simples: não sofrem hidrólise, são solúveis em água e insolúveis em compostos orgânicos e apresentam-se em estado sólido em temperatura ambiente. Observação Hidrólise é a quebra na presença de água. Os carboidratos que sofrem hidrólise originam carboidratos mais simples. A glicose, a ribose, o gliceraldeído, a galactose, a diidroxiacetona, a ribulose e a frutose são exemplos de monossacarídeos. Observação A palavra “sacarídeo” é derivada da palavra grega sakcharon, que significa açúcar. A frutose é o carboidrato mais doce e é encontrada principalmente nas frutas e no mel. Os monossacarídeos, em solução aquosa, com cinco ou mais carbonos, adquirem estruturas cíclicas devido à reação que ocorre entre o grupo carbonila e uma hidroxila. Menos de 1% de cada monossacarídeo com cinco ou mais carbonos ocorre na forma aberta. No processo de ciclização da glicose (figura 5), são formados os anômeros α e β. As enzimas são capazes de diferenciar essas duas estruturas e utilizar uma delas preferencialmente. O glicogênio é sintetizado a partir de α-glicose e a celulose, a partir de β-glicose. Observação Anômeros são compostos com a mesma fórmula molecular, mas com diferença apenas na configuração do carbono anomérico. 13 BIOQUÍMICA A. C C 1 H H H H OH água OH OH OH OH HO HO HO OH OH OH OH OH C C C O OH HO O H C C C CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH C OH C O C O C C C C C C C H C C 2 3 4 5 6 6 6 6 5 5 5 3 3 3 4 4 4 1 1 1 2 2 2 α - glicose β - glicose Figura 5 – Ciclização da glicose com formação dos anômeros α-glicose (α-glicopiranose) e β-glicose (β-glicopiranose) Compare atentamente as formas cíclicas da α-glicose e da β-glicose na figura a seguir: OH OH HO HO OH OH OH OH C C CH2OH CH2OH C O C O C C C C C C 6 6 5 5 3 3 4 4 1 1 2 2 α - glicose β - glicose Figura 6 – Formas cíclicas da glicose. α-glicose e β-glicose. A diferença entre as duas estruturas está destacada No anômero α, o OH ligado ao carbono anomérico (C1) está abaixo do plano e, no anômero β, acima. Conhecer essa diferença é importante para entender a distinção existente entre a estrutura da molécula de glicogênio e a de celulose, por exemplo. Essa nomenclatura α e β também é utilizada para a forma cíclica da frutose, referindo se à configuração do OH ligado ao carbono 2. Veja a figura a seguir: O O OH OH OH OH HO HO HOCH HOCHCH2OH CH2OH 6 6 5 5 4 43 3 2 2 1 1 2 2 α - frutose β - frutose Figura 7 – Formas cíclicas da frutose. α-frutose e β-frutose. A diferença entre as duas estruturas está destacada 14 Unidade I No anômero α, o OH ligado ao carbono anomérico (C2) está abaixo do plano e, no anômero β, está acima. As formas estruturais lineares foram propostas por Fischer; posteriormente, Tollens propôs a ciclização das moléculas e atualmente adotam-se as fórmulas de projeção propostas por Haworth, as quais permitem a visualização das moléculas no espaço. Veja a figura a seguir: C C H 1 H H H H OH O OH OH OH OH OH OH OH HOHO OH HO C C C CH2OH CH2OH CH2OH H H H H H H H HH O O 2 3 4 5 6 6 6 5 5 3 3 4 41 1 2 2 Fisher Tollens Haworth Figura 8 – Estruturas propostas por Fischer, Tollens e Haworth Os dissacarídeos são formados pela união de dois monossacarídeos (quadro 1) e, portanto, sua hidrólise gera dois monossacarídeos, os quais podem ser diferentes ou iguais. Quadro 1 – Monossacarídeos constituintes dos dissacarídeos Dissacarídeo → Monossacarídeo + Monossacarídeo Sacarose → Glicose + Frutose Maltose → Glicose+ Glicose Lactose → Glicose + Galactose Na reação para a formação de um dissacarídeo, ocorre a formação de uma ligação glicosídica e a liberação de uma molécula de água. Observe a figura a seguir: 15 BIOQUÍMICA OH OH O + OH OH HO HO HO OH OH OH OH OH Ligação glicosídica α - 1,4 Maltose OH OH C C C C CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH H2O C O C O C O C O C C C C C C C C C C C C 6 6 6 6 5 5 5 5 3 3 3 3 4 4 4 4 1 1 1 1 2 2 2 2 α - glicose α - glicose Figura 9 – Formação da maltose através da ligação de dois monossacarídeos α-glicose com formação de uma ligação glicosídica α-1,4 e eliminação de uma molécula de água Observação A ligação glicosídica é denominada α-1,4 pois é formada pelo carbono 1 de um monossacarídeo, que apresenta configuração α, e pelo carbono 4 do outro monossacarídeo que participa da ligação. O dissacarídeo sacarose é formado pela união entre uma molécula de glicose e uma de frutose, conforme representado na figura a seguir: OH OH OH OH OH OH OH OH HO OH HOOH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH + H2O CH2OH H H H H H H H H H H H H H H O O O 6 6 5 3 4 4 5 1 2 1 2 3 α-D-glicosepiranose β-D-frutosefuranose sacarose ligação 1,2 O O Figura 10 – Formação da sacarose através da ligação entre α-glicose (α-D-glicosepiranose) e β-frutose (β-D-glicosefuranose) 16 Unidade I Generalizando a reação de formação de monossacarídeos, temos: Monossacarídeo + Monossacarídeo → Dissacarídeo + H2O A sacarose é encontrada principalmente na cana-de-açúcar e na beterraba; a lactose é encontrada no leite e a maltose é obtida da hidrólise do amido. Observação Como os bombons cujo interior é líquido são preenchidos? Primeiramente, é feita uma pasta através da mistura de sacarose e água, a seguir, é adicionada uma enzima chamada invertase, e essa mistura é coberta com chocolate. A invertase hidrolisa a molécula de sacarose em glicose e frutose. A sacarose tem 12 carbonos e tanto a glicose quanto a frutose têm 6. As moléculas de 6 carbonos são mais solúveis e, portanto, devido à ação da invertase, o conteúdo do bombom, que antes era de aspecto cristalino, torna-se líquido. A definição de oligossacarídeos varia nos livros de Bioquímica, alguns consideram que, para serem assim considerados, têm que ter de 3 a 10 monossacarídeos (FERREIRA; JARROUGE; MARTIN, 2010); outros afirmam que, para ser um oligossacarídeo, é necessário ter entre 3 e 12 monossacarídeos (RICHARD; DENISE, 2012). Acima de 10 ou 12 monossacarídeos, o composto é considerado um polissacarídeo. Existem autores que consideram que os carboidratos são divididos em apenas três classes: monossacarídeos, oligossacarídeos e polissacarídeos e que, acima de 20 monossacarídeos ligados, o composto deve ser denominado polissacarídeo. De acordo com essa definição, os dissacarídeos são considerados oligossacarídeos (NELSON; COX, 2006). Alguns exemplos de polissacarídeos são o amido e o glicogênio, que são formas de armazenar energia; e a celulose e a quitina, que são componentes estruturais. Os polissacarídeos são diferentes nos tipos de monossacarídeos que os constituem, nos tipos de ligações, nas ramificações e no tamanho da cadeia. O amido é a forma de armazenamento de vegetais e é constituído por dois polímeros de glicose: a amilose e a amilopectina. A amilose é constituída por moléculas de α-glicose ligadas de maneira linear através de ligações glicosídicas α-1,4. A amilopectina é uma cadeia ramificada, em que a parte linear é formada através de ligações α-1,4, e as ramificações são formadas por ligações α-1,6 (figura a seguir). As fibras de amilose e amilopectina formam duplas hélices (NELSON; COX, 2006). 17 BIOQUÍMICA A. |B. OH OH O n + OH OH OH OH OH OH C C C C CH2OH CH2OH Ramificação α-1,6 CH2OH CH2 C O C O C O C O C C C C C C C C C C O C C 6 6 6 6 5 5 1 5 5 3 3 3 3 4 4 4 4 1 1 1 2 2 2 2 Figura 11 – A) amilose; B) amilopectina A figura anterior representa amilose e amilopectina. A primeira é formada por moléculas de α-glicose conectadas linearmente por ligações glicosídicas α-1,4. O n representa a quantidade de moléculas de α-glicose. A segunda também é constituída de moléculas de α-glicose conectadas linearmente por ligações glicosídicas α-1,4; porém com ramificações nas quais as moléculas de α-glicose conectam-se através de uma ligação glicosídica α-1,6. Nas ramificações, ou seja, as posições nas quais há ligações glicosídicas α-1,6, são encontradas de 24 a 30 moléculas de glicose da cadeia principal, as quais são formadas por ligações α-1,4. O amido é encontrado na batata, no trigo, no arroz, no milho, na mandioca entre outros, conforme mostra o quadro a seguir: Quadro 2 – Porcentagem de amido presente em alguns vegetais Vegetais Porcentagem de amido Batata 15 Trigo 55 Arroz 65 Milho 75 Fonte: Usberco; Salvador (2010, p. 722). 18 Unidade I Observação A presença de amido pode ser testada utilizando uma solução de iodo. Na presença de amido, o iodo produz uma coloração azul-violeta (conforme figura a seguir). Figura 12 – Teste com iodo em um pedaço de batata O glicogênio, o polissacarídeo de reserva animal, é muito similar à amilopectina, porém tem um maior número de ramificações. Uma ramificação é identificada a cada 8 a 12 unidades de glicose. Tanto o amido quanto o glicogênio são altamente hidratados devido à interação entre os grupos hidroxilas e a água. Essa interação é chamada ligação de hidrogênio. O glicogênio perfaz de 4 a 8% da massa do fígado e também está presente nos músculos esqueléticos, representando de 0,5 a 1% da massa. A celulose é uma substância fibrosa encontrada na parede celular dos vegetais, particularmente em troncos e galhos, perfaz quase toda a massa da madeira e quase 100% da massa do algodão (FRANCISCO JÚNIOR, 2008). A celulose é um polímero linear constituído por moléculas de glicose, porém essas moléculas estão na configuração β, formando ligações glicosídicas β-1,4. Lembrete No processo de ciclização da glicose, são formadas a α-glicose e a β-glicose; sendo que o glicogênio e amido são formados por α-glicose, e a celulose é formada por β-glicose. 