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O drama das Escrituras é um primor de erudição bíblica, integrando métodos críticos sólidos com uma disposição de fé que está aberta à revelação do Deus vivo por meio de sua Palavra. Esse livro envolvente torna acessível aos estudantes a visão panorâmica da Bíblia que tem sido obscurecida por séculos de batalhas confessionais e foi fragmentada pelo racionalismo do Iluminismo. [Essa obra] consegue tornar o mundo bíblico verdadeiramente habitável, servindo assim de ponte entre a Bíblia e a experiência cristã. Mary E. Healy, da Notre Dame Graduate School of Christendom College Esse panorama breve e ainda assim penetrante e cativante da dramática mensagem bíblica da Criação, Queda e redenção — de Gênesis a Apocalipse — se tornará uma leitura obrigatória não somente para estudantes que estão iniciando seus estudos teológicos, mas para todos que desejam ver a floresta bíblica e não apenas suas árvores. Max Turner, professor de Estudos do Novo Testamento da London School of Theology A redescoberta do significado da história é uma das mais importantes descobertas recentes na intepretação bíblica. Esse livro magistral é uma excelente introdução para o estudante dedicado, combinando o compromisso evangélico com a autoridade normativa das Escrituras com uma profunda compreensão da erudição contemporânea. Bartholomew e Goheen prestaram um excelente serviço à comunidade cristã ao esclarecer a história bíblica de um modo que pode ser vivida no mundo de hoje. Trevor Cooling, da University of Gloucestershire Em O drama das Escrituras, Bartholomew e Goheen fornecem uma intepretação cristã da história bíblica de Gênesis a Apocalipse. Eles fazem isso de um modo que visa a lembrar os cristãos contemporâneos de que eles também habitam essa mesma história e precisam viver dentro dela, dando continuidade às obras e palavras de Jesus no mundo atual. O resultado é um desafio para recuperar as Escrituras como uma base não somente para a igreja e a teologia, mas também para a própria vida. Raymond Van Leeuwen, professor de Estudos Bíblicos da Eastern University Esse livro chegou no momento certo. Bartholomew e Goheen produziram uma apresentação breve e acessível de toda a história bíblica ressaltando tanto a unidade das Escrituras quanto sua profunda relevância cultural atual. Para leitores que consideram a Bíblia uma sucessão de fragmentos devocionais desconexos destinados principalmente à moralidade e à espiritualidade individuais, esse livro chegará como um choque salutar, um lembrete de que as Escrituras canônicas centradas em Cristo constituem uma Palavra de Deus coerente que desafia a direção religiosa fundamental da civilização ocidental. Baseado em estudos eruditos profundos e amplos, mas escrito de modo envolvente para um grande gama de leitores, O drama das Escrituras promete ser uma ferramenta indispensável para muitos cristãos que foram despertados para o chamado de Deus a um envolvimento cultural sério, em nome de Cristo, com um mundo pós-cristão escravo dos ídolos tanto do modernismo quanto do pós-modernismo. Albert M. Wolters, autor de Criação restaurada: base bíblica para uma cosmovisão reformada (Cultura Cristã) Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) Angélica Ilacqua CRB-8/7057 Bartholomew, Craig G. O drama das Escrituras : encontrando o nosso lugar na história bíblica / Craig G. Bartholomew e Michael W. Goheen ; tradução de Daniel Kroker. -- São Paulo : Vida Nova, 2017. 288 p. ISBN 978-85-275-0754-7 Título original: The drama of Scripture: finding our place in the biblical story 1. Bíblia 2. Histórias bíblicas I. Título II. Goheen, Michael W. III. Kroker, Daniel 17-0522 CDD 230.041 Índices para catálogo sistemático: 1. Histórias bíblicas ©2004, de Craig G. Bartholomew e Michael W. Goheen Título do original: The drama of Scripture: finding our place in the biblical story, edição publicada pela BAKER ACADEMIC (Grand Rapids, Michigan, EUA). Todos os direitos em língua portuguesa reservados por SOCIEDADE RELIGIOSA EDIÇÕES VIDA NOVA Rua Antônio Carlos Tacconi, 75, São Paulo, SP, 04810-020 vidanova.com.br | vidanova@vidanova.com.br 1.a edição: 2017 Proibida a reprodução por quaisquer meios, salvo em citações breves, com indicação da fonte. Impresso no Brasil / Printed in Brazil Todas as citações bíblicas sem indicação da versão foram traduzidas diretamente da New International Version (NIV). As citações com indicação da versão in loco foram traduzidas diretamente da New Revised Standard Version (NRSV) e da King James Version (KJV) ou extraídas da Nova Versão Internacional (NVI). DIREÇÃO EXECUTIVA Kenneth Lee Davis GERÊNCIA EDITORIAL Fabiano Silveira Medeiros EDIÇÃO DE TEXTO Arthur Wesley Dück REVISÃO DA TRADUÇÃO E PREPARAÇÃO DE TEXTO http://www.vidanova.com.br mailto:vidanova@vidanova.com.br Ingrid Neufeld de Lima REVISÃO DE PROVAS Ubevaldo G. Sampaio GERÊNCIA DE PRODUÇÃO Sérgio Siqueira Moura DIAGRAMAÇÃO Claudia Fatel Lino CAPA Souto Crescimento de Marca Para Doug Loney, pelo seu sacrifício e dom de escrever. Para Al Wolters, por sua influência formativa em nós dois. Para Gordon Wenham, por seu fiel trabalho acadêmico nas Escrituras ao longo de muitos anos. SUMÁRIO Lista de figuras Prefácio Prólogo: A Bíblia como uma grande história Ato 1. Deus estabelece seu reino: Criação Ato 2. Rebelião no reino: Queda Ato 3. O Rei escolhe Israel: redenção iniciada Interlúdio. Um relato do reino aguardando um desfecho: o períodointertestamentário Ato 4. A vinda do Rei: redenção realizada Ato 5. Propagando a notícia do Rei: a missão da igreja Ato 6. A volta do Rei: redenção concluída LISTA DE FIGURAS 1. A raposa e o corvo 2. A raposa e o corvo reconsiderada 3. Percival e Abigail 4. Planta baixa de uma catedral 5. Mitos pagãos versus Gênesis 1 6. Uma compreensão bíblica da humanidade 7. Uma compreensão bíblica da humanidade — os efeitos do pecado 8. Jornadas de Abraão 9. O Êxodo 10. Impérios Hitita e Egípcio, c. 1500 a.C. 11. Peregrinações no deserto 12. Estrutura da aliança 13. Conquista da terra 14. Distribuição da terra entre as doze tribos 15. Ciclos de juízo 16. Impérios de Davi e Salomão 17. Reino dividido 18. Impérios mundiais 19. Impérios Ptolemaico e Selêucida, c. 240 a.C. 20. Palestina na época de Jesus 21. Asno em uma cruz 22. Primeira viagem missionária de Paulo 23. Segunda viagem missionária de Paulo 24. Terceira viagem missionária de Paulo 25. Cumprimento nos Evangelhos 26. Expectativa judaica PREFÁCIO Este livro originou-se do encontro entre Mike Goheen e Craig Bartholomew em Birmingham, Inglaterra, no verão de 2000. Precisando de um livro-texto para a disciplina de teologia bíblica que ensinava, Mike abordou Craig (um versado biblista) e pediu a ele que o escrevesse. Craig propôs que os dois trabalhassem juntos no livro, para mantê-lo cônscio dos estudos bíblicos acadêmicos (ponto forte de Craig), bem como dos estudos missiológicos e de cosmovisão (foco de Mike). É sabido que se você quiser estragar uma amizade, escreva um livro com um amigo! Temos a alegria de informar que tendo chegado ao fim desse projeto ainda somos bons amigos. Na verdade, o projeto foi mutuamente enriquecedor. O drama das Escrituras foi escrito tendo em mente alunos universitários de primeiro ano. Ele foi elaborado como livro-texto para uma disciplina introdutória de teologia bíblica lecionada na Redeemer University College em Ancaster, Ontário, Canadá. Como universidade cristã, a Redeemer está comprometida com um estudo acadêmico claramente cristão moldado pela Bíblia. Queremos que nossos alunos primeiro entendam a verdadeira natureza das Escrituras: elas são a história de Deus, a história verdadeira do mundo. Somente quando são compreendidas peloque são, elas podem se tornar o fundamento para a vida humana, incluindo a vida do acadêmico. Nosso segundo objetivo para os estudantes é que aprendam a articular uma cosmovisão completamente bíblica ao desenvolver as categorias mais abrangentes do enredo da Bíblia: Criação, pecado e redenção. Este livro foi escrito para atingir o primeiro objetivo, ele estabelece a base para o segundo e de modo bastante natural conduz a ele. O drama das Escrituras conta a história bíblica da redenção como uma narrativa unificada e coerente da obra contínua de Deus em seu reino. Depois que Deus criou o mundo e a rebelião humana o desfigurou, ele passou a restaurar o que havia feito: “Deus não deu as costas para um mundo destinado à destruição; voltou-se a ele com amor. Iniciou a longa jornada de redenção para restaurar os perdidos como seu povo e o mundo como seu reino”.1 A Bíblia conta a história da jornada de Deus nesse longo caminho de redenção. É um drama unificado e que se desdobra de modo progressivo a respeito da ação de Deus na história para a salvação do mundo todo. A Bíblia não é uma mera junção aleatória de história, poesia, lições morais e teológicas, promessas confortantes, princípios de orientação e ordens; em vez disso, ela é essencialmente coerente. Todas as partes da Bíblia — cada acontecimento, livro, personagem, ordem, profecia e poema — precisam ser compreendidas no contexto do enredo único.2 Muitos de nós temos lido a Bíblia como se fosse apenas um mosaico de pequenas partes: partes teológicas, partes morais, partes histórico-críticas, partes de sermão, partes devocionais. Mas quando lemos a Bíblia de um modo tão fragmentado, ignoramos a intenção de seu autor divino em moldar nossa vida por meio da história que ela conta. Todas as comunidades humanas existem