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Muito além do discurso - A relação entre colonialismo, capitalismo e racismo no pensamento de Frantz Fanon

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171Racismo, etnia e lutas de classes no debate marxista
Muito além do discurso: a relação entre colonialismo, capitalismo 
e racismo no pensamento de Frantz Fanon
Deivison Mendes Faustino [1]
As dimensões materiais do colonialismo
O que é o colonialismo para o psiquiatra martinicano e intelectual orgânico da 
Frente de Libertação Nacional da Argélia Frantz Omar Fanon (1925-1961)? A resposta 
para essa pergunta tem recebido diferentes respostas, a depender dos pressupostos 
teóricos e políticos de cada leitor ou tradutor de Fanon (FAUSTINO, 2020). No entanto, 
a análise exegética de seus escritos permite afirmar que para ele o “hábito de conside-
rar o racismo como uma disposição do espírito, (ou) como uma tara psicológica, deve ser 
abandonado” (FANON, 1980, p. 42) para dar lugar a uma análise que considere a “medida 
em que as coisas, no sentido o mais materialista, tenham tomado os seus devidos luga-
res” (FANON, 2008, p. 29). Isto significa, que ele analisa o racismo e a racialização, bem 
como os seus efeitos subjetivos, como parte do complexo colonial capitalista. É neste 
sentido que argumenta em Pele Negra, máscaras brancas (Peau noire, masques blancs), no 
qual faz a seguinte afirmação: “A análise que empreendemos é psicológica. No entanto, 
permanece evidente que a verdadeira desalienação do negro implica uma súbita tomada 
de consciência das realidades econômicas e sociais” (FANON, 2008, p. 28).
O empreendimento colonial não se resume a um confronto de culturas, ao contrá-
rio, materializa-se a partir da asfixia, desmantelamento, e substituição violenta dos 
modos e relações de produção pré-existentes em determinado território em função dos 
interesses metropolitanos de acumulação de capitais. O colonialismo, é para Fanon, tal 
como em Marx, uma forma exploração econômica particular baseada, essencialmente, 
no “emprego das forças armadas”:
O sistema colonial amadureceu o comércio e a navegação como plantas 
num hibernáculo [...] Às manufaturas em ascensão, as colônias garantiram 
um mercado de escoamento e uma acumulação potenciada pelo mono-
pólio do mercado. Os tesouros espoliados fora da Europa diretamente 
mediante o saqueio, a escravização e o latrocínio refluíram à metrópole e lá 
[1] Doutor em Sociologia; Professor do Programa de Pós-Graduação em Serviço Social e Políticas Sociais da 
UNIFESP-BS e integrante do Instituto Amma Psique e Negritude. deivison.faustino@unifesp.br
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se transformaram em capital. [...] Hoje em dia, a supremacia industrial traz 
consigo a supremacia comercial. No período manufatureiro propriamente 
dito, ao contrário, é a supremacia comercial que gera o predomínio indus-
trial. Daí o papel preponderante que o sistema colonial desempenhava nessa 
época. [...] Tal sistema proclamou a produção de mais-valor como finalidade 
última e única da humanidade” (MARX, 2013; Livro I, Capital, p. 823-824).
No entanto, alerta Fanon (1980, p. 44), “não é possível subjugar homens sem logica-
mente os inferiorizar de um lado a outro”. Este “negócio comercial gigantesco” cria nas 
colônias um mundo violentamente “cindido em dois” (FANON, 2010, p. 55) onde a fron-
teira entre quem domina e quem é dominado é de tal forma demarcada que o sistema 
não se sustentaria sem a existência de poderosos mecanismos de coerção e legitima-
ção. Apontando embrionariamente para esse estranhamento, Marx (1982, p. 25) afirmou 
que “um negro é um negro. Só em determinadas relações é que se torna escravo”. Fanon, 
porém, vai mais longe e sugere que é apenas em determinadas circunstâncias que uma 
pessoa se torna negra, aliás, como afirmou, “é o branco que cria o negro (nègre)” (FANON, 
1968 p. 32) no exato momento em que não reconhece a sua humanidade (FAUSTINO, 2013).