19 BIOQUÍMICA A quitina é um polissacarídeo linear formado por moléculas de N-acetil-D-glicosamina em ligação β. Ela é o principal componente do exoesqueleto duro de artrópodes como insetos, lagostas e caranguejos. Veja a figura a seguir: OH O O O n OH NHCONH3 CH2OH C C CH2OH NHCONH3 C O C O C C C O C C 6 6 5 3 2 3 5 4 4 1 1 2 Figura 13 – Quitina, em que “n” representa a quantidade de moléculas de N-acetil D-glicosamina Lembrete Alguns carboidratos têm nitrogênio em sua estrutura, e a N-acetil D-glicosamina é um exemplo. A parede celular das bactérias apresenta peptideoglicanos constituídos por um polímero com unidades alternadas de N-acetilglicosamina e N-acetilmurâmico. Essas cadeias polissacarídicas são ligadas por peptídeos. 1.2.2 Classificação dos monossacarídeos quanto ao grupo funcional As funções orgânicas encontradas em carboidratos são aldeído e cetona. Aqueles que apresentam a função orgânica aldeído são chamados aldoses e os que apresentam cetona são chamados cetoses. Observação Os compostos orgânicos foram agrupados conforme estruturas comuns, esses grupos são chamados de funções orgânicas. Cada função orgânica é caracterizada por um grupo funcional. Denomina-se aldeído todo composto orgânico que tem o grupo carbonila ligado a 1 hidrogênio; e cetona o que tem o grupo carbonila entre 2 carbonos (figura a seguir). O grupo funcional aldeído está sempre em uma extremidade da cadeia; já o grupo funcional cetona está sempre em uma porção interna da cadeia. 20 Unidade I O O OB. A. C. C C C CCH Figura 14 – Grupos funcionais presentes em carboidratos.A) grupo carbonila; B) grupo funcional da função orgânica aldeído; C) grupo funcional da função orgânica cetona A glicose apresenta o grupo funcional da função orgânica aldeído, sendo considerada uma aldose. E a frutose apresenta o grupo funcional da função orgânica cetona, sendo considerada uma cetose. Veja a figura a seguir: A. B. C C C O H H H H H H HOH OH OH OH OH HO HO O H C C C C C C CH2OH CH2OH CH2OH Figura 15 – A) glicose com o grupo funcional da função orgânica aldeído destacado em vermelho; B) frutose com o grupo funcional da função orgânica cetona destacado em vermelho Observação Algumas substâncias são imagens uma da outra no espelho, elas são chamadas de enantiômeros e denominadas com D e L. Nos seres humanos, a substância predominante é a D. Como os carboidratos apresentam vários grupos hidroxilas e podem ser aldeídos ou cetonas, eles são considerados poliidroxialdeídos ou poliidroxicetonas, respectivamente. 1.2.3 Classificação dos monossacarídeos em relação ao número de carbonos De acordo com o número de átomos de carbonos que o carboidrato tem na sua estrutura, pode ser classificado como: triose (3), tetrose (4), pentose (5), hexose (6), heptose (7) e nonose (9). 2 DEGRADAÇÃO DOS CARBOIDRATOS 2.1 Introdução ao metabolismo Metabolismo é o nome dado a todas as reações químicas que ocorrem no organismo. O metabolismo pode ser dividido em várias vias, ou seja, em sequências de várias reações químicas, como a via glicolítica 21 BIOQUÍMICA ou a via de síntese do glicogênio. Nelas, o produto de uma reação química transforma-se no substrato da próxima (figuras 16 e 17). A C E B D F Figura 16 – Exemplo simplificado de uma via. As letras representam substâncias que estão passando por reações químicas. A substância A é transformada na substância B que, por sua vez, é transformada na substância C; essa sequência de transformações acontece até a substância F ser formada Na via mostrada na figura anterior, a substância A é chamada de substrato; a substância F, de produto final; e as substâncias B, C, D e E de intermediárias da via. Observação Nas reações químicas, as substâncias que são utilizadas como matérias- primas da reação são chamadas de reagentes ou substratos, e as que são produzidas, chamadas de produtos. H J G Via 3 Via 1 Via 2 I K A C E B D F L N P M O Figura 17 – Exemplo simplificado de metabolismo. As vias 1, 2 e 3 formam conexões, estabelecendo uma rede de reações químicas 22 Unidade I Para que o metabolismo funcione de maneira compatível com as nossas necessidades fisiológicas, as reações químicas precisam acontecer de maneira rápida, o que só é possível devido à ação de moléculas catalisadoras, que são as enzimas. Elas catalisam as reações que constroem e destroem as moléculas. A insuficiência na produção ou na remoção de substâncias pode levar a condições patológicas. A maior parte das enzimas é de natureza proteica, ou seja, formada por aminoácidos que, no nosso organismo, estão em constante processo de síntese e degradação. Existem também moléculas de RNA que exercem a mesma função das enzimas e que são chamadas de ribozimas. As enzimas são sintetizadas pelo nosso próprio organismo através das informações contidas na molécula de DNA, portanto, o funcionamento adequado do nosso metabolismo está diretamente ligado ao nosso material genético. Uma característica importante das enzimas é a sua especificidade, ou seja, elas são específicas para o seu substrato. De maneira geral, pode-se dizer que, para cada reação química do metabolismo, há uma enzima. Veja a figura a seguir: A enzima 1 enzima 2 enzima 3 enzima 4 enzima 5 C E B D F Figura 18 – Cada reação química requer uma enzima diferente Os aminoácidos constituintes das enzimas interagem através de forças hidrofóbicas, interações iônicas entre outras, formando na cadeia polipeptídica dobramentos que definem a estrutura terciária. Para o processo de catálise, a totalidade da molécula enzimática é necessária; porém existe uma região chamada centro ativo (ou sítio ativo), onde ocorre a ligação do substrato. Ela é importante pois forma uma cavidade à qual o substrato se liga. Por isso, ele deve ter uma conformação adequada para se alojar no centro ativo da enzima. O processo explica a especificidade da enzima pelo seu substrato. Observe a figura a seguir: 23 BIOQUÍMICA A. + + + B. C. substrato substrato Não ocorre a reação Não ocorre a reação enzima enzima enzima Figura 19 – Especificidade enzima-substrato. A) o substrato aloja-se perfeitamente no sítio ativo da enzima, possibilitando que a reação química aconteça. B e C) as estruturas dos substratos não são compatíveis com o centro ativo da enzima, assim, as reações não ocorrem Saiba mais O texto a seguir mostra a importância das enzimas no metabolismo para a indústria e a pesquisa: MUSSATO, I. S; FERNANDES, M.; MILAGRES, A. M. F. Enzimas, poderosa ferramenta na indústria. Ciência Hoje, São Paulo, v. 41, n. 242, out. 2007. Disponível em: <http://cienciahoje.uol.com.br/banco-de-imagens/lg/protected/ ch/242/enzimas242.pdf/view>. Acesso em: 14 jul. 2014. As vias podem ser classificadas como catabólicas ou anabólicas. As vias catabólicas, também chamadas de vias de degradação, são as que quebram moléculas complexas nos seus constituintes, ou seja, em moléculas mais simples. Nelas, ocorre a liberação de energia. Por exemplo, os carboidratos, os lipídios e as proteínas, que são compostos com alto conteúdo energético, são quebrados em CO2, H2O e NH3, que são produtos de excreção com baixo conteúdo energético. As vias anabólicas, conhecidas também como vias de síntese, são as que formam moléculas complexas a partir de moléculas simples e, nesse processo, há consumo de energia. Por exemplo, as proteínas, os polissacarídeos, os lipídios e os ácidos nucleicos; todos são considerados moléculas complexas formadas por aminoácidos, monossacarídeos, ácidos graxos e bases nitrogenadas, respectivamente (figura a seguir). 24 Unidade I Macronutrientes – carboidratos – lipídios – proteínas Produtos de excreção (pobres em energia) – CO2 – H2O – NH3 Macromoléculas – proteínas – polisscarídeos – lipídios – ácidos nucleicos Moléculas precursoras – aminoácidos – acúcares simples – ácidos graxos – bases nitrogenadas energiacatabolismo anabolismo Figura 20 – Relação entre catabolismo e anabolismo O catabolismo pode ser dividido em três estágios: • no primeiro, as macromoléculas, que constituem os macronutrientes, são digeridas no tubo digestório, gerando moléculas menores que serão absorvidas, ou seja, passarão para a corrente sanguínea e serão distribuídas para as células; • no segundo, que ocorre dentro das células, as moléculas serão quebradas em moléculas ainda menores e haverá produção de pequena quantidade de energia; • no terceiro, essas moléculas serão transformadas em produtos de excreção e haverá grande produção de energia. A energia química fica armazenada principalmente em um composto intermediário chamado ATP (adenosina trifosfato). A energia proveniente dos nutrientes é utilizada para ligar um grupo fosfato a uma molécula de ADP (adenosina difosfato), formando assim o ATP que, por sua vez, se decompõe em ADP e grupo fosfato, transferindo a energia para as atividades celulares. 