a partir de alguma história que fornece um contexto para entender o significado da história e que molda e direciona sua vida. Quando permitimos que a Bíblia se torne fragmentada, há o perigo de ela ser absorvida em qualquer outra história que esteja moldando a nossa cultura e ela, assim, deixará de moldar nossa vida como deveria. A idolatria distorceu a história cultural dominante do mundo ocidental. Se como cristãos permitirmos que essa história (e não a Bíblia) seja a base de nosso pensamento e ação, então nossa vida manifestará não as verdades das Escrituras, mas as mentiras de uma cultura idólatra. Logo, a unidade das Escrituras não é uma questão secundária: uma Bíblia fragmentada pode na verdade gerar adoradores de ídolos teologicamente ortodoxos, moralmente íntegros e fervorosamente piedosos! A fim de que nossa vida seja moldada pela história das Escrituras, precisamos entender bem duas coisas: primeiro, a história bíblica é uma unidade convincente da qual podemos depender; segundo, cada um de nós tem lugar nessa história. Este livro é a narração dessa história. Convidamos os leitores a torná-la a sua história, encontrar nela o seu lugar e vivenciá-la como a verdadeira história de nosso mundo. Há três ênfases importantes neste livro. Em primeiro lugar, enfatizamos o escopo abrangente da obra redentora de Deus na Criação. A história bíblica não avança para a destruição do mundo e do nosso próprio “resgate” ao céu. Em vez disso, ela culmina na restauração de toda a Criação à sua virtude original. O escopo abrangente de Criação, pecado e redenção está evidente em toda a história bíblica e é central para uma cosmovisão bíblica fiel. Em segundo lugar, enfatizamos o próprio lugar do cristão na história bíblica. Alguns se referem a quatro perguntas fundamentais em uma cosmovisão bíblica: “Quem sou?”, “Onde estou?”, “O que está errado?”, “Qual é a solução?”. Tom (N. T.) Wright acrescenta uma quinta pergunta importante: “Que horas são?”.3 Com isso, nos pergunta: “Onde nós nos encaixamos nessa história? Como ela molda a nossa vida no presente?”. Como parte de nossa narrativa da grande história da Bíblia, exploraremos as respostas bíblicas a essas cinco perguntas. Em terceiro lugar, ressaltamos a centralidade da missão na história bíblica.4 A Bíblia narra a missão de Deus de restaurar a criação. A missão de Israel decorre disso: Deus escolheu um povo para concretizar novamente os propósitos criacionais que Deus tinha para a humanidade e, assim, ser luz para as nações, e o Antigo Testamento narra a história da resposta de Israel ao seu chamado divino. Jesus entra em cena com a missão de assumir para si próprio a vocação missionária de Israel. Ele encarna o propósito de Deus para a humanidade e conquista a vitória sobre o pecado, abrindo o caminho para um novo mundo. Quando seu ministério terreno termina, ele deixa a sua igreja com o mandato de continuar nessa mesma missão. Em nossa própria época, localizada entre o Pentecostes e a volta de Jesus, nossa tarefa central como povo de Deus é testemunhar acerca do governo de Jesus Cristo sobre toda a vida. Além disso, apropriamo-nos da útil metáfora de Tom Wright, a qual retrata a Bíblia como um drama.5 Mas enquanto Wright fala de cinco atos (Criação, pecado, Israel, Cristo, igreja), nós contamos a história em seis atos. Acrescentamos a vinda da nova criação como elemento final e singular do drama bíblico. Também acrescentamos um prólogo. Esse prólogo trata de modo preliminar do que significa dizer que a vida humana é moldada por uma história. Se você está usando este livro para uma disciplina ou estudo bíblico, você pode acessar recursos em língua inglesa em nosso site www.biblicaltheology.ca que ajudará no uso deste livro: uma ementa da disciplina, slides de PowerPoint, http://www.biblicaltheology.ca um plano de leitura para uma disciplina de treze semanas, leituras complementares e muito mais. Projetos com essa abrangência e tipo, além dos autores, sempre envolvem contribuições de muitas pessoas, e há várias a quem expressamos aqui a nossa gratidão. Em primeiro lugar, agradecemos aos muitos estudantes da Redeemer University College que leram o manuscrito em vários estágios e ofereceram comentários pertinentes, especialmente Elizabeth Buist, Elizabeth Klapwyk, Ian Van Leeuwen e Dylon Nofziger. Apreciamos a ajuda que Dawn Berkelaar forneceu em uma pequena seção do livro. Para os diagramas e desenhos no livro, somos gratos a Ben Goheen pelo talento artístico. Fred Hughes, ex-diretor da School of Theology and Religion na University of Gloucestershire, tem apoiado este projeto desde o início, leu todo o manuscrito de uma versão anterior e ofereceu muitas sugestões úteis. Ele também proporcionou a oportunidade de Mike e Craig trabalharem juntos, convidando Mike como acadêmico visitante no International Centre for Biblical Interpretation da University of Gloucestershire durante o verão de 2002, quando escreveu a maior parte do manuscrito. Também somos gratos pelo apoio da Redeemer University College, que desde o início do projeto ofereceu apoio e assistência de muitos tipos. Estamos endividados para com nossos amigos e colegas Gene Haas e Al Wolters no Religion and Theology Department da Redeemer e Wayne Kobes no Theology Department do Dordt College, Sioux Center, Iowa. Tanto Gene quanto Wayne também lecionam disciplinas de teologia bíblica no primeiro ano do curso e deram sugestões úteis. Al foi um mentor dos dois autores e apreciamos grandemente o seu sábio conselho e incansável apoio. No Reino Unido, Alan Dyer e Mark Birchall sempre apoiaram este projeto e fizeram muitos comentários úteis em suas repetidas leituras do manuscrito. Infelizmente, mais ou menos na época em queentregamos o manuscrito ao editor, Mark partiu para estar com o Senhor. Sentiremos imensamente sua falta. Na África do Sul, Wayne Barkhuizen fez comentários preciosos sobre o manuscrito. Jim Kinney, gerente da Baker Academic, foi muito solícito e encorajador. Ele e alguns de seus colegas leram um esboço inicial e ofereceram crítica e conselho perspicazes que moldaram significativamente o manuscrito final. Sem dúvida alguma, aquele com quem estamos mais em dívida é Doug Loney, nosso colega na Redeemer, deão de artes e humanidades e membro do departamento de língua inglesa. Doug forneceu a este projeto muito tempo e habilidade como escritor, pegando nosso manuscrito em suas duas versões e o transformando no que acreditamos ser um texto empolgante e coerente. Também agradecemos à esposa de Doug, Karey, e à esposa de Mike, Marnie, por sua paciência e apoio. Dedicamos este livro a nossos colegas na Redeemer, Doug Loney e Al Wolters, e a Gordon Wenham da University of Gloucestershire, cujo empenho fiel em estudos do Antigo Testamento durante muitos anos tem sido uma bênção para nós dois. 1 Contemporary Testimony Committee of the Christian Reformed Church, Our world belongs to God: a contemporary testimony (Grand Rapids: CRC, 1987), parágrafo 19. 2 Estamos cientes dos vários argumentos que estudiosos da Bíblia levantaram contra a unidade das Escrituras. Tratamos de algumas dessas preocupações e de várias questões hermenêuticas de modo mais acadêmico em “Story and biblical theology”, in: Craig Bartholomew et al., orgs., Out of Egypt: biblical theology and biblical interpretation (Grand Rapids: Zondervan, 2004). 3 N. T. Wright, Jesus and the victory of God (London: SPCK, 1996), p. 443, 467-72. 4 Para duas boas discussões a respeito de uma ênfase emergente na centralidade da missão para a história bíblica, veja Richard Bauckham, Bible and mission: Christian witness in a postmodern world (Grand Rapids: Baker, 2003); e Christopher Wright, “Mission as a matrix for hermeneutics and biblical theology”, in: Bartholomew, Out of Egypt. 5 N. T. Wright, “How can the Bible be authoritative?”, Vox Evangelica, n. 21 (1991): 7-32; idem, The New Testament and the people of God (London: SPCK, 1992), p. 139-43. PRÓLOGO A Bíblia como uma grande história Observe atentamente esta figura. O que você acha que está acontecendo? Figura 1: A raposa e o corvo Se você tiver uma imaginação fértil, será capaz de inventar alguma história sobre a raposa e o corvo, ou até mais de uma história. Mas todos os leitores criteriosos sabem que, a não ser que se possa situar o evento esboçado nessa figura no contexto de sua história de origem, é difícil para qualquer leitor ter certeza do significado que o autor (ou artista) tem em mente. Agora observe a imagem novamente, com a inclusão de mais informações: Figura 2: A raposa e o corvo reconsiderada Você pode entender o que acontece entre essa raposa e esse corvo somente se tiver algum conhecimento de toda a história que envolve esse episódio. Quando é revelado que há uma fome na floresta e que animais espertos como a raposa usam todos os tipos de estratégias desonestas para conseguir comida, você começa a perceber por que a raposa poderia estar reduzindo o corvo. Primeiro você precisa saber algo sobre o início, o meio e o fim da história. Somente depois disso, poderá entender qualquer um dos episódios dela. Isso não se aplica somente a histórias fictícias com essa, mas também à vida: precisamos de alguma percepção da “grande história” do mundo antes do significado de qualquer acontecimento em nossa vida fazer sentido. Isso nos leva a mais um exemplo, uma história que talvez esteja mais próxima de nossa própria experiência de vida uma fábula sobre raposas sedutoras e corvos fabricados: Figura 3: Percival e Abigail Percival e