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2 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ............................................................................................ 3 2 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL .................................................................... 4 2.1 Causas da deficiência intelectual ......................................................... 7 2.2 Sinais indicativos de deficiência intelectual ........................................ 10 2.3 Indicadores da deficiência intelectual ................................................. 12 2.4 Deficiências Múltiplas ......................................................................... 12 3 OS PRINCIPAIS TIPOS DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL ..................... 13 3.1 Algumas definições da AADID sobre a deficiência intelectual ............ 18 3.2 Comportamento adaptativo e necessidade de apoio ......................... 23 3.3 Diretrizes da política nacional de educação especial na perspectiva da educação inclusiva ................................................................................................ 43 3.4 O atendimento educacional especializado: operacionalização da educação especial na escola regular ..................................................................... 46 4 O DESENVOLVIMENTO DE ALUNOS COM DEFICIÊNCIA INTELECTUAL 51 4.1 Alfabetização e letramento dos alunos com deficiência intelectual .... 53 4.2 As salas de recursos multifuncionais: conceituação e especificidades 54 4.3 Composição das salas de recursos multifuncionais ........................... 59 4.4 A relação professor-aluno como um indicativo social para a construção de uma sala de aula inclusiva ................................................................................ 61 4.5 Educação inclusiva: professor, escola e família ................................. 63 4.6 As práticas educativas como indicadoras de pertenças sociais ......... 65 5 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .......................................................... 69 3 1 INTRODUÇÃO Prezado aluno, O Grupo Educacional FAVENI, esclarece que o material virtual é semelhante ao da sala de aula presencial. Em uma sala de aula, é raro – quase improvável - um aluno se levantar, interromper a exposição, dirigir-se ao professor e fazer uma pergunta, para que seja esclarecida uma dúvida sobre o tema tratado. O comum é que esse aluno faça a pergunta em voz alta para todos ouvirem e todos ouvirão a resposta. No espaço virtual, é a mesma coisa. Não hesite em perguntar, as perguntas poderão ser direcionadas ao protocolo de atendimento que serão respondidas em tempo hábil. Os cursos à distância exigem do aluno tempo e organização. No caso da nossa disciplina é preciso ter um horário destinado à leitura do texto base e à execução das avaliações propostas. A vantagem é que poderá reservar o dia da semana e a hora que lhe convier para isso. A organização é o quesito indispensável, porque há uma sequência a ser seguida e prazos definidos para as atividades. Bons estudos! 4 2 DEFICIÊNCIA INTELECTUAL O paradigma relacionado às pessoas com deficiência intelectual tem sido continuamente reconsiderado, resultando em revisões da definição, avaliação e diagnóstico desse grupo (ALMEIDA, 2004; THOMPSON 2009). Almeida (2004) explana que, inicialmente, aqueles que não se conformavam com os critérios de inteligência e desempenho acadêmico da época eram categorizados como tendo essa condição. A definição inicial da condição foi estabelecida em 1908, descrevendo-a como um estado de ‘defeito mental’ que surgia desde o nascimento ou na infância inicial, resultando na incapacidade da pessoa em executar tarefas e integrar-se adequadamente na sociedade (TREGOLD, 1908). Após alguns anos, o autor Tregold (1937) revisou sua definição anterior, descrevendo a deficiência intelectual, como um estado de desenvolvimento inadequado que resultava na incapacidade da pessoa de se ajustar ao ambiente sem a necessidade de supervisão, controle e apoio externo. Em 1941, uma nova definição foi proposta por Doll (1941), que descreveu a deficiência intelectual como um estado de inaptidão social, que poderia ser de origem hereditária ou adquirida, e que era considerado incurável e irreversível. Como ressaltado por Almeida (2004), todas essas definições enfatizavam a ideia da incurabilidade e da condição permanente da deficiência. Naquela época, já havia sido desenvolvida a Escala Binet-Simon, que tinha como propósito avaliar o quociente de inteligência (QI) das pessoas. Essa medida era aplicada por profissionais de psicologia e categorizava os indivíduos como ‘normais’ ou ‘anormais’ com base nos resultados obtidos. Isso destacava ainda mais a ênfase na ideia da incurabilidade e da natureza permanente da deficiência (ALMEIDA, 2004). De acordo com as observações feitas por Carneiro (2007) e Pessotti (1984), o propósito original do teste Binet-Simon, era estritamente pedagógico. Seu objetivo era fornecer uma medida que indicasse o nível de desempenho educacional de um indivíduo em relação à sua faixa etária, avaliando o grau de realização de uma função específica, em vez de medir seu potencial. 5 Assim sendo, a Escala Binet-Simon originalmente não tinha a intenção de aplicar rótulos ou limitações por meio de avaliações psicométricas. No entanto, ao longo do tempo, passou a ser amplamente empregada para classificar estudantes com base em suas habilidades de aprendizado, dividindo as pessoas em categorias de ‘aprendizes’ e ‘não aprendizes’. Esse uso gerou a falsa percepção de que as pessoas com deficiência intelectual eram ineficazes, desacreditadas e improdutivas (DIAS, 2004; GOULART, 2015). Em 1959, o presidente da época da American Association on Mental Deficiency (AAMD), Heber, argumentou contra a utilização exclusiva do QI como critério de diagnóstico para deficiência intelectual. Ele observou que o QI nem sempre refletia adequadamente o nível geral de adaptação de um indivíduo à sociedade (Heber, 1959). Como resultado dessa consideração, Heber (1961) definiu a deficiência intelectual como um estado de funcionamento intelectual geral abaixo da média, que se manifesta durante o período de desenvolvimento e está associado a dificuldades no comportamento adaptativo. Essa definição representou um marco na história da deficiência intelectual, pois a desvinculou do conceito anterior de incurabilidade. A partir desse ponto, ocorreram diversas discussões sobre a definição da deficiência intelectual ao longo dos anos, com revisões das próprias definições anteriores, com o objetivo de alcançar maior confiabilidade e alinhamento entre teoria e prática (ALMEIDA, 2004). Em 1992, a American Association on Mental Retardation (AAMR), anteriormente conhecida como AAMD, estabeleceu uma nova definição para o diagnóstico de ‘retardo mental’ termo empregado na época. Essa definição considerava três dimensões: a capacidade da pessoa, o ambiente em que ela vivia e sua necessidade de apoio (LUCKASSON et al., 1992). Esta nova definição representou mudanças significativas, como a mudança do foco da deficiência para a ênfase nas necessidades de suporte, eliminando a categorização da gravidade com base no QI. Além disso, essa abordagem substituiu o modelo de déficit pelo modelo de suporte (ALMEIDA, 2004). Desde 2002 e até os dias atuais, a American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD), anteriormente conhecida como AAMR, formulou uma definição para a deficiência intelectual. Segundo essa definição, a deficiência intelectual é caracterizada por limitações significativas no funcionamento intelectual, 6 que se manifestam antes dos 22 anos. Isso envolve a capacidade mental geral, abrangendo habilidades como aprendizado, raciocínio e resolução de problemas. Além disso, também inclui limitaçõesno comportamento adaptativo, que engloba habilidades conceituais, sociais e práticas. Essas habilidades adaptativas são aquelas necessárias para a realização de atividades da vida diária estabelecidas pela sociedade, que requerem aprendizado para que cada indivíduo possa executá-las de forma autônoma (AAIDD, 2021). Para o diagnóstico da deficiência intelectual, é necessário levar em consideração as limitações no funcionamento do indivíduo em contextos que sejam típicos para pessoas da mesma faixa etária e, especialmente, da mesma cultura. Além disso, é importante considerar fatores adicionais, como a diversidade linguística do ambiente em que a pessoa está inserida, bem como, avaliar os pontos fortes do indivíduo nos quais o nível de funcionamento na vida cotidiana pode ser aprimorado por meio de apoio personalizado. Esses princípios estão de acordo com as diretrizes da American Association on Intellectual and Developmental Disabilities (AAIDD, 2021). Nessa definição, também se determina o grau de severidade da deficiência intelectual com base no funcionamento adaptativo da pessoa. Isso significa avaliar a capacidade da pessoa em atingir os padrões de comportamento esperados em sua comunidade, levando em conta sua autonomia pessoal e responsabilidade social em relação a indivíduos da mesma faixa etária e cultura. Com base nessa avaliação, é possível determinar o nível de suporte necessário para o indivíduo, conforme descrito no DSM-V (2014). Dessa forma, é evidente que o diagnóstico da deficiência intelectual enfatiza a avaliação do comportamento adaptativo, que engloba habilidades conceituais, sociais e práticas. Isso é fundamental para determinar o nível de gravidade da condição e identificar a necessidade de apoio apropriado para a pessoa afetada, conforme orientações da AAIDD (2021) e do DSM-V (2014). Segundo Brites (2019), a deficiência intelectual (DI) se caracteriza pelo funcionamento cognitivo que se encontra significativamente abaixo do nível esperado para a idade correspondente, não representando, no entanto, uma barreira insuperável para o desenvolvimento satisfatório dessas crianças. Isso pode ser 7 alcançado por meio de intervenções educacionais, com apoio das salas de Atendimento Educacional Especializado (AEE). Essa abordagem atual prioriza a avaliação das necessidades de suporte das pessoas em vez de se concentrar apenas em suas deficiências, o que tem implicações significativas tanto na elaboração de estratégias quanto na melhoria do desempenho nas atividades da vida cotidiana. 