2.2 Degradação dos carboidratos 2.2.1 Digestão e absorção Os polissacarídeos da dieta são o amido e o glicogênio, e os sítios de digestão são a boca e o intestino. Para que a digestão ocorra em velocidade compatível com as nossas necessidades, são utilizadas as enzimas, que aceleram a velocidade das reações químicas. 25 BIOQUÍMICA Observação A digestão é quebra das moléculas presentes nos alimentos; a absorção é passagem de moléculas à circulação. A digestão dos polissacarídeos é iniciada na boca através da enzima α-amilase salivar, também chamada de ptialina. Essa enzima é uma endoglicosidase que hidrolisaas ligações glicosídicas α-1,4. (figura a seguir). Ligação glicosídica α - 1,4 glicosidade H2O + O O O OH HO 1 4 Figura 21 – Esquema simplificado da ação de uma glicosidase. Essa enzima atua na hidrólise da ligação glicosídica α-1,4 O glicogênio é um polissacarídeo de reserva animal que, devido às reações que ocorrem após o abate dos animais, é consumido nos processos de maturação da carne. Mas se a digestão do glicogênio fosse possível – uma vez que ele apresenta ramificações que têm ligações glicosídicas α-1,6 – o resultado da digestão pela α-amilase salivar seriam dissacarídeos e oligossacarídeos, ou seja, fragmentos menores que podem ter ramificações, ou não (figura a seguir). Os oligassacarídeos são chamados de dextrinas. Lembrete A diferença entre o amido e o glicogênio é que o último apresenta um maior número de ramificações; a digestão de ambos acontece da mesma maneira. 26 Unidade I A α-amilase salivar hidrolisa apenas ligações glicosídicas α-1,4 e, portanto, como resultado dessa digestão, são gerados dissacarídeos, como a maltose ( ) e a isomaltose ( ) e oligossacarídeos ramificados ou não. maltose isomaltose α - amilase salivar Ligação glicosídica α - 1,6 Ligação glicosídica α - 1,4 Glicogênio Figura 22 – Digestão do glicogênio, que apresenta tanto ligações glicosídicas α-1,4 quanto ligações α-1,6 A digestão que ocorre na boca é breve, pois o alimento permanece nela apenas durante a mastigação. Quando o bolo alimentar, juntamente com a enzima α-amilase salivar, chega ao estômago, ela é inativada devido à acidez nele presente. O conteúdo do estômago chega ao intestino delgado, o qual recebe do pâncreas o bicarbonato de sódio (responsável por neutralizar a acidez proveniente do estômago) e a enzima α-amilase pancreática, que continua o processo de digestão quebrando as ligações glicosídicas α-1,4. A digestão do glicogênio continua no jejuno superior pela ação das enzimas sintetizadas pelas células da mucosa intestinal, as dissacaridases e as oligossacaridases. As dissacaridases são a isomaltase, que hidrolisa a isomaltose; e a maltase, que hidrolisa a maltose. Dois carboidratos que estão bastante presentes na nossa alimentação são a sacarose (açúcar da cana-de-açúcar ou açúcar comum) e a lactose (açúcar do leite). A digestão desses dois carboidratos acontece no intestino por meio das enzimas sacarase e lactase, respectivamente. 27 BIOQUÍMICA Observação A sacarase hidrolisa a sacarose em seus constituintes glicose e frutose, e a lactase hidrolisa a lactose em glicose e galactose. Como resultado da digestão dos carboidratos da dieta, são formados monossacarídeos – apenas eles podem ser absorvidos pela mucosa intestinal. Existem dois processos para a absorção de monossacarídeos. Um deles é dependente de íons sódio e de uma classe de proteínas cuja sigla é SGLT –transportadora de glicose dependente do íon sódio. Esse transporte envolve o gasto de ATP, sendo, portanto, um transporte ativo. O outro processo é um transporte que não envolve gasto de energia, mas uma classe de proteínas transportadoras de glicose designadas pela sigla GLUT – transportador de glicose. Como não envolve gasto de energia e sim uma proteína carreadora, ele é chamado de difusão facilitada. A glicose é captada do lúmen intestinal para dentro do enterócito por meio do transportador SGLT1. A ligação de sódio a essa proteína ocasiona uma mudança conformacional na proteína, tornando possível a ligação de glicose. Para cada molécula de glicose, dois íons de sódio são transportados para o interior do enterócito. A glicose então passa do interior do enterócito para a corrente sanguínea ou por meio de difusão facilitada pelo GLUT-2 ou por meio de vesículas. O SGLT1 também transporta a galactose para o interior do enterócito, e essa é transportada para a corrente sanguínea por meio do GLUT-2. A frutose é transportada para o interior do enterócito pelo transportador GLUT-5 e para a corrente sanguínea por meio do GLUT-2. 2.2.2 Digestão anormal de dissacarídeos Como o processo de absorção só ocorre para os monossacarídeos, qualquer defeito nas dissacaridases, ou seja, nas enzimas que transformam os dissacarídeos em monossacarídeos, causa problemas. O dissacarídeo não digerido passa para o intestino grosso e, como consequência disso, ocorre a passagem de água para o órgão, causando diarreia. Além disso, as bactérias presentes no intestino fazem a fermentação utilizando o dissacarídeo como substrato. Nesse processo de fermentação, são formados ácido lático, CO2 e H2, causando cólicas abdominais, diarreia e flatulência. 2.2.3 Intolerância à lactose A mais comum das deficiências de enzimas digestivas é a intolerância à lactose, ocasionada pela ausência da enzima lactase. As causas que podem culminar na ausência da lactase são várias. 28 Unidade I Lembrete A lactase hidrolisa a lactose, açúcar do leite, em glicose e galactose. A maioria das crianças apresenta atividade máxima da lactase até os dois anos. Depois desse período, podem-se distinguir dois grupos: o dos que digerem a lactose, apresentando a chamada lactose persistente ou normolactasia; e o dos que apresentam uma má digestão da lactose: a lactose não persistente ou hipolactasia. O grupo que não digere a lactose corresponde a, aproximadamente, 75% da população mundial (MATTAR; MAZO; CARRILHO, 2012). O mecanismo pelo qual a enzima é perdida ainda não é claro. A doença também pode ser congênita, ou seja, afetar a criança desde seu nascimento. Isso, porém, ocorre com raridade e tem caráter autossômico e recessivo. A intolerância à lactose também pode estar relacionada a doenças intestinais, como a doença de Crohn, ou a drogas que danifiquem a mucosa do intestino delgado. O diagnóstico da intolerância à lactose pode ser realizado de duas maneiras. A primeira envolve a realização de uma curva glicêmica em que se coleta uma amostra de sangue do paciente em jejum, que depois recebe uma dose de lactose. Então, novas amostras de sangue são coletadas após 15, 30, 60 e 90 minutos. Um pequeno aumento na quantidade de glicose sugere má digestão da lactose. A segunda maneira é medir o gás hidrogênio no hálito, uma vez que a lactose não degradada é metabolizada pela flora intestinal gerando gás hidrogênio. O tratamento para essa deficiência é a remoção da lactose da dieta ou a ingestão de pílulas de lactase antes da ingestão de lactose. Vários produtos foram gerados pela indústria alimentícia visando ao bem-estar das pessoas com essa deficiência, como mostra a figura a seguir: A B D E C Figura 23 – Alimentos para pessoas com intolerância à lactose: A) leite; B) leite; C) iogurte; D) sorvete; E) pães de queijo 29 BIOQUÍMICA Exemplo de aplicaçãoExemplo de aplicação Quando você for a um supermercado, observe se é fácil encontrar alimentos que atendam às Quando você for a um supermercado, observe se é fácil encontrar alimentos que atendam às pessoas com intolerância à lactose e com outras doenças que necessitem restringi-la no organismo. pessoas com intolerância à lactose e com outras doenças que necessitem restringi-la no organismo. Observe também quais alimentos têm lactose em sua composição e compare os preços daqueles que a Observe também quais alimentos têm lactose em sua composição e compare os preços daqueles que a apresentam com aqueles que não a contêm. Reflita sobre o acesso e a disponibilidade desses produtos.apresentam com aqueles que não a contêm. Reflita sobre o acesso e a disponibilidade desses produtos. 2.2.4 Transporte de glicose para dentro da célula A glicose entra nas células através dos transportadores de glicose (GLUTs). Quatorze transportadores de glicose são conhecidos; eles são numerados de 1 a 14. Essa numeração indica a ordem de descoberta. O GLUT-1 foi o primeiro a ser descoberto, e o GLUT-14 foi o último. Os GLUTs atuam por meio de mudança conformacional. Com a ligação da glicose extracelular, ocorre uma mudança na conformação do transportador,o que permite a entrada da glicose para o meio intracelular. Observe a figura a seguir: Glicose Permease Meio extracelular Meio intracelular Figura 24 – Representação esquemática do transporte facilitado de glicose através de uma membrana celular Os GLUTs apresentam especificidade tecidual: O GLUT-1 é abundante nos eritrócitos e no encéfalo; o GLUT-2 é encontrado no fígado, no rim e nas células β do pâncreas; o GLUT-3 está presente nos neurônios; o GLUT-4 é abundante no tecido adiposo e no músculo esquelético e o GLUT-5 é o principal transportador de frutose no intestino delgado. O GLUT-4 é extremamente importante, pois esse transportador é dependente do hormônio insulina. A insulina promove o recrutamento dos transportadores de glicose presentes no músculo esquelético e nos adipócitos, os GLUT-4. Estes ficam armazenados em vesículas intracelulares e com a ação da insulina são encaminhados para a membrana plasmática. Com isso, a insulina aumenta o transporte da glicose. 