Abigai estão sentados à mesma mesa durante um encontro após o culto para recém-chegados na igreja. Enquanto tomam café e comem sanduíches, começam a falar sobre várias coisas. Chega um determinado momento em que os outros à sua mesa já haviam saído e alguém intencionalmente remove suas xícaras de café e começa a empilhar cadeiras. Contudo, Percival e Abigail mal notam essas coisas. Cada um está começando a pensar que poderia valer a pena conhecer essa outra pessoa um pouquinho melhor. Assim, eles combinam de se encontrarem novamente, em um café tranquilo, para um doce e, claro, mais café. Mas a verdadeira razão para o encontro ali é que é um lugar muito mais adequado para uma conversa particular do que aquele salão da igreja cheio de pessoas. (Em respeito à privacidade desse jovem casal, decidimos não incluir mais uma ilustração aqui.) Ao retomarem a conversa, Abigail e Percival aos poucos se dão conta de que estão compartilhando detalhes da vida particular de cada um: eles começam a contar as histórias de sua vida. De que ele é o mais novo de quatro e o único menino, extremamente mimado por três irmãs corujas. Que ela nasceu em Nova Deli, enquanto seus pais estavam servindo no consulado e passou seus anos de ensino médio em quatro países diferentes. Aos poucos, eles lançam as linhas gerais do enredo e começam a preencher as lacunas: Percival mal se afastou mais de 300 quilômetros da fazenda da família (embora tenha muita vontade de viajar). Abigail fala quatro idiomas e pode entender mais alguns. Durante a infância, ele passava os feriados com uma multidão de primos na casa de campo de seus avós em Muskoka. Uma vez ela celebrou a virada do ano mergulhando em Mauri Bay (África do Sul). E assim prosseguem, percorrendo as memórias das crenças e medos da infância, primeiro emprego de verão, planos para a formação profissional e expectativas para o futuro. A única resposta apropriada a “Conte-me sobre você” é contar uma história ou uma série de histórias. Ao compartilhar essas narrativas pessoais, passamos a conhecer uns aos outros. Não queremos entender somente o que a outra pessoa é agora, neste momento, mas também como ela veio a ser assim. Quais são as experiências, ideias e pessoas que moldaram sua vida? Suas histórias pessoais fornecem o contexto e explicam muito a respeito de sua vida. Contudo, à medida que continuam a conversa, elas poderiam perguntar: para dar sentido à nossa vida, devemos nos basear apenas em nossas histórias pessoais? Ou há uma história verdadeira que é maior do que nós dois, por meio da qual podemos entender o mundo e encontrar significado para a nossa vida? Será que as nossas histórias pessoais — quer separadas, quer juntas — fazem parte de uma história mais abrangente? A fim de entender nosso mundo, dar sentido à nossa vida e tomar as decisões mais importantes sobre como devemos viver, dependemos de alguma história. Na verdade, entre alguns filósofos, teólogos e estudiosos da Bíblia, há um reconhecimento crescente de que “uma história […] é […] o melhor modo de falar sobre como o mundo realmente é”.1 Assim como é difícil entender a primeira figura sem um enredo, também o é nos detalhes isolados de nossa vida. Percival precisa saber algo sobre o contexto da vida de Abigail a fim de entender o que é importante para ela. Do mesmo modo, precisamos de uma grande história como pano de fundo se quisermos entender a nós mesmos e o mundo em que nos encontramos. Experiências individuais fazem sentido e adquirem significado somente se vistas no contexto ou na estrutura de uma história que acreditamos ser a verdadeira história do mundo: cada episódio das histórias de nossa vida encontra seu lugar ali. Isso não significa que toda história é tão importante quanto qualquer outra. Há uma grande variedade de histórias.Algumas meramente nos entretêm; outras nos ensinam o que é certo e bom ou nos advertem de perigo e do mal. Mas também há histórias que são básicas ou fundacionais: elas nos fornecem uma compreensão de todo o nosso mundo e do nosso lugar nele. Essas histórias abrangentes nos proporcionam o significado da história universal. Elas foram chamadas de “grandes narrativas”, “grandes histórias” ou “metanarrativas”. Cada um de nós (quer estejamos conscientes disso ou não) tem uma. Para estruturar e dar forma e significado à nossa experiência de vida, todos dependemos de uma história em particular. Lesslie Newbigin trabalhou como missionário na Índia durante muitos anos e escreveu extensamente sobre a importância dessas grandes narrativas para entender nossa vida. Ele traça a conexão entre história e compreensão: “O modo de compreendermos a vida humana depende de que concepção temos da história humana. Qual é a história verdadeira da qual a minha vida faz parte?”.2 O filósofo Alasdair MacIntyre concorda, afirmando que nossas decisões que dão rumo à vida são moldadas e reguladas pela nossa percepção de como elas se encaixam nesse contexto maior: “Somente posso responder a pergunta: ‘O que devo fazer?’ se puder responder à pergunta anterior: ‘De que história creio que faço parte?’”.3 Esses dois pensadores presumem corretamente que há mais de uma história básica competindo em nossa cultura por aceitação e por uso para dar sentido atualmente à nossa vida. Qual história uma pessoa vive faz uma enorme diferença em como ela interpreta os acontecimentos na vida. Tomemos o divórcio como exemplo. Até quando o divórcio é necessário e a coisa certa para uma pessoa fazer, cristãos sempre verão o divórcio como muito longe do ideal que Deus tem em mente para um homem e uma mulher unidos no casamento. Logo, ele é uma tragédia. O divórcio não se encaixa na história bíblica de como a nossa vida deve ser vivida uns com os outros e diante de Deus. Mas essa perspectiva é radicalmente diferente da que muitas pessoas possuem em nossa cultura. Uma vez que o individualismo e o consumismo são elementos centrais na história cultural ocidental, muitas vezes o divórcio é apresentado como algo bastante positivo: nenhuma tragédia, antes um passo corajoso de crescimento pessoal. Podemos perceber que essas duas visões de divórcio não procedem de uma discordância trivial. Suas raízes vão ao fundamento das respectivas histórias que deram às diferentes visões a sua forma e essência. Enquanto Newbigin vivia e trabalhava entre os hindus e muçulmanos da Índia, ele se debatia com o significado das histórias fundamentais compartilhadas nessas culturas e como essas histórias poderiam se relacionar ao cristianismo. E, de modo parecido, quando se aposentou e voltou à Inglaterra, Newbigin se esforçou sinceramente para compreender justamente qual história de vida estava refletida em sua própria cultura (ocidental e europeia) e como ela também poderia se relacionar à outra história abrangente com a qual estava comprometido: a Bíblia. O que ele passou a perceber é que a história básica pressuposta em grande parte da cultura ocidental moderna é humanista e tem suas raízes no Iluminismo europeu dos séculos 17 e 18. A crença de que a razão humana é a medida de todas as coisas e de que “conhecimento é poder”4 permeava a sociedade europeia. As pessoas acreditavam que somente por meio da ciência e da tecnologia, e totalmente à parte de Deus, a humanidade poderia construir um mundo perfeito. Newbigin sustenta categoricamente que essa história abrangente é inútil e falsa. Visto que ela se tornou o fundamento para a vida humana, ela também é perigosa. Ela é uma história falsa, em absoluta contradição com a verdade da história bíblica. Desde o Iluminismo, o pensamento e a vida humanos no mundo ocidental têm se adequado a essa falsa visão, muitas vezes produzindo efeitos desastrosos. Mas como Alasdair MacIntyre insiste que reconheçamos, temos sim uma escolha. A cosmovisão ocidental moderna não é a única grande história desse tipo que está disponível. Há um outro modo melhor e mais verdadeiro de ver o nosso mundo. Ser humano significa adotar alguma história básica desse tipo por meio da qual entendemos nosso mundo e traçamos nosso caminho nele. Isso não significa que indivíduos estão necessariamente conscientes da história em que se baseia a vida deles ou do efeito moldador que uma história desse tipo tem tido sobre seus pensamentos e ações.5 Por exemplo, muitos estudantes de faculdade e universidade de nossa época estão levando uma vida sexualmente promíscua. Eles podem viver assim sem pensar muito sobre por que fazem isso. Logo, é muito pouco provável que chegarão a ver que a história em que essa conduta é aprovada se deve em grande parte a Jean-Jacques Rousseau, Sigmund Freud e outros pensadores desse tipo de séculos passados. Suas visões do casamento e da pessoa humana subjazem as mudanças de atitude em relação à sexualidade que ocorreu na década de 1960 e daí em diante.6 Todos têm uma história básica. Como devemos relacionar a história bíblica e a história humanista da cultura ocidental? Em suas diferentes versões, a história ocidental moderna tem sido tão dominante e asseverado tão fortemente seu direito de ser a história que muitas vezes se pressupõe que devemos usá-la para entender a grande narrativa das Escrituras. Mas o cristianismo bíblico afirma que somente a Bíblia conta a verdadeira história de nosso mundo. Newbigin identifica corretamente quanto está em jogo aqui: “A pergunta é se a fé que encontra o seu foco em Jesus é a fé com a qual buscamos entender toda a história ou se limitamos essa fé a um mundo particular de religião e entregamos a história pública do mundo