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6 de março de 2019 | 19 U A Microsoft, empresa cujos dias de glória pareciam ter ficado para trás, aposta em computação na nuvem e inteligência artificial. O resultado: a companhia volta a ser líder em inovação, o preço da ação triplicou e ela é novamente a empresa mais valiosa do mundo SÉRGIO TEIXEIRA JR. , DE REDMOND, ESTADOS UNIDOS MA NOTÍCIA PUBLICADA NO DIA 30 DE NOVEMBRO DO ANO PASSADO pegou muita gente de surpresa: a Micro- soft tinha ultrapassado a Apple no ranking das empresas de maior valor de mercado do mundo. Ela mesma, a Microsoft, que popula- rizou a computação pes soal, mas depois perdeu o bonde dos smartphones; a empresa que provavelmente é o ponto de con- tato com o mundo digital mais antigo e cons- tante das pessoas (com o Windows, o Word e o Excel), mas há muito tempo não desperta paixões nem é lembrada quando se fala em inovação. Aparência não é tudo no mundo da tecnologia, mas conta, e muito. Na per- cepção da maioria dos consumidores, a Mi- crosoft era uma companhia cujos dias de glória tinham ficado para trás. O presente pertenceria à Apple, ao Facebook, à Amazon, ao Google; o futuro, a alguma startup que está nascendo numa garagem. Óculos de realidade aumentada Hololens 2: a Microsoft quer fazer a diferença em novas frentes da tecnologia DI VU LG ÇÃ O 20 | www.exame.com Bill Gates no lançamento do Windows 95: a Microsoft popularizou o computador pessoal CAPA | TECNOLOGIA Mas o gráfico das ações da Micro- soft conta uma história bem diferente. Há cinco anos sob o comando do in- diano Satya Nadella, somente o ter- ceiro presidente de uma companhia que está prestes a comemorar 44 anos de existência, a Microsoft vem pas- sando por uma das maiores transfor- mações de sua história. Em sua pri- meira aparição pública na liderança da empresa fundada por Bill Gates, Nadella falou de um futuro em que a computação em nuvem, a inteligência artificial e a mobilidade viriam em primeiro lugar. Em nenhum momen- to ele mencionou o Windows, produ- to que deu à empresa um virtual mo- nopólio dos sistemas operacionais no começo dos anos 2000 e levou o go- verno americano a mover um proces- so antitruste contra a Microsoft por causa da distribuição do navegador Internet Explorer junto com o siste- ma. A EXAME, Nadella afirmou: “A ilusão de que o sucesso dura para sempre é algo que nós queremos ex- purgar de nossa consciência. Porque é aí que a arrogância acaba se insta- lando”. [Veja entrevista na pág. 28.] Nadella sucedeu ao falastrão e arro- gante Steve Ballmer, que, em 2007, afirmou que o iPhone, da Apple, “não tinha chance nenhuma” de sucesso no então nascente mercado de smartpho- nes e chamou o sistema Linux de um “câncer” que ameaçaria de morte o modelo de negócios do soft ware pro- prietário, a vaca leiteira que transfor- mou a Microsoft na maior potência global de software. Enquanto Ballmer curtia a aposentadoria cuidando de seu novo negócio, o time da NBA Los Angeles Clippers, Nadella começou a arrumar a casa. Ele se concentrou, acima de tudo, em mudar a cultura da empresa. Reescreveu a missão da companhia e apostou tudo na nuvem, no software por assinatura e, quem diria, até se atreveu a falar em amor pelo software livre. Em termos con- cretos, o resultado até aqui é uma ação que vale quase o triplo de cinco anos atrás. Um indicador talvez mais importante seja o ânimo, que não po- de ser medido com números, mas tem impacto na hora de contratar e de reter talentos, de energizar os fun- cionários e de cristalizar a visão que vem do topo. Como EXAME consta- tou em uma visita à sede da Microsoft no fim do ano passado, o clima é de otimismo. Ou como diz o francês Jean-Philippe Courtois, há 34 anos na empresa e um dos principais execu- tivos da equipe de Nadella: “Voltamos a ter aquela atitude do desafiador”. O serviço de computação em nu- vem Azure é o maior símbolo da nova Microsoft. A venda de licenças de programas como Windows e Office ainda é responsável por uma fatia considerável do faturamento e pelo grosso dos lucros. Mas o crescimento — e, na visão de Nadella, o futuro da tecnologia digital — está nos serviços EM SUA PRIMEIRA APARIÇÃO PÚBLICA, NADELLA FALOU DAS TECNOLOGIAS DO FUTURO. EM NENHUM MOMENTO MENCIONOU O WINDOWS E O OFFICE GE TT Y IM AG ES 6 de março de 2019 | 21 de “computação por assinatura”. O Azure é uma rede de mais de 100 da- ta centers espalhados pelo mundo. Os clientes, de startups recém-fundadas a multinacionais, pagam conforme o uso da infraestrutura. Isso vai desde serviços tão simples, como obter es- paço para armazenar dados, até o uso de aplicações sofisticadas de inteli- gência artificial. Julia White, respon- sável por tudo o que se refere à com- putação em nuvem na empresa, diz que a transformação sob Nadella foi essencial para o sucesso nessa nova fronteira dos negócios. “A empresa era muito insular e rígida”, diz Julia, há 17 anos na Microsoft. “Já tínhamos as competências e a energia necessá- rias para o sucesso, mas Nadella per- mitiu que elas viessem à tona.” O que era quase uma curiosidade na gestão anterior tornou-se o motor do crescimento da Microsoft de hoje. Em 2015, as receitas do Azure eram de “apenas” 1 bilhão de dólares. Em 2020, a expectativa é que elas cheguem a 22 bilhões. Ainda falta um pouco para alcançar a líder AWS, da vizinha Ama- zon, que faturou mais de 25 bilhões de dólares em 2018. A empresa, fundada por Jeff Bezos, tem sede em Seattle, a apenas 20 quilômetros do campus da Microsoft, que fica no subúrbio de Red mond. “A migração para a nuvem continua, e todas as empresas do setor estão se beneficiando disso”, diz Kim Forrest, vice-presidente do fundo Fort Pitt Capital Group. “Ninguém está perdendo, mas alguns são mais rápi- dos do que outros”, diz a gestora em relação à Microsoft. O Azure e outros serviços por assi- natura, como o pacote Office 365, es- tão mudando a narrativa de uma Microsoft antes destinada à insigni- ficância — a morte mais dolorosa para empresas de tecnologia. Consi- dere o exemplo do Uber. O aplicativo de transporte desenvolveu um tipo de autenticação baseada em reconheci- mento facial para garantir que os mo- toristas do serviço são de fato quem dizem ser. Senhas são facilmente compartilhadas, mas rostos são úni- cos. O motorista tira uma selfie de MUITO ALÉM DO WINDOWS Com ênfase em assinaturas, inovações em hardware e computação na nuvem, a Microsoft deu uma das maiores viradas de sua história As ações da Microsoft valorizaram mais do que as de grandes concorrentes(1) (1) Nos últimos cinco anos. Dados de 25 de fevereiro de 2019 (2) Alphabet, holding que controla o Google (3) Valores em 25 de fevereiro de 2019 Desde o fim de 2018, a Microsoft voltou a ser a empresa mais valiosa do mundo Microsoft Apple Amazon Google(2) Facebook Alibaba IBM (em bilhões de dólares)(3) 851 189% 83% -24% 130% 815 801 776 462 458 126fevereiro 2014 fevereiro 2019 Microsoft Google(2) IBM Apple Satya Nadella, da Microsoft: em cinco anos, ele promoveu uma mudança na cultura da empresa CH RI ST OP HE M OR IN /G ET TY IM AG ES 0 50 100 150 200 22 | www.exame.com CAPA | TECNOLOGIA Data center da Microsoft: os serviços de computação em nuvem são o novo front da empresa NAS NUVENS A computação na nuvem é um dos negócios que mais crescem nas receitas da Microsoft Faturamento da Microsoft, por divisão (em bilhões de dólares) Produtividade e processos de negócios: Office, Skype e softwares corporativos Nuvem: Azure, sistemas para data centers e serviços de consultoria Computação pessoal: Windows, Xbox e games, hardware e acessórios 2014 27 21,7 38,6 2015 43,223,726,4 2016 40,42526,5 2017 38,827,430,4 2018 42,332,235,9 tempos em tempos e o aplicativo do celular se conecta com um sistema de inteligência artificial da Microsoft para fazer a conferência. “Se a Uber tivesse de desenvolver a tecnologia, levariameses”, diz Julia. A ideia da computação em nuvem existe há muitos anos, é claro, mas na Microsoft pré-Nadella a primeira per- gunta que se fazia em relação a qual- quer nova tecnologia era o impacto potencial no Windows. Foi em nome de proteger o Windows que a empresa hesitou em abraçar a internet