2.2.5 Uso da glicose pelas células Dentro das células, a glicose pode ter vários destinos, dependendo da condição fisiológica do organismo e da disponibilidade de oxigênio. 30 Unidade I Caso o organismo necessite de energia e tenha oxigênio disponível, a glicose pode ser quebrada liberando CO2, H2O e energia. Essa quebra envolve cinco etapas: a via glicolítica, também chamada de glicólise; a conversão de piruvato em acetil-CoA; o Ciclo de Krebs; a cadeia de transporte de elétrons e a fosforilação oxidativa. Todos esses processos são chamados de respiração celular. Caso o organismo não necessite de energia, a glicose pode ser armazenada na forma de glicogênio, utilizado nos momentos de necessidade. Ele é armazenado no fígado e nos músculos. Quando necessário, por exemplo, nos períodos entre as refeições ou no jejum noturno, o glicogênio hepático é degradado gerando glicose, a qual é utilizada na manutenção da glicemia – concentração de glicose no sangue –, portanto a glicose proveniente do glicogênio hepático pode ser utilizada como fonte de energia para todas as células do corpo. Já o glicogênio muscular é utilizado como fonte de energia somente para as células musculares. O organismo consegue armazenar aproximadamente 350g de glicogênio, distribuídos em 250g como glicogênio muscular e 100g como glicogênio hepático. Em condições de anaerobiose, ou seja, de carência de oxigênio, a glicose é convertida em lactato. Esse processo é utilizado por algumas bactérias, pelas hemácias, por fibras musculares de contração rápida – fibras brancas – e pelas fibras em geral quando submetidas a esforço intenso. Ele é denominado fermentação láctica. 2.2.6 Via glicolítica ou glicólise A glicólise pode acontecer tanto na presença de oxigênio (e nessa condição é chamada de glicólise aeróbica) quanto na ausência de oxigênio (quando é denominada glicólise anaeróbica). A glicólise aeróbica tem como produto final o piruvato, porém ele é convertido em acetil-CoA, passando posteriormente pelo Ciclo de Krebs, pela cadeia de transporte de elétrons e pela fosforilação oxidativa. Portanto, na presença de oxigênio, a glicólise é apenas o primeiro passo da degradação da glicose. A glicólise anaeróbica tem como produto final o lactato, que vai para a corrente sanguínea. 2.2.7 Glicólise aeróbica A conversão de glicose em duas moléculas de piruvato (glicólise aeróbica), depende de dez reações químicas e de duas fases. A glicólise aeróbica ocorre no citosol das células, pois nele encontram-se todas as enzimas necessárias para esse processo. A primeira fase é chamada de fase de investimento ou fase preparatória; nela os compostos intermediários são fosfosforilados por intermédio do grupo fosfato obtido do ATP. Ela compreende as cinco primeiras reações da glicólise e são gastas 2 moléculas de ATP. As cinco reações subsequentes fazem parte da fase de produção ou fase de pagamento; nela são produzidas 4 moléculas de ATP e 2 moléculas de NADH (nicotinamida adenina dinucleotídeo). Em termos de produção de energia, a glicólise aeróbica contribui com 2 moléculas de ATP, pois 4 moléculas de ATP são produzidas na fase 31 BIOQUÍMICA de produção, mas 2 moléculas foram consumidas na fase de investimento. Assim, o saldo final é de 2 moléculas de ATP (figura a seguir). glicose 5 reações 5 reações 2 moléculas de piruvato Fase de investimento ou preparatória Gasto de duas moléculas de ATP Fase de produção ou pagamento Produção de quatro moléculas de ATP e duas moléculas de NADH. Figura 25 – As fases da glicólise aeróbica: fase de investimento e fase de produção As dez reações que compreendem a glicólise aeróbica serão detalhadas a seguir: Reação 1: fosforilação da glicose Na primeira reação da glicólise, ocorre sua fosforilação, ou seja, a adição de um grupo fosfato adquirido por intermédio de uma molécula de ATP. Essa reação é catalisada por duas enzimas, a hexoquinase, que atua na maioria dos tecidos, e a glicoquinase, que atua no fígado e nas células β do pâncreas. O grupo fosfato é adicionado ao carbono de número 6 da glicose e, por isso, após a reação, é obtida a glicose 6-fosfato (figura a seguir). Observação Quinases são enzimas que transferem grupo fosfato de um composto de alta energia para outro composto. C C C C O O C C C CC C OH OH OH HO CH2OH CH2OH P OH OH ATP ADP OH OH Glicose Glicose 6-fosfato Hexoquinase ou glicoquinase 6 6 5 5 4 4 3 32 2 1 1 Figura 26 – Reação de fosforilação da glicose 32 Unidade I A reação de fosforilação da glicose utiliza ATP como molécula doadora de grupo fosfato e, como catalisador, a enzima hexoquinase ou glicoquinase. O P representa PO3 2-. A seta para cima indica que o ATP está entrando na reação – ou seja, nessa reação, ocorre o consumo de ATP – e a seta para baixo indica que o ADP está sendo formado pela reação. Essa reação é irreversível, ou seja, com a utilização dessas enzimas, a glicose só pode formar glicose 6-fosfato. A realização do contrário, glicose 6-fosfato funcionado como reagente e gerando o produto glicose, necessitaria de outra enzima. Observação As reações irreversíveis são representadas com uma única seta (→). Já as reações reversíveis podem ser representadas das seguintes maneiras: ↔ ou . A membrana plasmática das células é impermeável à glicose 6-fosfato, pois não há proteínas carreadoras específicas para esse composto. Assim, depois dessa reação, a glicose 6-fosfato não consegue sair da célula, o que garante a continuação da glicólise. A reação de fosforilação da glicose é considerada uma forma de ativá-la. A partir dela, é possível continuar o processo de degradação da glicose. A hexoquinase é uma das enzimas regulatórias da glicólise, juntamente com a fosfosfrutoquinase e a piruvato quinase. Essas enzimas serão estudadas mais adiante. Reação 2: isomerização da glicose 6-fosfato A reação de glicose 6-fosfato para frutose 6-fosfato é catalisada pela enzima fosfoglicoisomerase, também chamada de fosfohexose isomerase (figura a seguir). Observação Isomerases são enzimas que convertem um isômero no outro. Isômeros são substâncias que têm a mesma fórmula molecular, mas diferentes fórmulas estruturais. 33 BIOQUÍMICA C C O C CC OH HO HO HO CH2OH CH2OHOCH2 P P OH OH OH OH Glicose 6-fosfato Frutose 6-fosfato fosfoglicoisomerase 6 6 1 5 5 4 43 3 2 2 1 O C C CC Figura 27 – A reação que transforma a glicose 6-fosfato em frutose 6-fosfato é catalisada pela enzima fosfoglicoisomerase Essa reação é reversível, sendo que tanto a glicose 6-fosfato pode formar frutose 6-fosfato quanto o inverso pode acontecer. O que dita qual reação ocorrerá é a quantidade de cada substância. Caso exista grande quantidade da primeira, esta será convertida na segunda e caso haja grande quantidade da segunda, esta será convertida na primeira. Há sempre uma maior quantidade de glicose 6-fosfato em relação à frutose 6-fosfato, pois esta é consumida pela próxima reação da glicólisee, portanto, a reação ocorre no sentido da conversão de glicose 6-fosfato em frutose 6-fosfato. Reação 3: fosforilação da frutose 6-fosfato A fosforilação da frutose 6-fosfato é similar à da glicose. A frutose 6-fosfato recebe um grupo fosfato, que é transferido da molécula de ATP através da ação de uma quinase: a fosfofrutoquinase. Essa reação é irreversível e é considerada a segunda ativação da glicólise (figura a seguir). HOHO HOHO CH2OHCH2OH OCH2OCH2 P PP OHOH OHOH Frutose 1,6-difosfatoFrutose 6-fosfato 66 11 55 44 33 22 OO CC CC CC CC fosfofrutoquinase ATP ADP Figura 28 – A frutose 6-fosfato é fosforilada utilizando ATP e a fosfofrutoquinase como enzima. A seta para cima indica o consumo de ATP e a seta para baixo indica a produção de ADP O produto formado nessa reação, a frutose 1,6-difosfato, também pode ser chamado de frutose 1,6-bifosfato ou frutose 1,6-bifosfato. 