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A críticada razão utilitária e a fundamentação ontológica das escolhas metodológicas no paradigma da dádiva

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309A descoberta da contingência pela teoria social
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 283-308, jul./dez. 2002
A CRÍTICA DA RAZÃO UTILITÁRIA E A
FUNDAMENTAÇÃO ONTOLÓGICA DAS
ESCOLHAS METODOLÓGICAS NO
PARADIGMA DA DÁDIVA
Alexandre Simão de Freitas *
Resumo. Neste artigo, procura-se demonstrar que a crítica da
razão utilitária, processada pelo paradigma da dádiva contribui
para uma reflexão radical das escolhas metodológicas no
âmbito das ciências sociais. Ao buscar interrogar o vínculo
social, o paradigma da dádiva aciona um terceiro nível de
análise da ação social: o nível das redes e das relações. No
âmbito ontológico, isso permite que as teorias sociológicas
transcendam, simultaneamente, as aporias do holismo e do
individualismo metodológico, abrindo novas vias de descrição,
explicação, interpretação e avaliação do funcionamento das
regras do social.
Palavras-chave: razão utilitária, ontologia, epistemologia das
redes.
“Em que medida o destino das ciências sociais está ligado
ao do princípio de razão?” Com esta questão aparentemente simples,
o editor da Revue du M.A.U.S.S., Alain Caillé (2001), coloca em
cena um certo tipo de Aufhebung sociológica que serve para demarcar
drasticamente os desafios teóricos e metodológicos enfrentados pelas
ciências sociais nestes tempos de volatilidade do pensamento crítico.
Ancorado nas chaves descritivas do que se convencionou chamar, na
França, de “o terceiro paradigma”, construído a partir das
* Doutor em Sociologia pela Universidade Federal de Pernambuco (PPGS/UFPE), linha
de pesquisa Exclusão, Cidadania e Processos de Mudança.
Artigo recebido em 29 jul. 2003; aprovado em 30 ago. 2003.
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contribuições fundantes de Marcel Mauss, o paradigma da troca de
dádivas vem buscando uma redescrição complexa e multidimensional
da ação social.
A crítica dos difusores do “paradigma do dom” assume um
tom drástico em relação às tradições de pesquisa estabelecidas: a
Sociologia estaria perdendo, simultaneamente, legitimidade científica
e prestígio acadêmico por não conseguir se libertar dos “compromissos
epistemológicos com a racionalidade instrumental que é a base do
pensamento moderno de inspiração cartesiana” (Capes-Cofecube,
2002, p.03).
Colonizada pelo abstracionismo das grandes categorias, a
Sociologia se veria marcada pela imprecisão na abordagem dos
fenômenos sociais concretos, e mais especificamente na explicação
dos motivos práticos dos sujeitos sociais.
Essa situação estaria sendo motivada pela generalização, no
interior das ciências sociais e humanas, em geral, e na Sociologia,
em particular, de um certo imaginário utilitarista. Entendendo-se por
utilitarismo a confluência de dois postulados inter-conectados: um
postulado teórico que afirma que as ações sociais são motivadas pelos
cálculos racionais dos sujeitos interessados; e, um postulado
normativo no qual a maximização da felicidade constitui o critério
de justiça das ações, normas ou leis (Caillé, 2001, p. 32).
Nesse sentido, o paradigma da dádiva busca combater as
antinomias da razão utilitária moderna, questionando-a nos âmbitos
teórico, prático e normativo. Com isso, o paradigma desencadeia uma
forma de problematização sui generis dos tipos de normatividade
social e das formas de sociabilidade vigentes nos sistemas sociais
contemporâneos.
Ao rejeitar simultaneamente a influência das metodologias
individualistas e holistas, desenvolvidas nas ciências sociais e
humanas, o paradigma da troca de dádivas redireciona o olhar da
investigação para a natureza mesma do vínculo social, apontando um
caminho sugestivo para se transcender, a um só tempo, tanto as aporias
derivadas dos racionalismos abstratos, quanto dos relativismos
pluralistas em vigor. Ou seja, introduz-se um outro (terceiro) nível de
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análise nas ciências sociais e humanas (para além do indivíduo e da
sociedade): as relações e as redes (Martins, 2001).
Esse tipo de análise da relação social pressupõe uma espécie
de arquegenealogia da sociabilidade nas sociedades contemporâneas,
cuja pretensão consiste em localizar o “ser social” sem se deixar
seduzir por qualquer tipo especial de “substância” (personificadora
da vida associativa), mas que também não pretende se deixar enredar
nas malhas de um “plano da vida” formado por sujeitos atomizados e
naturalizados.
No entanto, o objetivo deste trabalho não é o de apresentar ou
interrogar os fundamentos desse modelo. A intenção mais ampla
consiste, sobretudo, em trazer à tona uma reflexão em torno do tipo
de “engajamento ontológico” que fundamenta a teoria da troca de
dádivas, analisando as conseqüências desse engajamento para o
“trabalho da sociologia” quando da investigação dos problemas sociais
concretos. O ponto de ancoragem da discussão reside em uma questão
nuclear: o problema da determinação ou indeterminação ontológica
da realidade enquanto vetor fundamental para a compreensão do
funcionamento do social-histórico e, mais especificamente, do vínculo
social.
O paradigma da dádiva introduziu uma nova “lógica” de
compreensão do “social”, deslocando as explicações essencialistas e
fenomenalistas da sociedade e do próprio conhecimento para uma
apreensão diferencial e complexa. Nesse âmbito, o real é, antes de
tudo, relacional. Até mesmo os “estilos de vida” individual resultariam
de um campo social onde o relacional é a força motriz, uma vez que
para melhorar continuamente a sua coerência interna, cada pessoa
deve chegar à compreensão das relações que lhe são positivas e úteis,
que reforçam sua autonomia, porém dar-se conta, também, de que o
útil não é tanto aquilo que lhe convém, individual e isoladamente,
mas, sobretudo, o que a torna solidária com o mundo natural e social
simultaneamente. (Villasante, 2002, p. 91)
Trata-se então de uma forma de compreender o “ser social”
que exige um aprofundamento dos próprios modelos de investigação
sobre os quais se apóiam os chamados métodos de pesquisa social,
uma vez que se considera que “o princípio de razão é incapaz de
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dar conta da essência da dádiva, dado que esta é justamente a procura
de um para-lá do princípio da razão suficiente” (Caillé, 1997, p.143).