e, de- pois, em aceitar que o smartphone seria o verdadeiro computador pes- soal. Tudo o que pudesse ameaçar o império construído sobre a fundação do Windows estava fora de questão ou era relegado a segundo plano. O refle- xo era colocar o Windows em todos os computadores do mundo. No mundo de hoje, com diferentes smart phones, tablets e cada vez mais aparelhos co- nectados à internet, a estratégia sim- plesmente não fazia mais sentido. Para Nadella, o novo front é o que ele chama de “nuvem inteligente”, ou seja, serviços que rodam em enormes data centers, construídos com inteli- gência artificial e que possam ser acessados pelos mais diversos dispo- sitivos, de forma agnóstica. O Win- dows ainda tem seu altar, mas o dog- ma do sistema deu lugar ao sincretis- mo. No exemplo do Uber descrito antes, não importa se o aplicativo estiver num iPhone ou num celular Android — a Microsoft também está presente, mesmo que nos bastidores. A VIDA PÓS-WINDOWS Os produtos mais famosos, Windows e Office, ainda dão dinheiro, mas o mercado global de PCs encolheu 4,3% no último trimestre do ano passado, de acordo com a empresa de pesqui- sas de mercado Gartner. “O negócio de softwares para desktop é um lega- do para a Microsoft e sabemos que esse mercado é terrível”, diz Daniel Fonte: empresa 6 de março de 2019 | 23 OS SERVIÇOS DE COMPUTAÇÃO EM NUVEM SÃO O NOVO CAMPO DE BATALHA DAS EMPRESAS DE TECNOLOGIA Jeff Bezos, da Amazon: a varejista online é líder no mercado de infraestrutura tecnológica Morgan, gestor do fundo Synovus Trust. Nessa frente, uma das estraté- gias é tentar ser mais parecida com a Apple: produzir computadores com- pletos. A linha de tablets e notebooks híbridos Surface é um exemplo. Em cafés e saguões de aeroportos, os ele- gantes computadores da Microsoft já começam a marcar presença em meio ao mar de MacBooks. A empresa lan- çou até mesmo uma linha própria de fones de ouvido “inteligentes”, o Sur- face Headphone, que se conecta com assistentes de voz e tem um sistema inovador de controle de volume. “Queremos aprender tudo, em vez de saber tudo”, diz Jean-Philippe Courtois, vice-presidente executivo responsável por vendas globais e mar- keting. “Essa foi uma das maiores mudanças feitas por Nadella. Antes, a empresa estava fechada em silos. Hoje, a palavra de ordem é ‘colabora- ção’.” Em conversas com mais de uma dezena de funcionários e executivos da companhia, a palavra “colabora- ção” foi ouvida com frequência. A Microsoft vende o pacote de progra- mas Office no modelo de assinaturas desde 2011, o que já representou uma mudança importante em relação às antigas licenças. Mas uma transfor- mação ainda maior está acontecendo longe do olhar dos usuários. O Word, por exemplo, acessa um módulo ba- seado em aprendizado de máquina (machine learning, em inglês) que lê e entende os textos, corrige automa- ticamente erros gramaticais e sugere alternativas para o texto ficar mais claro e conciso (o serviço, por enquan- to, não está disponível em português). Outra inovação é um botão no Power- Point que monta automaticamente uma sugestão de design para os slides com base no texto e nas imagens in- cluídos pelo usuário. Esse é um bom exemplo da integração entre diferen- tes áreas da companhia — com ênfase na nuvem e na inteligência artificial — que Nadella enxerga como o futuro. DI VU LG AÇ ÃO JO SH UA R OB ER TS /R EU TE RS 24 | www.exame.com CAPA | TECNOLOGIA É importante entender essa visão de futuro porque esse é o novo campo de batalha dos gigantes da tecnologia. Os serviços baseados em inteligência artificial — como reconhecimento de voz e interpretação de texto, por exemplo — serão como peças de Le- go, à disposição de qualquer progra- mador. Eles podem ser encaixados nos programas de terceiros, estejam num iPhone, numa geladeira conec- tada à internet ou numa máquina de chão de fábrica. “Essas peças serão usadas não só no Windows ou no Offi- ce, mas em qualquer sistema”, diz APESAR DO SUCESSO DO WINDOWS, A MICROSOFT NÃO CONSEGUIU SE FIRMAR COMO UMA PLATAFORMA NO MUNDO DOS SMARTPHONES David A. Heiner, assessor