2.1 Causas da deficiência intelectual As causas subjacentes à Deficiência Intelectual foram um tema de especulação e incerteza por várias décadas devido à falta de estudos detalhados e pesquisas abrangentes sobre a condição. Isso resultou em especulações não substanciadas e diversas teorias sem uma base sólida. Atualmente, compreendemos que várias causas podem contribuir para a Deficiência Intelectual, e não há uma única explicação definitiva. Entre essas causas, incluem-se danos genéticos, fatores que afetam o desenvolvimento no útero, lesões ocorridas no parto ou logo após o nascimento, acidentes, doenças e fatores sociais, entre outros. Essas causas podem resultar em indivíduos que enfrentam desafios devido à presença da Deficiência Intelectual e devem aprender a conviver com as limitações associadas a ela. A Deficiência Intelectual, pode se manifestar nos primeiros anos de vida das crianças, mas a aplicação de testes de QI nesse estágio inicial não é viável, uma vez que o QI não pode ser considerado como o único fator determinante. Além disso, a idade das crianças não permite uma avaliação precisa por meio desses testes, especialmente antes dos cinco anos de idade. Portanto, em casos de crianças que não alcançaram os marcos de desenvolvimento esperados para sua faixa etária, a condição pode ser descrita como atraso no desenvolvimento. Esse atraso pode ser causado por dificuldades tanto na adaptação social quanto no aprendizado das crianças. É importante observar que o diagnóstico da Deficiência Intelectual é frequentemente associado a possíveis atrasos no desenvolvimento da linguagem. Portanto, é fundamental que os profissionais de atenção básica que lidam com essas crianças estejam atentos a essas características, bem como a outros sinais, como 8 déficit auditivo, atraso na fala e problemas na interação social. Esses aspectos devem ser cuidadosamente investigados para determinar se estão relacionados à Deficiência Intelectual (BRASÍLIA, 2018). Conforme o manual de Genética Médica para não especialistas, elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, é importante reconhecer os sinais e sintomas associados à Deficiência Intelectual: A prevalência global de DI varia de 1% a 3%, ficando em torno de 1% nos países com renda alta, e de 2 a 3% nos de renda baixa e média, onde se concentra a maior parte da população infantil mundial e onde fatores deletérios do ambiente devem contribuir para aumentar o risco de ocorrência. Um total de 85% dos casos corresponde a DI leve, 10% a DI moderada, 4% a DI grave e 2% a DI profunda. Na maioria dos registros há um predomínio do sexo masculino, com razão de sexo de 1, 5:1. No Brasil, conforme dados do censo demográfico de 2010, há pelo menos 2,6 milhões (1,4%) de pessoas com DI, sendo estimado que 800 mil têm DI de causa genética (BRASÍLIA, 2018, p.17). O manual apresenta algumas das características relacionadas à prevalência da Deficiência Intelectual, demonstrando que em países com baixo índice de desenvolvimento, a incidência de pessoas afetadas pela DI é significativamente maior em comparação com países de renda elevada. Além disso, destaca que a maioria das pessoas com DI se encontra no grau leve, e ressalta que a causa genética é a principal responsável pela incidência da DI no Brasil. A etiologia da Deficiência Intelectual requer atenção e cuidado no processo de investigação. Inicialmente, essa avaliação é geralmente realizada na atenção básica por profissionais como pediatras, clínicos gerais e médicos das equipes de saúde da família. Nessa etapa, são conduzidas anamneses e exames físicos de rotina, considerando a avaliação abrangente do indivíduo. Além disso, busca-se a realização de exames dismorfológicos, que envolvem uma avaliação minuciosa em busca de sinais que possam indicar a presença de uma síndrome genética. A suspeita de Deficiência Intelectual geralmente surge com base na identificação de diversos sinais, como atraso no desenvolvimento neuropsicomotor, hipotonia, atraso na fala, déficit cognitivo e distúrbios de comportamento. Esses indicadores servem como alertas que direcionam os cuidadores e profissionais a procurar métodos para abordar as deficiências em áreas específicas. O diagnóstico é mais comum nos primeiros anos de vida, durante a idade escolar, quando as dificuldades de aprendizagem se tornam mais evidentes. 9 As manifestações mais comuns, conforme a faixa etária, encontram-se na tabela abaixo 1: Tabela 1. Manifestações mais comuns de atraso do desenvolvimento/DI conforme a faixa etária - Manual de Genética médica para não especialistas: o reconhecimento de sinais e sintomas, elaborado pelo Conselho Federal de Medicina, Brasília (2018). Fonte: https://shre.ink/nLw6 As crianças que nascem com síndromes genéticas carregam implicitamente a possibilidade de desenvolver Deficiência Intelectual, a qual pode manifestar-se à medida que essas crianças progridem em seu desenvolvimento. Isso se reflete tanto nos aspectos cognitivos quanto nas interações sociais, tornando a presença da deficiência mais facilmente identificável. Portanto, é essencial iniciar imediatamente a busca por estratégias de inclusão e apoio que permitam um desenvolvimento mais significativo e reduzam progressivamente as dificuldades associadasà Deficiência Intelectual. O sucesso no diagnóstico da Deficiência Intelectual, depende da minuciosa observação do desenvolvimento dos indivíduos, permitindo encaminhá-los para os serviços apropriados visando tratamento. Progressivamente, esse processo também https://shre.ink/nLw6 10 visa promover a inclusão dessas pessoas na sociedade, incluindo o contexto educacional. A Deficiência Intelectual é categorizada em quatro níveis - leve, moderada, severa e profunda - com base no funcionamento intelectual de cada indivíduo. De acordo com a American Psychiatry Association - APA (2014), o nível de apoio necessário é determinado pelo funcionamento adaptativo, e essa abordagem enfatiza a importância do suporte para melhorar a condição, não a considerando como uma deficiência estática. Apoio intermitente o apoio é oferecido conforme as necessidades do indivíduo. É caracterizado de natureza episódica, pois a pessoa nem sempre necessita de apoio. O apoio geralmente se faz necessário por períodos curtos durante transições ao longo da vida, como, por exemplo, perda do emprego ou uma crise médica aguda. O apoio intermitente pode ser de alta ou baixa intensidade. Apoio limitado a intensidade de apoio é caracterizada por consistência ao longo do tempo. O tempo é limitado, mas não de natureza intermitente, podendo exigir poucos membros do staff e de custo menor, se comparado com outros níveis de apoio mais intensivos. São exemplos desse tipo de apoio o treinamento para o emprego no mercado competitivo por um tempo limitado ou o apoio na transição da vida escolar para a vida adulta. Apoio amplo o apoio amplo é caracterizado pelo apoio regular (por exemplo, apoio diário) em pelo menos alguns ambientes (por exemplo, no trabalho, na escola) e não por tempo limitado (por exemplo, apoio permanente nas atividades de vida diária). Apoio permanente, apoio caracterizado pela constância e alta intensidade. É oferecido nos ambientes onde a pessoa vive e é de natureza vital para sustentação da vida do indivíduo. O apoio permanente tipicamente envolve mais membros do staff e é mais intensivo que o apoio por tempo limitado ou apoio amplo em ambientes específicos (ALMEIDA, 2012, p. 58). É crucial não depender apenas de instrumentos padronizados para avaliar os comportamentos adaptativos e determinar os níveis de apoio necessários durante o desenvolvimento. Os testes de QI não são suficientes para identificar todas as limitações relacionadas ao comportamento. Em vez disso, é essencial considerar diversos tipos de suporte, uma vez que os indivíduos estão inseridos em ambientes variados, todos requerendo adaptações para promover a inclusão eficaz. 