Nesse contexto, é importante reter o sentido que se está
atribuindo, nesse texto, ao termo método. Segundo Sartori (1997, p.
5), para “saber pensar” nas ciências sociais e humanas não há técnica
que baste, ou seja, “para saber pensar são necessários método e
lógica, método lógico – em uma palavra metodologia”. Esse tipo
de proposição implica, portanto, uma diferenciação no interior das
discussões metodológicas, uma vez que é preciso distinguir
as posições epistemológicas (pressupostos sobre as bases do
conhecimento) da metodologia de pesquisa (uma análise teórica que
define um problema de pesquisa, e como a pesquisa deveria proceder)
e esta, por sua vez, do método específico (ou seja, da estratégia ou
técnica efetivamente adotada). (Henwood, 1996, p. 31)
Nessa perspectiva, a reflexão que se pretende fazer distancia-
se claramente dos “tratados de metodologia” que se ocupam das
técnicas de investigação e tratamento de dados, mas que em geral
tendem a não distinguir o método da investigação do método da
reflexão. Ao fazer essa delimitação não temos a intenção de
desclassificar ou desconsiderar o valor daquele tipo de reflexão
metodológica nas ciências sociais. Buscamos um outro tipo de
enquadramento que visa, antes de tudo, analisar “as condições para
a crença” em uma teoria e os limites para sua análise prática (Lacey,
1998). Justifica-se, assim, a ênfase dedicada à problemática ontológica
enquanto cenário mais amplo para se pensar as escolhas metodológicas
nas ciênciassociais, em geral, e, na sociologia, em particular. A
intenção é mostrar que, no estudo dos fatos sociais, a justificação de
um método não pode prescindir de uma decisão ontológica.
As determinações ontológicas do “Ser Social”: a idéia de
uma metametodologia1
O termo ontologia, na modernidade, assumiu o antigo objeto
da metafísica: a questão do ser ou, mais especificamente, as
determinações do ser (Castoriadis, 1999). Na tradição moderna, a
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compreensão do ser passou a ser deduzida formalmente de um conceito
e não mais abstraído da experiência.2 Essa diferenciação que está no
centro mesmo do pensamento moderno gira em torno da seguinte
questão: como é possível adquirir um conhecimento dos tipos de coisas
que existem que seja digno de credibilidade? A resposta a esta questão
deságua inevitavelmente na delimitação dos princípios metodológicos
a serem seguidos na investigação científica. Situação que faz da
ontologia um campo de reflexão de fundamental importância para as
ciências sociais.
De acordo com Oliva (1999, p. 18), é cada vez mais evidente
o fato de que as ciências sociais e humanas vêm há séculos disputando
os critérios a partir dos quais devem ser identificados e hierarquizados
os “seres” do mundo da vida social. Isso acontece porque o “ser das
coisas sociais” não “depende de se poder ver aquilo a que se atribui
existência”. As escolhas ontológicas jogam um papel central na
apresentação dos resultados da observação em torno do que existe,
pois “o que dizemos que existe, como existe, contraindo tal ou qual
tipo de relação, não é função de atividade puramente constatativa”.
Logo,
as teorias sociais estão infestadas de termos com Democracia, Exército,
Nação, Culto, Revolução, Religião, Estado, Instituição, Cultura, etc.
Em torno de que tipo de ente deve gravitar o estudo dos ‘fatos sociais’?
Das partes, dos coletivos ou do Todo? Quando se promove o estudo
comparativo entre os enfoques centrados nas unidades individuais e
os baseados na concessão de vida autônoma a coletivos ou a totalidades
facilmente se comprova que há fossos intransponíveis entre os
diferentes estilos de teoria social produzidos pelas chamadas ciências
sociais. Que tipo de teoria se mostra mais científica – a que se organiza
como estudo de fenômenos localizados no plano da existência dos
indivíduos ou a que privilegia fatores que pertencem a uma esfera da
realidade supraindividual? (Oliva, 1999, p. 21-22)
As disputas ontológicas não se restringem ao terreno
especulativo da filosofia política, interferindo ativamente no trabalho
das ciências sociais. Uma discussão nem sempre óbvia para os que
atuam nesse campo, mas que se revela de modo exemplar nas disputas
em torno dos modelos de racionalidade que devem fundamentar os
trabalhos produzidos nessa área.
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Não casualmente, portanto, tanto os pós-modernistas que partem
de Nietzsche e Heidegger, como os neopragmatistas e o próprio
Habermas têm problematizado ativamente a idéia de fundamentação
última da realidade; todos empenhados em uma fundamentação pós-
metafísica.3 O próprio tema recorrente da auto-superação da
metafísica, na passagem da filosofia da consciência para a da
linguagem, acabou por introduzir, mais uma vez, a disputa entre
realistas e não-realistas (Vattimo, 2001, p. 21).
Ao admitir que “isto”, ou seja, a “realidade” do mundo não
pode ser reduzida à percepção do sujeito (o próprio sujeito que percebe
não gozaria de qualquer estatuto ontológico sólido quando comparado
com suas percepções do “real”), desencadeou-se uma crise
generalizada de legitimidade das narrativas modernas de
conhecimento (Lyotard, 1993), gerando um niilismo difuso que se
apresenta como a marca de “realidade” das várias escolas de
pensamento existentes na atualidade. As próprias “teorias do pós-
moderno” emergiram como uma espécie de auto-consciência agônica
da razão iluminista, anunciando o cansaço crepuscular de uma época
em crise.4
Vale lembrar, então, que não são apenas os problemas sociais
que mudam, mas a maneira de colocá-los que sofrem uma alteração
radical. A questão mais ampla passa a ser decidir em que medida o
apelo “pós-moderno” à relatividade dos saberes e ao seu envolvimento
com a distribuição do poder social, de um lado, e a recusa do “princípio
de realidade”, por outro, não estaria produzindo um efeito perverso
de deslegitimação da própria atividade científica, reduzindo o “fazer
ciência” a uma espécie de ontologia ilusionista que se realiza através
dos “jogos das interpretações” em um conjunto de movimentos
arbitrários do sujeito. O que explicaria, dentre outras coisas, o déficit
de confiança no pensamento sociológico contemporâneo.