34 Unidade I Observação O nome frutose 1,6-difosfato indica que ela apresenta dois grupos fosfatos, um próximo ao carbono 1 e outro ao carbono 6. Reação 4: quebra da molécula frutose 1,6-difosfato A próxima reação da glicólise é a quebra da frutose 1,6-difosfato em duas moléculas: gliceraldeído 3-fosfato e diidroxiacetona fosfato. Essa reação é catalisada pela enzima aldolase e é reversível (figura a seguir). HO H O O C O H O O HO CH2OH CH2OH CH2OH CH2OH + OCH2 P P P P OH OH Frutose 1,6-difosfato 6 1 5 4 3 2 O C C CC aldolase Gliceraldeído 3-fosfato Didroxiacetona fosfato Figura 29 – A frutose 1,6-difosfato é quebrada em gliceraldeído 3-fosfato e diidroxiacetona fosfato pela ação da enzima aldolase Observação Nessa reação, uma molécula que contém 6 carbonos é quebrada em 2 moléculas, cada uma com 3 carbonos. Reação 5: conversão de gliceraldeído 3-fosfato em diidroxiacetona fosfato A diidroxiacetona fosfato é transformada em gliceraldeído 3-fosfato por meio da enzima triose fosfato isomerase. A enzima que faz essa conversão é uma isomerase, pois gliceraldeído 3-fosfato e diidroxiacetona fosfato são isômeros (figura a seguir). H C O C O H O OH CH2OH CH2OH CH2OH P P Triose fosfato isomerase Gliceraldeído 3-fosfatoDidroxiacetona fosfato Figura 30 – A diidroxiacetona fosfato é transformada em gliceraldeído 3-fosfato por intermédio da ação da triose fosfato isomerase 35 BIOQUÍMICA Essa reação é de extrema importância para a continuação da via glicolítica, pois apenas o gliceraldeído 3-fosfato é substrato para a próxima enzima. Juntando as reações 4 e 5, pode-se dizer que a frutose 1,6-difosfato gera 2 moléculas de gliceraldeído 3-fosfato e que, portanto, cada molécula de glicose gera 2 moléculas de gliceraldeído 3-fosfato. Após essa reação, todos os outros intermediários da glicólise serão duplicados. As cinco primeiras reações da glicólise são: fosforilação da glicose, isomerização da glicose 6-fosfato, fosforilação da frutose 6-fosfato, quebra da molécula frutose 1,6-difosfato e conversão de diidroxiacetona fosfato em gliceraldeído 3-fosfato. Essas reações fazem parte da primeira etapa da glicólise, que é a de investimento ou preparatória. Nela, há consumo de energia na forma de ATP para a preparação da molécula glicólise, permitindo que ela seja degradada e que a energia nela presente seja obtida (figura a seguir). Glicose Glicose 6-fosfato Hexoquinase ou glicoquinase Gasto de ATP Fase de investimento ou preparatória Gasto de 2 moléculas de ATP Fosfofrutoquinase Gasto de ATP Diidroxiacetona fosfato Triose fosfato isomerase Gliceraldeído 3-fosfato Gliceraldeído 3-fosfato aldose Fosfoglicoisomerase Frutose 6-fosfato Frutose 1,6-difosfato Figura 31 – Na fase de investimento ou fase preparatória, são formadas duas moléculas de gliceraldeído 3-fosfato. Nessa fase, há um gasto de duas moléculas de ATP. Apenas duas reações dessa fase são irreversíveis As próximas reações fazem parte da fase de pagamento ou fase de produção da glicólise, na qual ocorre a produção de moléculas de ATP e de NADH, que posteriormente serão transformadas em ATP. Reação 6: transformação de gliceraldeído 3-fosfato em 1,3-difosfoglicerato A primeira reação da fase de produção é a transformação das duas moléculas de gliceraldeído 3-fosfato, geradas na fase de investimento, em duas moléculas de 1,3-difosfoglicerato. 36 Unidade I Gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase P P C C O H P H H O O OH OH Gliceraldeído 3-fosfato Pi NAD+ NADH 1,3-difosfoglicerato C C CH2OH CH2OH Figura 32 – Transformação de giceraldeído 3-fosfato em 1,3-difosfiglicerato A reação da figura anterior é catalisada pela enzima gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase e depende de NAD+ e fosfato inorgânico (Pi). A seta para cima indica as substâncias que estão sendo consumidas, Pi e NAD+; e a seta para baixo indica a substância que está sendo formada, NADH. Muitas enzimas precisam associar-se a outras moléculas para poderem exercer a função de acelerar as reações químicas. Quando se associam a moléculas orgânicas não proteicas, recebem o nome de coenzimas. Elas podem atuar de duas maneiras: associando-se no momento da catálise ou encontrando-se covalentemente ligadas à enzima. As coenzimas que se associam somente no momento da catálise podem atuar como coenzimas de várias outras enzimas. NAD+ é um exemplo de coenzima que só se associa à enzima no momento da catálise. Ela é derivada da vitamina nicotinamida (B5). Essa é a primeira reação de oxidorredução da glicólise. Observação Reações de oxidorredução são aquelas que envolvem transferência de elétrons. A espécie que recebe elétrons sofre redução, e a que perde elétrons sofre oxidação. NAD+ representa a forma oxidada, e NADH representa a forma reduzida, portanto, para a coenzima NAD+ se transformar em NADH, ela precisa ganhar elétrons; para a reação inversa, ou seja, para NADH se transformar em NAD+, ela precisa perder elétrons. A figura anterior mostra que NAD+ é transformado em NADH e que, portanto, trata-se de uma reação de redução. Como uma reação de redução está sempre acoplada a uma de oxidação, pode-se dizer que a molécula de gliceraldeído 3-fosfato sofre uma reação de oxidação. A molécula de NADH é extremamente importante, pois ela armazena parte da energia contida na glicose. Posteriormente essa molécula será transformada em ATP. O NAD+ está em quantidade limitante na célula, portanto o NADH produzido deve voltar à forma de NAD+, para que ele possa ser utilizado novamente por intermédio de uma reação de oxidação. O 37 BIOQUÍMICA mecanismo de oxidação do NADH depende da disponibilidade de oxigênio. Na ausência de oxigênio, o piruvato é reduzido, sendo convertido em lactato, e o NADH é oxidado, sendo convertido em NAD+. Na presença de oxigênio, o NADH é oxidado por meio da cadeia de transporte de elétrons. Lembrete Como são formadas duas moléculas de gliceraldeído 3-fosfato na fase de investimento; na reação 6, são formadas duas moléculas de 1,3-difosfoglicerato e duas moléculas de NADH. Reação 7: transformação de 1,3-difosfoglicerato em 3-fosfoglicerato A segunda reação da fase de produção é a transformação de 1,3-difosfoglicerato em 3-fosfoglicerato através da ação da enzima fosfoglicerato quinase. Nessa reação, ocorre a produção de uma molécula de ATP por molécula de 1,3-difosfoglicerato (figura a seguir). Fosfoglicerato quinase PP COO- C O P HH O OHOH 3-fosfoglicerato ADP ATP 1,3-difosfoglicerato CC CH2OHCH2OH Figura 33 – Transformação de 1,3 difosfoglicerato em 3-fosfoglicerato graças à ação da enzima fosfoglicerato quinase Observação A fosfoglicerato quinase catalisa uma reação reversível, diferentemente da maioria das enzimas quinases. Reação 8: transformação de 3-fosfoglicerato em 2-fosfoglicerato A terceira reação da fase de investimento é a transformação de 3-fosfoglicerato em 2-fosfoglicerato (figura a seguir). Fosfogliceratomutase P P COO- COO- H HOH OH 3-fosfoglicerato 2-fosfoglicerato C C CH2OH CH2OH Figura 34 – Transformação de 3-fosfoglicerato em 2-fosfoglicerato pela ação da enzima fosfoglicerato mutase 38 Unidade I Nessa reação, observa-se a troca do grupo fosfato de um carbono para o outro. Reação 9: transformação de 2-fosfoglicerato em fosfoenolpiruvato A quarta reação da fase de produção é a transformação de 2-fosfoglicerato em fosfoenolpiruvato (figura a seguir). P COO- O Fosfoenolpiruvato C CH2 Enolase P COO- H OH 2-fosfoglicerato C CH2OH Figura 35 – Transformação de 2-fosfoglicerato em fosfoenolpiruvato pela ação da enzima enolase Reação 10: transformação de fosfoenolpiruvato em piruvato A quinta e última reação da fase de produção é a transformação de fosfoenolpiruvato em piruvato. Nessa reação, ocorre a formação de uma molécula de ATP para cada molécula de fosfoenolpiruvato (figura a seguir). Piruvato quinase COO- O Piruvato C CH3 P COO- O Fosfoenolpiruvato C CH2 ADP ATP Figura 36 – Transformação de fosfoenolpiruvato em piruvato por meio da ação da piruvato quinase As reações de 6 a 10 fazem parte da fase de produção da glicólise e têm como principais produtos a formação de quatro moléculas de ATP, duas moléculas de NADH e duas moléculas de piruvato (figura a seguir). 39 BIOQUÍMICA 2 (Gliceraldeído 3-fosfato) 2 (1,3-Difosfoglicerato) 2 (3-Fosfoglicerato) 2 (2-Fosfoglicerato) 2 (Fosfoenolpiruvato) 2 (Piruvato) 2 (Gliceraldeído 3-fosfato desidrogenase Fosfoglicerato quinase Fosfoglicerato mutase Fase de produção ou pagamento Produção de 2 moléculas de ATP e de 2 moléculas de NADH Enolase Piruvato quinase Produção de 2 NADH Produção de 2 ATP Produção de 2 ATP Figura 37 – Fase de produção ou pagamento Resumindo as reações da glicólise aeróbica, temos: • Reação 1: glicose + ATP → glicose 6-fosfato + ADP. • Reação 2: glicose 6-fosfato ↔ frutose 6-fosfato. • Reação 3: frutose 6-fosfato + ATP → frutose 1,6-difosfato. • Reação 4: frutose 1,6-difosfato ↔ gliceraldeído 3-fosfato + diidroxiacetona fosfato. • Reação 5: diidroxiacetona fosfato ↔ gliceraldeído 3-fosfato. • Reação 6: 2 (gliceraldeído 3-fosfato) + 2 NAD+ + 2 Pi ↔ 2 (1,3-difosfoglicerato) + 2 NADH. • Reação 7: 2 (1,3-difosfoglicerato) ↔ 2 (3-fosfoglicerato). • Reação 8: 2 (3-fosfoglicerato) ↔ 2 (2-fosfoglicerato). • Reação 9: 2 (2-fosfoglicerato) ↔ 2 (fosfoenolpiruvato). • Reação 10: 2 (fosfoenolpiruvato) → 2 (piruvato). 40 Unidade I Existem pessoas que apresentam deficiência na enzima piruvato quinase, que causa a anemia hemolítica, ou seja, a baixa quantidade de eritrócitos devido à sua destruição. Os eritrócitos maduros obtêm energia apenas da glicólise, pois as próximas fases da respiração celular acontecem nas mitocôndrias, e essas células não as possuem. Sem energia, os eritrócitos não conseguem manter sua forma bicôncava e flexível, o que causa sua destruição. A gravidade dessa doença depende do grau de deficiência; sua forma mais grave requer transfusões regulares de sangue. 