2.2 Sinais indicativos de deficiência intelectual Conforme explicado no site Instituto Neuro Saber (2017), alguns dos sinais indicativos de deficiência intelectual são: ➢ Falta de interesse pelas atividades dadas em sala de aula; ➢ Pouca interação com os colegas e com a professora; 11 ➢ Dificuldade em coordenação motora (grossa e fina); ➢ Dificuldade para identificar letras, desenvolver a fala de maneira satisfatória (a comunicação é uma das faculdades afetadas); ➢ Dificuldade em se adaptar aos mais variados ambientes; ➢ Quando a criança perde ou esquece o que já havia aprendido (e demonstrado habilidade). De acordo com a pesquisa de Ferreira (2014), elucida que, em 1959 identificou- se que a Deficiência Intelectual (DI) envolvia alterações no processo de maturação, aprendizagem e ajuste social ocasionando um déficit intelectual e danos no comportamento adaptativo das pessoas. Assim, o quadro da DI é essencialmente marcado por um nível intelectual geral comprometido, ocasionado por um restrito raciocínio lógico, uma reduzida capacidade de planejamento, com soluções de problemas deficitários, com dificuldades para o pensamento abstrato, uma memória comprometida e por dificuldade nas interações sociais. Devido a esses fatores, as pessoas com DI podem apresentar dificuldades em entender, aprender, e realizar atividades consideradas comuns por outras pessoas. Além disso, pode haver dificuldades de estabelecer a comunicação que decorre da não estruturação das representações simbólicas. Pode ocorrer, ainda, atenção limitada, dificuldade na aquisição da fala e baixa criatividade em decorrência das defasagens nas ações intelectuais. Entende-se, também, que nas crianças com DI, as habilidades sociais são deficitárias, e esse indicador acaba sinalizando a existência de problemas comportamentais, déficits de habilidades pró-sociais e agressão que pode desencadear um relacionamento empobrecido com seus pares, entre outros. Nesse sentido, compreende-se que a existência de dificuldades específicas, que causam um impacto no funcionamento social, como por exemplo, a dificuldade em interpretar adequadamente as situações sociais, incluindo compreender os sinais sociais verbais e não verbais. Além disso, tem sido sugerido que as crianças com DI podem apresentar níveis mais baixos de interações sociais durante o jogo com os seus pares e consequentemente mais isoladas durante o jogo, o que proporciona dificuldades no relacionamento com seus pares (FERREIRA, 2014). 12 2.3 Indicadores da deficiência intelectual A deficiência intelectual está definida como um prejuízo na funcionalidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo (conceitual, social, prático) (GONÇALVES; MACHADO, 2012; ALMEIDA, 2012). Para compreender os fundamentos que orientam os profissionais da área da saúde na identificação de critérios para o diagnóstico de deficiência intelectual, buscou-se orientações no DSM (Manual diagnóstico e estatístico), que, em sua 4ª edição, define o termo “deficiência intelectual” como “Retardo Mental”, ou seja, quando a pessoa tem funcionamento intelectual consideravelmente inferior à média, associado a limitações no funcionamento adaptativo em pelo menos duas das áreas de habilidades: comunicação, autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais, relacionamento interpessoal, uso de recursos comunitários, autossuficiência, habilidades acadêmicas, trabalho, lazer, saúde e segurança (DSM-IV, 2014). No DSM-V (2014), o termo ‘Retardo Mental’ foi substituído por ‘Deficiência Intelectual’ e se enquadrou dentro dos ‘Transtornos do Neurodesenvolvimento’, apresentando como uma de suas características o déficit no desenvolvimento. Essa característica provoca prejuízos no funcionamento pessoal, social, acadêmico ou profissional, manifestando-se antes da idade escolar. A literatura nacional e internacional indica que não existe uma concordância em relação ao conceito da DM, o que implica na dificuldade de sua compreensão, definição e nas próprias características da deficiência (TEIXEIRA; NAGLIATE, 2009). Contudo, pode-se dizer que DM “é uma condição heterogênea que identifica diferentes grupos de pessoas, revelando associações diversas de deficiências que afetam, mais ou menos intensamente, o funcionamento individual e o relacionamento social” (MEC/SEESP, 2006, p. 47). 2.4 Deficiências Múltiplas Para os autores Oliveira e Rocha (2009), uma pessoa é considerada com deficiência múltipla quando ela tem mais de uma deficiência simultaneamente. Isso pode acontecer, por exemplo, com uma pessoa que tem paralisia cerebral e, além dos déficits físico-motores, desenvolve dificuldades na produção da linguagem. No 13 entanto, a surdocegueira é classificada de forma diferente, pois se trata de uma única deficiência que envolve a perda simultânea da visão e audição, e não pode ser considerada apenas como a soma das deficiências visual e auditiva A Associação Gaúcha de Pais e Amigos de Surdocegos e Multideficientes (Agapasm) conforme Sassaki (2007) define a surdocegueira da seguinte forma: A surdocegueira é uma deficiência única que apresentaa perda da audição e da visão de maneira que a combinação dos defeitos não permita o uso dos sentidos de distância, cria necessidades especiais de comunicação, causa dificuldade extrema na consecução dos objetivos educacionais, profissionais, recreacionais e sociais para o acesso à informação e a compreensão do mundo que rodeia a pessoa”. E o próprio nome da instituição distingue os “surdocegos” dos “multideficientes (SASSAKI, 2007, P.04). Os professores precisam entender o assunto; e ter o conhecimento sobre deficiências múltiplas e surdocegueira, para poderem considerar a maneira correta de proceder, em relação ao trabalho a ser desenvolvido com essas pessoas. Isso é primordial, para que os professores entendam as limitações e habilidades das pessoas com múltiplas deficiências e desenvolvam métodos apropriados de ensino e comunicação. O planejamento deve ser feito caso a caso, dependendo do tipo e extensão do envolvimento (SASSAKI, 2007). Como você viu, as deficiências são um conjunto de uma repercussão imediata da doença sobre o corpo, impondo uma alteração estrutural ou funcional ao nível tecidual, ou orgânico. Assim, torna-se uma incapacidade de uma redução ou falta de capacidade de realizar uma atividade num padrão considerado normal, para o ser humano, em decorrência de uma deficiência. Contudo, você conseguiu compreender também sobre o termo correto a ser mencionado, quando se refere a uma pessoa com deficiência, portanto, usa-se PcD, pessoa com deficiência. Agora, que você pôde compreender sobre as deficiências, vamos abordar sobre as salas de recursos multifuncionais: conceituação e especificidades. 3 OS PRINCIPAIS TIPOS DE DEFICIÊNCIA INTELECTUAL Os principais tipos de Deficiência Intelectual (DI) causada por fatores genéticos são as síndromes de Down, do X frágil, de Prader-Willi, de Angelman e de Williams. As causas dessas limitações na inteligência são variadas e, em muitas situações, desconhecidas. 14 ➢ Síndrome de Down: A síndrome de Down (SD) é uma doença crônica que apresenta muitos desafios não só para a criança acometida, mas para toda a família. É uma anormalidade cromossômica, a trissomia do cromossomo 21, ocorre a uma frequência de 1:750 nascidos vivos, sendo a idade materna avançada o principal fator de risco 35 anos (CAPONE, 2004; PUESCHEL, 1999). Dessa forma, entende-se que a síndrome de Down, também conhecida como SD, é uma condição genética caracterizada por anomalias que ocorrem durante o desenvolvimento do feto no útero materno. Essa condição é considerada a mais comum entre as anomalias genéticas. De acordo com Kirk e Gallagher (1996, p. 130), a síndrome de Down ocorre em cerca de 1 a 2 nascimentos a cada 1000. É causada por uma cópia extra do cromossomo 21, conhecido como trissomia do 21, e não por um acidente O diagnóstico clínico pode ser feito com base nas características físicas (fenótipo) das crianças nas primeiras horas de vida e posteriormente confirmado pela análise citogenética do cariótipo de acordo com a metáfase. As pessoas com SD podem apresentar: hipotonia, baixa estatura, hipermobilidade das articulações, mãos pequenas e largas com linhas de palma únicas, face larga e plana, olhos bem separados, nariz pequeno com assoalho nasal plano, baixa implantação das orelhas, língua para fora língua boca, palato alto, doença cardíaca congênita, hipoplasia genital, excesso de pele na nuca, cabelos lisos e ralos (PUESCHEL, 1999; SCHWARTZMAN, 1999). No entanto, nem todas as pessoas que possuem essa síndrome apresentam esse fenótipo. A deficiência intelectual é o único aspecto presente em todos os casos, de acordo com Antonarakis et al. (2004). A identificação das pessoas afetadas desde o nascimento possibilita intervenção precoce, envolvendo também os familiares. Além das manifestações mencionadas, indivíduos com síndrome de Down também apresentam desenvolvimento de linguagem prejudicado, sendo este mais lento. É nessa área que as crianças afetadas apresentam um atraso maior, de acordo com Antonarakis et al. (2004). Conforme esse breve conceito de síndrome de Down, mencionado acima, no próximo tópico vamos falar da relação desta síndrome com a educação especial, pois, 15 sabemos que a inclusão de crianças com síndrome de Down no ambiente escolar é muito importante, porque, é uma lei que garante o direito de todas as pessoas, sem diferenciação de cor, etnia, religião ou qualquer tipo de necessidade especial. As escolas devem fornecer para crianças com síndrome de Down, um lugar onde as diferenças devem ser notadas e respeitadas por todos, independentemente de serem ou não, portadoras da Síndrome de Down, ou não. ➢ Prader-Willi: Síndrome de Prader-Willi: doença hereditária rara que influencia no desenvolvimento do cérebro. No período neonatal e na primeira infância, as alterações mais prevalentes são: hipotonia, que melhora habitualmente entre os 8 e os 11 meses, dificuldade de sucção, dismorfia craniofacial, mãos e pés pequenos, hipogenitalismo, atraso de desenvolvimento psicomotor, que se apresenta muitas vezes depois dos dois anos, assim como alterações psicológicas (BEXIGA, 2010). É uma condição genética rara que afeta diversos sistemas do corpo, incluindo o sistema endócrino e neurológico. Caracteriza-se por hipotonia (fraqueza muscular) ao nascimento, dificuldade na alimentação, atraso no desenvolvimento motor e cognitivo e uma alta probabilidade de desenvolvimento de obesidade na tenra idade. Além disso, a síndrome está associada a características particulares e distúrbios de comportamento, como obsessão por comida e comportamento impulsivo. É causado por uma anomalia genética no cromossomo 15, que resulta em uma falha na expressão de genes paternos na região afetada. O tratamento geralmente envolve gerenciamento da alimentação, acompanhamento médico e apoio à saúde mental e emocional para lidar com os desafios comportamentais associados à síndrome. ➢ Angelman: A síndrome de Angelman, também conhecida como “síndrome da boneca feliz”, é causada por uma anomalia em um gene transmitido pela mãe. A maioria dos casos dessa síndrome ocorre quando uma parte do cromossomo 15 materno é apagada. 