Nesse sentido, a simples substituição do modelo
representacionista do conhecimento por um modelo de comunicação
que põe as trocas lingüísticas mediadas intersubjetivamente no lugar
de uma objetividade ontológica da experiência do ser, fazendo da
linguagem “condição irrecusável de todo acesso ao real, mediação
necessária de todo sentido e de toda validade” (Oliveira, 2000,
315A crítica da razão utilitária e a fundamentação ontológica...
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p. 7), não é condição suficiente para se construir um “modelo elegante”
que seja capaz de mostrar como funciona o nosso mundo e que
conhecimento podemos extrair desse conhecimento.
Explicitar os fundamentos ontológicos do “ser social”
permanece como um desafio para as teorias sociológicas que objetivam
descrever, explicar, interpretar e avaliar adequadamente a relação
entre os modos de manifestação empírica da sociabilidade dos atores
e o mundo das estruturas e funções.
Em outras palavras, para que a teoria social não seja uma obra
de ficção interpretativa, ela não pode se abster de problematizar os
fundamentos da sociedade, sob o risco de tornar estéril o campo de
interrogações que a alimenta: o que há no mundo da vida social? Um
primeiro desafio, nesse caso, consiste em identificar o método que
aborde a existência da sociedade, ultrapassando os modelos
essencialistas e fenomenistas de objetivação do “dado” social. Pois,
enquanto o primeiro modelo, opera com definições essenciais
ancoradas em deduções sistemáticas que visam instalar um discurso
absoluto com base no princípio da suficiência lógica das proposições
e na determinação exaustiva do objeto investigado, manifestando
assim um modelo axiomático a partir do qual o conhecimento
emergiria absoluto e verdadeiro, porque completamente imune à
contradição; o modelo fenomenista, ancorando-se na física e no
método matemático-experimental, instala o problema da fundação
do conhecimento válido a partir dos dados oriundos da experiência.
Uma experiência quase transcendental porque transparente ao espírito
e homogênea à coisa.5
Articulados, esses dois modelos, contribuem para provocar um
deslocamento do “ser social” ora para o plano da exterioridade, ora
para o plano da interioridade. Nos dois casos, a investigação da
existência social se vê obstruída por ontologias redutoras (de corte
marcadamente holista ou individualista) incapazes de captar os traços
fundamentais dos mecanismos da sociabilidade. Essas ontologias
naturalizadas emergem do paradigma mentalista da razão utilitária
moderna que pensa a subjetividade desde o enfoque idealizador de
uma consciência transmutada em espelho da “realidade”. Na
interpretação neopragmatista de Richard Rorty (1994), trata-se da
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subsunção da ontologia pela epistemologia, fazendo com que a
natureza do conhecimento seja atrelada ao modo pelo qual a mente é
capaz de construir representações verdadeiras sobre o que está fora
da mente.
Entre as questões principais que a epistemologia buscaria
responder estariamas seguintes: o que é o conhecimento? Como nós
o alcançamos? A definição padrão, no primeiro caso, é a de que o
conhecimento seria crença verdadeira justificada.
Esta definição parece plausível porque, ao menos, dá a impressão de
que para conhecer algo alguém deve acreditar nele, que a crença deve
ser verdadeira, e que a razão de alguém para acreditar deve ser
satisfatória à luz de algum critério, pois alguém não poderia dizer
conhecer algo se sua razão para acreditar fosse arbitrária ou aleatória.
(Grayling, 2002, p. 1)
Todavia, essa definição de conhecimento deve ser entendida
ainda como uma análise do conhecimento no sentido proposicional,
pois ela é obtida perguntando que condições têm de ser satisfeitas
quando queremos descrever alguém como conhecendo algo. Ou seja,
ao dar a definição, enunciamos o que esperamos que sejam as
condições necessárias e suficientes para a verdade da afirmação “S
sabe que p”, onde “S” é o sujeito epistêmico, o suposto conhecedor,
e “p” a proposição.6
O passo seguinte, para responder à segunda questão, teve muito
a dever ao duelo do mecanicismo materialista baseado na clareza e
evidência das ciências matemáticas com o subjetivismo do pensamento
racional autônomo. O vetor paradigmático, aqui, seria a crítica
kantiana da razão, uma vez que na sua Crítica da Razão Pura, Kant
teria levado essa discussão às últimas conseqüências, substituindo
“o conceito substancial da razão da tradição metafísica pelo
conceito da razão cindida nos seus momentos e cuja unidade não é
mais que formal. Mas (que) desempenha também o papel de um
juiz supremo, mesmo perante a cultura como um todo” (Habermas,
1990, p. 29).
Não obstante, sua eficácia auto-legitimadora, a razão kantiana
passou da condição de inquiridora para inquirida, pois com o avanço
da modernidade ganharia relevo uma nova antropologia do homem
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que, sugerindo um novo “modo de ser”, estava ancorada não mais
nos pontos fixos da essência e do fenômeno, julgados pelas estruturas
a priori da razão, mas no acontecimento histórico. A consciência da
historicidade passou a afetar, simultaneamente, o mundo das coisas e
as sociedades dos homens, autorizando um novo modelo de
racionalidade que busca no “devir” o sentido de uma experiência
aberta e lacunar. Como argumenta Domingues:
À diferença dos tempos plats da idade das luzes, o século XIX foi
sacudido por um conjunto de fatos e acontecimentos que levaram os
filhos do século a experienciar um sentimento novo em relação à
história e a adotar uma atitude nova em relação ao tempo. (...) Ponto
de ruptura e inflexão, o século XIX desencadeou a segunda era de
revoluções da modernidade, de alcance tão profundo quanto a expansão
comercial no século XVI e as inovações científicas do século XVII.
