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Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Clínica Médica CLÍNICA MÉDICA NEUROINTENSIVISMO E ÉTICA MÉDICA Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica ÍNDICE 3 4 7 8 29 55 61 62 66 68 83 85 91 INTRODUÇÃO REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA - ABORDAGEM INICIAL - EXAME NEUROLÓGICO BÁSICO MORTE ENCEFÁLICA CUIDADOS PALIATIVOS - CERCO DO SILÊNCIO - PROGNÓSTICO E FUNCIONALIDADE - ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS - CONTROLE DE SINTOMAS - COMUNICAÇÃO DE MÁS NOTÍCIAS ÉTICA MÉDICA Bibliografia CM 2 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica INTRODUÇÃO Não é surpresa para você que os temas em Ética Médica estão sendo cada vez mais explorados nos concursos de acesso direto. Este tema será exaustivamente discutido em Preventiva. Entretanto, aqui é importante abrirmos um parêntese para alguns temas que vêm ganhando espaço nas provas teórica e prática e por isso merecem nossa atenção. São os seguintes: comunicação com paciente e familiares, cuidados paliativos e outros cuidados de fim de vida. O foco da nossa discussão vai ser principalmente o paciente crítico, afinal de contas, estamos na apostila de Terapia Intensiva. Mas entenda que estes conceitos sempre podem ser extrapolados para outras situações clínicas (inclusive em ambiente de pronto-socorro). Por falar em pacientes críticos, existe um outro conceito que precisamos discutir aqui (e ele será o assunto mais importante abordado neste capítulo): Morte Encefálica. Mas antes de explorarmos o seu diagnóstico, precisamos falar de coma aperceptivo e os graus de rebaixamento do nível de consciência. Por isso, vamos começar deste ponto. CM 3 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica REBAIXAMENTO DO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA Quando o assunto é consciência, pode-se ter alterações do nível (coma, torpor ou sonolência) e do conteúdo dela (funções corticais). Como isso tudo funciona? Há duas estruturas chaves que compõe esse sistema chamado "consciência": o córtex cerebral e a formação reticular ativadora ascendente (SRAA ou FRAA). Vamos imaginar nosso córtex como um supercomputador de última geração, capaz de realizar as mais fantásticas atividades: ele compreende o que o outro diz, interpreta e responde CM 4 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica através da fala, emite informações aos nossos membros que nos permite caminhar, pegar objetos, escrever, mas também capta informações do ambiente externo e as interpreta, nos permitindo sentir e dizer que, neste momento, o que você está vendo à sua frente agora é uma apostila da Medway! Mas temos um problema: nosso supercomputador (o córtex), precisa estar ligado a uma fonte de energia (tomada), caso contrário, ele não funcionaria. Essa fonte de energia é a formação reticular ativadora ascendente. Obviamente, até mesmo supercomputadores podem falhar. Certo dia, por exemplo, o cérebro pode parar de emitir sinais que possibilitam o movimento das pernas (como acontece no acidente vascular cerebral), mas isso não o “desliga”, apenas uma função deixou de ser executada. Ou seja: lesões focais no córtex cerebral, em geral, não causam rebaixamento do nível de consciência! Contudo, se houver uma destruição desse computador (ex: uma lesão bilateral difusa do córtex) ou se você simplesmente esgotar a fonte de energia (uma lesão na formação reticular ativadora ascendente), haverá o rebaixamento do nível de consciência! Mas claro, esse rebaixamento não é simplesmente uma tomada liga e desliga (onde apenas haveria vigília e coma), mas sim um espectro de alteração (vigília, coma, torpor, sonolência…). Trazendo para termos mais técnicos: a FRAA está localizada na porção posterior da transição pontomesencefálica. Essa formação é composta por uma rede complexa de neurônios e núcleos no tronco encefálico que integram e mantêm as funções vitais do cérebro. Muitas projeções surgem da formação reticular e emitem ramos que ascendem ao córtex e subcortex do cérebro e descendem para outras áreas do tronco e para a medula, permitindo sua ação integradora. Suas radiações corticais permitem definir nível de alerta, consciência, ciclo sono-vigília e ciclo CM 5 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica circadiano. Por outro lado, recebe aferência e é regulado por vias aferentes sensitivas como a visual, auditiva, vestibular e proprioceptiva. Figura 1: Sistema reticular ativador ascendente. Fonte: Traduzido e adaptado de Mangold, 2020. As lesões, que causam (de fato) rebaixamento de nível de consciência, devem acometer grande quantidade de fibras para realmente refletir em alteração do estado mental. Isso pode acontecer por lesões pequenas infratentoriais (agrupamento de grande quantidade de vias em pequeno espaço) ou grande acometimento de estruturas supratentoriais. Dominando estes conceitos iniciais, entendemos com mais clareza as etiologias que estão apresentadas abaixo. De alguma forma, a via final da lesão irá atingir a FRAA e/ou difusamente o córtex. CM 6 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Tabela 1 . Causas de alteração do nível de consciência. Legenda: SNC: Sistema Nervoso Central; AVCi: Acidente Vascular Cerebral Isquêmico Fonte: Adaptado de Azevedo LCP et al, 2020. ABORDAGEM INICIAL Frente um paciente com rebaixamento do nível de consciência, a avaliação inicial é feita visando a estabilização clínica: garantindo via aérea, oxigenação adequada, monitorização e glicemia capilar! Imagine, por exemplo, um paciente que chega em coma, sem reflexo de tosse, CM 7 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica com vômitos em cavidade oral e dessaturando: nesse cenário, o que importa é garantir uma via aérea segura para o paciente! Não há prioridade, neste momento, de saber e etiologia do rebaixamento! Passado o período de estabilização, ai sim iniciamos um exame físico e uma anamnese bem detalhada, com hora de início do quadro, padrão prévio de funcionalidade (por exemplo: se já for um paciente com Doença de Alzheimer avançada prévia, eventualmente o padrão em que ele se apresenta no momento do atendimento, já era o basal que ele tinha em casa),, bem como comorbidades e uso contínuo de medicações (principalmente não esqueça de avaliar possíveis intoxicações medicamentosas como causa de rebaixamento: antidepressivos, opioides, drogas…) e tempo de evolução. E o terceiro componente da investigação será o exame neurológico básico, que consiste em avaliar o nível de consciência, as pupilas e o fundo de olho, a motricidade, o padrão respiratório, o padrão motor e a escala FOUR. EXAME NEUROLÓGICO BÁSICO NÍVEL DE CONSCIÊNCIA A definição de coma consiste em um estado em que o indivíduo não demonstra conhecimento de si próprio e do ambiente e consiste na menor diminuição do nível de consciência. A partir do momento em que o paciente abre os olhos e tem vigília (e até percepção, mas não demonstra conhecimento de si próprio ou do ambiente), chama-se de estado vegetativo persistente. CM 8 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Existem vários graus de alteração do nível de consciência (coma, torpor e sonolência). Neste sentido, podemos “lançar mão” de algumas escalas para auxiliar na objetividade dessa avaliação, é o caso da Escala de Coma de Glasgow (ECG). A clássica ECG (ou GCS em inglês) foi inicialmente introduzida na avaliação neurológica em pacientes vítimas de trauma e é extrapolada constantemente para a avaliação de pacientes clínicos (com validação científica para gravidade e prognóstico de pacientes com rebaixamento do nível de consciência). Você já viu esses conceitos na aula de trauma cranioencefálico.Então, neste momento, vamos só relembrar os pontos mais importantes. A ECG avalia a melhor abertura ocular, a melhor resposta verbal e a melhor resposta motora. A ECG foi adaptada em 2018 e incluiu também CM 9 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica a resposta pupilar (ECG-P). O racional de utilizar alterações pupilares é que seriam indicativas de gravidade em comas por causa estrutural. Nesse caso, a pontuação global pode chegar a 1. As pontuações específicas das pupilas podem ser conferidas na Figura 3. De modo que a presença de ambas as pupilas arreativas desconta 2 pontos e a presença de anisocoria (ou reatividade unilateral) desconta 1 ponto. Tabela 2. Escala de coma de Glasgow com a atualização mais recente. Fonte: Adaptado de Brennan PM et al, 2018. CM 10 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Porém, a avaliação pupilar vai além da dicotomia apresentada na escala de Coma de Glasgow… FUNDO DE OLHO Além de informações crônicas como retinopatia hipertensiva e diabética, o fundo de olho pode trazer informações agudas valiosas como sinais de hipertensão intracraniana (edema da papila). Já as pupilas permitem avaliar a integridade de nervos cranianos e topografar lesões em pacientes comatosos, conforme equilíbrio do tônus simpático e parassimpático. AVALIAÇÃO PUPILAR A avaliação da pupila nos traz muitas informações acerca da topografia de uma possível lesão nervosa. Para “ topografar”, precisamos dominar dois conceitos: CM 11 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica O primeiro é que o estímulo simpático leva a midríase (dilatação da pupila) e que o estímulo parassimpático leva a miose (contração pupilar). Esta é a