Diante desse processo de desumanização, o racismo é fundamental, ao provocar e 
fundamental representações (Weltanschauung) fetichizadas à respeito das pessoas, cultu-
ras e povos colonizados. “A expropriação, o despojamento, a razia, o assassínio objetivo, 
desdobram-se numa pilhagem dos esquemas culturais ou, pelo menos, condicionam 
essa pilhagem” (FANON, 1980, p. 38). O racismo em Fanon é, portanto, tanto um produto 
quanto um processo pelo qual o grupo dominante lança mão de recursos representa-
cionais para desarticular as possíveis linhas de força do dominado, destruindo “os seus 
sistemas de referência” e desestruturando o seu “panorama social” a partir da ridicula-
rização, esmagamento e esvaziamento dos valores próprios a estes grupos. De acordo 
com o psiquiatra martinicano “uma vez desmoronadas as linhas de força que ordenavam 
a vida dos povos colonizados já não as ordenam mais” (FANON,1980, p. 38). Isto posto, 
um novo conjunto de proposições é imposto aos colonizados o que implica a criação 
de um mundo entendido como radicalmente oposto à civilização, a ética e à história, 
inimigo dos valores:
elemento corrosivo (...), deformante, desfigurando tudo o que se refere à 
estética ou à moral; depositário de forças maléficas; instrumento incons-
ciente e irrecuperável de forças cegas (FANON, 2010, p. 59).
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Num trecho enigmático em que Fanon toma a cultura como “o conjunto dos compor-
tamentos motores e mentais nascido do encontro do homem com a natureza e com o 
seu semelhante”, o autor afirma que “o racismo é sem sombra de dúvida um elemento 
cultural” (FANON, 1980, p. 36). Isto significa que o racismo encontra se por um lado em 
“todos os níveis de sociabilidade” (IBIDEM, p. 40) e por outro lado assume roupagens 
distintas no tempo e no espaço, renovando e se atualizando em função de novas neces-
sidades de exploração e dominação (FAUSTINO, 2018).
Sendo assim, o racismo não pode envelhecer diante dos novos contextos sociais. Para 
exemplificar essa afirmação, Fanon retorna ao pensamento de Aimé Césaire quando este 
afirma que o problema do nazismo não foi efetivar e subjugar um conjunto de homens 
a outros homens como há séculos os europeus fizeram nas Américas, África, Oceania 
e Ásia, mas tentar implementar dentro da própria Europa esse modelo de desumani-
zação.[2] O repúdio internacional ao racismo nazista, associado às resistências de todo 
tipo na metrópole ou na colônia, fez abalar as convicções científicas da desigualdade 
biológica entre brancos e negros, levando o racismo para outros terrenos, “não menos 
pantanosos”. Acrescenta-se a isso o desenvolvimento dos meios de produção nas metró-
poles e nas colônias e os novos arranjos da divisão racial do trabalho que ele possibilitou. 
Entretanto, assevera Fanon, esse conjunto de fatores não levou a uma “evolução do espí-
rito”, mas a camuflagem das formas de exploração e racismo. E ainda complementa: “O 
racismo não pôde esclerosar-se. Teve de se renovar, de se matizar, de mudar de fisiono-
mia. Teve de sofrer a sorte do conjunto cultural que o informava” (FANON, 1980, p. 36).