Estendendo-se a um tempo à ciência e à técnica, e ainda ao modo de
organização das sociedades dos homens, o resultado foi a instalação
da chamada civilização técnico-científico-industrial, da qual estamos
longe de ter o justo recuo para fazer a justa avaliação da constelação
de suas implicações (Domingues, 1991, p. 267-268).
Essa nova forma de problematização que toma o tempo como
índice ou modo de ser das coisas fez com a história emergisse como o
modo de conhecimento referencial em torno do qual se erigiria toda
uma constelação de ciências particulares.7 A experiência da
temporalidade possibilitou a recorrência de questões complexas como
a necessidade de se conferir racionalidade à história (constituída agora
por um conjunto de acontecimentos não passíveis de repetição).8 A
fundação histórica do conhecimento passou a se localizar
fundamentalmente no plano da práxis e do mundo vivido. Não
casualmente, portanto, o programa do materialismo histórico,
anunciado por Marx em A Ideologia Alemã, e reiterado no prefácio
da Contribuição à Crítica da Economia Política, constitui um
exemplo paradigmático dessa nova forma de problematização.
Ao analisar a massa dos acontecimentos que constituem a
história, Marx visualizou duas grandes regiões articuladas, de cuja
determinação recíproca resulta a figura de um todo único e inteligível:
uma infra-estrutura, a instância da economia; e, uma super-estrutura,
a esfera das representações ideológicas, dos valores morais, das normas
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jurídicas e das idéias políticas. No programa marxiano, o trabalho
(enquanto atividade orientada que modifica o em-si da coisa, dando-
lhe forma e conteúdo) emerge como condição natural da qual os
homens não podem escapar, haja vista a mediação das relações entre
o homem e a natureza na busca de satisfação das suas necessidades.
Canalizando essa atividade, os instrumentos de trabalho
estabeleceriam um laço entre o movimento teleológico do trabalho e
o determinismo da natureza.
Nessa perspectiva, Marx constitui o trabalho como uma pura
positividade econômica, um a priori histórico, condição
transcendental de toda forma de sociabilidade possível entre os
humanos. Ele tornou a própria representação do trabalho como “valor”
algo extrínseco à história. O modelo de sociabilidade implicado no
paradigma da produção perde conteúdo normativo, uma vez que não
consegue relacionar o “tipo paradigmático de atividade do trabalho
ou da elaboração de produtos e o conjunto de todas as formas
restantes de exteriorização cultural dos sujeitos capazes de agir e
falar” (Habermas, 2000, p. 114). Ao instalar o ponto de ancoragem
da história em uma instância determinada (a esfera econômica), esse
programa deixou-se imobilizar pelo movimento identitário do ser-
valor-representação, subsumindo o fato do social comportar uma
espessura ontológica não redutível à coisa e seus atributos
fenomênicos, quer dizer, materiais.
Os objetos sociais não são coisas, em sentido estrito, mas
relações que podem estar sendo mediatizadas pelas coisas, mas
também pelas representações e por toda sorte de fantasmagorias. Para
conferir à necessidade do trabalho a forma da lei (universal e
necessária), o materialismo histórico precisou reportá-la a falta
originária que acomete as sociedades dos homens e ao seu modo
próprio de responder a esta falta constitutiva. Resposta que, como
ressalta Domingues (1991, p. 309), é contingente já que para sua
determinação não basta “aferrar-se ao esquema das forças
produtivas e isolar aquelas notas gerais que em sua universalidade
qualificam o trabalho e são válidas para todas as sociedades
históricas possíveis, mas (seria) preciso acrescentar os princípios
de sua variação e as notas particulares afetas a cada uma, elas
próprias variáveis”.
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A ontologia marxista permaneceu, portanto, tributária da
normatividade da ontologia herdada da modernidade. A ontologia
herdada, diz Castoriadis (1982), só consegue vislumbrar a ontologia
como determinação, onde o real existe como algo determinado e esta
determinação só pode ser compreendida mediante uma apreensão
lógica do existente. A visão do real como algo determinado, leva
fatalmente a conclusão de que o real se explica no racional, e o racional
se manifestaria como real.9 Porém, é possível questionar essa forma
de abordar à dimensão da ontologia.
Nesse contexto, o ser humano antes de pensar logicamente as
coisas, as imagina. A pessoa e o social-histórico, de forma motivada,
selecionam determinadas imagens e as instituem de um sentido
específico. Este é propriamente o sentido ontológico. Esse é o pano
de fundo que permite compreender que uma condicionalidade propicia
uma dada forma, mas essa condicionalidade é sempre parcial. As
determinações (descrições nascidas a partir da sociedade que se
institui sobre o estrato natural) revelam sempre uma decisão ontológica
sobre aquilo que é e também sobre como é. Desse modo, a sociedadese auto-institui mediante um julgamento e uma escolha. Julgamento
e escolha que aparece, do ponto de vista político, ou seja, de um
projeto de democracia radical, como uma questão vital (Caillé, 2002).
Por conseguinte, a análise da validade dos condicionantes do
fato social exige, dentre outras coisas, assumir a incondicionalidade
ontológica da história vista como uma totalidade acêntrica ou, se se
preferir, de múltiplos centros. Ou seja, exige pensar o social como
um conjunto de relações, tanto físicas como intelectuais, com a
natureza, com os objetos e com as outras pessoas.
Esse tipo de fundamentação ontológica dessubstancializa o “ser
social”, pois o social é uma criação permanente, uma criação que se
dá a partir de certos elementos estáveis e até invariantes, de modos
básicos de com-vivência. Como argumenta Oliva (1999, p. 221),
“quando se ingressa em redes de convivência não há, de um lado,
um meu e, de outro, a realidade social. O que há é um tipo especial
de referência que faço a mim mesmo: refiro-me a mim mesmo na
perspectiva do outro, da instituição, ou refiro-me ao outro, à
instituição, sob a ótica do que consigo neles ver”.