parte mais fácil. O segundo conceito envolve o caminho pelo qual ocorre o reflexo fotomotor direto e o reflexo consensual. Iniciando do básico, o que é isso? Lembre que para avaliar o reflexo fotomotor utiliza-se uma lanterna para emitir um foco de luz. Ao incidir a luz diretamente em uma pupila (por exemplo: na pupila direita), o que é esperado que ocorra? A contração (miose) de ambas as pupilas! O reflexo fotomotor direto diz respeito a contração (miose) que ocorreu na pupila onde incidiu-se a luz (no exemplo: o reflexo fotomotor direto seria na pupila direita), enquanto o reflexo consensual ocorre na pupila contralateral (no exemplo: o reflexo consensual ocorreria na pupila esquerda) Aprofundando o conhecimento do reflexo fotomotor: no momento em que a luz incide na retina, ocorre um estímulo aferente pelo nervo óptico (percepção da luz pelo NC II). Este estímulo viaja até o mesencéfalo, no núcleo de Edinger-Westphal, que é o núcleo visceral do nervo oculomotor (NC III), bilateralmente. A resposta a esta aferência é uma eferência bilateral, via oculomotor e suas fibras parassimpáticas, que irão se conectar com o gânglio ciliar de cada lado e desencadeará o comando de contração pupilar (miose). Neste momento, podemos topografar algumas lesões: Lesão de nervo óptico: A incidência de luz ipsilateral a lesão não irá gerar resposta alguma (os olhos mantêm-se midriático), pois não há aferência (percepção de luz). Contudo, caso ocorra incidência de luz contralateral, a resposta será a miose bilateral (há aferência e, portanto, eferência bilateral) 1. CM 12 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Lesão de nervo oculomotor: A incidência de luz, independente se for ipsilateral ou contralateral, não irá gerar resposta (a pupila do nervo afetado mantém-se midriática) ipsilateral a lesão, pois apesar de haver aferência (nervos ópticos íntegros), nunca haverá eferência (pelas fibras parassimpáticas do nervo óptico) ipsilateral a lesão. Ademais, dependendo do nível da lesão, podemos ter padrões pupilares (conforme mostrado nas imagens abaixo). Lesões comprometendo o tálamo ou a ponte comprometendo a via simpática, preservando a parassimpática e levando à miose com reflexo preservado. Enquanto lesões mesencefálicas comprometem tanto o simpático quanto o parassimpático e levam a pupilas médio fixas. Pupilas mióticas com reflexo presente: encefalopatia metabólica e disfunção diencefálica bilateral; Pupila da síndrome de Claude-Bernard-Horner: anisocoria secundária à miose ipsilateral (lesão simpática) com reflexo preservado; 2. • • CM 13 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Pupilas médias e fixas: 4-5 mm de diâmetro com reflexo comprometido e lesão mesencefálica, ocorre em pacientes com morte encefálica; Pupila tectal: levemente dilatadas com reflexo abolido; • • CM 14 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Pupilas pontinas: classicamente mióticas e reflexo preservado (de difícil visualização); Pupila uncal ou do III par: pupila extremamente midriática e sem reflexo. • • CM 15 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 2. Padrões pupilares mais frequentes de prova, associado à topografia da lesão. Fonte: Adaptado de Andrade AF et al, 2007. CM 16 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica PADRÃO RESPIRATÓRIO Vamos ser sinceros! Na maioria das vezes esse parâmetro não é muito útil, mas alguns padrões respiratórios são associados a lesões de coma e podem aparecer nas provas. CM 17 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Tabela 3. Compare os padrões respiratórios graficamente, isto contribui com a memorização e compreensão global do que significa cada traçado quando analisado de maneira independente. Fonte: Traduzido e adaptado de Plum F, 1972. Sobre esses parâmetros precisamos conhecer algumas situações em que eles podem estar presentes para fazer as associações e estabelecer os raciocínios lógicos: TAQUIPNEIA A taquipneia consiste no aumento da frequência respiratória (FR > 20). Várias situações podem desencadear tal condição, desde doenças que cursam com dispneia (hipoxemia, atelectasias, síndrome do desconforto respiratório agudo, patologias restritivas do tórax, pneumonias, tromboembolismo, edema agudo pulmonar, acúmulo de secreções e obstrução de vias aéreas), até distúrbios sistêmicos como acidose metabólica e febre. • CM 18 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica O cuidado que devemos ter nesses casos é naqueles pacientes com hipertensão intracraniana. A hiperventilação que evolui com hipocapnia é deletéria para o sistema nervoso central por provocar vasoconstrição e piorar lesões cerebrais secundárias por isquemia. BRADIPNEIA Classicamente definida como um FR < 12, está relacionada à depressão do sistema nervoso central (SNC), muitas vezes induzida por drogas (opióides, benzodiazepínicos) ou traumas. CHEYNE-STOKES É um ritmo respiratório que intercala períodos de respirações rápidas e profundas com apneia. O paciente apresenta incursões que aumentam progressivamente de amplitude até o seu máximo, seguidas de diminuição do seu ritmo até a apneia. Nessa última fase, observam-se diminuição do tônus do paciente, pupilas mióticas e resposta mínima a estímulos externos. Está relacionada às lesões cerebrais difusas (incluindo acidentes vasculares isquêmicos extensos e insuficiência cardíaca (vem caindo muito em prova este conceito) com fração de ejeção bastante comprometida - pela má perfusão crônica, encefalites e meningites). • • CM 19 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica BIOT (RESPIRAÇÃO ATÁXICA) É determinada por uma constante irregularidade, com inspirações profundas e esporádicas. Caracteriza-se por uma arritmia ventilatória, havendo variação nos movimentos torácicos e volumes correntes (entre os períodos de apneias). É um padrão ventilatório que traduz um mau prognóstico, poisresulta de uma lesão no tronco cerebral (por compressão) que lesa neurônios responsáveis pela ritmicidade da respiração espontânea. É causada por lesões cerebrais difusas, depressão do centro respiratório, lesão medular e compressão do bulbo. Normalmente, os pacientes que apresentam esse tipo de padrão ventilatório são portadores de PIC elevadas, neoplasias, hematomas extradurais e isquemias do tronco cerebral. RESPIRAÇÃO DE KUSSMAUL • • CM 20 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Caracterizada por amplitude e frequência respiratória elevadas. Pode ser observada em pacientes com insuficiência renal, cetoacidose diabéticas e outras causas de acidoses. A respiração de Kussmaul é composta por quatro fases. A primeira, é caracterizada por inspirações ruidosas, a segunda por apnéia em inspiração, a terceira por expiração ruidosa e, finalmente, a quarta, apnéia em expiração. HIPERPNEIA É caracterizada por respirações profundas e rápidas, causadas principalmente por acidose metabólica, coma, infarto agudo do miocárdio, lesão de ponte e ansiedade. APNEIA Na apneia ocorre a interrupção da respiração, é observada em disfunções do SNC, fadiga muscular, obstrução de vias aéreas ou distúrbio da condução neural. Ela pode ser classificada em central ou obstrutiva. As • • CM 21 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica apneias de origem obstrutiva apresentam mobilidade da caixa torácica, mas não há fluxo de ar. Já nas apneias de origem central (indicação absoluta de intubação traqueal) não se observa fluxo de ar nem movimentação da caixa torácica. GASPING Também conhecido como “fome de ar”. É caracterizado por respirações de grandes amplitudes (volume corrente elevado), mas de curta duração com períodos de apneia subsequentes, indicando mau prognóstico e podendo ser um marcador de terminalidade de vida. Pode ocorrer também em pacientes com lesão isquêmica de tronco cerebral. RESPIRAÇÃO PARADOXAL Ocorre uma inversão do movimento ventilatório, com alternância entre expansibilidade torácica e abdominal nos momentos “errados”. Por exemplo, expansão torácica aparente na expiração. Pode ocorrer por patologias obstrutivas, lesões de nervo frênico, paralisias diafragmáticas e traumas torácicos. Clinicamente também pode sugerir insuficiência cardíaca descompensada, levando a uma fadiga muscular e, posteriormente, à falência muscular respiratória, caso o quadro persista. Já vimos até aqui Glasgow, pupilas e padrão respiratório. Para completar o raciocínio sobre topografia e causas do rebaixamento do nível de consciência, precisamos avaliar o padrão motor e, de maneira mais específica, realizar a Escala de FOUR (não explorada em provas até o momento). • • CM 22 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica PADRÃO MOTOR A via motora inicia-se no giro pré-central e estende-se caudalmente pelo tronco encefálico, decussando nas pirâmides para atingir a cervical no bulbo. Pelo longo trajeto, sinais motores focais sugerem doença estrutural e podem ajudar a topografar as lesões. Também há outras exceções de causas estruturais que são hipoglicemia, encefalopatia hepática e urêmica. Mas no paciente comatoso, muitos dos comandos não conseguem ser avaliados, limitando-se a alguns passos: observação de movimentação espontânea (descerebração, decorticação, postura de heminegligência, abalos e clonias, balismos), pesquisa de reflexos osteotendíneos (profundos) e superficiais (Babinski e cutâneo abdominal), pesquisa de tônus muscular (figura abaixo) e observação de movimentos