2.2.8 Metabolismo da sacarose e lactose Lembrete A sacarose é hidrolisada em glicose, e a frutose e a lactose são hidrolisadas em galactose e glicose. O destino da glicose já foi discutido; agora examinaremos o da frutose e o da galactose. Como a frutose e a galactose são monossacarídeos, são absorvidas e metabolizadas, em sua maior parte, pelo fígado. No fígado, a frutose é convertida, por três reações, em diidroxiacetona fosfato e gliceraldeído 3-fosfato; no músculo e no tecido adiposo, a frutose é convertida em frutose 6-fosfato. A galactose é convertida, por quatro reações, em glicose 6-fosfato (figura a seguir). Glicose Frutose 6-fosfato Frutose 1,6-fosfato Diidroxiacetona Gliceraldeído 3-fosfato Frutose músculo fígado Glicose 6-fosfatoGalactose Figura 38 – Metabolismo da frutose e galactose. Ambos os monossacarídeos formam intermediários da glicólise Uma das reações do metabolismo da galactose é catalisada pela enzima galactose 1-fosfato uridil transferase. A deficiência hereditária dessa enzima provoca uma doença chamada galactosemia, que se manisfesta após o nascimento e leva a um retardo no desenvolvimento físico e mental. Devido a essa deficiência, a galactose é transformada em galactitol por meio da ação da enzima aldose redutase. O acúmulo dessa substância no cristalino leva à catarata. Os efeitos dessa doença podem ser evitados se ela for diagnosticada precocemente e se a lactose for suprimida da dieta. 41 BIOQUÍMICA Saiba mais Você pode obter mais informações sobre o assunto no seguinte texto: CAMELO JÚNIOR, J. S. et al. Avaliação econômica em saúde: triagem neonatal da galactosemia. Cad. Saúde Pública, Rio de Janeiro, v. 27, n. 4, p. 666–676, abr. 2011. A frutose é convertida em diidroxiacetona fosfato e gliceraldeído 3-fosfato por meio das reações mostradas a seguir: • Reação 1: frutose + ATP → frutose 1-fosfato + ADP + H+. • Reação 2: frutose 1-fosfato ↔ diidroxiacetona fosfato + gliceraldeído. • Reação 3: gliceraldeído + ATP → gliceraldeído 3-fosfato + ADP + H+. As reações 1, 2 e 3 são catalisadas, respectivamente, pelas enzimas: frutoquinase, triose fosfato aldolase e triose quinase. Existem pessoas que têm deficiência na enzima triose fosfato aldolase, o que resulta em intolerância à frutose, também chamada de frutosemia. Essa doença é um erro inato do metabolismo e é uma herança autossômica recessiva. O tratamento consiste em uma dieta isenta de frutose. Exemplo de AplicaçãoExemplo de Aplicação Será que é fácil seguir uma dieta isenta de frutose? Quais alimentos têm frutose em sua composição e quais uma pessoa que tem frutosemia não poderá comer? Será que haverá deficiência em algum outro nutriente devido à dieta isenta de frutose? Faça uma pesquisa e reflita sobre isso.Faça uma pesquisa e reflita sobre isso. Saiba mais O vídeo a seguir mostra o relato de uma mulher com frutosemia: MULHER de 30 anos não consegue comer absolutamente nenhum doce. Produção de Rede Globo de Televisão. Rio de Janeiro: Globo.com, 2011. Disponível em: <http://g1.globo.com/globo-reporter/noticia/2011/05/ mulher-de-30-anos-nao-consegue-comer-absolutamente-nenhum-doce. html>. Acesso em: 24 mar. 2015. 42 Unidade I 2.2.9 Glicólise anaeróbica Em algumas células (como nos eritrócitos e leucócitos), no cristalino e na córnea do olho, na medula renal, nos testículos e nas células com quantidades limitadas de oxigênio, ocorre a glicólise anaeróbica, também chamada de fermentação láctica. A glicólise anaeróbica é idêntica à aeróbica, ou seja, transforma uma molécula de glicose em duas moléculas de piruvato, porém nela existe uma etapa adicional em que o piruvato é reduzido a lactato. Essa é uma reação de oxidorredução na qual o piruvato é reduzido a lactato e o NADH é oxidado a NAD+. A reação é reversível e é catalisada pela enzima lactato desidrogenase. Observe a figura a seguir: lactato desidrogenase COO- OH Lactato C CH2 P COO- O Piruvato C CH3 NADH NAD+ Figura 39 – Redução do piruvato a lactato com a oxidação de NADH e a ação da enzima lactato desidrogenase Nessa reação, o NAD+ é regenerado e pode ser utilizado novamente na reação de oxidação do gliceraldeído 3-fosfato. Veja a figura a seguir: Glicose 2 Piruvato 2 Lactato 2 (Gliceraldeído 3-fosfato) 2 (1,3-Difosfoglicerato) 2 (NAD+) 2 (NAD+)2 (NADH) Figura 40 – Relação entre o NAD+ consumido na reação de oxidação do gliceraldeído 3-fosfato e o NAD+ produzido na reação de redução do piruvato O lactato é lançado na corrente sanguínea e, em condições normais, pode ser utilizado, por exemplo, como substrato da gliconeogênese – síntese de nova glicose – que ocorre no fígado ou no músculo. O lactato pode ser oxidado, formando piruvato. Em condições como um colapso do sistema circulatório, infarto do miocárdio, embolia pulmonar ou hemorragia não controlada, existe uma falha em levar quantidades suficientes de oxigênio para todos os tecidos, comisso, aumenta a produção de lactato. Esse excesso de lactato supera a capacidade que o fígado e o músculo têm de utilizá-lo, causando o aumento da substância no plasma. Essa condição é denominada acidose láctica. 43 BIOQUÍMICA 2.2.10 Outros destinos da molécula piruvato O piruvato pode ser convertido em oxaloacetato, intermediário do Ciclo de Krebs, por meio da reação catalisada pela enzima piruvato carboxilase (figura a seguir). Piruvato carboxilase COO- COO- O + 2H+ Oxaloacetato C CH2 COO- O + H2O + CO2 Piruvato C CH3 ATP ADP Figura 41 – Conversão de piruvato em oxaloacetato pela ação da enzima piruvato carboxilase Essa reação é de carboxilação, pois envolve a entrada de uma molécula de dióxido de carbono (CO2). Ela é extremamente importante, pois repõe o oxaloacetato do Ciclo de Krebs. As reações que têm essa função de reposição são chamadas de anapleróticas. Outro destino para o piruvato, que não ocorre em humanos, mas em alguns fungos e em certos micro-organismos, é a conversão de piruvato em etanol. Esse processo é chamado de fermentação alcoólica e ocorre em duas etapas: a primeira é a descarboxilação do piruvato formando acetaldeído, e a segunda é a redução de acetaldeído em etanol (figura a seguir). Piruvato descarboxilase Álcool desidrogenase H OH O + CO2 H + NAD+ Acetaldeído Etanol C C CH3 H CH3 COO- H O + H+ O + NADH + H+ Piruvato Acetaldeído C C A. B. CH3 CH3 TPP Figura 42 – Transformação de piruvato em etanol Na primeira etapa da transformação de piruvato em etanol, ele é convertido em acetaldeído por meio da ação da enzima piruvato descarboxilase e da coenzima TPP (tiamina pirofosfato). Na segunda, o acetaldeído é reduzido a etanol, tendo como coenzima o NADH, que é oxidado a NAD+; essa reação é catalisada pela enzima álcool desidrogenase. As conversões do piruvato em lactato e em etanol ocorrem em condições anaeróbicas e, por isso, são processos chamados de fermentação láctica e fermentação alcoólica, respectivamente. 44 Unidade I Saiba mais Para ter maiores informações, consulte: RODRIGUES, J. R. et al. Uma abordagem alternativa para o estudo da função álcool. Química Nova na Escola, Rio de Janeiro, n. 12, p. 20–23, nov. 2000. Disponível em: <http://qnesc.sbq.org.br/online/qnesc12/v12a05. pdf>. Acesso em: 16 jul. 2014. Em condições aeróbicas, o piruvato pode ser transformado em acetil-CoA. Essa conversão ocorre no interior da mitocôndria, na matriz mitocondrial. Existe uma translocase específica que faz o transporte do piruvato para o interior da mitocôndria. Na matriz mitocondrial, o piruvato é convertido em acetil-CoA pelo complexo multienzimático da piruvato desidrogenase (figura a seguir). Complexo multienzimático Coenzima A O + NADH + CO2 Acetil-CoA C CH3 COO- O + Coenzima A + NAD+ Piruvato C CH3 Figura 43 – Conversão de piruvato em acetil-CoA. O piruvato é transformado em acetil-CoA por intermédio de um complexo multienzimático e da redução de NAD+ Esse complexo é composto por três enzimas, a piruvato desidrogenase (E1, também chamada descarboxilase), a diidrolipoil-transacetilase (E2) e a diidrolipoil-desidrogenase (E3). Cada uma dessas enzimas atua numa etapa da catálise. Esse complexo multienzimático necessita de cinco coenzimas: a E1 necessita de tiamina-pirofosfato, a E2 necessita de ácido lipoico e coenzima A e a E3 necessita de FAD (flavina adenina dinucleotídeo) e NAD+. A causa bioquímica mais comum de acidose láctica congênita é a deficiência do complexo mutienzimático da piruvato-desidrogenase. Essa deficiência impede a conversão de piruvato em acetil- CoA. Assim, o destino do piruvato é ser transformado em lactato. A principal consequência ocorre para o encéfalo, que é extremamente sensível à acidose. A forma grave dessa doença causa morte neonatal. A forma moderada pode causar morte no início da infância, já a forma mais leve causa ataxia – incapacidade de controlar movimentos voluntários – episódica, induzida por refeições ricas em carboidratos. Como vimos anteriormente, o piruvato pode ter quatro destinos: formação de lactato (fermentação láctica), formação de oxaloacetato (reação anaplerótica), formação de etanol (fermentação alcoólica) e formação de acetil-CoA (substrato do Ciclo de Krebs). 45 BIOQUÍMICA Reação anaplerótica Fermentação láctica Fermentação alcoólica Respiração celular Piruvato Lactato Etanol Oxaloacetato Acetil-CoA Ciclo de Krebs Cadeia de transporte de elétrons Fosforilação oxidativa ATP, CO2 e H2O Figura 44 – Destinos do piruvato 2.2.11 Via das pentoses fosfato A via das pentoses é uma via anaeróbica alternativa de oxidação da glicose. Nesse processo, duas moléculas importantes são formadas: a ribose 5-fosfato, relevante para a biossíntese de nucleotídeos; e a coenzima reduzida NADPH (nicotinamida adenina dinucleotídeo fosfato), que atua como agente redutor na biossíntese dos ácidos graxos, dos esteróis (como o colesterol) e da glutationa, nas hemácias. Nessas reações de redução, a coenzima passa à forma NADP+ e volta à sua forma reduzida, NADPH, na via das pentoses fosfato. Observação As coenzimas NAD+ e NADPH têm papéis opostos: NAD+ é utilizada quando o substrato está sendo oxidado e NADPH, quando está sendo reduzido. Na via das pentoses fosfato, a energia é armazenada sob a forma de poder redutor, ou seja, da coenzima NADPH. A via das pentoses fosfato é dividida em duas fases: a oxidativa e a não oxidativa. Ela ocorre no citoplasma, é anaeróbica e é bastante ativa no fígado, nas glândulas mamárias, no tecido adiposo e nas hemácias. No fígado, cerca de 30% do total de oxidação da glicose ocorrem pela via das pentoses fosfato. 