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Nesse sentido, nem o holismo nem o individualismo conseguem
dar conta da complexa auto-referencialidade contextual imbricada
na vida associativa. No máximo, o que se consegue é vislumbrar a
representação da ação pelos atores e não a ação em seu fundamento.
Isso só pode ser obtido mediante um tratamento adequado da natureza
do vínculo social, mediante a introdução de um outro nível de análise
nas ciências sociais (para além do indivíduo e da sociedade). Um
nível metametodológico ou, se se preferir, transmetodológico: o nível
das redes e das relações que configuram a sociabilidade.
A dádiva como operador simbólico das redes sociais:
esboçando uma metodologia de análise
A chamada “teoria da troca de dádivas” tem uma resposta
plausível para os problemas postos acima. Em primeiro lugar, para os
difusores do paradigma é possível, sim, “ir-além-da-modernidade”,
transcender o seu horizonte histórico, sem cair nas aporias
performativas do pessimismo melancólico diante da crise da
modernidade. Os pensadores da dádiva sugerem que esta crise ao
invés de promover a implosão generalizada do social estaria
permitindo a criação inédita de uma concepção radicalmente política
da sociedade. Os argumentos utilizados para sustentar essa
possibilidade ancoram-se, em primeiro plano, na “questão do
simbólico”.
A discussão em torno da dimensão simbólica da ação social,
operada no interior do paradigma da dádiva, permite ressignificar,
em outras bases, a questão da fundamentação ontológica do social,
sem com isso despolitizar a tarefa interpretativa das ciências sociais.
Como sinaliza Caillé:
Imperceptivelmente, discutindo a concepção maussiana do simbolismo
acabamos depreendendo aquilo que constitui o seu coração, a questão
da aliança. Ora, esta não é outra senão a do político (...). É com relação
a esta concepção de conjunto, enriquecida pela perspectiva do político,
esta opção por uma constituição determinada, que se deveria agora
desenvolver a questão dos laços entre dom e simbolismo. (p. 250-252)
Para isso, é preciso lembrar que o simbólico, para esse
paradigma, embora resulte de uma construção em torno da qual vão
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se ancorar as representações do mundo social, não se confunde com
estas. A realidade social-histórica não é, ela mesma, uma
representação, e, portanto, não pode ser captada como pura causação
ou puro encadeamento de sentido (como querem os positivistas/
funcionalistas e os estruturalistas). O simbolismo se enraíza,
simultaneamente, no natural, no histórico e no racional. Mais: o
simbolismo pressupõe a capacidade de criação, por excelência, do
social. Como lembra Burity, a diferença da postulação do caráter
simbolicamente construído de toda ordem social, em relação às
análises tradicionais, reside na “insistência” em manter juntos o “real
racional” e o “simbólico discursivo”, chamando a atenção para
o vínculo entre cultura e condições sócio-históricas, por um lado,
entre crenças e práticas mediadas culturalmente, por outro, é um objeto
de análise e não um a priori indiscutível. Isto impede de se recair na
mera dedução de práticas sociais a partir da estrutura analiticamente
delimitada (mas dotada de uma objetividade e uma autonomia externas
à análise), de se postular uma relação puramente reflexa entre as
práticas culturais e as condições materiais existentes, bem como de
assumir um voluntarismo analítico, para o qual não existem estruturas
ou condicionantes da ação senão o permanente estado de fluxo
incontido e avesso a qualquer regularidade. (Burity, 2002, p. 37-38)
Esquecer essa questão, dizem os maussianos, é estabelecer uma
multiplicidade de práticas articulatórias como “fatos brutos”, quer
dizer, fatos sobre os quais não haveria nada a dizer (e menos ainda a
fazer), eliminando-se a questão histórica por excelência: a própria
gênese de novos sistemas de significação que se cristalizam.10 O uso
de uma noção radical de simbolismo funciona como uma espécie de
matriz para um rigoroso sistema conceitual capaz de levar às últimas
conseqüências a natureza da investigação sociológica, já que a
descoberta da coextensividade entre o simbólico e o sistema social
da dádiva “faz cair” as oposições clássicas entre o sociológico e o
psicológico, entre o social e o individual (Caillé, 1998). Seguindo
Mauss, o paradigma insiste na imbricação entre as dimensões
utilitárias e simbólicas, propondo uma análise ancorada na gradação
e na tradução recíproca entre o social e o individual, uma vez que os
simbolismos constitutivos de um plano são passíveis de tradução nos
do outro.
322 Alexandre Simão de Freitas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
Dessa forma, é possível distinguir três níveis de análise na
explicitação da gênese do laço social:
o nível microssociológico da aliança (ad-liança) entre as pessoas, o
nível mesossociológico da aliança das pessoas com grupos ou destes
com outros grupos, e o nível macrossociológico, o da relação das
pessoas e dos grupos, e grupos de grupos, com a totalidade simbólica
que forma. O operador do primeiro é o dom, o do segundo aquilo que
se poderia designar como ad-sociação, e o registro próprio do terceiro
que é o do político. (Caillé, 2002, p. 252-253)
Mas é importante reter a idéia da indissociabilidade desses
níveis, uma vez que cada um funciona como uma espécie de
interpretador dos outros. Essa é a chave da dimensão simbólica no
paradigma da dádiva. A compreensão de que os símbolos só têm vida
e significação enquanto “metaforizam” o dom, a associação e o
político em um esquema complexo e indeterminado de retradução
recíproca.11
Isso acontece porque, no sistema de prestação de dádivas, os
bens que circulam no espaço social são sempre bens qualitativamente
singulares, valorizados segundo padrões anti-econômicos, ou para ser
mais exato: segundo padrões simbólicos. Os interesses e as estratégias
dos agentes sociais não se reduzem aos valores prevalecentes no campo
econômico, uma vez que a troca de dádivas se constitui como um
fluxo inter e intracultural, através de um regime de valorização distinto
do praticado na esfera estritamente mercantil.