ao estímulo doloroso (localização e retirada). CM 23 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 3. A figura de cima representa um paciente em decorticação (membros superiores flexionados e membros inferiores estendidos). Enquanto a imagem inferior traz um paciente em descerebração (situação classicamente mais grave que a primeira), caracterizada por extensão dos 4 membros. Essas alterações são compatíveis com injúrias neurológicas graves, geralmente que estão cursando com hipertensão intracraniana e/ou herniação, bem como hipoxemia severa. Fonte: Adaptado de Macyszyn L, 2012. Alterações dimidiadas (ou seja, déficits focais) de reflexos ou de movimentação podem sugerir alterações estruturais (num contexto de trauma ou hemorragia intracraniana, por exemplo), bem como acidente vascular cerebral (especialmente em pacientes com fatores de risco bem definidos). CM 24 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Mas o que é a “tal da Escala FOUR”? ESCALA FOUR (FULL OUTLINE OF UNRESPONSIVENESS SCORE) Como o Glasgow perde valor em pacientes intubados e naquelas com pontuação muito baixa na escala, além de não avaliar adequadamente a função de tronco, desenvolveram uma nova escala, chamada FOUR. Ela foi validada em vários cenários, como em departamento de emergência e terapia intensiva, e avalia resposta ocular, resposta motora, reflexos de tronco cerebral e respiração. Este tema não é explorado nas provas de acesso direto, mas merece o conhecimento de sua existência. CM 25 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica CM 26 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Por fim, na avaliação complementar destes pacientes com rebaixamento do nível de consciência, os exames para avaliar causas tóxicas, metabólicas e infecciosas dependerão do contexto clínico, mas sempre devem incluir glicemia capilar (A propósito, isso já foi inclusive pegadinha de prova prática aqui em São Paulo!) Um perfil básico inicial inclui: hemograma, eletrólitos (com cálcio), gasometria arterial, creatinina e ureia, enzimas canaliculares e transaminases, bilirrubinas, tempo de protrombina, proteínas totais e frações, glicemia, coagulograma e exame de urina 1, além de eletrocardiograma. A depender do contexto, pode ainda ser necessário avaliação de imagem de tórax, culturas e avaliação hormonal (tireóide). CM 27 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Pacientes com sinais focais devem fazer exame de imagem , usualmente tomografia computadorizada de crânio, que, sem contraste, é o melhor exame a ser realizado inicialmente pela disponibilidade e rapidez. A sensibilidade deste exame para diagnóstico etiológico do rebaixamento varia de acordo com a causa etiológica. No paciente comatoso, a TC pode diagnosticar hemorragia subaracnóide, lesões traumáticas, sangramentos, lesões expansivas e hidrocefalia aguda, por exemplo. Mas, sendo sem contraste, ela deixa passar outras causas, como oclusão de artéria basilar, trombose venosa central, fase aguda de AVC e apoplexia hipofisária. Entretanto, as lesões de fossa posterior podem não ser detectadas mesmo com a angiotomografia devido a artefatos gerados pela anatomia da fossa posterior, sendo necessário, nestes casos, complementar com ressonância quando a suspeita clínica pelo exame neurológico for evidente. Já a punção de líquor tem valor em doenças autoimunes, infecciosas, inflamatórias e neoplásicas suspeitas. E o eletroencefalograma também pode ser utilizado na suspeita de rebaixamento pós-crise epiléptica (será que estamos diante de um estado de mal não convulsivo?), meningoencefalite e encefalopatia anóxica. O tratamento do rebaixamento deve ser direcionado para a causa de base e medidas de suporte. Devemos considerar intubação orotraqueal em pacientes que não protegem a via aérea, ou seja, que não mobilizam bem as secreções e que não apresentam tosse efetiva. CM 28 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Todo paciente, que chegar em RNC ou que desenvolvereste quadro durante a internação, deve ser avaliado o contexto clínico, os sinais vitais, exame físico e prosseguir com investigação apropriada. Alguns pacientes com rebaixamento do nível de consciência irão progredir com morte encefálica (ME). Por isso, é muito importante conhecer o exame físico deste diagnóstico e manter uma alta suspeição clínica, para não ”comer bola” na prática médica. Já quando o assunto são as provas, as bancas costumam explorar geralmente os aspectos técnicos da ME ao invés de dar um caso clínico e pedir que você suponha esse diagnóstico. Então, vamos ao tema mais importante desta apostila! MORTE ENCEFÁLICA CM 29 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica No Brasil, a causa mais comum de morte encefálica (ME) é o acidente vascular encefálico, seguido do traumatismo cranioencefálico e encefalopatia hipóxico-isquêmica. A ME geralmente decorre da associação do aumento da pressão intracraniana, diminuição do fluxo sanguíneo cerebral e hipóxia do tecido encefálico. Mas o paciente que evolui com ME apresenta vários processos fisiopatológicos simultâneos. A síndrome da resposta inflamatória sistêmica (SIRS) é marcante, além de múltiplas disfunções orgânicas concomitantes a depender da causa. Usualmente, a deterioração segue num sentido rostrocaudal, que se inicia com elevação da pressão intracraniana e comprometimento do sistema neuroendócrino (marcado por deficiência de ACTH, TSH e ADH). Há lesão irreversível da célula nervosa, por alteração da permeabilidade celular e distúrbios eletrolíticos no interior da célula. Com a destruição progressiva do cérebro e tronco encefálico, várias funções vitais ficam comprometidas. Ocorre o descontrole da temperatura corporal, com tendência à hipertermia mantida e, mais frequentemente, à hipotermia. Também é comum a labilidade hemodinâmica. Numa fase inicial, há a tempestade autonômica, com liberação maciça de neurotransmissores e hormônios, que podem levar a hipertensão e taquicardia. Na sequência, pode haver hipotensão arterial com necessidade de drogas vasoativas. A depleção do hormônio antidiurético (ADH ou vasopressina) induz distúrbios do sódio, como o diabetes insipidus. Há risco de hipernatremia e depleção do espaço extracelular. Pode haver também perda dos níveis adequados dos hormônios da tireoide e do cortisol. CM 30 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Como dito, o mais cobrado em prova são os aspectos éticos e técnicos do diagnóstico da ME, que variam em cada país. Então, como funciona no Brasil? QUANDO INICIAR OS PROCEDIMENTOS? Conforme a resolução 2.173/17 do Conselho Federal de Medicina, os procedimentos para o diagnóstico de morte encefálica deve ser realizado em todos os pacientes com coma não perceptivo, ausência de reatividade supraespinhal e apneia persistente. Ou seja, no Brasil, para ser considerado morte encefálica temos que ter o não funcionamento de “todo o encéfalo” (cérebro e tronco encefálico). Isso e os critérios diagnósticos podem variar a depender da legislação de cada país, por isso é a melhor fonte para estudar este assunto é a própria Nota Técnica do CFM. Perceba, que iniciar os procedimentos diagnósticos independe da vontade da família, bem como do paciente ser ou não um doador de órgãos! Isso porque o objetivo de confirmar essa condição clínica é dar o diagnóstico de óbito (morte neurológica) e impedir tratamentos fúteis. A doação de órgãos deve ser desvinculada das etapas diagnósticas! Obviamente, após a conclusão de todos os procedimentos e atestando a morte encefálica, a vontade da família deve ser levada em consideração em relação à doação de órgãos, mas isso será abordado por uma equipe específica, treinada para tal! Adiante isto será melhor explicado. Primeiro vamos aprender como se atesta um coma confirmar o diagnóstico… CM 31 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica PRÉ-REQUISITOS Antes de iniciar os procedimentos diagnósticos, todos os seguintes pré- requisitos devem ser cumpridos: Presença de uma lesão encefálica de causa conhecida, irreversível e capaz de provocar quadro clínico: o diagnóstico deve ser realizado através de avaliação clínica, mas também por exames de neuroimagem ou outros métodos diagnósticos. Perceba que a imagem neste momento não é obrigatória, mas frequentemente será realizada para embasar o racional lógico da causa. Ausência de fatores que podem provocar coma aperceptivo e “mimetizar” uma Morte Encefálica (ME) Distúrbio hidroeletrolítico, ácido-básico/endócrino e intoxicação exógena graves → Atenção! Uma grande pegadinha de prova é sobre os distúrbios do sódio, em especial a hipernatremia. A hipernatremia não inviabiliza o diagnóstico de ME, desde que não seja a única causa possível para o coma. É comum que doenças neurológicas cursem com distúrbios do sódio, a alteração desse eletrólito só não pode ser a justificativa para o rebaixamento do nível de consciência. Hipotermia < 35ºC (temperatura retal, vesical ou esofagiana) Fármacos que podem deprimir o SNC (fenobarbital, clonidina, dexmedetomidina, morfina e outros) ou bloqueadores neuromusculares (BNMs). Aqui há algumas nuances, mas de forma resumida: em doses usuais, de forma não contínua, em pacientes sem insuficiência renal e/ou hepática, estas drogas não interferem no diagnóstico. Nos demais casos aguarda-se no mínimo 4-5 • • ◦ ◦ ◦ CM 32 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica meias vidas da