a outros princípios de explicação”.7 Será que de fato faz uma diferença se usamos a história ocidental moderna como base para entender a história bíblica ou se tentamos entender a história ocidental a partir da história bíblica? Faz uma profunda diferença! Construção alguma pode ter mais de um fundamento. Não podemos ter mais de uma história fundamental como base do que pensamos e de como agimos. Uma vez que você torna uma história parte de outra, a natureza da primeira como “básica” é destruída. O ponto fundamental de uma história básica ou dessas grandes narrativas é dar sentido à vida como um todo e essas grandes narrativas não podem ser misturadas facilmente umas com as outras. Histórias básicas são, em princípio, normativas — elas definem pontos de partida, modos de ver o que é verdade — e elas são abrangentes, uma vez que fornecem um relato do todo.8 Como N. T. Wright afirma: “O ponto fundamental do cristianismo é que ele oferece uma história que é a história de todo o mundo. Ele é verdade pública”.9 Pense, por exemplo, sobre a pergunta a respeito do que significa ser humano. Essa é uma questão realmente importante, de que todas as histórias tratam. No século 21, muitos de nós lidam com questões a respeito de quem somos e há muito em jogo em chegar à resposta correta. Repetidamente ouvimos uma resposta a essa pergunta de muitas direções diferentes e em muitas vozes: “Você não é nada mais do que um produto aleatório do tempo e do acaso”. Mas essa resposta provém de uma história que nega a própria existência de Deus. A resposta da história bíblica é completa e radicalmente diferente, como veremos. Da Bíblia aprendemos que somos obra de Deus e o ápice de sua criação, sendo feitos à sua imagem. À medida que buscamos a verdade acerca de quem somos, precisamos decidir qualdessas histórias básicas é verdadeira. Claramente as duas não podem ser verdadeiras. Elas fornecem respostas verdadeiramente diferentes às perguntas mais importantes que temos e precisamos escolher uma delas. Acreditamos que N. T. Wright está correto em afirmar que a Bíblia apresenta uma história que é a verdadeira história de todo o mundo. Portanto, a fé em Jesus deve ser o meio pelo qual um cristão tenta entender toda a vida e a totalidade da história. A razão disso não é somente pelo fato de que a história bíblica é abrangente ou por ser a história que herdamos ou ainda por ser a história que funciona para nós. Precisamos levar a história cristã a sério desse modo por que é verdade e nos conta de modo verdadeiro a história de toda a história, começando com a Criação e terminando com a Nova Criação. É assim que o mundo é e os cristãos precisam assegurar que a história da Bíblia é a base de sua vida. Mas o que exatamente é a história bíblica e como é que a compreendemos? Há várias maneiras de deparar-se com a história cristã. A liturgia eclesiástica (quer do tipo carismático livre ou do tipo mais tradicional) nos lembra constantemente da história que deve moldar a nossa vida. Hinos e canções de louvor a celebram. Os credos a recitam quando confessamos nossa fé em Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Sermões explicam sua importância para nossa vida semanalmente. Mas a fonte imbuída de autoridade para a história cristã é a própria Bíblia. O cristianismo ortodoxo sempre afirmou que as Escrituras são a norma para a fé e para a vida, a grande regra e fonte de orientação. Todas as grandes confissões cristãs certamente dizem isso. No entanto os cristãos nem sempre concordam sobre como as Escrituras funcionam para dirigir a fé e a vida. Às vezes, os cristãos trataram a Bíblia como se fosse uma lista sistemática de proposições como as Confissões de Westminster ou Belga. Mas, embora a Bíblia seja a fonte suprema desses importantes documentos, ela claramente não está escrita do mesmo modo, como uma série de verdades proposicionais, e nem possui o mesmo propósito. No decorrer das últimas décadas, um dos desenvolvimentos mais empolgantes nos estudos acadêmicos da Bíblia tem sido o reconhecimento crescente entre alguns estudiosos de que a Bíblia tem a forma de uma história, de que é “uma narrativa imensa, heterogênea e abrangente”.10 Ela funciona como a Palavra de Deus imbuída de autoridade para nós quando se torna a única história básica por meio da qual entendemos nossa própria experiência e pensamento e o fundamento sobre o qual baseamos as nossas decisões e ações. Em outras palavras, a Bíblia nos fornece a história básica de que precisamos a fim de entender o nosso mundo e viver nele como povo de Deus. Sabemos que uma coisa é confessar a Bíblia como a Palavra de Deus, mas muitas vezes outra bem diferente é saber como interpretar a Bíblia de um modo que permita que ela influencie a totalidade de nossa vida. Facilmente pode haver uma lacuna entre o que dizemos crer e como vivemos. Se Deus deliberadamente nos deu a Bíblia na forma de uma história, então somente à medida que prestarmos atenção nela como história e nos apropriarmos ativamente dela como a nossa história sentiremos o pleno impacto de sua autoridade e iluminação em nossa vida. Há, desse modo, muito em jogo em como entendemos que a Bíblia está falando a nós. Se a vermos como uma única história se desenrolando, ela pode ser tremendamente empolgante. Essa história nos convida — nos compele — a nos envolver. Pense novamente em Abigail e Percival, dois jovens que contam um ao outro suas narrativas pessoais para averiguar se poderia haver lugar para cada um deles na história de vida do outro. Se tudo der certo para esses dois, eles descobrirão uma história maior e mais básica. Suas vidas como indivíduos adquirirão novo significado como partes de uma vida inteira que vivem juntos na história de Deus. À medida que nos aprofundarmos na história da Bíblia, Deus será revelado a nós. Também nos veremos chamados a fazer parte na missão de Deus e de seus propósitos com a criação. Neste livro, nosso propósito é analisar a Bíblia atentamente como uma história que se desenrola e ver o que uma interpretação desse tipo produz. Afinal, a Bíblia afirma não ser nada menos que a própria história verdadeira de Deus acerca de nosso mundo e nos chama a nos apropriarmos pessoalmente dessa história. A Bíblia é o desdobramento de uma única história? Talvez você tenha ouvido a antiga fábula hindu em que seis homens cegos encontram um elefante pela primeira vez. Cada um por sua vez o descreve de modo distinto aos outros: o animal é como um muro, uma cobra, uma lança, um ventilador, uma corda ou uma árvore. Embora haja um só elefante, cada homem tem uma percepção completamente diferente, dependendo se, ao aproximar-se do animal, tocou o seu lado, a tromba, a presa de marfim, a orelha, o rabo ou a pata. A história nos lembra que muitas vezes é difícil ter certeza de que nossa experiência isolada nos forneceu o retrato completo de algo complexo. Tentar compreender a perspectiva e forma gerais da Bíblia pode ser semelhante a isso. Dependendo de onde primeiro tocamos as Escrituras, pode não ficar imediatamente claro que elas como um todo têm a forma de uma história. Assim, o leitor que abre o Novo Testamento em 1Coríntios se vê lendo uma carta de um missionário a uma igreja nova com problemas e se perguntando: como é que isso faz parte da grande história? Ou considere a poesia de Salmos ou as imagens fantásticas de Apocalipse: como e onde elas se encaixam na grande história? Pode ser útil pensar na Bíblia — sendo um livro tão extenso e variado quanto obviamente é — não como se fosse um elefante, mas algo ainda maior: como um prédio enorme, uma catedralmercado. Se você alguma vez visitou uma dessas igrejas magníficas, como a Catedral Nacional de Washington (D.C.), a de Notre-Dame, em Montreal (ou sua ainda mais famosa irmã mais velha em Paris), ou a de St. Paul, em Londres, sabe que pode passar dias explorando cada uma delas. Há muitos ângulos diferentes a partir dos quais se pode analisar uma catedral. Dentro dela há muitas capelas secundárias e principais para explorar, repletas de vitrais, pinturas, esculturas e outros tesouros. O que inicialmente parece ser um enorme espaço único, na verdade é constituído de inúmeras salas e corredores, torres e galerias, escadarias e passagens secretas. E isso é somente o que as pessoas veem. Se obtiver permissão do deão, o diretor da catedral, para explorar a grande igreja como um todo, descobrirá maneiras bem variadas, além das tradicionais, de entrar e sair do prédio e muitos pontos de observação diferentes a partir dos quais é possível vê- lo. Figura 4: Planta baixa de uma catedral Imagine a Bíblia com os seus sessenta e seis livros, escritos por dezenas de autores humanos ao longo de mais de mil anos, como uma grande catedral com muitas salas e andares e uma variedade de entradas. Você pode, por exemplo, entrar na Bíblia por meio de um dos Evangelhos. De fato, muitas pessoas são encorajadas a começar lendo a Bíblia com o Evangelho de Marcos ou o Evangelho de João. Muitos cristãos começam a explorar o Antigo Testamento relativamente tarde em sua jornada de fé. Poucos se veem atraídos repetidas vezes às genealogias no início de Crônicas ou às longas listas de leis alimentares em Levítico. Se quisermos obter uma percepção da catedral como um todo, precisamos responder a uma pergunta importante: qual é a entrada principal, o lugar a partir do qual podemos nos orientar para o todo?Uma catedral tradicional normalmente tem uma entrada principal pela porta ocidental, da qual podemos observar a longa nave que chega até o fim do prédio, na parte oriental, onde se encontra o altar. No Ocidente, essas igrejas sempre foram construídas com o altar voltado para o Oriente, para Jerusalém (o que originou a palavra “orientado”, agora também significando de modo mais geral “fornecer um senso de direção”). A “catedral” da Bíblia tem muitos temas. Já se propuseram vários temas abrangentes da Bíblia e eles são portas diferentes a partir das quais podemos obter uma perspectiva sobre toda a impressionante revelação de Deus. Em nossa opinião, “aliança” (no Antigo Testamento) e “o reino de Deus” (no Novo Testamento) apresentam uma forte reivindicação de ser a porta principal pela qual podemos começar a entrar na Bíblia e a e enxergá-la como uma grande e ampla estrutura. No Antigo Testamento, Deus estabelece uma aliança com Noé, Abraão, Israel e o rei Davi; em Jeremias, Deus fala sobre uma nova aliança que fará no futuro. Nos Evangelhos, está claro que o tema principal no amplo ministério de ensino de Jesus é o reino de Deus. Marcos (1.14,15) assim resume o ministério de Jesus: “Depois que João foi colocado na prisão, Jesus foi para a Galileia, pregando as boas-novas de Deus. O tempo chegou, ele afirmou. O reino de Deus está próximo. Arrependam-se e creiam nas boas-novas!”