Prévia do material em texto
CONCEITOS E DEFINIÇÕES QUE SITUAM A DEFICIÊNCIA: VARIEDADE DE NECESSIDADES DOS USUÁRIOS, AUTONOMIA E INDEPENDÊNCIA Aline Silva Sauer O conceito de cidadão, junto com o papel que este exerce na sociedade foi evoluindo no decorrer da história. Neste contexto, a criação da Declaração Universal dos Direitos Humanos, promulgada em 1948 pelas Nações Unidas, visou confirmar a expectativa de uma sociedade construída com liberdade, justiça e paz. Surge assim, de modo mais acentuado, a preocupação com a proteção e construção dos direitos das pessoas com deficiência, tendo em vista as várias barreiras impostas em relação a participação e inclusão destas pessoas na sociedade de forma igualitária (OLIVEIRA, 2017). Com o passar do tempo, o conceito de pessoa com deficiência teve diversas definições tendo em vista que não se trata prioritariamente de um conceito abstrato e sim de como a pessoa com deficiência é vista e incluída dentro da sociedade. Termos como “loucos de todo o gênero”, “excepcional”, “inválido”, “deficiente”, “pessoa portadora de deficiência”, “pessoa portadora de necessidades especiais” e “pessoa com deficiência” (atual) foram algumas destas definições de caráter jurídico (SCHMIDT, 2019). É perceptível que o modo de encarar a deficiência está intimamente ligado ao processo histórico e reflete o contexto em que cada período se insere. Os gregos e romanos, por exemplo, tinham como objetivo principal a conquista territorial, por isso precisavam de homens fisicamente perfeitos para seus exércitos. Logo, essas sociedades não acolhiam as pessoas com deficiência e a prática da eliminação era adotada, muitas crianças que nasciam com alguma deficiência eram mortas ou abandonadas (CAMBIAGHI, 2012). Na idade Média, as pessoas com deficiência eram isoladas do convívio social ou reunidas em instituições para tratamento ou acolhimento institucional. Já na idade Moderna e no Renascimento, com maior desenvolvimento tecnológico e foco nas ciências naturais, como a medicina, as pessoas com deficiência passaram a ser compreendidas e recebiam tratamento de acordo com os princípios médicos da época. Com isso, muitos avanços aconteceram na vida dessas pessoas e surgiram as primeiras instituições especializadas como as escolas exclusivas para cegos ou para surdos (CAMBIAGHI, 2012). No fim da idade Moderna iniciou-se a fase do assistencialismo, pautada na caridade religiosa. Estes atos afastaram novamente as pessoas com deficiência do convívio social e as confinaram em instituições. Apesar disso, um processo de integração foi iniciado neste período, mas só veio a se consolidar no século XX (CAMBIAGHI, 2012). Foi na década de 1970, com a promulgação da Declaração dos Direitos das Pessoas Deficientes pela ONU, em que ocorreu um grande avanço na inclusão de pessoas com deficiência na sociedade. Ainda nessa década a OMS, instituiu uma classificação suplementar para deficiências e desvantagens, não sendo estas mais parte integrante da Classificação Internacional de Doenças (CID), ao desvincular a deficiência de doença diminuiu o estigma de patologia, o que refletiu positivamente na esfera social (CAMBIAGHI, 2012). Voltando a igualdade de direitos, a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, traz em seu texto inúmeros direitos e garantias baseadas na equidade e disponibilidade de condições para que a igualdade seja efetiva. Além disso, diversos tratados de direitos humanos abordaram esse tema, dentre eles o mais relevante é a Convenção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, assinada em 2007 e aprovada e retificada no Brasil em 2008 (OLIVEIRA, 2017). Em 2004, um decreto federal (nº 5296) conceituou pessoa com deficiência a que se enquadra nas seguintes categorias: deficiência física; deficiência auditiva; deficiência visual; deficiência mental; deficiência múltipla (SCHMIDT, 2019). Em 2015, com a promulgação do Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei nº 13146:2015) a definição de pessoa com deficiência passou a ser a seguinte: Pessoas com deficiência são aquelas que têm impedimentos de longo prazo de natureza física, mental, intelectual ou sensorial, os quais, em interação com diversas barreiras, podem obstruir sua participação plena e efetiva na sociedade em igualdades de condições com as demais pessoas. Neste contexto, o termo “pessoa com deficiência” acentua o aspecto dinâmico da situação, desloca o eixo de atributo do indivíduo para sua condição e recupera a pessoa como sujeito, possuindo um caráter mais descritivo que valorativo (AMARAL, 1996). Entretanto, destaca-se que a deficiência é um conceito em evolução e resulta da interação entre pessoas com deficiência e as barreiras relacionadas às atitudes e ao