estratégico de políticas da Microsoft. “Qualquer empresa vai criar os próprios siste- mas de inteligência artificial, mas a infraestrutura já existe. Ninguém pre- cisa inventar a roda de novo.” Como diz Nadella, toda empresa é de software, pois todas dependem da tecnologia digital. A nova Microsoft quer replicar a relevância — mas tal- vez não a dominância — conquistada na era do computador pessoal no no- vo mundo da computação em nuvem. A concorrência é poderosa. A Ama- zon é líder tanto nos serviços de in- fraestrutura tecnológica como em assistentes inteligentes baseados em voz, com a Alexa. O sistema Google Assistant tem enorme participação nos smartphones, graças ao Android, e o mesmo vale para a Apple, com a Siri. O negócio da Microsoft sempre foi o das plataformas. O Windows só se tornou um sucesso porque a Micro- soft atraiu desenvolvedores para criar programas que rodassem no sistema operacional. Mas a empresa chegou atrasada na onda da internet e deixou passar batido o trem dos smartpho- nes. (A compra da fabricante de celu- lares finlandesa Nokia em 2013 foi um ato de desespero e um fracasso re- tumbante. Dois anos depois da aqui- sição, ela virou um prejuízo de 7,6 bilhões de dólares.) Steve Ballmer e Stephen Elop, ex-presidentes da Microsoft e da Nokia: prejuízo bilionário SP EN CE R PL AT T/ GE TT Y IM AG ES 6 de março de 2019 | 25 um total de 125) serão demolidos. Em seu lugar, serão erguidas 18 novas es- truturas mais modernas e com espaço para novos 8 000 funcionários — que se somarão aos 50 000 da sede e a outros quase 84 000 espalhados pelo resto dos Estados Unidos e pelo mun- do. Um dos reflexos da reinvenção da Microsoft é um interesse renovado na empresa por parte dos melhores ta- lentos do hipercompetitivo mercado de trabalho de tecnologia. O animado argentino Diego Rejtman dirige a Mi- crosoft Global University Recruiting, divisão que busca estudantes recém- Desse ponto de vista, entende-se melhor a aquisição do site GitHub. Embora não seja conhecido do gran- de público, o GitHub é uma ferramen- ta essencial para programadores. Trata-se de um repositório de códigos usado por mais de 30 milhões de de- senvolvedores, uma grande central de colaboração para desenvolvimen- to, testes e melhorias de seus softwa- res. O GitHub também é vital para a comunidade do software livre. Foi por isso que a compra da empresa pela Microsoft deixou muita gente espan- tada. Não só por causa do valor — 7,5 bilhões de dólares por uma compa- nhia que fatura 200 milhões —, mas porque a Microsoft, conhecida entre os adeptos do software livre como “o lado negro da Força”, estava abraçan- do o antigo inimigo. Nadella prome- teu manter o GitHub independente, ou seja, os desenvolvedores poderão continuar trabalhando em projetos que não têm nada a ver com a Micro- soft. Numa entrevista, o presidente do GitHub, Nat Friedman, afirmou: “Não estamos comprando o GitHub para transformá-lo numa Microsoft. Estamos comprando o GitHub para, talvez, ajudar a Microsoft a ser um pouco mais parecida com o GitHub”. Ou seja: mais colaborativa, mais aber- ta, menos engessada. As transformações também se re- fletem no gigantesco campus da Mi- crosoft, que começou a ser construído em 1986 e hoje ocupa uma área de cerca de 2 quilômetros quadrados. Alguns dos prédios mais antigos (de O computador Surface: maior sucesso na área de hardware depois do videogame Xbox ISTO TAMBÉM É MICROSOFT A empresa que durante muito tempo foisinônimo de Windows e Office hoje tem uma vasta oferta de produtos e serviços LINKEDIN A rede social de trabalho foi adquirida pela Microsoft em meados de 2016 por 26 bilhões de dólares MINECRAFT O jogo foi adquirido pela Microsoft em setembro de 2014 por 2,5 bilhões de dólares e já vendeu mais de 150 milhões de cópias HARDWARE A linha de laptops e tablets híbridos Surface, lançada em 2012, foi o maior sucesso da empresa na área de hardware desde o lançamento do videogame Xbox SKYPE O serviço pioneiro de telefonia e videochamadas via internet foi adquirido pela Microsoft em 2011 por 8,5 bilhões de dólares GITHUB