16 Trata-se de uma perturbação neurológica que proporciona atraso mental, alterações do comportamento e algumas características físicas distintivas. Afeta o desenvolvimento físico e mental, que é gravemente atrasado, e a fala é ausente. Normalmente, as pessoas que apresentam síndrome de Angelman têm como problema mais grave acometimentos epilépticos, perturbação do sono, do movimento e problemas na marcha, com pernas rígidas, braços levantados e joelhos e cotovelos fletidos, hipotonia do tronco e ataxia, podendo perder a sua capacidade de andar, e motricidade grossa e fina atrasada (MATOS, 2013). Características clínicas: as pessoas com síndrome de Angelman geralmente apresentam características clínicas específicas, incluindo: - Atraso no desenvolvimento: A maioria das crianças com Angelman não começa a andar ou falar até mais tarde do que o esperado. - Movimentos motores descoordenados: Movimentos corporais desajeitados e instáveis são comuns. - Sorriso frequente e risada: Um sorriso frequente e um riso contagioso são características marcantes. - Dificuldades de comunicação: A comunicação verbal é geralmente limitada, e a comunicação não verbal, como expressões faciais e gestos, é mais comum. - Hiperatividade e distúrbios do sono: Muitas pessoas com Angelman apresentam hiperatividade e distúrbios do sono. - Epilepsia: Convulsões epilépticas são comuns e podem começar na infância. A pesquisa sobre a síndrome de Angelman continua avançando, e os cientistas estão explorando terapias potenciais que visam corresponder à expressão do gene UBE3A. Esses avanços podem abrir portas para tratamentos mais eficazes no futuro.➢ A síndrome de Williams: A síndrome de Willimans é considerada uma doença rara que traz como características as constrições e alterações vasculares, especialmente próximas ao coração, bem como características faciais peculiares, como fronte alargada, depressão temporal, hipoplasia malar — desenvolvimento defeituoso dessa região, edema supraorbitário, nariz curto e arrebitado, com a ponte nasal deprimida e filtro 17 longo, lábios espessos e queixo pequeno, bem como estrabismo, baixa estatura, atraso no desenvolvimento motor e na fala (SUGAYAMA, 2001). Também conhecida como Síndrome de Williams-Beuren, é uma condição genética rara que afeta diversas áreas do desenvolvimento de uma pessoa, incluindo aspectos físicos, cognitivos e comportamentais. A síndrome recebe esse nome em homenagem aos médicos que a descreveram pela primeira vez em 1961, John CP Williams e Alexander L. Beuren. Vamos explorar alguns aspectos importantes sobre a Síndrome de Williams: 1. Causa Genética: A Síndrome de Williams é causada por uma microdeleção de um segmento do cromossomo 7. Essa alteração genética resulta na ausência de cerca de 25 a 28 genes na região afetada. A maioria dos casos é esporádica, ou seja, não possui histórico familiar da síndrome. 2. Características Físicas: As pessoas com Síndrome de Williams geralmente apresentam características físicas específicas, como rosto de aparência "elfo", que inclui um nariz pequeno e pontiagudo, lábios carnudos, dentes afastados e orelhas pequenas e com lóbulos proeminentes. Eles também podem ter dificuldades com o ganho de peso. 3. Desenvolvimento Cognitivo: Embora as pessoas com Síndrome de Williams frequentemente tenham uma personalidade cativante e socialmente agradável, elas podem apresentar atrasos no desenvolvimento cognitivo. O QI médio das pessoas com essa síndrome está na faixa de nível de atraso intelectual moderado. 4. Habilidades Sociais: Uma característica notável da Síndrome de Williams é a tendência das pessoas a serem extrovertidas, com habilidades sociais profissionais. Elas costumam ser amigáveis, carinhosas e comunicativas, o que pode criar relações interpessoais fortes e significativas. 5. Desafios na Aprendizagem: Embora se destaquem em habilidades sociais, as pessoas com Síndrome de Williams enfrentam desafios na aprendizagem, incluindo dificuldades de leitura, escrita e matemática. No entanto, elas tendem a ser motivadas e dispostas a aprender. 6. Problemas Cardíacos: Anomalias cardíacas são comuns na Síndrome de Williams, e exames cardiológicos regulares são necessários para monitorar a saúde cardíaca. 18 7. Hipersensibilidade Sensorial: Muitas pessoas com síndrome têm hipersensibilidade sensorial, o que pode torná-las mais sensíveis a sons, luzes e texturas. 8. Tratamento e Intervenção: O tratamento da Síndrome de Williams envolve abordagens multidisciplinares, incluindo terapia da fala, terapia ocupacional, terapia física e educação especial. A terapia comportamental também pode ser útil para lidar com questões de ansiedade e comportamentais. 9. Contribuições para a Sociedade: Muitas pessoas com a Síndrome de Williams levam vidas produtivas e significativas. Eles encontram emprego, se envolvem em atividades artísticas e culturais e podem participar ativamente em suas comunidades. 10. Conscientização e Inclusão: A conscientização sobre a Síndrome de Williams é fundamental para promover a inclusão e a compreensão. A sociedade deve valorizar as habilidades e contribuições únicas que as pessoas com essa síndrome trazem para o mundo. É uma condição genética complexa que afeta vários aspectos do desenvolvimento. A educação, o apoio e a inclusão desempenham um papel fundamental no empoderamento das pessoas com a Síndrome de Williams para alcançar seu potencial máximo na vida. 3.1 Algumas definições da AADID sobre a deficiência intelectual A transformação do termo levou à adoção da expressão ‘deficiência intelectual’, que é mencionada em diversos documentos, incluindo o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais - DSM-V, cuja última edição foi em (2014), American Association on Mental Retardation – AAMR que agora é conhecida como American Association on Intellectual and Developmental Disability – AAIDD ou seja (Associação Americana em Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento) na qual desempenhou um papel importante na definição da DI, pois, foi criada a partir disso. Esta associação foi fundada em 1876 e teve como primeiro presidente Séguin (1786- 1875). Ao longo dos anos, publicou vários manuais e revisões, incluindo os anos de 1908, 1937, 1941, 1957, 1959, 1961, 1973, 1977, 1983, 1992, 2002 e o manual atual 19 de (2010), que contribuíram para a evolução do entendimento da deficiência intelectual. A Associação Americana em Deficiência Intelectual e do Desenvolvimento (AAIDD), uma entidade de pesquisa dedicada à investigação da DI, exerce uma influência significativa sobre as definições atualmente adotadas em várias partes do mundo, incluindo o Brasil. Portanto, apresentamos a seguir um resumo cronológico das definições fornecidas pela AAIDD. Dessa forma, conforme documentado por Alles, Castro e Boueri (2019): Em 1908 Tredgold definia como um estado de deficiência mental de nascença ou a partir de tenra idade, devido à desenvolvimento cerebral incompleto, em consequência do qual a pessoa afetada é incapaz de realizar seus deveres como membro da sociedade na posição da vida para a qual ela nasceu. Em 1937 Tredgold definia como a deficiência mental é um estado de desenvolvimento mental incompleto de um tipo e grau que o indivíduo é incapaz de se adaptar ao ambiente normal de seus companheiros, de maneira a conseguir levar sua vida independentemente de supervisão, controle ou apoio externo. Em 1941 Doll definia um estado de incompetência social obtido na maturidade, ou provável de se obter na maturidade resultante de uma parada no desenvolvimento de origem constitucional (hereditária ou adquirida); a condição é essencialmente incurável através de tratamento e irremediável através do treinamento. Em 1959 Heber O retardo mental refere- se a um funcionamento intelectual geral abaixo da média que se origina durante o período desenvolvimental e está associado a uma deficiência em uma ou mais das seguintes: áreas (1) amadurecimento, (2) aprendizagem e (3) ajustamento social. Em 1961 O retardo mental refere-se a um funcionamento intelectual geral abaixo da média que se origina durante o período desenvolvimental e está associado com deficiência no comportamento adaptativo. Em 1973 Grossman definia O retardo mental refere-se a um funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, existente ao mesmo tempo com déficits no comportamento adaptativo e manifestado durante o período desenvolvimental. Em 1983 Grossman definia O retardo mental refere-se ao funcionamento intelectual geral significativamente abaixo da média, resultando em ou associado a deficiências concomitantes no comportamento adaptativo e manifestado durante o período de desenvolvimento. Em 1992 Luckasson et al definia O Retardo mental refere-se a limitações substanciais no funcionamento atual. É caracterizado por um funcionamento intelectual significativamente abaixo da média, existente ao mesmo tempo com limitações relacionadas em duas ou mais das seguintes áreas de habilidades adaptativas aplicáveis: comunicação, autocuidado, vida doméstica, habilidades sociais, uso da comunidade, autodirecionamento, aprendizagem funcional, lazer e trabalho. Em 2002 Luckasson et definia O retardo mental é uma incapacidade caracterizada por importantes limitações, tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo, está expressa nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Em 2010 Shogren et al definia A deficiência