droga para posteriormente prosseguir com a avaliação diagnóstica de ME. Instabilidade hemodinâmica Tratamento e observação intra-hospitalar por no mínimo seis horas. Quando a causa primária do quadro for encefalopatia hipóxico-isquêmica, esse período de tratamento e observação deverá ser de, no mínimo, 24 horas; Sinais vitais: SaO2 > 94% PAS ⩾ 100 mmHg PAM ⩾ 65 mmHg (adultos) Temperatura central ⩾ 35ºC O DIAGNÓSTICO DE FATO Para a realização do diagnóstico, 3 procedimentos (4 etapas) devem ser realizados obrigatoriamente: Dois exames Clínicos, um teste de apneia e um exame complementar. Dois exames clínicos Uma vez definidos os pré-requisitos, deve-se fazer o primeiro exame clínico. As avaliações clínicas devem ser feitas por dois médicos ◦ • • ◦ ◦ ◦ ◦ • CM 33 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica diferentes, não envolvidos com as equipes de transplante. Os dois médicos devem ser capacitados em determinação de morte encefálica, conforme orienta o CFM. Médico capacitado é aquele que, especialista ou não, tenha pelo menos um ano de atendimento de pacientes em coma e tenha realizado 10 protocolos de morte encefálica ou esse mesmo tempo de experiência em pacientes comatosos e tenha realizado o curso de capacitação ofertado por uma entidade regulamentada. No mínimo uma das avaliações clínicas deverá ser feita, preferencialmente, por um especialista em Neurologia/Neurocirurgia, Medicina Intensiva ou Medicina de Urgência. Entretanto, na indisponibilidade desses profissionais, dois médicos capacitados não especialistas podem participar do protocolo. O intervalo entre os dois exames clínicos deve se no mínimo: 1 hora para pacientes com > 2 anos 12 horas para pacientes com 2 meses a 2 anos (incompletos) 24 horas para pacientes com 7 dias a 2 meses (incompletos) ◦ ◦ ◦ CM 34 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Tabela 4. Intervalo entre os exames clínicos na ME de acordo com a idade do paciente. Fonte: Resolução CFM n. 2173/2017 Os exames clínicos devem atestar dois itens: Coma não perceptivo: particularmente através de estimulação dolorosa intensa em região supraorbitária,trapézio e leito ungueal dos quatro membros. Se houve posição de descerebração ou decorticação o diagnóstico de ME não é válido. Ausência de reflexos de tronco cerebral: confirmado através da avaliação dos reflexos fotomotor, córneo-palpebral, oculocefálico, vestíbulo-calórico e de tosse. Têm situações especiais em que não é possível realizar um dos reflexos unilateralmente, como em perfuração timpânica ou lesão grave de globo ocular. Nestes casos, é previsto nos protocolos que os pares cranianos poderão ser testados do lado contralateral. Os hospitais habitualmente possuem documento protocolar, termo de determinação de morte encefálica, em que deve-se descrever todas as etapas do exame clínico, incluindo sinais vitais. Nestas situações de impossibilidade de reflexo unilateral, deve-se registrar no termo e no prontuário as condições do exame. Se existir lesão bilateral que impossibilite a análise do mesmo reflexo do tronco, o protocolo não poderá ser executado. A presença de reflexos osteotendíneos, cutâneo-plantar (em flexão ou extensão), cremastérico, ereção peniana, arrepios, sinal de Lazarus e opistótono não afasta o diagnóstico de ME: isso porque são produtos da atividade reflexa da medula espinhal ou seja reatividade infraespinal (Lembra que no Brasil a morte encefálica é definida por morte cerebral e de tronco; a medula espinhal pode seguir funcionante). ◦ ◦ CM 35 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica A respeito dos reflexos… Reflexo fotomotor: testa-se a aferência com nervo óptico (NC II) e a eferência com nervo oculomotor (NC III) com um foco luminoso. A integração se dá no mesencéfalo. A resposta normal é a miose com estímulo luminoso, o teste compatível com ME mostra pupilas não fotorreagentes. Reflexo córneo-palpebral: testa-se a aferência com o nervo trigêmeo (NC V) e a eferência com o nervo facial (NC VII), a resposta normal do estímulo com cotonete ou gota de soro fisiológico (evitar lesão na córnea - potencial doador) no limbo corneoescleral inferolateral é o piscar, o teste compatível com ME mostra ausência do piscar. A integração deste reflexo ocorre na ponte. Reflexo oculocefálico (“olhos de boneca”): avalia a aferência pelo nervo vestibulococlear (NC VIII) e a eferência pelos nervos abducente e oculomotor (NC VI e III). Com a cabeceira elevada a 30º, o reflexo é avaliado por meio da movimentação brusca da cabeça lateralmente para a direita e para a esquerda. Na ausência do reflexo, os olhos irão acompanhar o movimento da cabeça, sem motricidade ocular extrínseca (igual o olhar fixo de uma boneca). Na presença do reflexo, ocorrerá um movimento ocular reflexo que tenderá a manter o olhar conjugado com a mirada no local prévio à movimentação brusca (centro do examinador). A integração deste reflexo ocorre na ponte. Reflexo vestíbulo-ocular (prova calórica): avalia a aferência pelo nervo vestibulococlear (NC VIII) e a eferência pelos nervos abducente e oculomotor (NC VI e III). A prova consiste na instilação de 50 mL de salina gelada no conduto auditivo externo (pode ser feito com água morna). O resultado normal seria o desvio do olhar para o lado estimulado - “eyes like ice” (no caso de água morna se esperaria um movimento CM 36 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica contralateral). Não se observa movimento ocular na morte encefálica. Deve-se realizar a otoscopia bilateral antes da prova calórica, para descartar lesão da membrana timpânica. E o teste consiste na observação de movimento por cerca de 3 minutos após instilação do líquido gelado para garantir o equilíbrio da orelha interna (endolinfa) antes de testar o lado contralateral. A integração deste reflexo ocorre na ponte. Reflexo de tosse: estímulo de tosse por meio da carina traqueal com cateter de aspiração (passado por dentro do tubo endotraqueal), não haverá tosse na ME. Avalia a aferência e a eferência principalmente pelo nervo vago (NC X). A integração deste reflexo ocorre no bulbo. CM 37 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Um teste de apneia A apneia é comprovada quando há ausência de movimentos respiratórios após a máxima estimulação do centro respiratório por hipercapnia (PaCO2 > 55mmHg). Vale aqui um recordatório histórico: a morte encefálica somente existe devido à evolução da medicina com a criação da ventilação mecânica. Antes, os pacientes com perdas das funções encefálicas não apresentavam mais atividade do centro respiratório, entrando, consequentemente, em apneia e morte por acidose respiratória grave. Com o advento do ventilador mecânico, os pacientes com perda das funções, poderiam manter-se vivo graças a ventilação artificial que impedia a acidose respiratória. • CM 38 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Obrigatoriamente, o paciente em protocolo de ME estará em ventilação mecânica. Então, como deve-se proceder e confirmar como positivo um teste de apneia? Ventilação com FiO2 de 100% por, no mínimo, 10 minutos para atingir idealmente PaO2 ⩾ 200 mmHg e obrigatoriamente PaCO2 entre 35-45 mmHg. Instalar oxímetro digital e colher gasometria arterial inicial (idealmente por cateterismo arterial) para se certificar dos valores de PaCO2. Caso o paciente não tenha atingido o alvo anteriormente citado, deve-se proceder com ajustes no ventilador mecânico e repetir a gasometria arterial até obtenção do alvo de PaO2 e, especialmente, PaCO2 Desconectar da ventilação mecânica. Oxigenação apneica: Obrigatoriamente deve-se fornecer fluxo contínuo de O2 ao paciente, podendo ser feito através de cateter intratraqueal (6 L/min), tubo T (12 L/min) ou CPAP (até 12 L/min + até 10 cm H2O). Observar a presença de qualquer movimento respiratório por dez minutos. Prevemos uma elevação da PaCO2 de 3 mmHg/min em adultos e de 5 mmHg/min em crianças para estimar o tempo de desconexão necessário. Eventualmente o teste pode ser interrompido antes dos 10 minutos caso o paciente apresente instabilidade hemodinâmica (PAS < 100 o ◦ ◦ ▪ ◦ ◦ ◦ ▪ CM 39 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica PAM < 65), hipoxemia significativa ou arritmia cardíaca. Nestes casos, procede-se automaticamente com o item “f”, isso não necessariamente descarta o teste feito até esse momento. Colher gasometria arterial final. Reconectar ventilação mecânica. Considera-se o teste positivo, mesmo que o teste tenha sido interrompido previamente conforme dito no item “e”, se os seguintes critérios forem atendidos: Ausência de movimentos respiratórios com PaCO2 final > 55mmHg ◦ ◦ ▪ ▪ CM 40 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Um exame complementar • CM 41 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica É obrigatório a realização de exame complementar que comprova, de maneira inequívoca, ausência de perfusão sanguínea, atividade elétrica ou metabólica cerebral. No Brasil, os exames que podem ser utilizados para este fim são: angiografia cerebral, eletroencefalograma, doppler transcraniano ou cintilografia cerebral. Neste momento, algumas nuances devem ser citadas. Exames que avaliam a perfusão cerebral (angiografia e doppler transcraniano) não são afetados pelo uso de drogas depressoras ou de BNMs, sendo mais indicados quando estas drogas foram utilizadas e podem ser um confundidor. Outros exames não são validados para o