Para ele, portanto, o racismo, que ao início da colonização mercantilista das 
Américas fundamentava-se na religião, avança no século XIX para a constatação “cientí-
fica” da inferioridade biológica do Negro. Posteriormente, com o fim da segunda guerra 
europeia, quando esta inferioridade biológica torna-se racionalmente insustentável, a 
negação essencial da humanidade do “outro” passa a encontrar arrimo na afirmação de 
[2] Em seu famoso texto intitulado Discours sur le colonialisme, publicado em 1950 na revista Presence Africaine, 
Aimé Césaire coloca essa questão da seguinte maneira: “As pessoas espantam-se, indignam-se. Dizem ‘como 
é curioso! Ora! É o nazismo! Isso passa!’. E aguardam, e esperam, e calam em si próprias a verdade – que é 
uma barbárie suprema, a que coroa, a que resume a quotidianidade das barbáries; que é o nazismo, sim, mas 
antes de serem suas vítimas foram suas cúmplices; queo toleraram, esse mesmo nazismo antes de o sofrer, 
absolveram-no, fecharam-lhe os olhos, legitimaram-no, porque até aí só se tinha aplicado aos povos não-eu-
ropeus; que o cultivaram, são responsáveis por ele, e que ele brota, rompe, goteja, antes de submergir nas suas 
águas avermelhadas de todas as fissuras da civilização ocidental e cristã. (...) Sim, valeria a pena (...) revelar 
ao burguês muito distinto, muito humanista, muito cristão do século XX que traz em si um Hitler que ignora, 
que Hitler vive nele, que Hitler é o seu demônio, que se o vitupera é por falta de lógica, que, no fundo, o que 
não perdoa em Hitler não é o crime em si, o crime contra o homem, não é a humilhação do homem em si, é o 
crime contra o homem branco, a humilhação do homem branco, e o ter aplicado a Europa processos colonia-
listas aqui até aqui só os árabes da Argélia, os ‘coolies’ da Índia e os negros da Áfricas estavam subordinados” 
(CÉSAIRE, 1971, p. 18, grifos do autor)
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sua inferioridade cultural, a partir da catalogação, hierarquização e estigmatização de 
suas formas de existir. Esta aparente transformação levou à crença no desaparecimento 
do racismo quando na verdade tratava-se de sua sofisticação (IBIDEM, p. 41).
Esta reflexão sugere por um lado, que para Fanon o racismo é um elemento dinâ-
mico que se transfigura ao longo do tempo e do espaço, moldando-se às novas realidades 
e roupagens próprias de cada contexto social. Por outro lado, que esta ideologia não é 
uma entidade ou esfera autônoma do conjunto de determinações sociopolíticas que o 
compõe. Esta constatação leva o autor a afirmar que os esforços direcionados à supe-
ração do colonialismo dependem necessariamente de uma tomada de consciência, por 
parte dos movimentos anticoloniais, da realidade política e social que envolve a socie-
dade colonial (FAUSTINO, 2013).
Seguindo esse itinerário, analisaremos a seguir alguns aspectos presentes nos textos 
fanonianos que evidenciam a necessidade de levar em conta os diferentes interesses em 
conflito na colônia, a saber: a) o modo pelo qual o capitalismo se estrutura nestes terri-
tórios; b) o conjunto de interesses, nem sempre homogêneos, no interior da colônia a 
partir da posição de classe que cada segmento ocupa em seu interior.
Capital monopolista
Antes de ser uma representação racializada do ser humano, o colonialismo se confi-
gura como forma de organização social imperialista de territórios militarmente ocupados, 
em benefício dos grandes capitais europeus. O colonialismo estudado por Fanon (2010, 
p. 82-83) em África difere do colonialismo no continente americano não apenas pelo 
tempo e o espaço em que se deu, mas principalmente pelas configurações específicas 
que assumiu ao final do século XIX até o final da Segunda Guerra Mundial. De todos os 
territórios invadidos pelo imperialismo europeu desta época, nenhuma região foi tão 
devastada quanto o continente africano que passou de 10,8% de seu território ocupado 
em 1876 para mais de 90% do seu território ocupado em 1914, momento em que estoura 
a Primeira Guerra Mundial, justamente pela disputa de territórios, mãos de obra e maté-
ria prima oriunda das colônias africanas e asiáticas (LENIN, 1987).