O repositório on-line de código é usado por programadores do mundo todo. A empresa foi comprada pela Microsoft em 2018 por 7,5 bilhões de dólares Fonte: empresa JO E RA ED LE /G ET TY IM AG ES 26 | www.exame.com CAPA | TECNOLOGIA -formados do mundo inteiro. Sorrin- do sem parar, ele fala da nova formu- lação da missão da empresa. A versão antiga — e antiquada — descrevia a missão da Microsoft como “colocar um computador em cada mesa e em cada casa”. Sob o comando de Na- della, o objetivo agora é “capacitar pessoas e empresas do mundo a con- cretizar seu potencial”. “Aqui, o im- portante não é que você seja legal”, diz Rejtman. “O importante é ajudar os outros a serem legais.” Mas é claro que parecer “legal” aju- da na hora de convencer quando o candidato também tem ofertas para trabalhar numa Amazon, num Goo- gle ou numa startup. Nos últimos anos, a imagem da Microsoft também tem mudado de maneira significati- va, e um dos responsáveis é Alex Kip- man, um curitibano de 40 anos que vive há mais de 22 nos Estados Uni- dos e está na Microsoft há 17. Kipman é um dos 250 vice-presidentes corpo- rativos da empresa e faz parte de um clube ainda mais restrito, o dos tech- nical fellows. Em toda a Microsoft, apenas 16 pessoas têm esse título. Kipman obteve a distinção por ser o inventor do Kinect, sistema de câme- ras e sensores lançado em 2010 que permite controlar videogames com movimentos do corpo. Atualmente, ele dirige o projeto Hololens, óculos de realidade aumentada, apontados como uma das principais inovações da Microsoft nos últimos tempos. Apesar de ser destinado ao uso cor- porativo, o Hololens chamou a aten- ção dos fãs de tecnologia. A segunda versão do produto, apresentada no Alex Kipman, diretor do Hololens: o brasileiro é um dos profissionais mais renomados da Microsoft MINDSET, LIVRO DA PSICÓLOGA AMERICANA CAROL DWECK, FOI A INSPIRAÇÃO DE SATYA NADELLA PARA REALIZAR MUDANÇAS NA MICROSOFT fim de fevereiro, é mais confortável e mais imersiva, como repetiu Kipman algumas vezes quando mostrou o Hololens 2 no Mobile World Con- gress, em Barcelona. A companhia aérea Japan Airlines usa o Hololens original para treinar os funcionários que fazem manutenção das turbinas dos aviões. A ideia é que eles possam ver, em escala real, os detalhes inter- nos dos motores, sem a necessidade de desmontá-los. Técnicos da fabri- cante de elevadores alemã Thys- senkrupp podem ser guiados remo- tamente em trabalhos mais comple- xos por funcionários mais especiali- zados — que não precisam se deslo- car até o cliente para realizar o con- serto. O Hololens ainda não é confor- tável, imersivo e barato o suficiente para ser um produto para o consumi- dor final, mas Kipman acredita que seja mera questão de tempo. “Temos de ter paciência. Todas as novidades tecnológicas passam por um hype inicial: ‘Oh, esse negócio vai mudar o mundo amanhã’ ”, diz Kipman. “Depois vem a desilusão, porque as coisas não acontecem tão rápido quanto as pessoas esperavam.” A paciência e a tolerância com os inevitáveis fracassos são a maior dife- rença da nova Microsoft, diz ele em SE RG IO P ER EZ /R EU TE RS 6 de março de 2019 | 27 Sede da Microsoft, em Redmond: seus 125 prédios ocupam uma área de 2 quilômetros quadrados conversa com EXAME, entremeando anglicismos e traindo um sotaque de quem está longe do Brasil há tanto tempo. “Agora temos esse growth min d set, nem sei como dizer isso em português [mentalidade de crescimen- to, ou foco no crescimento]. Antes, a ideia era acertar a todo custo. Mas, quando você pensa assim, acaba não correndo riscos. No nosso negócio, isso significa ficar para trás.” O pro- grama Microsoft Garage é um exem- plo concreto desse novo gosto pelo risco. A iniciativa foi criada há cinco anos para permitir que funcionários se envolvam em projetos inovadores que não tenham necessariamente re- lação com suas funções. A “garagem” também organiza hackathons, mara- tonas de programação para estimular a criação e a colaboração entre os de- senvolvedores da companhia. A edi- ção de 2018 contou com a participação de 23 500 