diagnóstico de morte encefálica, logo métodos como a ressonância magnética cerebral ou PET-SCAN não podem ser utilizados (isto já foi alvo de questão de prova!). CM 42 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 4. Composiçãodo Protocolo de Morte Encefálica Brasileiro. E para consolidar: No Brasil, dependemos de dois exames clínicos compatíveis com ME realizados com no mínimo 1h de intervalo (no adulto), por dois médicos diferentes e capacitados, mais um teste de apneia compatível e um exame complementar. A ordem é indiferente e a hora da constatação do óbito é a hora da última prova realizada. Na impossibilidade de realizar qualquer um dos testes, a ME não poderá ser diagnosticada. Fonte: Resolução CFM 2173/2017 CM 43 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 5. Pré-requisitos para a abrir o Protocolo de Morte Encefálica. Fonte: Resolução CFM 2173/2017 CM 44 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica CM 45 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica CM 46 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 6. Reflexos avaliados no diagnóstico de morte encefálica. Fonte: Adaptado de Garcia CD et al, 2013. CM 47 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica QUAL O HORÁRIO CORRETO DE ATESTAR O ÓBITO? Neste momento uma dúvida pode surgir: imagine que um paciente de 23 anos apresentou um acidente automobilístico com traumatismo cranioencefálico grave às 12h do dia 04/02/2022, socorrido e admitido na UTI de um hospital 13h do mesmo dia. Evoluiu com coma não perceptivo e ausência de reflexos do tronco e apresentava todos os pré-requisitos necessários para realização dos procedimentos. Às 20h do dia 05/02/2021 foi feito o primeiro exame clínico do protocolo de morte encefálica. Às 23h do dia 05/02/2021 foi realizado o segundo exame clínico. Às 10h do dia CM 48 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica 06/02/2021 foi feito uma angiografia cerebral que mostrou ausência de fluxo e às 15h do dia 06/02/2021 foi feito o teste de apneia que se mostrou positivo. A família concordou com a doação de órgãos e a primeira incisão cirúrgica foi realizada às 18h do dia 06/02/2021 e às 19h do mesmo dia o coração entrou em assistolia. Qual deveria ser o dia e a hora do óbito deste paciente hipotético? Devemos entender o seguinte conceito: a morte (no caso encefálica) ocorre no momento em que se finaliza os 4 componentes do diagnóstico de morte encefálica: 2 exames clínicos, 1 teste de apneia e 1 exame complementar. Observe então que, independente da ordem em que podem vir a ocorrer, o dia e a hora da constatação do óbito é aqueles em que a última prova foi realizada! Em nosso exemplo hipotético, o dia e a hora de óbito do paciente foi às 15h do dia 06/02/2021. OS PROCEDIMENTOS APÓS A CONFIRMAÇÃO DE MORTE ENCEFÁLICA Após constatada a morte encefálica, é necessário compreender que o paciente veio a óbito! Portanto, não deve-se manter suporte terapêutico algum (ventilação mecânica, drogas vasoativas, sedativos), a não ser que o paciente seja doador de órgãos, quando neste caso deverão ser mantidos os suportes até a cirurgia de retirada do órgão ou a recusa à doação pelos familiares. DOAÇÃO DE ÓRGÃOS Para que o paciente seja doador, não é necessário ter deixado nada por escrito, mas é fundamental que este tenha comunicado à família o desejo CM 49 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica pela doação dos órgãos. Quem decide ou não pela doação de órgãos são os familiares do paciente, independente deste ter expresso em vida o desejo da doação! Mas essa comunicação não deve ser feita pela mesma equipe que participou do cuidado do paciente, e sim por um grupo especializado do Serviço de Doação de órgãos. Como proceder com o potencial doador falecido? Considera-se como potencial doador, todo paciente em morte encefálica. Após o diagnóstico de morte encefálica, é necessária a notificação à Central de Notificação, Captação e Distribuição de Órgãos (CNCDO). Para isso, o médico deve telefonar para a central do seu Estado e passar informações como: nome, idade, causa da morte e hospital onde o paciente está internado. Essa notificação é compulsória e não depende do desejo familiar de doação ou da condição clínica do potencial doador de converter-se em doador efetivo. Código de Ética Médica – Res. (1931/2009) – Capítulo VI – Doação e transplante de órgãos e tecidos É vedado ao médico: Art. 43. Participar do processo de diagnóstico da morte ou da decisão de suspender meios artificiais para prolongar a vida do possível doador, quando pertencente à equipe de transplante. Art. 44. Deixar de esclarecer o doador, o receptor ou seus representantes legais sobre os riscos decorrentes de exames, intervenções cirúrgicas e outros procedimentos nos casos de transplantes de órgãos. CM 50 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Art. 45. Retirar órgão de doador vivo quando este for juridicamente incapaz, mesmo se houver autorização de seu representante legal, exceto nos casos permitidos e regulamentados em lei. Art. 46. Participar direta ou indiretamente da comercialização de órgãos ou de tecidos humanos Até que a decisão familiar seja tomada ou até que os órgãos sejam retirados (diante da concordância familiar com a doação), alguns cuidados e metas devem ser estabelecidos com o potencial doador (resumidos na tabela abaixo) a fim de otimizar a qualidade do transplante (manter viabilidade do órgão por mais tempo, obter melhores resultados e menos complicações no pós-operatório) CM 51 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica CM 52 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Tabela 5. Checklist para o manejo clínico do potencial doador de órgãos. Fonte: Checklist de metas clínicas para manejo do potencial doador de órgãos adulto: manual de operacionalização. – Associação Hospitalar Moinhos de Vento: Porto Alegre, 2020 CM 53 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica CM 54 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica CUIDADOS PALIATIVOS Os conceitos de cuidados paliativos, de modo geral, não são ensinados ou são de forma incorreta na maioria dos cursos de graduação, por vezes estigmatizados. Mas o que devemos entender é que cuidados paliativos e cuidados de fim de vida fazem parte da vida médica de todas as especialidades, não só da clínica médica. De acordo com a OMS, os cuidados paliativos buscam qualidade de vida para pacientes e familiares que enfrentam comorbidades que ameacem CM 55 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica a continuidade da vida, através da prevenção e alívio de sofrimento, com a identificação precoce, avaliação e o tratamento de sintomas/ desconfortos físicos, emocionais e espirituais. Permitindo a continuação de terapias modificadoras de doença, com foco em alívio de sintomas e tratamento de acordo com os objetivos e valores do paciente. Idealmente, todo paciente diagnosticado com doença ameaçadora à vida, deve ser acompanhado pela equipe de cuidados paliativos (ex.: câncer, doença renal crônica dialítica, insuficiência cardíaca classe funcional III-IV e doença pulmonar obstrutiva crônica GOLD III-IV). É recomendado que, ainda que em proposta curativa ou de terapia modificadora de doença, os conceitos e valores sejam abordados com o paciente, idealmente quando ele pode se expressar. Ou seja, não é ideal que seja abordado somente quando não há reversibilidade. O que muda durante o curso de cuidado do doente é a prioridade de cuidados, seja: prolongar a vida, prolongar a vida desde que não traga sofrimento ou priorizar medidas de conforto. O que gera estranheza e desconforto em quem não tem experiência é o priorizar medidas de conforto, isso não quer dizer abandonar o paciente ou “não fazer mais nada”, quer dizer aliviar sintomas e acolher sofrimentos, sendo concordante com os valores e desejos do paciente e da família.Dessa forma, existem fases da doença e fases de tratamento: Fase 1: morte pouco provável: a probabilidade de recuperação é maior que o desfecho de morte ou irreversibilidade. Os cuidados paliativos serão direcionados para aliviar desconfortos da comorbidade e do tratamento intensivo; Fase 2: morte prevista para dias, semanas ou meses: falha na resposta de recursos, com aumento na chance de desfecho de • • CM 56 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica morte/irreversibilidade. A prioridade, neste caso, deve ser a melhor qualidade de vida possível, de acordo com os valores do paciente e as medidas que modifiquem o curso da doença podem ser oferecidas, se forem ter benefício; Fase 3: morte prevista para horas ou dias: o cuidado paliativo passa a ser exclusivo e deve priorizar a melhor qualidade de vida possível, com uma morte digna, garantindo o conforto do paciente e de familiares; Fase 4: luto: acolhimento de familiares. Figura 7. Cuidados paliativos e cuidados curativos. Fonte: Adaptado de Azevedo D, 2015. Note que, a despeito do que é ensinado para a maioria de nós, desde o diagnóstico da doença ameaçadora à vida, já são iniciados os cuidados paliativos. E, com a história natural da doença, a proporção de atenção para o cuidado paliativo vai se alterando e o objetivo do cuidado • • CM 57 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica também. Nossa formação médica, além de paternalista/controladora, é muito curativa. Mas é importante entendermos que a arte de cuidados paliativos, ou seja, aliviar sofrimento e trazer conforto para a família, é essencial. E o luto dos familiares faz parte também! No início da abordagem, é importante perguntarmos, por exemplo: “Quem é a Sra. Maria? O que a Sra. Maria gosta de fazer? O que a Sra. Maria não suportaria viver sem? O que é importante e faz sentido para a Sra. Maria?”