Do ponto de vista metodológico, isso significa que os fatos
sociais não podem ser considerados como “coisas”. Os fatos sociais
tornam-se totais. Um fato social total atravessa todas as esferas da
prática. Por isso,
esse princípio não tem um alcance apenas metodológico, mas sócio-
ontológico. Não mais se dirá que se deve tratar os fatos sociais ‘como
se fossem coisas’, subentendendo ‘quando sabemos perfeitamente que
não o são’, e sim que se deve tratar os fatos sociais como símbolos,
porque sabemos perfeitamente que é essa,na verdade, a sua natureza.
(Caillé, 1998, p. 5)
Disso decorre uma concepção da causalidade social, que
denominamos de “metametodológica”, porque não se deixa enredar
323A crítica da razão utilitária e a fundamentação ontológica...
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
pelos determinismos objetivistas, introduzindo a problemática da
determinação no âmbito da liberdade. Essa “obrigação da liberdade”
implica que se deve deixar de apenas tentar explicar a relação social,
para buscar também compreendê-la e interpretá-la.
Compreender e interpretar a ação social significa, nos termos
da própria ação social concreta, estabelecer (descrever) as relações
que os atores contraem em seu estado nascente, ou seja, no momento
mesmo em que se submetem ao arbítrio da lei dos símbolos que eles
próprios criam e põem para circular. Pois, é nessas relações que os
atores produzem, a um só tempo, sua individualidade, sua comunidade
e o conjunto social no qual se movimentam.
Por essa via, o paradigma da dádiva dilui os modos clássicos
de operar as categorias metodológicas, haja vista que tanto o
individualismo como o holismo tendem a funcionar com redutores
analíticos: o interesse dos atores ou a interiorização das normas
(Godbout, 2002). A razão explicativa para uma determinada prática
ou ação é sempre buscada em um condicionante, determinado em
última instância, seja a agência, os valores, as funções ou a estrutura.
O paradigma da dádiva, ao contrário, não decide a priori o
móvel da ação. Essa é acessada mediante um conjunto complexo de
operadores irredutíveis uns aos outros. A própria dádiva, aliás, atua
como um operador simbólico que funciona mediante incondicionantes,
eles mesmos condicionais, na criação de oposições ilusórias (macro
x micro, objetivo x subjetivo). Desse modo, é sugestiva a orientação
de Martins (2003), um dos principais difusores do paradigma da
dádiva no Brasil, para que se busque compreender as práticas sociais
pelo entendimento do surgimento dos vínculos sociais, os quais
estariam articulados às formas pelas quais uma sociedade específica
faz circular seus bens simbólicos.
No âmbito metodológico, isso implica a delimitação de quatro
critérios de análise dos sistemas sociais: a descriptibilidade, a
compreensibilidade, a interpretabilidade e a praticidade. Onde a
descriptibilidade envolve a capacidade de descrição objetiva da lógica
de circulação dos bens sociais, nos diferentes níveis micro, meso e
macrossociológico de sociabilidade elencados por Caillé (2002). A
compreensibillidade refere-se à compreensão dos motivos e
324 Alexandre Simão de Freitas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
significações das práticas (nos termos weberianos). A
interpretabilidade retoma a capacidade de interpretação crítica da
imaginação sociológica (Mills) e de retradução dos fenômenos sociais
(Ricouer). E, por fim, a praticidade articula a crítica social com os
imperativos políticos e normativos da emancipação social (Martins,
2002, p. 3).
Nesse sentido, pensar a prática social não significa, nesse
paradigma, reduzi-la aos seus acontecimentos empíricos, não obstante
exista também a necessidade de se partir dos dados empíricos para se
produzir uma reflexão sociológica efetiva.
O que deve ser enfatizado, no trabalho de resgate das memórias
culturais, das significações simbólicas e das lógicas institucionais, é
a tentativa de ir além das oposições binárias, pois essas oposições são
impeditivas de uma melhor apreensão das redes de práticas que
organizam a ação social. Ao invés de opor a objetividade das estruturas
e a subjetividade das representações, a teoria da dádiva busca articular
as diversas modalidades da relação ao mundo social que (de)marcam
a existência das redes sociais que vinculam os atores entre si e entre
estes e as instituições. Com isso, descartam-se as antigas concepções
correspondentistas da verdade enquanto representação do real.
Dessa forma, o uso de determinados instrumentos de pesquisa
não assume, no paradigma da dádiva, um caráter meramente técnico.
Mas, encontra-se associado aos próprios objetivos da investigação
que se pretende levar a termo, uma vez que não há aqui nenhuma
pretensão de alimentar mais um fantasma dicotômico presente nas
ciências sociais: a infeliz distinção entre métodos quantitativos e
qualitativos. A teoria da troca de dádivas tem o mérito de deixar
mais claro o uso que fazemos de determinadas categorias, nas nossas
práticas investigativas, para organizar, classificar e explicar/
compreender o mundo social.
Como o próprio “dado” (quantitativo ou qualitativo) é tratado
como uma representação simbólica, assimilado pelo imaginário social
como a memória de uma articulação (entre representação e realidade)
que envolve um complexo dinamismo associativo, ele funciona como
uma estratégia de classificação e ordenamento dos fenômenos,
fixando-se em premissas ontológicas e instrumentalizando o
325A crítica da razão utilitária e a fundamentação ontológica...
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
reconhecimento do evento. Assim, mais do que conferir um caráter
de objetivação à observação, a ênfase reside na identificação dos
condicionantes (a solidariedade do dom, o interesse mercantil ou a
obrigação burocrático-racional) da rede que está sendo objeto de
estudo (Martins, 2003).