funcionários, em 75 países, o que a empresa afirma ser a maior maratona de programação privada do mundo. Hackathons são parte da identidade de empresas de tecnolo- gia, como Google e Facebook — mas, na Microsoft, esse tipo de iniciativa é uma novidade digna de nota. Como na conversa com Kipman, a palavra mindset é ouvida em várias entrevistas. Não é por acaso. O livro Mindset: A Nova Psicologia do Suces- so, de Carol Dweck, psicóloga da Uni- versidade Stanford, foi apontado por Nadella como a inspiração para trans- formar a Microsoft. Carol afirma que as pessoas que acreditam que seus talentos possam ser desenvolvidos com esforço, estratégia e contribui- ções dos outros (a tal mentalidade de crescimento) tendem a ser mais bem- -sucedidas do que aquelas que acre- ditam que o talento é um dom natu- ral, com um potencial limitado. Se- gundo Carol, quem acha que sabe tudo sempre será superado no longo prazo por quem está disposto a apren- der tudo. O próprio Bill Gates elogiou o livro de Carol, o que é curioso, pois nos tempos de presidente da Micro- soft ele costumava destruir as ideias de subordinados com a frase: “Essa é a coisa mais idiota que eu já ouvi na vida”. Na Microsoft de hoje, nenhuma ideia é idiota — com exceção de acre- ditar que o império construído graças ao Windows duraria para sempre. DI VU LG AÇ ÃO 28 | www.exame.com CAPA | TECNOLOGIA “NÓS NUNCA SEREMOS PERFEITOS” Nascido em Hyderabad, uma das cida- des mais populosas da Índia, Satya Nadella mudou-se para os Estados Uni- dos no fim dos anos 80 para fazer mes- trado em ciência da computação. Co- meçou a trabalhar na Microsoft em 1992, numa época em que seu principal produto era o Windows 3.1. Hoje, aos 51 anos, o executivo lidera uma empresa com quase 135�000 funcionários e fa- turamento de 110 bilhões de dólares por ano. Em uma viagem recente a São Paulo, Nadella falou com exclusividade a EXAME sobre as mudanças na Micro- soft, o futuro da tecnologia e a nova mentalidade, mais humilde, que a em- presa diz ter passado a adotar. “A ilusão de que o sucesso dura para sempre é algo que queremos expurgar de nossa consciência”, diz Nadella. A seguir, os principais trechos da conversa. Muito se fala sobre a mudança de cultura da Microsoft promovida em sua gestão. O que constitui a cultura de uma empresa em sua opinião? Em primeiro lugar, é preciso dizer que eu cresci dentro da Microsoft. Este já é o meu 29o ano na empresa. Sou um insider consumado. Quando assumi a presidência da Microsoft, senti que era importante buscarmos nosso senso de propósito. A cultura é o que nos per- mite fortificar o senso de propósito. E o propósito da Microsoft é algo que estava em suas origens, quando Paul Allen e Bill Gates construíram os pri- meiros produtos para o computador Altair em 1975. Aqui estamos agora em 2019. Eu acredito que, se nós cons- truirmos as ferramentas tecnológicas para ajudar os outros a criar mais tec- nologias, então teremos encontrado nosso propósito, nossa missão. Como isso se reflete na prática? Dou um exemplo. Nossa presença no Brasil não deve ser medida pelas tec- nologias que trazemos para cá, mas, mais importante do que isso, pelas tec- nologias criadasno Brasil usando nos- sas ferramentas. Em vez de ficar com inveja de outras empresas, devemos ter orgulho do que conseguimos pro- duzir de forma original. Por que a Microsoft precisava recuperar seu sentido de propósito? Gosto de estudar o que faz as institui- ções durar no tempo. E, toda vez que penso sobre isso, vejo que as empresas mais duradouras têm a capacidade de manter seus valores e, ao mesmo tem- po, questionar o statu quo. A habilidade de fazer essas duas coisas é o que cons- trói a força de uma instituição. O senhor já conseguiu realizar todas as mudanças que desejava? A última coisa que quero é criar a ideia de uma espécie de destino que a Mi- crosoft deve alcançar. Deve haver um processo contínuo de renovação. Se não criarmos esse método constante, nenhuma transformação na empresa vai durar. Podemos ter realizado algo até aqui, mas tudo pode ir por água abaixo se encararmos as