intelectual é caracterizadapor limitações significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo como é expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. O resumo apresentado abrange a evolução histórica das terminologias relacionadas às pessoas com deficiência, refletindo debates e discussões que 20 resultaram na substituição dos termos de ‘deficiência mental’ e ‘retardo mental’, sendo substituído por ‘deficiência intelectual’. Essas mudanças contribuíram para uma transformação na maneira como as pessoas com DI são percebidas e tratadas, promovendo uma visão mais atualizada e inclusiva dessa população. O conceito atual, conforme descrito na 11ª edição do manual, já adotava a terminologia que havia sido estabelecida desde a Conferência sobre Deficiência Intelectual realizada no Canadá pela OMS em 2004. Essa conferência resultou na Declaração Internacional de Montreal sobre Inclusão, que trouxe a alteração significativa na edição de 2010 em relação à edição anterior de 2002, que consistiu na substituição do termo ‘deficiência mental’ pelo termo ‘deficiência intelectual’. Isso reflete uma mudança importante na abordagem e no entendimento da condição. Conforme a 11ª edição da AAIDD a caracterização de deficiência intelectual é caracterizada por: Limitações significativas tanto no funcionamento intelectual quanto no comportamento adaptativo como é expresso nas habilidades adaptativas conceituais, sociais e práticas. Essa deficiência se origina antes dos 18 anos AAIDD (2010, p. 5). A Deficiência Intelectual (DI) afeta o funcionamento intelectual e adaptativo das pessoas, resultando em desafios relacionados ao pensamento, habilidades sociais, aprendizado e na execução de tarefas diárias, entre outros aspectos. Esses impactos geralmente surgem antes dos 18 anos de idade. Portanto, é essencial realizar um diagnóstico precoce para que as limitações causadas pela deficiência não impeçam o desenvolvimento adequado das habilidades naturais ao longo da vida das pessoas afetadas. A Deficiência Intelectual (DI) não é exclusivamente caracterizada por aspectos físicos ou biológicos, exigindo uma avaliação abrangente do indivíduo. É crucial utilizar testes padronizados para avaliar elementos relacionados à capacidade cognitiva ou psicométrica, como o Quociente de Inteligência (QI). Para indivíduos com um QI inferior a 70, esses testes de QI são considerados adequados. A Organização Mundial de Saúde (OMS) adota esses testes e classifica a gravidade da DI em quatro níveis, variando de leve a profunda. Veja o exemplo na tabela 2: classificação da deficiência intelectual de acordo com o quociente de inteligência. 21 CLASSIFICAÇÃO QI FREQUÊNCIA DI leve entre 50 a 69 85% DI moderada entre 35 e 49 10% DI grave entre 20 e 34 3% a 4% DI profunda inferior a 20 1% a 2% Fonte: https://shre.ink/nLw6 A Deficiência Intelectual (DI) começou a utilizar a mensuração do Quociente de Inteligência (QI) como um meio de avaliar o grau da deficiência e determinar as áreas que necessitam de intervenção. Isso permitiu uma descrição mais detalhada das especificidades que ocorrem em cada grau da DI, de acordo com as diretrizes da AAIDD (2012). A DI leve é muitas vezes diagnosticada tardiamente ou nem sequer é diagnosticada, já que na maioria das vezes ela se apresenta de forma não sindrômica ou associada a elementos dismórficos menores, que passam despercebidos durante uma avaliação médica. Ela é caracterizada por dificuldades de aprendizagem que não são muito graves. Muitos adultos com este sinal são propensos a trabalhar e adquirir boa autonomia pessoal e independência social A DI moderada está associada com dificuldades significativas de aprendizagem. Ela se caracteriza pela aquisição de competências simples, permitindo a comunicação social, um certo grau de autossuficiência e uma vida semi independente. As noções básicas de leitura e escrita são raramente adquiridas. Já a DI grave é acompanhada por uma completa dependência para a realização das tarefas e ações cotidianas. Enquanto que a DI profunda é caracterizada por uma redução severa do potencial de comunicação e de mobilidade (AAIDD, 2010, p. 12). A avaliação completa da Deficiência Intelectual (DI) é essencial, e o diagnóstico desempenha um papel crucial nesse processo. Os testes de Quociente de Inteligência (QI) são considerados adequados para avaliar o potencial intelectual e são adotados pela Organização Mundial de Saúde (OMS) (2020), que classifica a gravidade da DI em quatro níveis, variando de leve a profunda, como indicado na tabela N° 2 acima. Outro documento de grande relevância que teve um impacto significativo na vida das pessoas com Deficiência Intelectual (DI) foi o Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, conhecido como DSM-5 (2014), publicado pela Associação Americana de Psicologia em 2014. Este manual forneceu uma descrição e definição detalhadas da DI, além de explicar os prejuízos que podem afetar o desenvolvimento integral desses indivíduos. https://shre.ink/nLw6 22 Segundo o DSM-5, a Deficiência Intelectual é descrita como um transtorno do desenvolvimento que se manifesta durante o período de crescimento e envolve déficits funcionais, abrangendo tanto aspectos intelectuais quanto adaptativos, nos domínios conceitual, social e prático. Para o diagnóstico deste transtorno, é necessário que sejam atendidos os três critérios a seguir: Déficits em funções intelectuais como raciocínio, solução de problemas, planejamento, pensamento abstrato, juízo, aprendizagem acadêmica e aprendizagem pela experiência confirmados tanto pela avaliação clínica quanto por testes de inteligência padronizados e individualizados. Déficits em funções adaptativas que resultam em fracasso para atingir padrões de desenvolvimento e socioculturais em relação a independência pessoal e responsabilidade social. Sem apoio continuado, os déficits de adaptação limitam o funcionamento em uma ou mais atividades diárias, como comunicação, participação social e vida independente, e em múltiplos ambientes, como em casa, na escola, no local de trabalho e na comunidade. Início dos déficits intelectuais e adaptativos durante o período do desenvolvimento DSM-5 (2014, p. 77). Conforme as diretrizes do DSM-V (2014), é salientado que a utilização de medidas baseadas no QI não é adequada por si só para proporcionar uma avaliação precisa do nível de funcionamento de cada indivíduo. É enfatizado que os escores de QI servem como estimativas do funcionamento conceitual, mas podem ser inadequados para avaliar o raciocínio em situações da vida cotidiana e o desempenho em tarefas práticas. O DSM-5 (2014) classifica a Deficiência Intelectual em quatro níveis de gravidade: Leve (317 ou F70), Moderada (318.0 ou F71), Grave (318.1 ou F72) e profunda (318.2 ou F73), utilizando siglas que são padrão na área médica para especificar a classificação de cada indivíduo. É enfatizado que esses níveis de gravidade devem ser determinados com base no funcionamento adaptativo, não se baseando unicamente em escores de QI, uma vez que o funcionamento adaptativo é o fator determinante para estabelecer o nível de apoio necessário. Além disso, é observado que as medidas de QI são menos confiáveis quando aplicadas a indivíduos no extremo inferior da variação desse coeficiente. Entretanto, o funcionamento adaptativo emerge como o fator crítico no que se refere ao desenvolvimento global das pessoas com Deficiência Intelectual. Os seguintes domínios e níveis de gravidade, conforme o DSM-5 (2014), esclarecem como os níveis de gravidade para o Transtorno do Desenvolvimento Intelectual podem ser definidos: 23 Leve: Em crianças pré-escolares, pode não haver diferenças conceituais óbvias. Para crianças em idade escolar e adultos, existem dificuldades em aprender habilidades acadêmicasque envolvam leitura, escrita, matemática. Comparado aos indivíduos na mesma faixa etária com desenvolvimento típico, o indivíduo mostra-se imaturo nas relações sociais. Por exemplo, pode haver dificuldade em perceber, com precisão, pistas sociais dos pares. Moderada: Durante todo o desenvolvimento, as habilidades conceituais individuais ficam bastante atrás das dos companheiros. Nos pré-escolares, a linguagem e as habilidades pré-acadêmicas desenvolvem-se lentamente. O indivíduo mostra diferenças marcadas em relação aos pares no comportamento social e na comunicação durante o desenvolvimento. A linguagem falada costuma ser um recurso primário para a comunicação social O indivíduo é capaz de dar conta das necessidades pessoais envolvendo alimentar-se, vestir-se, eliminações e higiene. Grave: Alcance limitado de habilidades conceituais. Geralmente, o indivíduo tem pouca compreensão da linguagem escrita ou de conceitos que envolvam números, quantidade, tempo e dinheiro. A linguagem falada é bastante limitada em termos de vocabulário e gramática. A fala pode ser composta de palavras ou expressões isoladas, com possível suplementação por meios alternativos. O indivíduo necessita de apoio para todas as atividades cotidianas, inclusive refeições, vestir-se, banhar-se e eliminação (DSM-V 2014, p. 78,79 e 80). As definições mencionadas detalham os déficits presentes em indivíduos com Deficiência Intelectual nos diferentes níveis em que se encontram, facilitando a compreensão de que algumas áreas específicas serão afetadas e indicando como as deficiências de determinados sujeitos podem ser abordadas. Isso proporciona aos profissionais uma compreensão mais sólida, permitindo a implementação de intervenções direcionadas às áreas que demandam maior estímulo. Assim, o conhecimento das estratégias apropriadas impulsiona o progresso no processo de inclusão e desenvolvimento abrangente das pessoas afetadas pela Deficiência Intelectual. Ao mesmo tempo, oferece a oportunidade de colaboração entre profissionais e o ambiente escolar para atenuar substancialmente as deficiências causadas pela condição. Dessa no próximo tópico vamos tratar sobre o comportamento adaptativo e a necessidade e apoio da pessoa com deficiência intelectual. 