. Considerar a aliança e o reino como entrada principal à Bíblia não significa negar que há outras entradas. Leitores têm sugerido muitas outras entradas como as melhores para obter uma visão do todo: entradas como “promessa” e “presença”. Todas elas são úteis, mas são um pouco como capelas secundárias ou entradas laterais e não a entrada principal. Certamente temos um vislumbre da catedral a partir delas, mas não obtemos a mesma visão geral do todo que obtemos a partir de aliança e reino. Você pode perguntar: aliança e reino são a mesma entrada ou duas diferentes? Essa é uma pergunta importante. O reino de Deus, como explicamos abaixo, diz respeito ao governo de Deus sobre o seu povo e por fim sobre toda a criação. A aliança se refere especificamente ao relacionamento especial que Deus estabelece com seu povo à medida que realiza seus planos na história. Na verdade, alianças eram relacionamentos que reis estabeleciam com os povos sujeitos a eles. Quando o povo de Deus entra em um relacionamento de aliança com ele, tem a obrigação de ser seu povo subordinado e viver sob seu governo. Como logo veremos, a aliança também insiste em que levemos a sério os propósitos divinos para com toda a criação. Assim, aliança e reino são como dois lados da mesma moeda, evocando a mesma realidade de modos ligeiramente diferentes. Depois de todo o nosso estudo, constatamos que reino e aliança são a porta dupla da mesma entrada principal à catedral bíblica, evocando a mesma realidade. É por isso que usamos “reino” para estruturar este livro. As duas coisas nos alertam sobre Deus como o grande Rei sobre tudo, que quer ter um povo vivendo sob o seu reinado e espalhando a fragrância de sua presença por toda a sua criação. Ambas também nos alertam sobre o fato de que esse sempre foi o plano de Deus desde o início, mas que as coisas deram muito errado. Agora Deus está realizando trabalho corretivo para restaurar seu projeto e exercer suas intenções originais e permanentes. Nas alianças do Antigo Testamento, o foco é restrito a Israel e, mesmo assim, sempre para que Israel seja luz para as nações. No Novo Testamento, “o reino de Deus” claramente tem em vista todas as nações e toda a criação. De qualquer modo, quando entramos na Bíblia por essa porta dupla, aliança e reino nos alertam sobre a importância do enredo da Bíblia. Este inicia com a criação e prossegue a partir desse ponto. Essa entrada nos fornece a perspectiva correta para compreender o que Deus está fazendo e o que está dizendo para nós hoje. Podemos não começar lendo a Bíblia em Gênesis e talvez nunca gastemos muito tempo nas genealogias de Crônicas e nas leis de Levítico e Números. Mas se entramos na Bíblia pela aliança e pelo reino, logo nos descobrimos fazendo perguntas como estas: • Como a aliança de Deus com Abraão se relaciona com os seus propósitos para toda a sua criação? • Se Jesus é o nosso Rei, o que dizer sobre o restante da criação? • Se este é o mundo de Deus, o que deu errado com ele? Como é que Deus perdeu o controle sobre ele? • Como a igreja se encaixa nos propósitos do reino de Deus para toda a criação? O único modo de responder a essas perguntas é voltar ao início da Bíblia e ler a história à medida que ela se desenrola em seus vários atos, começando com “No princípio…”. E isso é o que faremos neste livro. Portanto, sim, contanto que não entendamos a questão de uma maneira simplista, a Bíblia certamente é uma única história que se desenrola. E neste livro contaremos essa história. O drama bíblico No segundo século d.C., o dramaturgo Terêncio começou a escrever peças em cinco “atos” distintos para espetáculos em teatros romanos. Desde então, a tradição ocidental de narrativa dramática veio a reconhecer essa estrutura de cinco atos como especialmente adequada ao desenvolvimento meticuloso de uma história longa e importante. Os cinco atos são geralmente organizados deste modo: (1) O primeiro ato nos fornece informação contextual essencial, apresenta os personagens importantes e estabelece a situação estável que será interrompida pelos acontecimentos que estão prestes a se desenrolar. (2) A primeira ação começa, geralmente com a introdução de um conflito significativo. O meio da peça (3) é a parte em que a ação principal do drama ocorre. Aqui o conflito inicial se intensifica e se torna cada vez mais complicado até (4) o clímax, ou o ponto de maior tensão, após o qual o conflito precisa ser resolvido, de um modo ou de outro. Após o clímax vem (5) a resolução, em que as implicações do ato do clímax são elaboradas para todos os personagens do drama e a estabilidade é restaurada. Essa é a estrutura que Wright tem em mente quando descreve a história bíblica como uma peça de cinco atos, da qual uma grande parte do quinto ato está faltando.11 Os atores (nós) precisam improvisar uma segunda cena adequada no ato 5, preparando para a conclusão que Deus revelou, para a qual a nossa peça precisa se dirigir.12 A aplicação de Wright da estrutura de cinco atos do drama à história dramática da Bíblia é muito útil e é por isso que adotamos (em sua maior parte) essa estrutura para a nossa própria versão da história bíblica. O ato 1, que você está prestes a ler, fornece informação essencial sobre Deus, sobre a humanidade e a respeito do mundo. Descreve uma situação estável, uma criação muito boa. Os atores humanos iniciam o seu trabalho no jardim e a história começa. No ato 2, o conflito é introduzido ao depararmos com um inimigo misterioso do plano de Deus. Aqui o problema fundamental em nosso mundo tem sua origem. No ato 3, o conflito (entre o pecado humano e os bons propósitos de Deus para a criação) se intensifica e complicações aparecem. O ato 4 é a narrativa de como a história das condutas graciosas de Deus com suas criaturas rebeldes chega a um clímax na morte e na ressurreição de Jesus Cristo. No ato 5, vemos as implicações do grande ato de redenção de Cristo terem efeito nas vidas de sua comunidade. E é aqui que, neste livro, nos afastamos da tradição de cinco atos (e do modelo de Wright). Está claro que a história bíblica não termina simplesmente na conclusão do quinto ato. O desdobramento do ato 5 também não é caracterizado por uma resolução fácil. Embora a resolução tenha ocorrido em Cristo, o conflito continua ena verdade se intensifica. O propósito de Deus é nada menos que reconciliar toda a criação consigo, um propósito realizado de uma vez por todas na morte e na ressurreição de seu Filho cerca de dois mil anos atrás. Temos a própria promessa tremenda de Deus de que o seu grande propósito para sua criação é contínuo e ainda não terminou em nosso mundo. Há muito mais por vir na história de Deus. Ele preparou mais um ato, que ainda será revelado, um ato diferente de qualquer coisa que vimos ou imaginamos até aqui e sobre o qual a cortina da história nunca se fechará. Assim, incluímos esse ato 6 em nossa narrativa da história bíblica. Usando o reino de Deus como o nosso tema abrangente e a estrutura de seis atos, identificamos os seguintes atos principais no drama bíblico: Ato 1: Deus estabelece o seu reino: Criação Ato 2: Rebelião no reino: Queda Ato 3: O Rei escolhe Israel: a redenção é iniciada Cena 1: Um povo para o Rei Cena 2: Uma terra para seu povo Interlúdio: Um relato do reino aguardando um desfecho: o períodointertestamentário Ato 4: A vinda do Rei: redenção realizada Ato 5: Propagando a notícia do Rei: a missão da igreja Cena 1: De Jerusalém até Roma Cena 2: E a todo o mundo Ato 6: A volta do Rei: redenção concluída 1 N. T. Wright, The New Testament and the people of God (London: SPCK, 1992), p. 40, grifo dos autores. 2 Lesslie Newbigin, The gospel in a pluralistic society (Grand Rapids: Eerdmans, 1989), p. 15 [edição em português: O evangelho em uma sociedade pluralista, tradução de Valéria Lamim Delgado Fernandes (Viçosa: Ultimato, 2016)]. 3 Alasdair MacIntyre, After virtue (Notre Dame: University of Notre Dame Press, 1981), p. 216 [edição em português: Depois da virtude, tradução de Jussara Simões (São Paulo: EDUSC, 2001)]. 4 Scientia potestas est. A expressão vem de Francis Bacon (1561-1626). 5 Fazemos uma distinção entre ter uma história que molda nossa vida e articular essa história. 