Ao reconhecer o caráter simbolicamente construído de toda
ordem social, torna-se possível lidar, metodologicamente, com a
indeterminação relativa das ordens e dos contextos que configuram a
existência do social (Caillé, 1997). As categorias analíticas são
conceitualizadas como categorias práticas, podendo ser utilizadas
conforme o eixo de análise priorizado na investigação: a instituição,
o indivíduo, os grupos, os sistemas de poderes, etc., deslocando assim
o debate epistemológico entre validade e sentido na construção do
conhecimento social. Reconhece-se, então, que
o sentido, a significação, a idealidade são criadas para a sociedade; a
validade também. A distinção sentido/validade é constitutiva da
instituição da sociedade. Ela é o pressuposto das distinções correto/
incorreto, lícito/proibido, etc. (...) Mas essa distinção é totalmente
insuficiente. Uma outra questão, muito mais grave, surge a partir do
momento em que reconhecemos, como somos obrigados a fazer, que
cada sociedade cria, não somente o que para ela tem sentido, mas
também o que para ela é validade e válido. (Castoriadis, 1999, p. 44)
Logo, no plano normativo, as categorias analíticas tendem a
funcionar como indicadores provisórios para validar e avaliar os
resultados dos processos sociais investigados. Elas permitem entrever,
por um lado, a lógica identitária do instituído e, por outro, os processos
instituintes da ação social dos atores, ou, nos termos defendidos por
Martins (2003), identificar os tipos e o grau de interatividade da
dádiva nos sistemas sociais complexos.
Considerações finais
O que podemos, enfim, extrair de uma sociologia da prática
social inspirada na troca de dádivas? Acima de tudo, a idéia de que
não precisamos abandonar uma fundamentação ontológica para o “ser
social”. Pois, não se pode exercer o pensamento, principalmente o
326 Alexandre Simão de Freitas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
pensamento crítico, sem que seu próprio discurso tenha algum tipo
de fundamento. Como validar o pensar, no discurso, sem critérios
objetiváveis, ou seja, sem retornar ao irrealismo e sem fazer a defesa
silenciosa do relativismo?
É possível, sim, validar uma ontologia histórica radicalmente
distinta daquela que vem sendo forjada pela tradição ocidental e
ancorada exemplarmente no discurso da modernidade e nas aporias
da racionalidade utilitária. Uma ontologia histórica, mas não
historicista, que seja capaz de nos propor uma outra relação com a
verdade que emana das pesquisas sociológicas.
Mais ainda. Compreende-se que nem toda relação social é
arbitrária, os sistemas de signosnão podem representar tudo. Logo, o
real não é completamente representável, uma vez que há resíduos
que não podem ser autenticados no quadro geral do saber. Não
obstante, a dissolução dos quadros da representação não precisa esgotar
os regimes de práticas possíveis, o que significa dizer que o objeto
das ciências não está ligado nem às coisas em si nem a uma
subjetividade auto-centrada. O objeto social é constituído no
intermezzo como uma rede de relações.
Parafraseando Rajchman (1987, p. 69), podemos, finalmente,
com o paradigma da troca de dádivas, pôr de lado “‘as promessas
mescladas de dialética e antropologia’, e criar assim uma espécie
diferente de ‘teoria crítica’ [que] não é hegeliana na medida em
que a realização de uma sociedade racional não é o seu objetivo; e
não é kantiana”, uma vez que não se assume um universalismo
abstrato.
Com a crítica da razão utilitária nos defrontamos com uma
transformação da crítica metodológica nas ciências sociais de modo
que se torna possível viabilizar, em nossas pesquisas, um modo de
exercício da liberdade que é real e não meramente fundacional. Uma
liberdade capaz de diluir as redes de práticas instituídas que
emprestam substância à nossa natureza individual, comunitária e
social-histórica, mas sem prescindir de um sentido (possibilidade)
para a criação de novas práticas pelos atores sociais concretos.
327A crítica da razão utilitária e a fundamentação ontológica...
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
Notas
1 Assim como Heidegger insiste na idéia de uma metaontologia que visa a
analítica da temporalidade do ser (Erber, 2003, p.33), cujo caráter
constitutivo é sua determinação como “ser-com”, a defesa de uma
metametodologia para captar o “ser social” não marca uma recaída na
busca de um princípio universal metafísico, estruturando-se antes ao nível
da (in)determinação ontológica do político em seu acontecer concreto
nas várias modalidades associativas que engendram o vínculo social.
2 A proposta de Kant consistia exatamente em estabelecer a metafísica como
ciência: ciência do ser, ou seja, investigação última do que existe. Para
isso, ela não poderia se identificar com investigações empíricas. Ela deveria
formular proposições cujo conteúdo de verdade fossem independentes
do que o mundo é (não passíveis de verificação empírica). Proposições
(sintéticas e a priori) que fossem, elas mesmas, condições do
conhecimento empírico (Oliveira, 1996).
3 Em um trabalho anterior, tentei argumentar que ao apontar para a tensão
entre ontologia e ciência é possível compreender, dentre outras coisas, o
debate recente entre naturalistas e anti-naturalistas, bem como as
divergências sobre a adoção de determinados modelos explanatórios na
explicação dos processos sociais (Freitas, 2002).
4 Não temos a intenção, neste trabalho, de problematizar a questão relativa
ao estatuto da “pós-modernidade”, ou seja, não pretendemos discutir se
estamos na presença de uma descontinuidade radical, ou se simplesmente
teríamos uma forma neoconservadora de dissolução do sujeito social e
epistêmico pela atomização dos jogos de linguagem tecidos em variadas
colchas de retalhos remendados no contexto localizado de cada ciência
particularizada. Sobre esse aspecto, veja-se o trabalho de H. Bhabha
(2001), principalmente o capítulo I – O Compromisso com a Teoria – e o
capítulo IX – O Pós-Colonial e o Pós-Moderno: A Questão da Agência.
5 Presente nos diferentes projetos positivistas que acompanharam a trajetória
da episteme moderna, de A. Comte a S. Mill, esse modelo ajudou a
introduzir a figura de um sujeito intervencionista capaz de sintetizar os
“fatos brutos” da experiência, antes de toda interpretação, fazendo com
que o real passasse a ser reduzido destas duas “empiricidades”, a riqueza
e o estado. Ambas compreendidas, exemplarmente, no homo oeconomicus
de A. Smith e no homo politicus de Montesquieu (Oliveira, 1999).