3.2 Comportamento adaptativo e necessidade de apoio O processo histórico que envolveu a incorporação do conceito de comportamento adaptativo na definição da deficiência intelectual, trouxe consigo mudanças significativas tanto em termos institucionais quanto conceituais, que tiveram início a partir da metade do século XX (ALARCÓN-LEIVA E SEPÚLVEDA- DOTE, 2014). A primeira vez em que o conceito de comportamento adaptativo foi 24 aplicado ao contexto da deficiência intelectual ocorreu quando Heber questionou a utilização exclusiva do QI como método de avaliação e propôs uma nova definição para o que era então chamado de retardo mental, estabelecendo uma conexão entre o retardo mental e o comportamento adaptativo (HEBER, 1961; ALMEIDA, 2004). Com o tempo, o conceito de comportamento adaptativo foi refinado e ganhou maior importância à medida que foi incorporado pelo DSM-IV (1995) e mantido em sua última edição, de 2014. Isso levou à necessidade de desenvolver instrumentos de avaliação do comportamento adaptativo e explorar oportunidades de intervenção com base nessa avaliação (ALMEIDA, 2004; ALARCÓN-LEIVA & SEPÚLVEDA-DOTE, 2014). No entanto, esses autores também apontam a escassez de estudos que abordem a avaliação e validação desses instrumentos. Em 2002, a AAMR promoveu uma redefinição do conceito de comportamento adaptativo, definição que se mantém na última edição (AAIDD, 2021). De acordo com essa redefinição, o comportamento adaptativo compreende um conjunto de habilidades conceituais, sociais e práticas que as pessoas aprendem e aplicam em suas atividades cotidianas. As habilidades conceituais englobam aspectos relacionados à linguagem e alfabetização, compreensão de dinheiro, noção de tempo e números, bem como a capacidade de auto-orientação. As habilidades sociais abarcam competências interpessoais, responsabilidade social, autoestima, discernimento, confiança, solução de problemas sociais e habilidade de seguir normas. Já as habilidades práticas incluem cuidados pessoais (como alimentação, mobilidade, vestimenta, uso do banheiro), habilidades ocupacionais, cuidados com a saúde, transporte, gestão de horários, rotinas, segurança, manuseio de dinheiro e uso do telefone. Continuando na mesma perspectiva, as últimas duas edições enfatizam os critérios para avaliar o comportamento adaptativo. Isso inclui a necessidade de definir um propósito claro e intenções bem delineadas para a avaliação, garantindo que ela seja tecnicamente apropriada para o indivíduo em questão. Além disso, é enfatizada a importância de utilizar métodos de avaliação múltiplos. O suporte ou apoio são compreendidos como "recursos e estratégias destinados a facilitar o desenvolvimento, a educação, os interesses e o bem-estar pessoal, visando melhorar o funcionamento individual" (LUCKASSON et al., 2002, p.151). A necessidade de apoio é vista como um conceito psicológico que se refere 25 ao tipo e à intensidade de assistência que uma pessoa necessita para se envolver em atividades consideradas normais no funcionamento humano. Esse conceito parte do princípio de que o funcionamento humano é influenciado pelo alinhamento entre a capacidade individual e o ambiente externo. A falta de harmonia entre as habilidades de uma pessoa e seu ambiente circundante resulta em diferentes tipos ou graus de necessidade de apoio, variando de acordo com cada indivíduo. Garantir esse alinhamento requer compreender os diversos elementos que compõem o funcionamento humano, determinar o perfil e a intensidade das necessidades específicas de cada indivíduo e, por fim, fornecer os recursos necessários para melhorar o funcionamento de acordo com essas necessidades (THOMPSON et al., 2009). A definição da AAIDD (2021) inclui quatro níveis de apoio: intermitente, que é fornecido conforme necessário, de forma episódica; limitado, em que o apoio é limitado no tempo, mas não é intermitente em natureza; amplo, que envolve assistência regular em vários ambientes; e permanente, caracterizado por apoio constante, de alta intensidade e importância vital. De acordo com Thompson et al., (2009) e AAIDD (2021), é fundamental analisar as prioridades da pessoa em relação às áreas de necessidade antes de planejar e fornecer suporte. A abordagem propõe, em primeiro lugar, a identificação das aspirações e necessidades da pessoa, considerando suas preferências e interesses. Em seguida, é recomendado determinar o perfil e as exigências de suporte, utilizando métodos que meçam essas necessidades, como medidas quantitativas, observações e entrevistas, envolvendo tanto a pessoa em questão quanto indivíduos de seu círculo social. Depois, desenvolver um plano de ação que se concentre em atividades típicas da semana da pessoa. O processo deve ser continuamente supervisionado de forma sistemática, com ajustes sendo feitos conforme necessário. Por fim, é crucial avaliar os resultados obtidos. Conforme descrito, a avaliação do comportamento é crucial para determinar as características e necessidades de suporte da pessoa com DI. Em relação à avaliação desse comportamento, Ferreira e Munster (2015) conduziram uma revisão dos estudos sobre o tema e constataram que existem três métodos principais de avaliação: 70% dos estudos utilizaram instrumentos padronizados, 20% empregaram 26 instrumentos não padronizados, como observação direta e indireta, entrevistas ou análise do cenário comportamental, e 10% adotaram abordagens combinadas. Além disso, nas investigações realizadas, as autoras identificaram a existência de 11 instrumentos padronizados destinados à avaliaçãodo comportamento adaptativo. Nota-se que apenas um desses instrumentos foi adaptado para a realidade brasileira, que é a Vineland Adaptive Behavior Scales (VABS). Inicialmente, essa escala foi desenvolvida por Doll (1935) e tinha o nome de Vineland Social Maturity Scale, sendo sua versão mais recente publicada por Sparrow, Cicchetti e Balla (2008). No entanto, Ferreira e Munster (2015) observaram que, apesar da adaptação para a língua portuguesa, não há estudos de origem brasileira que tenham utilizado essa escala. Eles apontam, assim como Gusmão (2019), para a falta de instrumentos adequados para avaliar o comportamento adaptativo no contexto brasileiro. Essa deficiência na avaliação é uma preocupação compartilhada por Veltrone (2011). Na experiência de Gusmão (2019), foi evidenciada a falta de instrumentos que pudessem ser úteis na avaliação de pessoas com deficiência intelectual. Ele destaca que essa ausência é uma das principais preocupações compartilhadas por profissionais da área de saúde e educação, o que, por sua vez, cria obstáculos para o desenvolvimento de abordagens eficazes no trabalho com indivíduos com deficiência intelectual (PLETSCH; GLAT; STELMACHUK; MAZZOTTA, 2012). Embora as políticas públicas brasileiras, tenham adotado as definições da AAIDD (2021) em relação à deficiência intelectual, a falta de instrumentos adaptados, padronizados e validados para a realidade local resulta na utilização de instrumentos não validados (ZUTIÃO et al., 2016). Em alguns casos, a avaliação ainda é realizada por meio de testes psicométricos de inteligência, apesar de sua limitada utilidade na elaboração de planos de ensino para alunos (Mendes, 1995; Oliveira & Campos, 2005; Brasil, 2006;), ou por meio de avaliações subjetivas (MENDES, 1995; VELTRONE, 2011; ALMEIDA, 2004). Uma pesquisa conduzida por Zutião et al. (2016) com o propósito de validar a escala Assessment of Adaptive Areas (AAA) (BRYANT; TAYLOR; RIVERA, 1996) foi realizada em uma escola de educação especial mantida por uma instituição filantrópica. O objetivo era avaliar as áreas adaptativas de jovens e adultos com deficiência intelectual. 27 O estudo envolveu a participação de 13 jovens e adultos com idades variando entre 16 e 43 anos, além da professora, do monitor da turma e da coordenadora da escola. No que diz respeito aos resultados quantitativos do estudo, todos os alunos apresentaram um desempenho inferior. Isso se deve, em parte, ao fato de que algumas atividades da escala nunca haviam sido ensinadas a eles ou porque não tinham tido a oportunidade de realizá-las de forma independente. Além disso, as autoras do estudo observaram que as atividades realizadas eram de natureza infantilizada, como a pintura de desenhos infantis e brincadeiras na cama elástica ao som de músicas infantis. A professora e o monitor da turma frequentemente executavam as atividades em nome dos alunos, e havia uma carência de planejamento e adaptações adequadas para atender às necessidades individuais devido à falta de uma avaliação apropriada do desenvolvimento integral de cada um dos participantes (ZUTIÃO et al., 2016). As autoras enfatizam que as áreas adaptativas avaliadas desempenham um papel fundamental na capacitação das pessoas com DI para uma participação ativa na sociedade. Portanto, destacam a importância e a necessidade de desenvolver planos de ensino que facilitem a aquisição dessas habilidades. Elas observam que, no Brasil, há uma escassez de estudos que proponham programas nesse sentido (ZUTIÃO et al., 2016). Nesse contexto, Gusmão (2019) conduziu uma avaliação de 450 prontuários de indivíduos com DI em uma instituição filantrópica no Brasil. O estudo identificou fragilidades e lacunas nos registros, além de prontuários que não continham informações claras sobre o diagnóstico e outras informações dos usuários. Essa falta de documentação eficaz e a incapacidade