6 Se uma história básica é similar a uma cosmovisão, então é intrigante ver que James Sire sugere que um ministério cristão pode servir para ajudar pessoas a se tornarem conscientes de sua cosmovisão, a chamar a atenção para o que está presente, mas do que elas podem não estar conscientes (The universe next door: a basic worldview catalog, 3. ed. [Downers Grove: InterVarsity, 1997]) [edição em português: O universo ao lado: um catálogo básico sobre cosmovisão, tradução de José Fernando Cristófalo (São Paulo: Hagnos, 2009)]. Nick Pollard, um evangelista inglês que trabalha com estudantes do ensino médio e da universidade, conta uma história encantadora relacionada a isso. A abordagem evangelística de Nick tem em vista ajudar estudantes a ficar conscientes de sua história básica ou de sua cosmovisão, de modo que possam perceber como isso se relaciona ao cristianismo. Nick relata a respeito de um jovem que vai para casa empolgado em contar à sua mãe que havia descoberto que é um hedonista epicureu! 7 Lesslie Newbigin, Foolishness to the Greeks: the gospel and Western culture (Grand Rapids: Eerdmans, 1986), p. 61. 8 “A Palavra de Deus […] é uma história ampla, que alcança e engloba tudo: uma meta-história” (Eugene Peterson, “Living into God’s story”). Esse artigo orginalmente apareceu no site “The ooze: conversation for a journey” (www.theooze.com). O artigo está disponível em: https://secure.electricurrent.com/freshresource/articles/index.cfm? task=detail&ID=1081&bSHOW=no&navResources=2. 9 N. T. Wright, The New Testament and the people of God, p. 41-2. 10 Peterson, “Living into God’s story”. 11 A analogia de Wright de uma peça de cinco atos é analisada em mais detalhes nas páginas 238 e 239. 12 N. T. Wright, “How can the Bible be authoritative?”, Vox Evangelica, n. 21 (1991): 7-32; idem, The New Testament and the people of God, p. 139-43. Alteramos ligeiramente a ilustração, sugerindo seis atos e não cinco. Deus estabelece seu reino http://www.theooze.com https://www.secure.electricurrent.com/freshresource/articles/index.cfm?task=detail&ID=1081&bSHOW=no&navResources=2 Criação Os primeiros cinco livros da Bíblia são conhecidos como Torá ou Lei de Moisés. Embora isso não signifique necessariamente que Moisés escreveu todas as palavras, a maioria delas veio por meio dele e certamente ele é a figura central na história que contam. O livro, Êxodo, narra o nascimento de Moisés e sua ascensão como o líder por meio de quem Deus opera para tirar os israelitas do Egito. Depois, Moisés está em quase todos os capítulos até o fim de Deuteronômio. Mas isso reflete somente quatro dos cinco primeiros livros. De onde veio o primeiro livro e por que está incluído como parte da Lei de Moisés ao contar uma história que aconteceu muito antes do próprio Moisés ter nascido? Quem é o “SENHOR Deus”? Provavelmente não tem muita importância para você que “Michael” é um nome hebraico que significa “(Aquele) que é como Deus” ou que “Craig” é um nome gaélico que significa “um afloramento rochoso”. Embora em nossa cultura nomes sejam importantes, não é comum atribuirmos significado especial a eles. Entretanto no mundo do Antigo Testamento que estamos nos preparando para visitar no ato 1, o significado de nomes muitas vezes tem grande importância. E não há nomes mais importantes do que aqueles que identificam a Deus em Gênesis e nos outros livros do Antigo Testamento. Em Gênesis 1, a palavra hebraica Elohim (traduzida simplesmente por “Deus” nas versões bíblicas em português) é o nome comum para Deus, usado em todo o antigo Oriente Próximo. E a Bíblia afirma que “Deus” traz toda a criação à existência a partir do nada. Mas em Gênesis 2.4 outro nome começa a ser usado. “Deus” é agora chamado de “o SENHOR Deus” (Yahweh Elohim). Esse é um modo extremamente incomum de se referir a Deus e tem o objetivo de revelar algumas coisas importantes sobre quem ele é. Duas passagens fundamentais no Antigo Testamento (Êx 3; 6.1-12) lançam luz sobre o misterioso nome Yahweh1 (ou Jeová, em algumas versões mais antigas da Bíblia).2 Esses textos relatam a forma de Deus se revelar a Moisés como Yahweh ao chamá-lo para tirar o povo de Israel da escravidão no Egito. O nome Yahweh é o título que Deus escolhe para identificar a si mesmo como o Redentor divino, o Deus que resgata seu povo da escravidão e se encontra com ele no monte Sinai (Êx 19.4). Quando os nomes Yahweh (SENHOR) e Elohim (Deus) são unidos conforme Gênesis 2.4, a implicação pujante é de que o mesmo Deus que resgata Israel da escravidão é o Deus que criou todas as coisas, o Criador do céu e da terra.3 “Yahweh, o Deus dos hebreus, é também o Deus de toda a terra sobre a qual seu senhorio brilha por meio do granizo e do trovão”.4 Os israelitas primeiro passam a conhecer a Deus (por meio de Moisés) como seu Redentor; somente mais tarde tomam conhecimento do seu papel como o Criador. E isso não é muito diferente para nós, ainda que estejamos muito mais adiante na história bíblica. Quando passamos a conhecer a Deus por meio da obra salvífica de seu Filho, Jesus, o encontramos primeiro como nosso Salvador e Redentor, todavia Deus continua sendo o Criador de tudo o que era ou é ou será: ele é o único SENHOR Deus eterno, Yahweh Elohim. Portanto, no instante em que começamos a testemunhar acerca de nossa fé e contar a história cristã (e não somente a nossa história pessoal), somos inevitavelmente levados de volta ao início de tudo: à própria Criação. “No princípio, Deus…”. Uma fé para Israel A primeira cena de qualquer história merece nossa atenção e a primeira cena da história bíblica não é exceção. Os primeiros capítulos de Gênesis, que contam a história da criação,foram escritos para os israelitas há muito tempo em uma cultura bastante diferente da nossa. Embora alguns aspectos das histórias da criação em Gênesis 1 e 2 possam nos parecer estranhos, precisamos lembrar que faziam sentido para o povo de Israel quando as ouviu pela primeira vez. A razão disso é que o autor está usando imagens e conceitos familiares aos seus próprios ouvintes. Quando lemos os primeiros capítulos de Gênesis considerando o contexto do mundo antigo em que foram escritos, começamos a perceber o poder da mensagem que essa história almeja comunicar. Vários estudiosos mostraram um forte aspecto de disputa ou argumentativo em Gênesis 1 e 2. O antigo Oriente Próximo tinha muitos relatos rivais de como o mundo surgiu. Essas histórias eram comuns no Egito quando Israel estava cativo e em Canaã quando Israel começou a conquistá-la como sua terra. Teria sido extremamente fácil para os israelitas adotarem as histórias daqueles que viviam na terra antes deles ou ao lado deles e que (afinal de contas) supostamente conheciam a terra muito melhor do que eles mesmos. Muitos dos deuses adorados pelos cananeus estavam fortemente associados à fertilidade da terra. Os recém-chegados, tendo dificuldades para aprender a cultivar a terra, ficariam tentados a pedir ajuda a esses “deuses” e não ao SENHOR Deus. Temos muita informação sobre o tipo de histórias da criação que circulavam no mundo antigo. É fascinante ver como a história contada em Gênesis 1 e 2 contradiz deliberadamente alguns componentes importantes delas. Por exemplo, observe como Gênesis 1.16 descreve o sol e a lua. O texto não se refere ao sol pelo seu nome hebraico usual, mas em vez disso meramente como “o luminar maior”, que Deus criou para o dia. De modo similar, ele chama a lua de “o luminar menor”. Por quê? Provavelmente porque o sol e a lua eram adorados como deuses com tanta frequência pelas pessoas entre as quais os israelitas agora viviam. Na história de Gênesis, os leitores não podem confundir o sol como uma divindade a ser adorada. As Escrituras claramente descrevem o sol como algo criado, um objeto colocado nos céus com o simples propósito prático de prover luz. Assim, toda a atenção está dirigida àquele que criou essa luz maravilhosa, aquele cujo poder é tão imenso que ele pode simplesmente dizer uma palavra e todo um universo passa a existir. Nenhuma simples “luz” nos céus merece ser reverenciada. Somente Deus é divino; somente ele deve ser adorado. Embora toda a criação seja “muito boa” (Gn 1.31), ela é assim porque aquele que a criou é infinitamente superior a qualquer coisa que criou. E esse Criador transcendente não é como os deuses caprichosos descritos na história da criação babilônica (o Enuma Elish), que criam a humanidade meramente para atuar como servos dos deuses, estar à sua disposição e mantê- los contentes. Em Gênesis, o Deus que criou o mundo coloca homens e mulheres nele como o ápice do que trouxe à existência. A própria criação é descrita como um lar maravilhoso preparado para a humanidade, um lugar em que ela pode viver, prosperar e desfrutar da presença e companhia íntimas do próprio Criador. Que tipo de literatura é Gênesis 1? As histórias da criação de Gênesis são, desse modo, argumentativas. Elas afirmam contar a verdade sobre o mundo, contradizendo completamente outras histórias desse tipo, comuns no mundo antigo. Israel era constantemente tentado a adotar essas outras histórias como base para sua cosmovisão, em lugar da fé no SENHOR Deus, que criou os céus e a terra. No entanto, a narrativa da criação de Gênesis é mais do que uma disputa. Ela também visa a nos ensinar de modo positivo o que a fé em Deus significa para a maneira de pensar o mundo que ele criou e de como viver nele. Ela faz isso na forma de história. E é precisamente a essa forma de história que precisamos estar atentos para não interpretá-la