. E, assim, tomar decisões a partir disso. Isso se chama acessar valores e fazer escuta ativa. Por exemplo: CM 58 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica No caso descrito acima, percebemos que a Sra. Maria está em um estágio avançado de doença, sendo importante acessar os valores. Ou seja, quem é a paciente, o que ela já viveu e quais são seus medos e suas angústias para evitar que seu curso de tratamento lhe gere desconforto ou potencialmente mais sofrimento. Cabe ao médico assistente reconhecer em que momento da progressão de doença a paciente se encontra e até onde as medidas invasivas estão de acordo com seus valores e seus desejos, além de, claro, alívio de sintomas, visto que ela sente dores. A escuta ativa baseia-se em captar o que é mais importante nas palavras do doente e usar isso como forma de entender o que é melhor no seu cuidado. Por exemplo: “Sra. Maria, eu estou vendo pelo que a senhora está me contando e pelas consultas que já tivemos, que é uma mulher forte e muito ativa e que preza por ser independente. E diante disso, eu tenho medo/receio de que alguns tipos de tratamento possam comprometer CM 59 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica isso.” Dessa forma, se faz o uso de uma forma introdutória de abordagem para diretivas avançadas de vontade. Não se aborda diretivas como um leque de intervenções a serem oferecidas ao doente (RCP, IOT, diálise, drogas vasoativas) e sim, acessando seus valores, seu momento de doença e o que faz ou não sentido para a pessoa. Um fato que é estabelecido em diversas revisões e vários estudos é que a maioria dos pacientes quer saber e participar do processo de decisão. Principalmente nos primeiros contatos com o doente, sempre pergunte: “O senhor deseja saber o que está acontecendo?; O senhor deseja saber o diagnóstico?; O senhor deseja saber o que vai acontecer a partir de agora?”. Sempre falando de forma pausada e clara, porque por vezes o paciente responde que tem interesse de saber e no meio da conversa toma uma postura limitante, lhe dando sinais de que talvez já tenha recebido informações a mais do que o que realmente gostaria. O diálogo com os pacientes e os familiares sobre o prognóstico e os valores os tornam mais suscetíveis a aceitar o tratamento proporcional ao que desejam. O compartilhamento de decisão faz com que os familiares apresentem melhores resoluções de possíveis sentimentos, como a culpa após o falecimento. Mas lembre-se de sempre assumir a responsabilidade pela decisão, afinal o tratamento é definido pelo médico, o que fazemos na prática é tomar a decisão baseado em valores da família, conciliando com nosso conhecimento técnico. Muitas vezes, quando abordados sobre refratariedade de tratamento e proposta de limitação de cuidados, ouvimos frases como: “Não quero ser responsável por essa decisão.”. Uma pergunta sempre difícil e que traz muitos pensamentos e sentimentos por traz é: “Dr., quanto tempo de vida eu ainda tenho?”. A resposta para essa pergunta é sempre difícil, porque mesmo com os CM 60 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica escores dos prognósticos, a estimativa ainda não é exata. Entretanto, o que sempre deve-se abordar inicialmente é qual o motivo de a pessoa estar fazendo essa pergunta, muitas vezes ela vai responder: “eu queria saber se vou conseguir ir ao casamento da minha filha” ou “quero participar do aniversário do meu neto”. E, muitas vezes, você conseguirá acolher e aliviar esse sentimento com estimativas mais precisas. Vamos supor que você estime a sobrevida em meses e o aniversário do neto será em 3 semanas, isso torna a comunicação mais fácil e mais aberta. É sempre uma boa dica em comunicação em cuidados paliativos responder tentando entender o objetivo da pergunta inicial. A comunicação é uma habilidade a ser desenvolvida e é fundamental no ambiente de terapia intensiva. CERCO DO SILÊNCIO Trata-se de uma situação em que a família pede que não se conte ao paciente o diagnóstico e/ou prognóstico. É uma situação contrária aos preceitos da ética médica. O desafio principal é não ter um embate direto com a família, porque se eles se sentirem desrespeitados ou ofendidos, haverá quebra de vínculo e todo o cuidado será comprometido. O ideal é entender a causa de quererem omitir informações, que na maior parte das vezes é proteger o paciente. Deve-se abordar quais são as preocupações e validá-las (“eu vejo que você está preocupado”). Uma forma que talvez ajude a quebrar o cerco é questionar sobre implicações práticas de não falar sobre o diagnóstico. Por exemplo, “eu vejo que você está preocupado, mas eu fico com medo de o que pode estar passando pela cabeça dela, de estar sendo tratada em um hospital especializado CM 61 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica em câncer”. Não se deve pressionar a família, talvez fazê-los refletir sobre suas preocupações. Outra forma é refletir sobre a possibilidade de o paciente descobrir no futuro e se sentir “traído” pela família. Algo que preocupa muitas vezes a família é o medo de não saber como contar e de a pessoa sofrer muito com a abordagem de comunicação, vale a pena sugerir/oferecer a presença da equipe multiprofissional, ou pelo menos o médico assistente e a equipe de psicologia e encenar como seria a conversa. Isso é bem variável, vale a pena conversar com a família antes para saber como eles preferem: a família dar a notícia sozinha, equipe médica sozinha ou ambos, em conjunto. Por vezes o doente tem desejo de saber o que está acontecendo, mas a família já criou o cerco, antes de quebrar e conversar sobre o assunto, a família tem de estar confortável com a abertura das ideias. Reitere que seu único objetivo é prezar pelo bem-estar do doente. E é importante que a família saibaque é direito do paciente saber o que está acontecendo, se tiver desejo, mas nunca fale isso de forma de imposição ou agressiva. E, claro, sempre lembre de perguntar ao doente se ele quer entender o que está acontecendo ou se realmente prefere delegar as conversas sobre cuidado com algum familiar específico. PROGNÓSTICO E FUNCIONALIDADE Mas será que é importante prognosticar? Acredito que pelo exemplo anterior de tempo de vida, fica mais claro a importância. O prognóstico é difícil de ser feito, mas permite ao médico caracterizar o momento da doença e a prioridade de tratamento, confortar o paciente e a família e planejar os próximos momentos de vida. CM 62 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Mas existem outros motivos importantes para o estabelecimento do prognóstico, por exemplo, a descompensação aguda que leva o paciente à UTI deve ser vista dentro de um contexto, que leva em consideração a funcionalidade e o estágio da doença na tomada de decisões. Por outro lado, o prognóstico não deve ser feito de forma determinística (“para essa doença ou condição são X semanas”), e sim individualizado com as características e os valores do paciente. A predição clínica do prognóstico tem boa acurácia, principalmente em pessoas mais experientes, mas apresenta erros de viés cognitivo. Dessa forma, para não subestimar ou superestimar, existem escores validados para a identificação da funcionalidade e do prognóstico. Para funcionalidade, os mais utilizados são ECOG (Eastern Cooperative Oncology Group Performance Status Scale) e KPS (Karnofsky Performance Status). É importante entender que os escores são uma foto do momento avaliado e que são melhores interpretados com várias avaliações ao longo do tempo, pois traz a informação de estabilidade ou piora da funcionalidade, que é mais importante que o momento. Exemplo: a Sra. Maria é internada com pneumonia adquirida na comunidade e está em KPS 50 / ECOG 2 na internação, mas antes, nas últimas consultas, era KPS 80 / ECOG 1. CM 63 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 8. Escala de Performance ECOG. Fonte: Adaptado de Carvalho RT et al, 2018. CM 64 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 9. Escala de Karnofsky - status performance (KPS). Fonte: Adaptado de Carvalho RT et al, 2018. Entre os escores que permitem estimar sobrevida em tempo temos o PPI (Palliative Prognostic Index) e o PPS (Palliative Performance Scale). Para o paciente, é importante entender seu prognóstico para que possa resolver situações pendentes familiares, financeiras e emocionais, bem como conversar sobre a morte, sobre como e onde deseja passar os momentos finais de sua vida. Além das dificuldades já mencionadas, as doenças possuem trajetórias diferentes, portanto, é importante conhecê-las para reconhecer, em análise temporal, a progressão da doença. Existem 3 possibilidades de evolução: Tipo l - curto período de declínio evidente (tipicamente câncer), Tipo ll - limitações crônicas com períodos de piora intermitentes (DPOC e ICC) e Tipo lll - piora progressiva (demências). Figura 10. Tipo 1. Curto período de declínio evidente. Fonte: Traduzido e adaptado de Murray SA, 2005. CM 65 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 11. Tipo 2. Limitações crônicas com períodos de piora intermitente. Fonte: Traduzido e adaptado de Murray SA, 2005. Figura 12. Tipo 3. Piora progressiva. Fonte: Traduzido e adaptado de Murray SA, 2005. ASPECTOS MÉDICO-LEGAIS CM 66 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Em relação aos aspectos médico-legais sobre cuidados paliativos no Brasil, segundo a resolução do Conselho Federal de Medicina (2006): “é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal”. E segundo o Código de Ética Médica (2009): “Nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará aos pacientes sob sua atenção todos os cuidados paliativos apropriados” e “nos casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”. Além da Lei Estadual do estado de São Paulo n. 10241 (1999), que “garante ao paciente e à família a possibilidade de recusar tratamentos dolorosos ou extraordinários para tentar prolongar a vida, assim como escolher o local de morte.” A própria Constituição Federal (1988) em seu art. 1º, inciso III, diz: “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”. Já o Código Penal de 1940 não menciona retirada de suporte de vida. Em resumo, pode-se dizer que todas as práticas têm o objetivo de criar condições para que o processo de morte se instaure e evolua de forma natural e sem sofrimento, respeitando a dignidade e os valores do paciente. CM 67 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica A decisão e a conduta no cuidado de um paciente são de responsabilidade do médico e deve ser embasado no status performance prévio, situação e causa atual, bem como irreversibilidade e, principalmente, valores do paciente expressos previamente. Entretanto, não cabe aos familiares decidir sobre o curso de tratamento, isso é diferente de decisão compartilhada, em que conversa-se sobre possibilidades. Por vezes, é nítido o malefício e a irreversibilidade da situação. CONTROLE DE SINTOMAS CM 68 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Se o manejo dos pacientes em cuidados paliativos engloba o controle de sintomas, precisamos saber quais os principais sintomas a paliar. E são eles: dor, dispnéia, constipação, xerostomia e náuseas ou vômitos. DOR A dor é um fenômeno complexo que é subjetivo e resultado final de vários sintomas físicos e não físicos. O alívio da dor é parte do cuidado compreensivo de fatores físicos, psicológicos, sociais e espirituais do sofrimento. Além disso, o sintoma físico não pode ser tratado isoladamente dos demais aspectos. É neste sentido que surge o conceito do que chamamos de Dor Total. CM 69 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Figura 13. Conceito de dor total (é a compreensão de que fatores físicos, psicológicos, sociais e espirituais exercem efeito sobre a dor física). Fonte: Adaptado de Fallon M et al, 2006. A graduação da dor nos ajuda não só a quantificar, mas a avaliar progressão e resposta a tratamento, bem como otimizar a adjuvância de tratamento. A escada de analgesia é uma das principais ferramentas. Deve-se lembrar que os tratamentos adjuvantes como cirurgia, radioterapia e tumoricidas (quimioterápicos) são parte importante como tratamento não farmacológico da dor, e também podem ser usados, mesmo no paciente em cuidados paliativos, mas dando continuidade dos analgésicos como principal terapia. As medicações devem ser administradas em doses regulares intervaladas com ajustes crescentes. Se uma medicação não opióide ou opióide para dor moderada, por exemplo, não for suficiente, um tratamento com opióide para dor severa deve ser utilizado. Entre os tratamentos não medicamentosos para dor oncológica, temos estimulação nervosa elétrica transcutânea, fisioterapia, acupuntura e terapia de relaxamento. Dentre os adjuvantes farmacológicos, temos os anti-inflamatórios nãoesteroidais (dor óssea, infiltração de partes moles e hepatomegalia), corticoides (hipertensão intracraniana, infiltração de partes moles, compressão nervos e hepatomegalia), antidepressivos / anticonvulsivantes (compressão nervosa ou infiltração e neuropatias paraneoplásicas) e os bisfosfonatos (dor óssea). A morfina é o opióide mais utilizado para dor severa, sempre que possível deve ser administrado via oral, com dose fixa administrada em intervalos regulares, para que a dor não retorne. Em teoria, não há limite superior, CM 70 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica devendo-se titular a dose por efeitos colaterais e controle de dor. Sempre deve-se deixar a dose de resgate, além da dose fixa calculada. Pacientes com doença em progressão e piora da dor podem necessitar de ajuste da dose. Os efeitos colaterais mais comuns do uso de opióides são a sonolência (no início do tratamento é comum, mas deve se resolver nos primeiros dias), náuseas e vômitos (é comum, também melhora após alguns dias do início), constipação (muito comum e, por conta da alta prevalência deste efeito colateral, já deve ser tratado de forma profilática com laxativos), mioclonias e boca seca. Outras opções ao uso de morfina, por efeitos colaterais, intolerância ou indicação de rodízio de opióides, são a metadona (benefício em dor neuropática também), fentanil em adesivos transdérmicos que devem ser trocados a cada 72h (atenção ao rodízio em sítios de aplicação e efeitos adversos locais) e a oxicodona. DISPNEIA Segundo a American Thoracic Society , a definição de dispneia consiste em "uma experiência subjetiva de desconforto respiratório que consiste em sensações qualitativamente distintas que variam na intensidade". Ou seja, é uma percepção desconfortável da respiração, a qual é subjetiva e difícil de ser definida por quem sente. A dispneia tem diversas possíveis causas e pode ser multifatorial em um mesmo doente. É um sintoma prevalente em 21-90% dos pacientes oncológicos, com incidência semelhante à dor. É ainda mais comum em pacientes DPOC ou ICC (insuficiência cardíaca congestiva). Além de trazer CM 71 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica desconforto para o paciente, piora a qualidade de vida e traz preocupação aos familiares. O tratamento consiste primeiro em diagnosticar corretamente a causa da dispneia, seja ela orgânica (broncoespasmo, congestão, derrame pleural ou dor) ou psicológica / emocional (angústia, ansiedade e medo). As primeiras podem ter tratamentos específicos com medicamentos ou procedimentos, já as causas emocionais exigem comunicação e escuta empática. Como avaliar a dispnéia? Através de escalas numéricas, anamnese minuciosa com fatores de melhora ou piora, ritmo de evolução, detectar componente emocional, comorbidades e impacto na qualidade de vida. No exame físico, identificar potenciais causas e sinais de desconforto. Dentre as estratégias, buscar balanço hídrico negativo em pacientes congestosos e manter aporte de oxigênio não invasivo e terapias inalatórias. Quanto a medicamentos, podemos usar a morfina em doses baixas de 10 a 20 mg/dia ou 1-2 mg de morfina EV a cada 15 min, reavaliando a resposta de acordo com a melhora dos sintomas. Os benzodiazepínicos podem ser usados quando há componente de ansiedade e em sedação paliativa, quando o sintoma se torna refratário. Os opióides causam redução na percepção central de dispneia , redução na sensibilidade à hipercapnia, redução no consumo de oxigênio e aumento da função cardiovascular. Fique atento para o maior risco de intoxicação em pacientes com insuficiência renal. Em casos refratários, opta-se por sedação paliativa. NÁUSEAS E VÔMITOS CM 72 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Além de ser incômodo e atrapalhar a qualidade de vida, podem causar desidratação e perda de peso. Como as medicações possuem mecanismos de ação diferentes, conhecer a causa e a fisiologia dos sintomas pode ser decisivo no sucesso terapêutico. Vale a pena destacar pela tabela abaixo, por exemplo, que a ondansetrona não é a melhor opção de antiemético na maioria dos casos; ao contrário do que você pode ver por vezes na prática equivocada. Tabela 6. Mecanismos de náuseas e vômitos e respectivos antieméticos compatíveis para as respectivas causas. Fonte: Carvalho RT et al, 2018. CONSTIPAÇÃO É geralmente multifatorial, traz grande desconforto e pode ser causa de dor, náuseas, vômitos e internação. As principais causas são medicações CM 73 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica (quimioterapia, opióides), dieta, imobilização, desidratação, uremia, hipocalemia, hiponatremia e hipotireoidismo. Dentre as medidas comportamentais, é válido orientar a ingestão de frutas laxativas, líquidos em abundância, legumes e verduras preferencialmente crus, frutas com casca e alimentos integrais. Também é importante evitar a ingesta de alimentos constipantes. Além disso, deve-se estimular a mobilização, quando possível, e estimular idas ao banheiro, principalmente no período matutino. O tratamento varia desde laxantes ou emolientes, como óleo mineral, a agentes osmóticos, como lactulona, e estimulantes (que podem causar cólicas), como bisacodil, sene e picossulfato (são a primeira escolha em casos de constipação induzida por opioides). Por vezes, quando há grande quantidade de fezes endurecidas, há necessidade de supositório retal de glicerina, além de enema e desimpactação manual (fecaloma). XEROSTOMIA Cerca de dois terços dos pacientes relatam desconforto oral, podem ser decorrentes da doença ou do tratamento. Sintoma comum entre pacientes hospitalizados e que também é multifatorial, deve-se sempre avaliar a cavidade oral em busca