de criar planos de intervenção adequados para pessoas com DI eram preocupações comuns entre os profissionais da área. Além disso, na realidade brasileira, está em curso um projeto liderado por Almeida (2013) que visa à tradução, adaptação e validação da Support Intensity Scale (SIS) (THOMPSON et al., 2004). Atualmente, os dados de validação estão em processo de análise. Essa escala tem como objetivo determinar a intensidade de apoio necessária para pessoas com DI com idade acima de 16 anos nas áreas de comportamento adaptativo. Essa determinação da intensidade do apoio permitirá o desenvolvimento de programas de atividades personalizados, com os suportes adequados, com base em entrevistas realizadas com a própria pessoa ou com seus 28 responsáveis ou cuidadores (ALLES; CASTRO; MENEZES; BOUERI; ALMEIDA, 2015). Portanto, essa escala fornece uma visão clara e objetiva das áreas que requerem diferentes níveis de suporte, capacitando os profissionais a criar planos de apoio individuais para indivíduos com DI (ALLES et al., 2015). Isso se traduz em um investimento na qualidade de vida e no apoio à inclusão social dessas pessoas, ao promover o desenvolvimento de habilidades e fomentar a autonomia. ➢ Autonomia: A palavra autonomia tem sua origem na expressão grega ‘auto’, que significa ‘próprio’, e ‘nomos’, que denota ‘norma’, ‘regra’ ou ‘lei’ (FLEURY-TEIXEIRA et al., 2008). Ao longo do tempo, essa ideia recebeu diversas designações, como o ‘princípio do respeito à pessoa’, o ‘princípio do consentimento’ ou o ‘princípio da autonomia’, e tem servido como um fundamento ético para a formulação de políticas públicas voltadas para a proteção de grupos vulneráveis (ALBUQUERQUE; GARRAFA, 2016). A autonomia representa a liberdade e a habilidade de um indivíduo para tomar decisões ativas sobre si mesmo, envolvendo a capacidade de determinar livremente suas ações e construir seu próprio caminho na vida (FLEURY-TEIXEIRA et al., 2008). Carvalho-Freitas, Tette, Paiva, Nepomuceno e Silva (2018) complementam essa definição, descrevendo-a como a capacidade que cada pessoa possui para autodeterminar-se e agir de acordo com suas próprias normas e princípios que considera relevantes para si mesma. Dessa forma, uma pessoa autônoma é aquela com a capacidade de tomar decisões conscientes em questões pessoais. O respeito à autonomia de um indivíduo implica considerar seus valores, opiniões e ações, não interferindo em sua liberdade de agir, a menos que isso cause prejuízos a outras pessoas. Além disso, é fundamental fornecer todas as informações necessárias para que a pessoa possa formar seu próprio julgamento (BEAUCHAMP; CHILDRESS, 2013). Seguindo essa abordagem, Fleury-Teixeira et al., (2008) destacam a autonomia como um elemento essencial da democracia, caracterizado pelo reconhecimento do direito à diversidade, da livre expressão e da liberdade de ação, desde que não resultem em prejuízos para outras pessoas. 29 Essa oportunidade de exercer a livre escolha em suas vidas é tão crucial que o lema central dos movimentos sociais das pessoas com deficiência é ‘nada sobre nós, sem nós’ (CHARLTON, 1998). Isso reflete a demanda por plena participação das próprias pessoas com deficiência, uma reivindicação que se originou de uma longa história em que o grupo era tradicionalmente visto como incapaz e cuidado por outros (FINKELSTEIN 1980; BARNES, 2012). Essa capacidade está intimamente relacionada com necessidades humanas essenciais, incluindo a necessidade de expressão genuína do indivíduo, o que se torna fundamental para a promoção de sua saúde e vitalidade (FLEURY-TEIXEIRA, et al., 2008). Segundo a Convenção Nacional sobre os Direitos da Pessoa com Deficiência (Decreto nº 6.949, 2009), os direitos da pessoa com deficiência incluem a autonomia, independência, liberdade de escolha, não discriminação, igualdade de oportunidades e participação plena na sociedade. No entanto, aefetivação desses direitos tem enfrentado diversos obstáculos, especialmente no acesso à educação e ao emprego. No contexto da deficiência intelectual, apesar das mudanças conceituais em sua definição, ainda persistem crenças e atitudes que perpetuam a exclusão (MAZZOTTA; D'ANTINO, 2011). Comparada a outras formas de deficiência, a deficiência intelectual enfrenta desafios peculiares, em grande parte devido às crenças e estereótipos dominantes na sociedade. Essas crenças frequentemente associam a deficiência intelectual à ideia de eterna infantilização, dependência e incapacidade de autodeterminação, o que nega a essas pessoas o direito a uma vida autônoma e plena cidadania (DIAS; OLIVEIRA, 2013). Essa perspectiva representa uma violação dos direitos fundamentais dessas pessoas, conforme estabelecido na Declaração de Montreal sobre deficiência intelectual (2004). Além disso, devido à prevalência do modelo de deficiência centrado no indivíduo, muitas vezes negligencia-se o potencial de desenvolvimento que é inerente a todas as pessoas com deficiência intelectual. Por outro lado, o modelo social da deficiência concebe a incapacidade como uma questão intrinsecamente ligada à funcionalidade manifestada pela pessoa com deficiência. Nesse contexto, a funcionalidade abrange não apenas as funções e estruturas do corpo, mas também as atividades e a participação social. Enquanto o 30 potencial de desenvolvimento é uma característica inerente ao ser humano, a funcionalidade está diretamente relacionada às condições que a sociedade oferece, as quais podem facilitar ou dificultar a inclusão das pessoas com deficiência em diversos contextos da vida social. Portanto, cabe à sociedade criar as condições necessárias para possibilitar a plena participação das pessoas com deficiência (OMS, 2004), uma vez que a concepção de deficiência está intrinsecamente ligada à organização da sociedade (DIAS; OLIVEIRA, 2013). A transição para a vida adulta requer a implementação de meios que proporcionem condições para uma vida independente, levando em consideração a autodeterminação e os desejos das pessoas com deficiência (JENARO, 1999). Diversas pesquisas ressaltam a importância de uma abordagem mais atenciosa em relação à população jovem e adulta com deficiência intelectual, enfatizando a necessidade de políticas públicas que reconheçam o desenvolvimento singular de cada indivíduo e garantam o direito à vida autônoma e à participação plena na sociedade. O desenvolvimento da autonomia está intrinsecamente ligado a fatores externos ao indivíduo, embora ele também desempenhe um papel na formação dessas circunstâncias. Esses fatores englobam aspectos sociais, legais, educacionais, de saúde, econômicos, culturais e os valores presentes no ambiente em que o indivíduo está inserido. Portanto, a capacidade de oferecer e acessar educação e informações desempenha um papel fundamental na promoção da autonomia, permitindo que os cidadãos se tornem mais reflexivos e críticos, características essenciais para o exercício da autonomia (CAMPOS; CAMPOS, 2006). Nesse contexto, Garrafa (2005) adverte sobre os riscos de dar excessiva ênfase ao conceito de autonomia em detrimento de outras perspectivas, o que poderia resultar na ideia de que a abordagem individual é a única forma legítima de resolver conflitos. Ele destaca a importância de encontrar um equilíbrio entre o respeito pela individualidade e o perigo do individualismo extremo, que se baseia no egoísmo e negligencia a importância de uma visão coletiva na luta contra as injustiças sociais. A chamada segunda geração do modelo social, surgida nos anos 1990 e 2000, aprofundou ainda mais o debate sobre o respeito à individualidade. Enquanto a primeira geração de teóricos questionou o modelo individual e buscou substituir instituições segregacionistas por oportunidades de plena participação na sociedade 31 para pessoas com deficiência, entendendo essa experiência como uma forma de opressão, a segunda geração, composta por teóricos feministas, colocou em destaque temas como cuidado, dor, lesão, dependência e interdependência. A crítica central das feministas recaiu sobre a ideia de que a simples eliminação de barreiras, sejam elas sociais, arquitetônicas ou de transporte, seria suficiente para garantir a inclusão das pessoas com deficiência. Elas argumentaram que focar apenas em questões de acessibilidade para liberar o potencial produtivo dessas pessoas não era o bastante. Em vez disso, enfatizaram que a organização social capitalista também desempenha um papel significativo ao impedir a experiência de independência das pessoas com deficiência na sociedade. A segunda geração do modelo social critica a ideia de que a simples eliminação de barreiras seria suficiente para garantir a inclusão das pessoas com deficiência, argumentando que essa abordagem não leva em conta a diversidade de experiências de deficiência. Reconhecem que, mesmo com a remoção de barreiras, algumas pessoas com deficiência podem não possuir as mesmas habilidades ou capacidades que as pessoas sem deficiência. Além disso, as teóricas feministas apontaram a ausência de discussões sobre formas específicas de deficiência, incluindo a deficiência intelectual, dentro do modelo social (THOMAS, 1999). Assim, observou-se que o princípio de igualdade baseado na independência foi moldado de acordo com valores masculinos que enfatizavam a produtividade, a saúde e a força como elementos essenciais para a formação de um cidadão completo e autônomo. A bandeira política defendida pela primeira geração, que afirmava que as limitações eram sociais e não individuais, não abordava completamente todas as demandas de justiça dos diversos grupos de pessoas com deficiência. É fundamental destacar que a crítica feminista à primeira geração do modelo social não a considera como uma oposição, mas sim como parte de um processo de revitalização e expansão desse modelo, com o objetivo de aprofundar e enriquecer suas questões de forma abrangente. Portanto, a ideia de igualdade baseada na interdependência é considerada o princípio ético mais relevante e apropriado ao abordar questões de justiça relacionadas à deficiência, uma vez que reconhece que todas as pessoas podem ser dependentes em algum momento da vida, seja na infância, na velhice ou devido a doenças, entre outras circunstâncias (Diniz, 2007). 