equivocadamente. Para entender a história da criação de Gênesis, precisamos antes entender algo sobre o tipo de composição literária que ela é. Os próprios estudiosos têm dificuldade em descrevê-la. Von Rad a vê como “doutrina sacerdotal” tão rica em significado que “não se pode exagerar facilmente sua interpretação teológica”.5 Blocher vê o relato da criação como um exemplo de literatura de sabedoria cuidadosamente elaborada.6 Mas o que os estudiosos concordam é que a história contada nos primeiros capítulos de Gênesis foi redigida de modo muito cuidadoso: a evidência de habilidade na narração é clara. Logo, precisamos nos concentrar tanto no modo com que a história é contada quanto nos próprios detalhes e ponderar se esses detalhes devem ou não ser interpretados conforme um historiador ou cientista contemporâneo os interpretaria. De fato, essa é uma pergunta difícil: a história contada aqui é da inauguração misteriosa da própria história. Mas as linhas gerais da história de Gênesis estão certamente tão claras para nós quanto estavam para aqueles que primeiro a ouviram. Deus é a fonte divina de tudo que existe. Ele está separado de todas as outras coisas na relação especial de Criador para com a criação. A formação da humanidade realizada por Deus tinha a intenção de ser o ápice de todo esse trabalho de criar e formar. E Deus tinha em mente um relacionamento muito especial entre ele próprio e essas que foram criadas por último dentre todas as suas criaturas. Nestes capítulos, a história da criação nos é contada, mas não para satisfazer a nossa curiosidade do século 21 quanto aos detalhes de como Deus criou o mundo. Por exemplo, indagamos se Deus criou durante um longo período de tempo ou fez com que tudo que criou surgisse instantaneamente. Contudo, a história de Gênesis é fornecida para que possamos ter uma compreensão verdadeira do mundo em que vivemos, de seu autor divino e de nosso próprio lugar nele. Como John Stek corretamente declara sobre os relatos em Gênesis: A intenção […] de Moisés era proclamar o conhecimento do verdadeiro Deus, como ele revelou a si mesmo em suas obras de criação, proclamar um entendimento correto da humanidade, do mundo e da história que o conhecimento do verdadeiro Deus acarreta e proclamar a verdade a respeito dessas questões em face das noções de falsas religiões que eram predominantes em todo o mundo de sua época.7 Contra noções religiosas pagãs que predominavam no Egito e em Canaã, Gênesis 1 proclama a verdade sobre Deus, sobre a humanidade e sobre o mundo. Quando contrastado com os mitos do antigo Oriente Próximo, a descrição de Deus, da humanidade e do mundo torna-se clara. Esse ato introdutório nos apresenta os atores principais na peça — Deus e a humanidade — e o mundo no qual a história bíblica se desenrola. Mitos pagãos Gênesis 1 deuses Deus humanidade humanidade mundo mundo Figura 5: Mitos pagãos versus Gênesis 1 O Deus que traz à existência todas as coisas Ler o primeiro capítulo de Gênesis é em parte similar ao que poderia acontecer com você em uma exposição de arte realmente significativa. Imagine que você está sentado tranquilamente, estupefato com a beleza e o poder das magníficas pinturas. Então alguém se aproxima de você e diz: “Gostaria de conhecer o artista?”. Gênesis 1 é uma apresentação do Artista. E que apresentação! As primeiras três palavras da Bíblia hebraica podem ser traduzidas: (1) “no princípio”, (2) “[ele] criou”, (3) “Deus” (sujeito da ação). Por meio de três palavras hebraicas curtas somos transportados de volta à origem de tudo, à Fonte misteriosa e pessoal de tudo o que existe: o Deus eterno e incriado. Esse Deus, sem início e sem fim, meramente profere uma palavra de ordem a fim de trazer à existência todoo restante que existe. A ideia de criação pela palavra preserva antes de tudo a distinção mais radical entre Criador e criatura. A criação nem mesmo remotamente pode ser considerada uma emanação de Deus. Ela não é de algum modo um transbordar de seu ser, sua natureza divina. Em vez disso, é um produto de sua vontade pessoal. A única continuidade entre Deus e sua obra é a sua palavra. Gênesis 1 nos apresenta Deus como a pessoa infinita, eterna e incriada que pelas suas ações criativas traz toda a criação à existência. Os “céus e a terra” (Gn 1.1) se referem à totalidade da criação. Luz e escuridão, dia e noite, mar, céu e terra, plantas, animais e a humanidade — tudo isso vem desse Deus, de sua atividade criadora poderosa e boa. Von Rad afirma: “A ideia de criação pela palavra expressa o conhecimento de que o mundo inteiro pertence a Deus”.8 Isso é de fato um dos aspectos pelos quais a lógica mal consegue vadear, ao passo que a fé consegue nadar. “O lugar onde a Bíblia começa é onde as nossas mais fervorosas ondas de pensamento se quebram, são jogadas de volta sobre si mesmas e perdem sua força em gotas e espuma.”9 No livro de Apocalipse, uma das razões mais fortes para a adoração contínua de Deus é sua obra na criação: Tu és digno, nosso Senhor e Deus de receber glória, honra e poder, porque tu criaste todas as coisas e por tua vontade elas foram criadas e têm a sua existência (Ap 4.11). Esse hino de louvor no último livro da Bíblia ocorre na própria sala do trono do céu. Isso é apropriado, pois ecoa uma verdade acerca de Deus subentendida desde o início do relato da criação em Gênesis. Ao fazer a criação surgir pela sua palavra de poder, Deus a estabelece como seu próprio vasto reino. Dessa forma ele estabelece a si mesmo como o grande Rei sobre toda a criação, sem limites de qualquer tipo, e digno de receber toda glória, honra e poder por meio da adoração do que ele criou. No antigo Oriente Próximo, as pessoas conheciam muito bem o que é autoridade. Entre elas, o poder até mesmo de líderes tribais ou nacionais era quase absoluto. E de vários modos em Gênesis 1, Deus é descrito como o Monarca, a figura real cuja soberania se estende por direito e por poder sobre toda a sua criação. A palavra mais insignificante de um rei mortal no mundo antigo precisava ser entendida como uma ordem por qualquer pessoa que a ouvisse. Mas esse Rei imortal fala e por sua ordem divina toda a criação passa a existir exatamente como ele tenciona. À medida que Deus cria, ele dá nome ao que cria e isso novamente é uma expressão de sua soberania. “O ato de dar um nome significava, acima de tudo, o exercício de um direito soberano […] Assim, a nomeação disso e de todas as obras de criação subsequentes mais uma vez expressa vividamente a reivindicação divina de senhorio sobre as criaturas.”10 Em Gênesis 1, a palavra divina de ordem — a expressão repetida “Haja” — traz à existência uma criação caracterizada por precisão, ordem e harmonia: Assim como Deus é aquele que coloca o tempo em movimento e estabelece o clima, ele também é responsável por estabelecer todos os outros aspectos da existência humana. A disponibilidade de água e a capacidade de a terra produzir vegetação; as leis da agricultura e os ciclos sazonais; cada uma das criaturas de Deus, criadas com um papel a desempenhar — tudo isso foi ordenado por Deus e era bom, não tirânico ou ameaçador.11 A criação de Deus é “boa” e a virtude de sua criação só realça as incomparáveis bondade, sabedoria e justiça do próprio Criador. Somente ele é o Rei sábio sobre o grande reino de tudo que existe. No entanto, na posição de Rei, Deus não se mantém distante de sua criação. Ele não é o tipo de monarca que governa de longe sem interesse algum em seus territórios e súditos. Tendo construído seu reino, Deus reina sobre ele de modo profundamente pessoal. Gênesis 1 e 2 descrevem Deus como altamente relacional. Ele fala, não somente para dar ordens, mas também para expressar o seu próprio envolvimento na criação do cosmo. Há a expressão misteriosa “Façamos…” em Gênesis 1.26 (que interpretamos como Deus se dirigindo ao conselho celestial de anjos). Isso chama a atenção para a pessoa de Deus e sua vontade de que haja outras entidades distintas de (e, ainda assim, relacionadas a) si mesmo.12 Contudo, de forma mais dramática, quando Deus cria a humanidade, ele a abençoa e fala a ela diretamente: “Sejam férteis e multipliquem-se; encham e subjuguem a terra” (Gn 1.28). Há um relacionamento pessoal entre o Rei divino e seus súditos humanos. Deus tem uma tarefa específica e os convida para participar com ele, enchendo e ordenando o mundo, que ele lhes deu como seu lar. Gênesis 2 e 3 mostram a natureza pessoal de Deus ainda mais claramente. O SENHOR Deus (Yahweh Elohim) caminha no jardim com Adão e Eva e mostra o interesse mais íntimo e pessoal neles, em suas necessidades e em suas responsabilidades. A humanidade como a imagem de Deus O ápice da história da criação em Gênesis é a criação da humanidade (1.26-28). Na Bíblia, um homem ou uma mulher é uma criatura concebida e criada por Deus como parte do mundo de Deus. Não importa como relacionamos a atividade divina de criação a teorias científicas,13 se formos fiéis ao que a Bíblia tem a dizer sobre quem somos, não podemos nos considerar meramente produtos aleatórios do tempo e do acaso (como fazem os defensores da evolução ateísta). A humanidade é criada e, de acordo com Gênesis (e o restante da Bíblia), cada ser humano realmente é, além do ser criado, uma criatura especial. Em Gênesis 1 e 2, o ensino sobre a humanidade é rico e variado. Singular entre as criaturas que Deus cria, a humanidade é pessoal. Deus se dirige somente ao homem e à mulher: eles desfrutam de um relacionamento pessoal ímpar com