ambiente que impedem a plena e efetiva participação desses indivíduos na sociedade em igualdade de oportunidades com as demais pessoas (SCHMIDT, 2019). No Brasil, cerca de 24% da população apresenta algum tipo de deficiência (IBGE, 2010) e esta parcela da população vem crescendo em decorrência do aumento da expectativa de vida e da violência urbana, tais como assaltos, violência no trânsito, entre outros motivos. Esse país está entre os 50 países do mundo que possuem legislação específica sobre o tema. A lei nº 13146:2015 foi criada com o intuito de reduzir as elevadas estatísticas de exclusão social vivenciadas pelas pessoas com deficiência (OLIVEIRA, 2017). Contudo, é importante ressaltar que as pessoas com deficiência não compõe um grupo homogêneo e, partindo disso, barreiras diferentes são enfrentadas por grupos distintos. Dessa forma, a OMS caracterizou deficiência, incapacidade e invalidez nos seguintes definições (ONU, 1982): Deficiência: Toda perda ou anomalia de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica, temporária ou permanente. Incluem-se nessas a ocorrência de uma anomalia, defeito ou perda de um membro, órgão, tecido ou qualquer outra estrutura do corpo, inclusive das funções mentais. Incapacidade: Toda restrição ou ausência (devido a uma deficiência), para realizar uma atividade de forma ou dentro dos parâmetros considerados normais para um ser humano. Desvantagem: prejuízo para o indivíduo, resultante de uma deficiência ou uma incapacidade, que limita ou impede o desempenho de papéis de acordo com a idade, sexo, fatores sociais e culturais Caracteriza-se por uma discordância entre a capacidade individual de realização e as expectativas do indivíduo ou do seu grupo social. O desmembramento destes conceitos permitiu que as dimensões sociais da deficiência fossem avaliadas (AMARAL, 1996), sem contudo desconsiderar a interação entre estes conceitos (Figura 01). Entender a terminologia científica é importante para que o grupo de pessoas que apresenta deficiências receba maior atenção, pois a superação de questões conceituais pode facilitar a promoção de outras ações, trazendo benefícios tanto a esse grupo de pessoas como à comunidade em geral (AMIRALIAN et al, 2000). Figura 01: interação e intersecção entre os conceitos. Fonte: adaptado de Amiralian et al (2000) A pessoa com deficiência é um indivíduo que tem reduzidas, limitadas ou anuladas as suas condições de mobilidade ou percepção das características do ambiente onde se encontra. Entretanto essas pessoas podem ter sua deficiência minimizada na medida em que lhe sejam ofertados recursos que adequem a relação da pessoa com o espaço. Deste modo, quando uma pessoa com deficiência está em um ambiente acessível, suas atividades são preservadas e a deficiência não afeta suas funções. Porém, em uma situação contrária, alguém sem qualquer deficiência colocado num ambiente hostil e inacessível pode ser considerado deficiente para esse espaço (CAMBIAGHI, 2012). A heterogeneidade de limitações é uma das principais dificuldades que envolvem a determinação dos parâmetros para a desaparecimentodas barreiras (CAMBIAGHI, 2012). Contudo, não há como falar de inclusão sem que ocorra a efetiva promoção da acessibilidade das pessoas com deficiência, visando ultrapassar as inúmeras barreiras físicas e sociais a que estes indivíduos são cotidianamente expostos. Garantir acessibilidade é primar pela dignidade da pessoa humana e isonomia material (OLIVEIRA, 2017). REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS AMARAL, Ligia Assumoção. Deficiência: questões conceituais e alguns de seus desdobramentos. Cadernos de Psicologia, n. 1, p. 3-12, 1996. AMIRALIAN, Maria L.T.; PINTO, Elizabeth B.; GHIRARDI, Maria I.G.; LICHTIG, Ida; MASINI, Elcie F.S.; PASQUALIN, Luiz. Conceituando deficiência. Revista Saúde Pública, v. 34, n. 1, p. 97-103, 2000. CAMBIAGHI, Silvana. Desenho Universal: métodos e técnicas para arquitetos e urbanistas. 3 ed. São Paulo: Editora SENAC, 2012. OLIVEIRA, Iasmin da Silva. A acessibilidade das pessoas com deficiência e a influência nacional e internacional no processo concretivo de uma sociedade inclusiva. Cadernos de Dereito Actual, n. 6, p. 277-298, 2017. ONU - Organização das Nações Unidas. Programa de ação mundial para as pessoas com deficiência - CEDIPOD Resolução 37/52, Nova York: A/37/51, 1982. Disponível em: https://abres.org.br/wp- content/uploads/2019/11/programa_de_acao_mundial_para_as_ pessoas_com_deficiencia_de_3_12_1982.pdf, acesso em 11 de janeiro de 2023. SCHMIDT, Felipe. Pessoas com deficiência: breves notas sobre sua terminologia, seu conceito jurídico e sua disciplina constitucional no Brasil. Revista Jurídica, Ministério Público do Tocantins, ano 12, nº17, 2019.