32 Kittay (1999), uma filósofa dos Estados Unidos e mãe de uma pessoa com paralisia cerebral grave, argumenta que a condição humana, por sua própria natureza, está intrinsecamente ligada à interdependência. Ela enfatiza que as relações de dependência desempenham um papel fundamental na estrutura das interações humanas e são uma parte inegável da jornada de vida das pessoas. Portanto, para alcançar a busca por igualdade na sociedade, é essencial adotar uma abordagem de justiça baseada na ética do cuidado, em vez da ética dos direitos, levando em consideração a premissa da interdependência como a base para a noção de igualdade entre os seres humanos (ALMEIDA, 2019). Davy (2015), uma pesquisadora especializada em equidade, diversidade e deficiência, introduz o conceito de autonomia como uma característica inerente a todas as pessoas, que serve como base para o respeito interpessoal e o direito de ser tratado com dignidade. Ela argumenta que não devemos enxergar obstáculos que impeçam as pessoas de desfrutar dessa possibilidade. De acordo com Freire (2018, p. 58), "o respeito à autonomia e à dignidade de cada indivíduo é uma obrigação ética e não um ato de benevolência que podemos ou não conceder uns aos outros". Portanto, é crucial reconhecer a necessidade de implementar medidas adicionais ou diferenciadas para assegurar a participação das pessoas com deficiência intelectual nesse contexto. Nesse sentido, componentes como apoioe defesa devem ser considerados, pois podem beneficiar as pessoas com deficiência, contribuindo para seu bem-estar e grau de autodeterminação, tanto individualmente quanto como grupo. O reconhecimento da importância do apoio é fundamental para capacitar as pessoas com deficiência intelectual a advogarem por si mesmas e a desenvolverem habilidades, como a capacidade de se expressar, compreender seus direitos e fazer escolhas em suas vidas. Davy (2015) enfatiza que relacionamentos de apoio desempenham um papel crucial, especialmente para indivíduos com deficiência intelectual, e concorda com Kittay (1999) ao afirmar que esses relacionamentos são essenciais para promover a autonomia de qualquer indivíduo. Segundo a autora, a capacidade de operar de forma independente por qualquer pessoa depende da presença de várias modalidades de suporte, incluindo apoio emocional, financeiro, prático e baseado em experiência, fornecido por familiares, amigos, a sociedade e as estruturas governamentais. 33 Para ilustrar essa afirmação e enfatizar a importância do apoio que deve ser oferecido às pessoas com deficiência intelectual para respeitar sua individualidade e preservar sua dignidade, Davy (2015) apresenta o exemplo de um jovem profissional do sexo masculino que desfruta de estabilidade econômica, tem a capacidade de traçar seu próprio caminho e tomar decisões de forma independente, idealmente sendo considerado autônomo. No entanto, a autora destaca que por trás desse quadro aparentemente autônomo existem intervenções prévias e não visíveis de cuidado, assistência, apoio e recursos, bem como vantagens materiais, sociais, políticas, estruturais e culturais que contribuíram para seu desenvolvimento e facilitaram sua habilidade de exercer autodeterminação, autogovernança e autorrealização de forma contínua. Portanto, os princípios relacionados à autonomia devem incorporar a perspectiva das pessoas com deficiência intelectual e de seus cuidadores, levando em consideração tanto os facilitadores quanto as barreiras que impactam seu exercício. Isso implica reconhecer as noções de interdependência e apoio como elementos essenciais para o desenvolvimento dessas pessoas. Nessa abordagem, a autonomia é vista como uma capacidade a ser cultivada e fortalecida ao longo da vida, valorizando as características individuais de cada pessoa, os recursos disponíveis e fatores internos como autoconfiança, dignidade e segurança. Essa concepção de autonomia se alinha com o modelo social da deficiência, que a entende como uma possibilidade que se concretiza por meio de relações de apoio e interdependência, com foco nas interações sociais que podem facilitar ou dificultar o desenvolvimento do indivíduo (DAVY, 2015). Apesar das várias reflexões existentes na literatura sobre esse conceito, há um consenso em relação a duas condições fundamentais para respeitar o princípio da autonomia. A primeira é a liberdade de escolha, que requer que a decisão do indivíduo não seja influenciada por outras partes. A segunda é a capacidade de agir intencionalmente, o que implica compreender a situação. É responsabilidade do profissional envolvido garantir que todas as informações necessárias estejam disponíveis para que a pessoa possa tomar uma decisão informada (DURAND, 2003). Portanto, é crucial realizar avaliações contínuas das intervenções, com o objetivo exclusivo de promover a transformação social, em oposição a impor um estilo de vida ou comportamento (DIAS; OLIVEIRA, 2013). 34 Considerando as declarações sobre o conceito de autonomia, considera-se que qualquer intervenção que aumente a capacidade das pessoas de agirem sobre os fatores que influenciam sua saúde (FLEURY-TEIXEIRA et al., 2008) e outros aspectos da vida é geradora de autonomia. A expansão do controle sobre esses fatores está intrinsecamente ligada à ampliação da autonomia e é parte fundamental de um processo de empoderamento. O empoderamento envolve o desenvolvimento de estratégias que promovem a participação das pessoas, com o objetivo de aumentar sua capacidade de autogestão e, ao mesmo tempo, contribuir para uma maior justiça social e melhoria da qualidade de vida (CARVALHO, 2004). Além disso, esse processo envolve a capacidade de tomar decisões com informações adequadas (KAR; PASCUAL; CHICKERING, 1999). Portanto, os autores (FLEURY-TEIXEIRA et al., 2008) mencionam exemplos de processos que promovem a autonomia em nível local, tais como mecanismos de participação deliberativa, redes de apoio mútuo e respeito à diversidade de comportamentos. Esses processos estão fundamentalmente ligados à oportunidade de desenvolver habilidades. ➢ Competências: O conceito de competência é amplamente empregado em diversas áreas do conhecimento e está sujeito a várias definições e interpretações que variam de acordo com o campo de estudo e o contexto em que é aplicado (SÁ; PAIXÃO, 2013). Neste contexto, vários autores oferecem definições que se alinham com ao tema relacionado deficiência. De acordo com Perrenoud (2001) a competência se apresenta como a capacidade de lidar com situações complexas que requerem tomada de decisão e solução de problemas, utilizando uma variedade de recursos. Ele a descreve como um conhecimento em ação, ou seja, um conhecimento que se manifesta por meio das ações em contextos específicos. Segundo o autor, esse entendimento de competência está ligado ao desenvolvimento da autonomia, ou seja, ao desenvolvimento de indivíduos capazes de agir de forma independente em diversos cenários, o que é essencial para a educação e o crescimento pessoal. 35 Roldão (2005), em consonância com Perrenoud (2001), aborda a competência como um conhecimento em ação. Ela descreve que a aplicação plena do conhecimento ocorre na prática em diversas esferas da vida individual e social, onde o conhecimento é essencial para agir de forma inteligente. Além disso, Galvão, Freire e Oliveira (2006) compartilham dessa perspectiva, alegando que a competência permite a utilização de diferentes conhecimentos adquiridos em novos contextos de ação. Por sua vez, Zabala e Arnau (2007) definem competência como a capacidade ou habilidade de realizar tarefas de maneira eficaz, ou seja, as condições e recursos que um indivíduo possui para enfrentar situações e alcançar os resultados desejados em suas ações. Segundo Le Boterf (2005), embora seu enfoque esteja mais relacionado ao campo das competências profissionais, concebe a competência como uma disposição para agir de acordo com circunstâncias específicas. Isso requer a capacidade de coordenar ações, indo além da simples aplicação de conhecimentos, apontando para a necessidade de um saber combinatório que envolve os elementos do triângulo ‘saber agir, querer agir e poder agir’. Nessa perspectiva, a compreensão do conceito abrange a integração entre os domínios do conhecimento e da ação, envolvendo a mobilização de conhecimentos, habilidades e técnicas. Além disso, a competência é considerada no contexto do sujeito e do ambiente em que ele se encontra, e requer a habilidade de integrar diversos elementos necessários para executar uma tarefa. Também é importante destacar que a competência pode ser analisada tanto do ponto de vista individual quanto coletivo, considerando sua dimensão social. Na mesma perspectiva, Alonso et al., (2002) argumentam que o desenvolvimento de competências capacita as pessoas a compreenderem e participarem na sociedade. De acordo com esses autores, o conceito de competência possui uma abordagem construtivista e integrada, envolvendo a capacidade de agir e reagir de maneira apropriada em situações diversas, que podem variar em complexidade. Isso é alcançado por meio da mobilização e combinação de conhecimentos, atitudes e habilidades pessoais em um contexto específico, que é informado por valores