46 Unidade I A seguir serão representadas as reações da fase oxidativa. Reação 1: ativação da glicose A primeira reação da via das pentoses fosfato é igual à primeira da via glicolítica, em que a glicose é transformada em glicose 6-fosfato à custa de uma molécula de ATP. Reação 2: conversão de glicose 6-fosfato em 6-fosfogliconolactona A conversão de glicose 6-fosfato em 6-fosfogliconolactona é catalisada pela enzima glicose 6-fosfato desidrogenase, que é a enzima-chave dessa via. Nessa reação, o NADP+ é reduzido e forma NADPH. Trata-se de uma reação reversível (figura a seguir). C C C C O O C C 0 C CC C OH OH HO HO CH2O CH2OP P OH OH OH Glicose 6-fosfato 6-fosfogliconolactona Glicose 6-fosfato desidrogenase 6 6 5 5 4 4 3 32 2 1 1 NADP+ NADPH Figura 45 – Conversão de glicose 6-fosfato em 6-fosfogliconolactona por meio da ação da enzima glicose 6-fosfato desidrogenase Reação 3: conversão de 6-fosfogliconolactona em ácido 6 fosfoglicônico A 6-fosfogliconolactona é convertida em ácido 6-fosfoglicônico por intermédio da enzima lactonase (figura a seguir). C C C C H H H H OH OH OH OH C C O C 0 CC OH HO COOHCH2O H2O CH2O P P OH Ácido 6 fosfoglicônico 6-fosfogliconolactona lactonase 6 5 4 3 2 1 Figura 46 – Conversão de 6-fosfogliconolactona em ácido 6-fosfoglicônico pela ação da enzima lactonase Reação 4: conversão de ácido 6-fosfoglicônico em D-ribulose-5-fosfato A conversão do ácido 6-fosfoglicônico em D-ribulose-5-fosfato é uma reação de oxidação em que o NADP+ é reduzido formando NADPH. Ela é reversível e catalisada pela enzima 6-fosfogliconato desidrogenase. Nessa reação ocorre a liberação de CO2 (figura a seguir). 47 BIOQUÍMICA NADP+ NADPH CO2 C C C C C C C H H H H H H H OH OH O OH OH OH OH OH COOH H2O CH2O CH2O P P Ácido 6 fosfoglicônico D-Ribulose 5-fosfato 6-fosfoglicônico desidrogenase Figura 47 – Conversão de ácido 6-fosfoglicônico em D-ribulose-5-fosfato pela ação da enzima 6-fosfogliconato desidrogenase Observação A ribulose apresenta cinco carbonos, por isso é classificada como uma pentose. Na fase oxidativa da via das pentoses fosfato, a partir de uma molécula de glicose, são formadas: uma molécula de D-ribulose 5-fosfato, duasmoléculas de NADPH e uma molécula de CO2. O NADPH é oxidado em reações de redução, como na síntese de ácidos graxos, formando NADP+, que pode ser reutilizado na via das pentoses. A próxima fase é não oxidativa. Sua primeira reação é a transformação de D-ribulose 5-fosfato em ribose 5-fosfato, pela ação de uma isomerase, ou a transformação em xilulose 5-fosfato, pela ação de uma epimerase. Tanto a ribose 5-fosfato quanto a xilulose 5-fosfato têm 5 carbonos e, portanto, são pentoses. Essas pentoses são convertidas em açúcares fosforilados com número de carbono que varia entre três e sete. Todas as reações dessa fase são reversíveis. A cada três moléculas de ribose 5-fosfato, são formadas duas moléculas de frutose 6-fosfato e uma molécula de gliceraldeído 3-fosfato. Essas moléculas são intermediárias da via glicolítica e são consumidas por ela. Existe uma patologia relacionada à deficiência da enzima glicose 6-fosfato desidrogenase, a principal enzima da via das pentoses fosfato. A ausência dessa enzima gera falta de NADPH, o que ocasiona anemia hemolítica devido à deficiência no processo de redução da glutationa, a qual é importante para a manutenção da integridade da membrana das hemácias. Na maioria dos casos, existe apenas uma deficiência da enzima glicose 6-fosfato desidrogenase e não sua ausência; com essa atividade residual, as pessoas afetadas conseguem levar uma vida normal. Essa patologia causa uma vantagem em relação à contração da malária, doença causada pelo parasita Plasmodium falciparum, o qual tem parte do seu ciclo de vida nas hemácias. Os portadores dessa deficiência são incapazes de abrigar esses parasitas em suas hemácias e, portanto, interrompem o ciclo de vida do parasita. 48 Unidade I 2.2.12 Ciclo de Krebs O acetil-CoA proveniente da descarboxilação do piruvato é oxidado até CO2 por meio do Ciclo de Krebs, também chamado de Ciclo do Ácido Cítrico ou Ciclo dos Ácidos Tricarboxílicos. O Ciclo de Krebs é formado por uma sequência de oito reações, pois o oxaloacetato, um intermediário do Ciclo de Krebs, é uma molécula que faz parte da primeira reação como substrato, mas também da última, como produto. O Ciclo de Krebs ocorre na matriz mitocondrial. As oito reações que o integram serão detalhadas a seguir: Reação 1: síntese do citrato a partir de acetil-coA e oxaloacetato Na primeira reação do Ciclo de Krebs, o acetil-CoA, proveniente da descarboxilação do piruvato, reage com oxaloacetato pela ação da enzima citrato sintase. Essa reação é irreversível (figura a seguir). C C C C HO H O O + COO- COO- COO- COO- COO- H2O H2C H2C CH3 CH2 Citrato Acetil-CoA Oxaloacetato Coenzima A Coenzima A Citrato sintase Figura 48 – Condensação do acetil-CoA com oxaloacetato através da ação da enzima aconitase Nessa reação, pode-se observar que o acetil-CoA tem dois átomos de carbono, o oxaloacetato tem quatro e o produto, citrato, tem 6. Lembrete Um dos destinos do piruvato é a formação do oxaloacetato, um importante intermediário do Ciclo de Krebs. Reação 2: conversão do citrato no seu isômero isocitrato Na segunda reação do Ciclo de Krebs, ocorre apenas a troca de posição de um grupamento hidroxila pela ação enzima aconitase. Como o citrato e o isocitrato são isômeros, essa é uma reação de isomerização (figura a seguir). 49 BIOQUÍMICA CC CC HOHO HH COO-COO- COO-COO- COO-COO- H2CH2C OHH2C IsocitratoCitrato Aconitase Figura 49 – Conversão de citrato em isocitrato pela ação da enzima aconitase Reação 3: descarboxilação oxidativa do isocitrato Na terceira reação do Ciclo de Krebs, o isocitrato é transformado em α-cetoglutarato pela ação da enzima isocitrato desidrogenase. Essa é uma reação de oxirredução que envolve a coenzima NAD+ e a liberação de CO2 (figura a seguir). C C C C H H H H COO- COO- COO- COO- COO- H2C CO2 NAD+ NADH H2C OH O Isocitrato α-cetoglutarato Isocitrato desidrogenase Figura 50 – Descarboxilação oxidativa do isocitrato por intermédio da ação da enzima isocitrato desidrogenase O isocitrato tem seis átomos de carbono. Para a formação do α-cetoglutarato, ocorre a perda de um átomo de carbono na forma de CO2, sendo assim, o α-cetoglutarato ficará com 5 átomos de carbono. Reação 4: descarboxilação oxidativa do α-cetoglutarato A transformação de α-cetoglutarato em succinil-CoA é catalisada por um complexo multienzimático chamado de complexo α-cetoglutarato desidrogenase. Lembrete A reação de descarboxilação do piruvato também é catalisada por um complexo multienzimático da piruvato desidrogenase. Esse complexo necessita das coenzimas tiamina pirofosfato, ácido lipoico, FAD, NAD+ e coenzima A. Nessa reação, ocorre a redução do NAD+ e a produção de CO2 (figura a seguir). 50 Unidade I C C C C H H H H COO- COO- COO- COO- COO- H2C CO2 NAD+ NADH H2C OH O Isocitrato α-cetoglutarato isocitrato desidrogenase Figura 51 – Conversão do α-cetoglutarato em succinil-CoA por intermédio da ação do complexo isocitrato desidrogenase Reação 5: clivagem do succinil-CoA A reação de quebra do succinil-CoA formando succinato é catalisada pela enzima succinil-CoA sintetase, também chamada de succinato tiocinase (figura a seguir). C C CC O H HH H COO- COO- COO-Coenzima A H2C H2C Coenzima A GDP GTP Succinato-CoA Succinato Succinato-CoA sintetase Figura 52 – Conversão de succinil-CoA em succinato por meio da ação da enzima succinil-CoA sintetase Essa reação está acoplada à fosforilação e à GDP (guanosina difosfato) com a consequente produção de GTP (guanosina trifosfato). O GTP e o ATP são energeticamente interconversíveis pela reação da nucleosídeo difosfato quinase: GTP + ADP↔ GDP + ATP Reação 6: oxidação do succinato O succinato é oxidado a fumarato pela enzima succinato desidrogenase. A coenzima utilizada nessa reação é a molécula FAD que é reduzida a FADH2 (figura a seguir). C C CC H H H H COO- COO- COO- COO- H2C FAD FADH2 Succinato Fumarato Succinato desidrogenase Figura 53 – Conversão de succinato em fumarato pela ação da enzima succinato desidrogenase 51 BIOQUÍMICA Reação 7: hidratação do fumarato A hidratação do fumarato por meio da ação da enzima fumarase, também chamada de fumarato hidratase, resulta na formação de malato (figura a seguir). C + H2O C C C H H H H H OH COO- COO- COO- COO- fumarato malato Fumarase Figura 54 – Conversão de fumarato em malato pela ação da enzima fumarase Reação 8: oxidação do malato O malato é oxidado a oxaloacetato por meio da ação da enzima