de causas locais e identificar na prescrição medicações com esse efeito colateral (anticolinérgicos e opióides). Entre as medidas de controle de sintomas, pode-se utilizar gaze úmida com água gelada, liberar alimentos gelados para conforto, higiene oral e de próteses e considerar saliva artificial. A pilocarpina pode aumentar a produção de saliva. Lembre-se que em paciente com aporte de oxigênio, a umidificação pode aliviar esse sintoma. CM 74 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica SEDAÇÃO PALIATIVA Apesar do tratamento agressivo, o controle de sintomas pode ser desafiador na fase final de vida. Quando os sintomas se tornam refratários às medidas habituais, a opção de sedação paliativa deve ser considerada. Tem como objetivo aliviar a dor e o sofrimento, mas não de abreviar a vida. A literatura é consistente em mostrar que a sedação paliativa não abrevia o tempo de vida. A indicação habitual é a de um paciente em fase final de vida que desenvolve sintomas refratários. A definição de refratário não é bem clara, mas geralmente baseada na falha de tratamento ou estimativa de que outros métodos disponíveis não seriam eficazes ou não toleráveis. O tempo de iniciação também não é claro, em geral, os pacientes com prognóstico de horas a dias são considerados os que mais se beneficiam do tratamento. Em geral, sintomas como dor ou dispneia, são inicialmente manejados com medicações intermitentes, seguidos de morfina em bomba de infusão contínua e, quando considerado que a dose de morfina está insuficiente para o alívio dos sintomas, ou quando há sinais de intoxicação, é considerado associação de uma medicação sedativa. Por exemplo, em paciente com função renal preservada é esperado controle de dispneia com dose de morfina de 1-1,5mg/hora, acima disso, é improvável que a morfina isoladamente faça um bom controleda dispneia. O princípio é de reduzir a consciência até o nível necessário para aliviar o sofrimento, o ideal seria manter o paciente contactuante para podermos reavaliar os sintomas e para que ele possa interagir com seus CM 75 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica familiares. Mas quando o sintoma é tão importante que a sedação leve não alivie o sofrimento, o ideal é titular para alívio do sintoma. O midazolam é a principal medicação utilizada na sedação paliativa, por ter rápido tempo de início de ação, curta meia-vida, que permite titulação e pode ser dado por via endovenosa ou subcutânea. É um sedativo, hipnótico, ansiolítico, relaxante muscular e anticonvulsivante. Pode ser associado a opioides e haloperidol e é reversível com flumazenil. Usualmente iniciamos em dose baixa 0,5-1 mg/h e titulamos conforme conforto do paciente, com novas administrações em bolus e, em caso de repetidos resgates, aumento de infusão de 0,5 em 0,5mg/h. Outra opção é o propofol, mas que não pode ser administrado por via subcutânea e pode ser iniciado em dose de 20mg de início e mantido a 10mg/h com aumento de 10 a 20mg/h a cada 10 minutos até o controle dos sintomas. CM 76 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica OBSTRUÇÃO INTESTINAL MALIGNA INTRODUÇÃO Apesar dos avanços no diagnóstico precoce e tratamento, a carcinomatose peritoneal persiste como uma forma de progressão de doença de neoplasias do trato gastrointestinal que configura prognóstico ruim, com complicações (como obstrução intestinal recorrente) que limitam funcionalidade e, por seguinte, linhas de tratamento oncológico. O desafio no tratamento da carcinomatose peritoneal está no contexto clínico do paciente, que habitualmente está em fase avançada de progressão de doença, emagrecido, desnutrido, com abdome ascítico, dor visceral e obstrução intestinal recorrente. A Obstrução Intestinal Maligna (OIM) é uma comum e prevalente complicação terminal da carcinomatose peritoneal. É definida clínica e radiologicamente como obstrução distal ao ligamento de Treitz. Pode ser secundária a tumores primários intra abdominais (colorretal 25-40%, gástrico 6-13%, ovário) ou, raramente, até de neoplasias extra abdominais como melanoma e mama com metástase peritoneal. É uma complicação em algumas casuísticas de até 20-50% dos cânceres de ovário. MECANISMOS Os mecanismos da OIM incluem fatores mecânicos (compressão intestinal extrínseca é a causa mais comum), funcionais (infiltração tumoral em feixes nervosos), paraneoplásico e associado ao uso de medicamentos. A compressão endoluminal como resultado de massas tumorais no lúmen ou de infiltração no caso de linite plástica. Em CM 77 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica pacientes com doença oncológica avançada ou em fase final de vida pode ter evolução insidiosa ao longo de semanas, com resolução espontânea entre os períodos de obstrução. MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS E DIAGNÓSTICO A apresentação clínica é tipicamente de dor abdominal em cólica ou colite, anorexia, náuseas e vômitos que dependem do nível de obstrução. Sintomas de constipação e incapacidade de eliminar flatos configuram obstrução completa; enquanto diarreia paradoxal e incontinência fecal sugerem obstrução parcial. Diferenciar entre oclusão e suboclusão é fundamental porque isso norteia as etapas do tratamento! Atualmente o principal exame diagnóstico é tomografia computadorizada de abdome e pelve com contraste; podendo ter a radiografia simples de abdome como exame inicial. MANEJO O manejo clínico da OIM é controverso, tendo questões como: devo ou não ter conduta cirúrgica paliativa? E devemos sempre considerar fatores como: status performance, respostas aos tratamentos prévios, prognóstico global e diretivas avançadas de vontade na decisão de conduta. A cirurgia é considerada de acordo com o câncer de base, evolução e quimiossensibilidade, mas tende a ter um prognóstico bastante limitado CM 78 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica com incidência elevada de complicações e óbito na mesma internação. Por isso é uma conduta de exceção. A cirurgia costuma ser melhor indicada na presença de algumas características como: Óbvio obstáculo visto na tomografia (ponto único de obstrução, por exemplo). Obstrução inacessível por prótese endoscópica. Infiltração peritoneal localizada. Sem infiltração maciça na origem do mesentério ou mesocólon. Sem carcinomatose pélvica extensa. Sem ascite importante. • • • • • • CM 79 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica Tabela 7. Fatores de pior prognóstico para tratamento cirúrgico de OIM. Fonte: Adaptado e traduzido de: Laval G, 2014. O tratamento visa resolver a obstrução, quando possível, e aliviar os sintomas. Figura 14. Sugestão de fluxograma no tratamento de OIM. Fonte: Adaptado de Recommendations for Bowel Obstruction with Peritoneal Carcinomatosis, 2014. Tratamento não medicamentoso: Sonda Nasogástrica (SNG): é considerado em pacientes com vômitos incoercíveis e/ou distensão gástrica que estejam sob risco de broncoaspiração. As SNG não são bem toleradas por mais que dois a três dias, além de serem desconfortáveis também podem ser desagradáveis na percepção do paciente por serem visíveis. Alguns pacientes preferem ter a sonda a ter que tolerar vômitos. Não é recomendado retirar a sonda quando seu débito excede • ◦ CM 80 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica 1L/24h. Alimentação: habitualmente para conforto e conforme aceitação, adaptando para dieta líquida ou em consistência que, em caso de uso de SNG, possa ser facilmente removida. Tratamento medicamentoso: Corticoide. tem mecanismo fisiopatológico por seu efeito anti edematoso, reduzindo edema peritumoral, reduz distensão de alça e inflamação, com efeito adicional antiemético e indireto analgésico. Exemplo: dexametasona 1-4 mg/kg/dia endovenoso ou subcutâneo 1 vez por dia. A interrupção do tratamento depende da evolução. O corticoide tem melhor efeito quando é utilizado como tratamento de primeira linha. Drogas anti-secretoras: anticolinérgicos, como escopolamina (ou hioscina) tem efeito antiespasmódico, antiemético e anti- secretório; reduzindo o volume das secreções gastrointestinais. Antieméticos: tem como alvo receptores centrais e periféricos (dopamina, acetilcolina e serotonina). Não há evidência de superioridade entre as medicações. Em pacientes com obstrução parcial, agentes procinéticos como a metoclopramida é considerado primeira linha de tratamento, mas é evitado em obstrução completa. O uso de haloperidol (seletivo de D2) é uma ótima opção, apesar de não haver evidência científica, 0,5 a 5mg EV 6/6h. Outro antipsicótico, mas atípico, a olanzapina foi validada em náuseas agudas e crônicas, com evidência de benefício em carcinomatose peritoneal e obstrução intestinal incompleta. O uso de ondansetrona não é bem estudado em OIM, entretanto pode ◦ • ◦ ◦ ◦ CM 81 Clínica Médica Neurointensivismo e Ética Médica ser feito uma tentativa de tratamento em caso de insucesso com outras medidas. Análogos da somatostatina: octreotide. Inibem a liberação e ação de vários hormônios, reduzindo secreção, peristalse e fluxo sanguíneo esplâncnico e aumenta a absorção de água e eletrólitos. Pode ser administrado no subcutâneo e tem duração de ação de 6 a 12 horas, mas com meia vida de 1,8h. A escopolamina foi evidenciada como inferior ao octreotide em um ensaio clínico randomizado, mas ela pode ser útil no controle de náuseas e cólicas em pacientes inclusive em uso de octreotide. Analgésicos