6 Entretanto, é possível inferir algumas dificuldades com essa idéia,
particularmente no que se refere à natureza da justificação requerida para
328 Alexandre Simão de Freitas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
a crença verdadeira equivaler a conhecimento também verdadeiro. Ela
nos diz que S pode justificar sua crença em p somente quanto a
possibilidade da falsidade de p estiver excluída. O problema é
precisamente saber que a justificação de alguém para acreditar que p não
conecta com a verdade de p de um modo correto. O que é preciso, então,
é um quadro claro de “crença justificada”; e nesse percurso mostrar a
conexão entre justificação, de um lado, e crença e verdade, de outro
(Grayling, 2002, p. 1-segs.).
7 Influência marcante nessa “dobra” da cadeia da natureza ao tempo foi
dada, sem dúvidas, pela ruptura com o princípio da constância do ser
(fixismo), por Darwin e Lamarck, substituindo as categorias mecanicistas
pelas categorias orgânicas.
8 As primeiras tentativas de fornecer uma solução plausível para esses
problemas assumiram feições distintas no pensamento de Hegel e Marx
(dialética), Dilthey (hermenêutica da compreensão) e Nietzsche
(genealogia).
9 Para Castoriadis, a visão do ser como algo determinado, ou como ele
prefere chamar a “ontologia da determinação”, ela mesma uma criação
social e histórica derivada da tradição greco-ocidental. A lógica e a
ontologia da determinação manifestam-se de forma paradigmática na teoria
dos conjuntos, onde os objetos são definidos e suas relações surgem a
partir de uma gama combinatória possível e delimitada. Ou seja, a teoria
dos conjuntos pressupõe a constituição prévia de um conjunto de
operações (lógicas) específicas para definir objetos (não importa qual
seja a sua natureza): distinguir, separar, juntar, contar. Daí ele denominar
essa forma de operar de lógica conjuntista-identitária, pois ela pensa o
objeto enquanto definido por seus atributos. O elemento fica definido
por aquilo que se considera essencial para pertencer a um determinado
conjunto. De forma concomitante, se exclui aquilo que resulta acidental
e portanto prescindível para sua pertença em um conjunto determinado.
O ser da realidade, nesse contexto, estaria contido na essência inerente a
cada ente concreto. Teríamos, assim, a expressão da lógica de identidade.
Nela o conceito constitui a revelação da essência, fazendo do pensar um
reflexo do ser. Essa lógica da identidade (e sua respectiva ontologia)
balizou, de uma forma quase hegemônica, a reflexão sobre o ser na história
do pensamento ocidental, pressupondo um conjunto amplo de categorias
que serviram para determinar o ser em geral e os entes em particular, tais
como: totalidade, unidade, realidade, necessidade. Todas essas categorias
passaram a delimitar o princípio material e o princípio formal do ser,
enquanto elementos constitutivos da substância. Nesse sentido, na lógica
329A crítica da razão utilitária e a fundamentação ontológica...
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
e na ontologia de determinação, o sentido emerge pré-determinado por
algo que fundamenta a explicação última sobre a realidade. Ver A
Instituição Imaginária da Sociedade (1982).
10 Desse modo, definir a hegemonia como uma “forma de política”, e não
como um “lugar determinável na topografia do social”, como fazem Laclau
e Mouffe (1985) implica uma rejeição explícita da ontologia. Isso porque,
segundo eles, a ontologia inscreveria a hegemonia como “centro” do social,
ou seja, como sua essência, fazendo retornar, portanto, o projeto
fundacionalista. O problema, no entanto, é que com essa “estratégia” o
social também deixa de ser redutível a qualquer princípio. Mais ainda, a
própria idéia do “social” deixa de fazer sentido. Sua visão da
indeterminação da realidade só permite que se possa falar em criação (e
autonomia) do social de um modo metafórico.
11 Martins (2003) “traduz” essas dimensões em três diferentes níveis da
ação social: o nível da reflexividade prática ou “senso comum”, o nível
da reflexividade institucionalou sócio-histórica e o nível da reflexividade
expressiva ou simbólica. No primeiro nível, teríamos o modo como os
atores sociais (individuais ou grupais) expressam seus modos de inserção
social, sendo captados no âmbito das representações e do habitus. No
segundo nível, teríamos indicado o contexto macro-social e histórico de
onde emergem as representações do primeiro nível que, por sua vez, são
captadas nos dispositivos normativos de regulação das condutas sociais.
E, por fim, no terceiro nível, teríamos a dinâmica propriamente simbólica
do fenômeno social, podendo ser apreendida tanto pelas narrativas
simbólicas que fornecem sentido à ação social, como pelas significações
das práticas intersubjetivas concretas.
12 Ponto nodal da crítica de Habermas que acusa as teorias pós-modernas
de serem nominalistas e empiristas, impedindo a inteligibilidade e
mergulhando na contingência.
Abstract: In this article, it tries to demonstrate that the critic of the
utilitarian reason, processed by the paradigm of the gift contributes
for a radical reflection of the methodological choices in the extent of
the social sciences. When one inteds to interrogate the social bond,
the gift paradigm sets a third level of analysis of the social action in
motion: the level of the nets and of the relationships. In the extent
ontologic, that allows the sociological theories to transcend,
simultaneously, the dilemm as of the holism and of the methodological
330 Alexandre Simão de Freitas
Sociedade e Estado, Brasília, v. 17, n. 2, p. 309-332, jul./dez. 2002
individualism, opening new description ways, explanation,
interpretation and evaluation of the operation of the rules of the social.
Key-words: utilitarian reason, Ontology, Epistemalogy of Social
Networks.
Résumé: Dans cet article, il essaie de démontrer que la critique de la
raison utilitaire, a traité par le paradigme du don contribue pour une
réflexion radicale des choix méthodologiques dans l’ampleur des
sciences humaines. Quand chercher pour interroger l’attache sociale,
le paradigme du don il travaille un troisième niveau d’analyse de
l’action sociale, le niveau des réseau et des rapports. Dans l’ampleur
ontologique, cela permet aux théories sociologiques de transcender,
simultanément, les dilemmes de l’holi sme et de l’individualisme
méthodologique, ouvrir nouvelles routes de la description, explication,
interprétation et évaluation de l’opération des règles du social.
Mots-clés: raison utilitaire, Ontologie, Epistemologie des Réseaux.
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