malato desidrogenase. Nessa reação, a molécula reduzida é NAD+ (figura a seguir). NAD+ NADH C + H2O CH2 C C H O H COO- COO- COO- COO- Fumarato Oxaloacetato Malato desidrogenase Figura 55 – Conversão de fumarato em oxaloacetato graças à ação da enzima malato desidrogenase Resumindo as reações do Ciclo de Krebs, temos: • Reação 1: acetil-CoaA + oxaloacetato → citrato • Reação 2: citrato ↔ isocitrato • Reação 3: isocitrato + NAD+ ↔ α-cetoglutarato + NADH + CO2 • Reação 4: α-cetoglutarato + coenzima A + NAD+ → succinil-CoA + NADH + CO2 • Reação 5: succinil-CoA + GDP + Pi ↔ succinato + coenzima A + GTP • Reação 6: succinato + FAD ↔ fumarato + FADH2 • Reação 7: fumarato + H2O ↔ malato • Reação 8: malato + NAD+ ↔ oxaloacetato + NADH 52 Unidade I Observação Na reação 1, tem-se o consumo de oxaloacetato, e na 8, a formação de oxaloacetato, por isso a série de reações do Ciclo de Krebs forma um ciclo. As reações do Ciclo de Krebs foram representadas separadamente para melhor compreendê-las, porém a notação mais comum para o Ciclo de Krebs é a representação das reações de maneira que forme um círculo (figura a seguir). oxaloacetato malato fumarato succinato succinil-CoA isocitrato Acetil-CoA α-cetoglutarato citrato Figura 56 – Ciclo de Krebs Na presença de oxigênio, a glicose proveniente da digestão dos polissacarídeos da dieta passa pela glicólise aeróbica, na qual ocorre a formação de duas moléculas de piruvato, que sãotransformadas em duas de acetil-CoA; estas últimas, por sua vez, são oxidadas pelo Ciclo de Krebs. Como são obtidas duas moléculas de acetil-CoA, todos os outros intermediários do Ciclo de Krebs são duplicados. Segue uma visão geral do processo que ocorre na presença de oxigênio (figura a seguir). 53 BIOQUÍMICA Glicose Glicose 6-fosfato Frutose 6-fosfato Frutose 1,6-fosfato 2 (Gliceraldeído 3-fosfato) 2 (1,3-Difosfoglicerato) 2 (3-Fosfoglicerato) 2 (Fosfoenolpiruvato) 2 (Piruvato) 2 (Acetil-CoA) Diidroxiacetona + Gliceraldeído 3-fosfato Gliceraldeído 3-fosfato 2 oxaloacetato 2 malato 2 fumarato 2 succinato 2 succinil-CoA 2 α-cetoglutarato 2 citrato 2 isocitrato Figura 57 – Intermediários da via glicolítica e do Ciclo de Krebs 54 Unidade I Essa via também pode ser representada evidenciando a quantidade de átomos de carbono e a liberação de dióxido de carbono (figura a seguir). 6C 6C 6C 6C 3C 3C 3C 3C 3C 2C 3C 3C 3C + 4c 4c 4c 4c 4c 5c 6c 6c Liberação de CO2 Liberação de CO2 Liberação de CO2 Figura 58 – Variação da quantidade de átomos de carbono na glicólise aeróbica e no Ciclo de Krebs 55 BIOQUÍMICA Em relação à produção de energia, é importante conhecer a quantidade de moléculas de ATP, NADH e FADH2 que são produzidas ou consumidas nesse processo. A figura a seguir mostra essa quantidade: Glicose Glicose 6-fosfato Frutose 6-fosfato Gasto de ATP Gasto de ATP Produção de 2 NADH Produção de 2 NADH Produção de 2 NADH Produção de 2 NADH Produção de 2 GTP Produção de 2 NADH Produção de 2 FADH2 Produção de 2 ATP Produção de 2 ATP Frutose 1,6-fosfato 2 (Gliceraldeído 3-fosfato) 2 (1,3-Difosfoglicerato) 2 (3-Fosfoglicerato) 2 (Fosfoenolpiruvato) 2 (Piruvato) 2 (Acetil-CoA) Diidroxiacetona + Gliceraldeído 3-fosfato Gliceraldeído 3-fosfato 2 oxaloacetato 2 malato 2 fumarato 2 succinato 2 succinil-CoA 2 isocitrato 2 α-cetoglutarato 2citrato Figura 59 – Produção de moléculas importantes para a obtenção de energia na glicólise aeróbica e no Ciclo de Krebs 56 Unidade I Pode-se observar que, da energia total disponível na molécula de glicose, uma pequena parte foi utilizada para gerar energia na forma de ATP. Apenas um saldo final de duas moléculas de ATP é produzido na glicólise e no Ciclo de Krebs. O restante da energia permanece conservado nas coenzimas que foram reduzidas. Elas serão oxidadas na cadeia de transporte de elétrons, e a energia armazenada por elas será transformada em ATP num processo chamado de fosforilação oxidativa. Lembrete O GTP é convertido em ATP por meio da enzima nucleosídeo difosfato quinase. 2.2.13 Cadeia de transporte de elétrons e fosforilação oxidativa No processo de oxidação da glicose, ocorre a redução de várias coenzimas NAD+ e FADH formando NADH e FADH2, respectivamente. As coenzimas NADH precisam ser oxidadas para voltar à forma de NAD+ a fim de que possam ser reutilizadas na oxidação de outras moléculas de glicose e também para que a energia nelas armazenada possa ser utilizada na síntese de ATP. Para a transformação das coenzimas em energia, a célula se utiliza de um gradiente de prótons conseguido por meio da transferência dos elétrons das coenzimas para compostos inseridos nas cristas mitocondriais. A transferência dos elétrons por esses compostos constitui a cadeia de transporte de elétrons. Os elétrons são transferidos por esses compostos até o oxigênio, que é reduzido e produz água. Através da energia potencial do gradiente de prótons, ocorre a síntese de ATP pela fosforilação de ADP num processo chamado de fosforilação oxidativa. Os compostos que fazem parte da cadeia de transporte de elétrons agrupam-se em quatro complexos designados: I, II, III e IV. Existem dois componentes que não fazem parte de complexos, a coenzima Q (CoQ), também conhecida como ubiquinona, que conecta os complexos I e II com o complexo III, e o citocromo c, que conecta o complexo III com o complexo IV (figura a seguir). I II III IV CoQ C Espaço intermembranas Matriz mitocondrial Membrana interna Figura 60 – Distribuição dos complexos I, II, III e IV, da coenzima Q e do citocromo c na membrana interna da mitocôndria Os elétrons presentes no NADH são transferidos para o complexo I, para a coenzima Q, para o complexo III, para o citocromo c, para o complexo IV e, por fim, para o oxigênio (figura a seguir). 57 BIOQUÍMICA I II III IV CoQ C NADH O2 e- e- e- e- e- e- Figura 61 – Transporte dos elétrons a partir do NADH. As setas indicam a trajetória dos elétrons, que estão representados por “e-” Os elétrons presentes no succinato são transferidos para o complexo II, para a coenzima Q, para o complexo III, para o citocromo c, para o complexo IV e, por fim, para o oxigênio (figura a seguir). I II III IV CoQ C succinato O2 e- e- e- e- e- e- Figura 62 – Transporte dos elétrons a partir do succinato. As setas indicam a trajetória dos elétrons, que estão representados por e- O complexo I é formado por cerca de 26 cadeias polipeptídicas. A essas cadeias estão associados 1 molécula de flavina mononucleotídeo (FMN) e de 6 a 7 centros ferro-enxofre, os quais são formados por íons de ferro e de enxofre. A primeira transferência de elétrons ocorre do NADH para FMN. Nessa reação, o NADH fornece elétrons para a redução do FMN, o qual é transformado em FMNH2: NADH + H+ + FMN → NAD+ + FMNH2 Observação Nessa reação, o NAD+ é regenerado e pode ser utilizado novamente na glicólise aeróbica e no Ciclo de Krebs. Os íons de ferro e enxofre estão associados a resíduos de cisteína. Eles irão transportar os elétrons da molécula FMN para a coenzima Q. Uma característica importante é que os centros 58 Unidade I de ferro e enxofre não recebem prótons e, portanto, os prótons são transferidos para o espaço intermembranas. Começa, então, a formação do gradiente de prótons (figura a seguir). 2H+ CoQ NAD+ FMN FMNH2 Fe3+- S Fe2+- S NADH + H+ e- Espaço intermembranas Matriz Membrana interna Figura 63 – Complexo I e o transporte de elétrons. A seta vermelha indica a trajetória dos elétrons provenientes de NADH. Os prótons são liberados no espaço intermembranas No complexo II, está presente a enzima succinato desidrogenase, alguns centros Fe-S e o citocromo b560. Lembrete A enzima succinato desidrogenase faz parte do Ciclo de Krebs e é a única enzima que está associada à membrana e não à matriz mitocondrial. A enzima succinato desidrogenase tem como coenzima o FAD. Na reação catalisada por essa enzima, o succinato é oxidado a fumarato, e o FAD é reduzido a FADH2. Os elétrons são transferidos primeiro para os centros Fe-S e depois para a coenzima Q. Nem os centros Fe-S nem o citocromo b560 recebem prótons e, portanto, os prótons presentes no FADH2 retornam à matriz mitocondrial, não contribuindo para o gradiente de prótons (figura a seguir). Espaço intermembranas Matriz 2H+ Membrana internaCoQ e-2citb560 fumarato FAD FADH2 Fe3+- S Fe2+- S succinato Figura 64 – Transporte de elétrons pelo complexo II. A seta vermelha indica a trajetória dos elétrons pelo complexo II. Os elétrons do succinato são transferidos para o FAD, depois para os centros Fe-S, depois para o citocromo b560 e deste para a coenzima Q 59 BIOQUÍMICA A coenzima Q, também conhecida como ubiquinona ou simplesmente Q, pode receber um elétron e um próton, originando o radical semiquinona, ou formar o ubiquinol, se receber dois elétrons e dois prótons (figura a seguir). CH3O CH3O CH3O CH3 CH3 CH3 ubiquinona semiquinona ubiquinol H+ + e- H+ + e- O O OH O OH OH (CH2 CH C CH2)162 H (CH2 CH C CH2)16 H (CH2 CH C CH2)16 H CH3O CH3O CH3O CH3 CH3 CH3 Figura 65 – A ubiquinona recebe um elétron e um próton e origina a semiquinona. Esta última, por sua vez, recebe um elétron e um próton e origina o ubiquinol A coenzima Q tem um papel muito importante no acoplamento da transferência de prótons e elétrons, já que transporta