conquistas como um destino já alcançado. O que ainda precisa ser mudado? Todos os erros que cometemos ontem precisam mudar hoje. E todos os erros que cometermos hoje precisarão mu- Em entrevista exclusiva a EXAME, Satya Nadella fala sobre a importância de uma mentalidade mais humilde para o sucesso da Microsoft FILIPE SERRANO dar amanhã. Nós nunca seremos perfei- tos. A ilusão de que o sucesso dura para sempre é algo que nós queremos expur- gar de nossa consciência. Porque é aí que a arrogância acaba se instalando. Quan- do começarmos a achar que somos bons demais, perderemos o contato com as características que nos tornaram bons em primeiro lugar. Coisas como humil- dade, muita curiosidade, muita sorte e muito trabalho duro. Como vê a empresa em cinco ou dez anos? É possível manter a liderança num setor que muda constantemente? Cada país, cada setor da economia, cada momento de nossa vida serão cada vez GE RM AN O LÜ DE RS 6 de março de 2019 | 29 Satya Nadella, em São Paulo: “Nossos melhores dias ainda estão por vir” mais digitalizados daqui para a frente. O nível de intensidade tecnológica é co- mo as empresas e os países vão medir seu progresso. A Microsoft tem de aju- dar essas empresas, em todos os países, a aumentar sua intensidade tecnológi- ca. Isso quer dizer que nossos melhores dias ainda estão por vir. Como fazer isso num momento em que as empresas de tecnologia são tão criticadas por violar a privacidade ou por tornar certos empregos obsoletos? Precisamos ter uma visão clara tanto da oportunidade que a tecnologia propor- ciona quanto de suas consequências não intencionais. Tenho muito claro que a privacidade deve ser respeitada como um direito humano. Sei que no Brasil existem novas regulações sobre isso. Nós damos as boas-vindas a elas. E es- tamos garantindo que nossos produtos estejam de acordo com as regras. De todo modo, as empresas de tecnologia precisam ser capazes de pensar sobre as consequências enquanto constroem as soluções, e não depois. O que os países emergentes, como o Brasil, podem fazer para usar as novas tecnologias em seu benefício? Acredito que, nesta próxima fase, as economias emergentes não terão um crescimento catch-up (“tirar o atraso”), como se costuma dizer. Penso que a am- bição do Brasil deveria ser atingir um alto grau de intensidade tecnológica. E isso não deveria ser feito com o velho modo de pensar sobre um mercado emergente. A ambição deve ser criar tec- nologias originais que só o Brasil pode desenvolver, por causa de todo o seu ca- pital humano e vantagens comparativas da economia brasileira. E o país pode usar essas tecnologias para ser competitivo globalmente. A próxima fase do cresci- mento econômico ocorrerá assim. O senhor esteve com o presidente Jair Bolsonaro, em Davos, na Suíça. Qual sua perspectiva sobre a economia brasileira no novo governo? Para mim, a conversa com ele foi boa. Uma conversa sobre o que o Brasil aspira fazer em seu governo. Acho que existe uma sensação de otimismo sobre como o uso da tecnologia pode ajudar o Brasil a gerar crescimento econômico. Uma das coisas que eu falei em Davos foi sobre a próxima fase do crescimento econômico, que precisa ser muito mais inclusiva. Não é só uma questão de a tecnologia digital ser usada para fazer mais setores ou seg- mentos da sociedade prosperarem, mas de qual é a amplitude do benefício eco- nômico e social que é gerado. O senhor tornou-se presidente da Microsoft depois de Bill Gates e Steve Ballmer. Qual foi o conselho mais importante que eles lhe deram? Bill e Steve são figuras históricas que ti- veram uma trajetória incrível. Eu aprendi muito com eles. O Bill usa sua honestida- de intelectual para tudo. Ele consegue ir até a raiz de qualquer assunto. E nunca está satisfeito. Sempre pressiona para buscarmos a excelência. E o Steve é al- guém que cria muita energia. O melhor conselho dele foi quando me disse: “Veja bem, não tente reproduzir o que eu faço. Seja você mesmo. E seja corajoso, porque do contrário não vai conseguir muito. Mas também acerte bastante”. Esse é sempre o desafio mais difícil.