Deus. Como Agostinho observou há muito tempo em suas Confessions, fomos criados para Deus e o nosso coração está inquieto enquanto não encontramos nosso descanso nele.14 Gênesis 3.8 evoca de modo impressionante esse relacionamento entre o Deus criador e suas criaturas humanas. Deus tem o hábito de “andar pelo jardim no frescor do dia” e se encontrar com o homem e a mulher que colocou ali. Gordon Wenham observou como Gênesis descreve o jardim de um modo semelhante ao tabernáculo, no qual Deus habita entre o seu povo.15 Homens e mulheres são criados para um relacionamento íntimo com Deus e nossa natureza terrena não é obstáculo algum para esse relacionamento. Deus caminha com regularidade com Adão e Eva no enorme jardim que separou para eles. Discute com eles como esse grande parque está se desenvolvendo, como suas plantas estão crescendo sob o seu cuidado e como está a harmonia entre os animais. Estudiosos modernos muitas vezes se referem a duas histórias da criação em Gênesis, enxergando uma distinção entre o que é narrado em 1.1—2.4a e 2.4b- 25. Isso é um pouco enganoso. Embora essas duas seções sejam distintas, elas estão estreitamente relacionadas. Gênesis 1 examina a humanidade em seu relacionamento com o mundo. Gênesis 2 concentra-se no homem e na mulher em seu relacionamento um com o outro e com Deus. As duas passagens usam imagens e metáforas diferentes, pois estão colocando em foco aspectos diferentes do que significa ser humano. Em Gênesis 1.26-28, Deus cria a humanidade à sua imagem, conforme a sua semelhança. Note que as palavras “imagem” e “semelhança” enfatizam a mesma ideia. Embora Deus seja o Criador infinito e a humanidade meramente sua criação finita, há algo essencialmente semelhante entre eles. “Imagem” é uma metáfora. À medida que a destrinçamos, precisamos ter em mente que sua função como metáfora é chamar a nossa atençãopara uma semelhança notável entre seres humanos e Deus, ao mesmo tempo em que de forma alguma nega que somos radicalmente diferentes de Deus. Anteriormente, reconhecemos que Deus como Criador é radicalmente diferente de tudo que criou: o que nos inclui. Mas se a humanidade é criada “à imagem de Deus”, então de algum modo somos como aquele que nos criou. Os versículos seguintes esclarecem essa semelhança. Em Gênesis 1.26, Deus afirma: “Façamos o homem à nossa imagem […] Domine ele […] sobre toda a terra”. Ele então diz aos seres humanos que criou: “Sejam férteis e multipliquem-se; encham e subjuguem a terra. Dominem sobre…” (1.28). A partir disso, deve estar claro que a semelhança fundamental entre Deus e a humanidade é a vocação singular da humanidade, seu chamado ou comissão feitos pelo próprio Deus. Sob Deus, a humanidade deve dominar sobre as partes não humanas da criação na terra, no mar e no ar, do mesmo modo que Deus é o dominador supremo sobre tudo. Como von Rad explica: Do mesmo modo que poderosos reis terrenos, para indicar sua reivindicação de domínio, erigem uma imagem de si mesmos nas províncias de seu império em que não aparecem pessoalmente, também o homem é colocado na terra à imagem de Deus como emblema soberano dele. Ele na realidade é somente o representante de Deus, convocado para manter e impor a reivindicação divina de domínio sobre a terra. A questão crucial na semelhança do homem a Deus, portanto, está em sua função no mundo não humano.16 No reino de Deus, o qual estabeleceu criando-o, o papel especial que ele atribuiu à humanidade é que devemos servir como seus “sub-reis”, vice-regentes ou administradores. Devemos dominar sobre a criação a fim de que a reputação de Deus seja realçada em seu reino cósmico. Gênesis 1.26-28 se tornou notório em alguns círculos ambientalistas por causa do argumento de Lynn White de que esse ensino foi usado para justificar grande parte da destruição ambiental que caracteriza o mundo contemporâneo.17 Essa passagem entende que a vocação da humanidade é para governar ou dominar, mas é incorreto interpretá-la como se legitimasse o senhorio implacável sobre a natureza e sua exploração. Na própria obra criacional de Deus, ele age para o bem do que criou e não para o seu próprio prazer egoísta. Por exemplo, ele cria um lar perfeito para a humanidade. Em todas as etapas da obra divina nessa lar, a criação é descrita como “boa” e “muito boa”. Sobre essa criação Deus chama o “dominador” humano para servir de administrador ou subsoberano, com o intuito de concretizar o próprio cuidado e proteção de Deus para com sua boa criação em seu próprio domínio soberano sobre a terra. Salmos 8.6 expressa isso de modo maravilhoso: a glória de seres humanos é que Deus os fez “dominadores sobre as obras das [suas] mãos”. É impossível interpretar esse texto para justificar que os seres humanos estão livres para fazer o que quiserem com a obra de Deus. Acima de qualquer coisa, os guardadores humanos prestam contas ao Criador divino acerca do mundo confiado ao seu cuidado. Ser humano significa ter liberdade e responsabilidade enormes, responder a Deus e prestar contas por essa resposta. Assim, a melhor forma de expressar o conceito de “domínio” da humanidade sobre a criação pode ser afirmar que somos os mordomos reais de Deus, colocados aqui para desenvolver o potencial não revelado na criação divina, a fim de que toda ela possa celebrar a glória de Deus. Imagine que você é um escultor do século 15 e um dia recebe um e-mail de Michelangelo lhe perguntando se estaria disposto a vir ao seu estúdio para concluir uma obra que ele começou. Ele menciona que sua tarefa será continuar a obra dele de tal modo que o produto final realçará a própria reputação de Michelangelo! O chamado de Deus a nós para “ter domínio” sobre a sua criação acarreta esse tipo de elogio ao que somos capazes de realizar como seus mordomos. Também acarreta uma grande responsabilidade correspondentemente pelo que resulta dessa mordomia. Se isso é o que ser “à imagem de Deus” inclui, então claramente nosso serviço para Deus deve ser tão amplo quanto a própria criação e incluirá cuidar bem do meio ambiente. A passagem que começa em Gênesis 1.26 muitas vezes é proveitosamente designada como o “mandato cultural ou criacional”. Ela nos ordena a usar todos os tipos de atividade cultural a serviço de Deus. De fato, há um elemento dinâmico “na imagem de Deus”. O próprio Deus é revelado ou sua imagem “é refletida” em sua criação precisamente conforme estamos ocupados na criação, desenvolvendo seu potencial não revelado na agricultura, na arte, na música, no comércio, na política, no estudo acadêmico, na vida familiar, na igreja, no lazer e assim por diante, de modo que honre a Deus. Conforme nos apropriamos as ordens criativas de Deus de “Haja…” e desenvolvemos os potenciais nelas, continuamos espalhando a fragrância de sua presença em todo o mundo que ele criou. Gênesis 1 descreve a humanidade não segundo tiranos que exploram a terra, mas, sim, conforme mordomos que dominam coram deo, diante da presença de Deus. A natureza de nossa relação com Deus é expressa em como cuidamos de sua boa criação. E não fazemos isso meramente como indivíduos, mas como parceiros. Em Gênesis 1, os seres humanos são criados “homem e mulher”. Uma distinção de gênero está fixada na criação de modo que os que portam a imagem de Deus são sempre macho ou fêmea, homem ou mulher. Isto é, sempre estamos em uma relação uns com os outros, bem como numa relação com Deus. Nenhum de nós consegue ser plenamente humano sozinho: sempre estamos em uma variedade de relacionamentos. Os seres humanos são criados para Deus. Gênesis 2 se concentra mais fortemente nisso e nos outros relacionamentos em que seres humanos conduzem sua vida como resultado do modo como Deus criou o mundo. Gênesis 2.18-25 conta a história da criação divina de Eva como uma auxiliadora e companheira adequada para Adão, ilustrando mais uma vez a natureza especial do amor de Deus por suas criaturas. Deus expressa seu amor provendo o que é melhor para as próprias pessoas. O domínio de Adão sobre a terra é representado em sua nomeação dos animais: do mesmo modo que (em Gênesis 1) Deus nomeou a criação à medida que a formava, também aqui Adão tem a permissão de nomear os animais que Deus criou. Adão, portanto, tem um relacionamento com Deus e outro com o mundo animal. Mas Adão também é criado para a companhia humana. Isso é expresso no nível mais profundo em seu relacionamento matrimonial com Eva, uma união cuja intimidade é expressa na observação de que esses dois indivíduos se tornam “uma só carne” (2.24). O chamado de Adão e Eva para ter domínio sobre a criação se manifesta em Gênesis 2 em sua responsabilidade de trabalhar e cuidar do jardim (2.15). Com base na descrição fornecida em Gênesis 2.8-14, esse “jardim” tem mais a ver com um grande parque nacional do que com um dos jardins de nossa casa. Ele é imenso, com rios que o percorrem e muitas árvores e animais. Assim, Adão e Eva são os primeiros agricultores e agentes encarregados de zelar pela conservação do meio ambiente. Mais uma vez, vemos que ser humano significa se relacionar de algum modo com a criação, alguém que trabalha, explora o seu respectivo potencial e cuida dela. Os seres humanos são criados para Deus e também uns para os outros e para a criação, a fim de trabalhar nela. Conforme Salmos 8, é a nossa glória trabalhar e assim apresentar a imagem de Deus. Os diferentes relacionamentos em que Gênesis 1 e 2 contemplam a humanidade podem ser mostrados assim: Figura 6: Uma compreensão bíblica da humanidade O mundo como reino