Neste período monopolista a escravidão já não é economicamente interessante às 
elites industriais e financeiras da metrópole, que agora ocupam o território com a inten-
ção de expandir relações capitalistas de produção precarizadas e desiguais, de forma 
que seja possível, transferir para a colônia, o máximo de contradições sociais geradas 
nas metrópoles, impossibilitando, assim, qualquer concessão ou mediação própria de 
uma democracia liberal.
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O mundo colonizado é um mundo cindido em dois (FANON, 2010, p. 54), e não 
poderia ser diferente dada à natureza das operações econômicas ali exercidas. Como 
no esquema clássico que configura uma colônia, a população dominada é mão de obra 
barata, vitimada às situações mais precárias de trabalho e, ao mesmo tempo, parte do 
mercado consumidor europeu. E por isso, uma série de mecanismos de desarticulação 
cultural precisa ser criada com o objetivo de forjar no colonizado a ferro, fogo e sonhos o 
jeito de ser adequado ao novo modus operandi (FANON, 1980, p. 44-52). Para Fanon, essas 
particularidades deveriam ser encaradas com seriedade pela intelectualidade anticolo-
nial, sob o risco de ver surgir no interior de si das independências, o fenômeno descrito 
por Fanon (2010, p. 180) como Neocolonialismo. Esse ponto será amplamente discutido 
por Kwame Nkrumah, em seu Neo-colonialism: the last stage of imperialism, escrito em 
1965, quando revela uma sintonia muito grande com as preocupações levantadas por 
Fanon em Les damnés de la terre, de 1961. Interessante notar que um ano após a publica-
ção de seu livro, como quase que em tom profético, Nkrumah sofre um golpe de estado 
que interrompe suas pretensões pan-africanistas.
A natureza econômica atrofiada da colônia está intimamente relacionada à posição 
que assume na divisão internacional do trabalho e essa particularidade coloca desafios 
bastante distintos às elites criadas na situação colonial, quando comparadas às burgue-
sias do centro capitalista. No momento de sua consolidação, já no início da era moderna, 
as burguesias clássicas representavam o elo mais dinâmico da sociedade europeia e, 
num primeiro momento, a concretização dos seus interesses de classe gerou avanços 
importantes para as nações que representavam. O caso das burguesias nacionais das 
colônias foi bastante diferente, na medida em que estas já nasceram subordinadas ao 
capital monopolista, de forma que a sua relativa autonomia só era justificada e autori-
zada quando viabilizava a sangria sistêmica do território dominado (FANON, 2010, p. 116).
Para Fanon (2010, p. 116-117), o desenvolvimento econômico, bem como o Estado 
de Bem-Estar Social europeu só foram viáveis a partir de um mecanismo integrado de 
manutenção da superexploração da força de trabalho e dos recursos naturais e simbóli-
cos nas colônias. Essa sangria humana, acompanhada pelo desmonte das infraestruturas 
tradicionais nos territórios ocupados colocou as nações do terceiro mundo em uma 
desvantagem estrutural diante da força do Capital monopolista. Este problema persiste 
mesmo após as lutas independentistas: O baixo desenvolvimento das forças produtivas 
nas ex-colônias resulta de um lado na existência de uma intensa pobreza, ineficiência do 
capital acumulado; na ausência de técnicos e burocratas; e de outro lado, na existência 
de uma fragilidade das classes dirigentes diante das pressões das ex-metrópoles para 
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manter seus privilégios. Alguns países recém-independentes não suportaram a tensão 
e cederam às pressões neocoloniais enquanto outros, responderam apelando ao sobre-
trabalho do seu povo. Assiste-se, assim, nestes casos “à mobilização de um povo que, 
então, se extenua, se esgota diante da Europa saciada e desnuda” (FANON, 2010, p. 118). 
Mas esse esforço não resistiu durante muito tempo nesse ritmo infernal, configurou-se, 
por vezes, em um descontentamento massivo com a independência. Descontentamento 
este que foi frequentemente utilizado pelas forças colonialistas de forma a canalizar o 
descontentamento popular para rebeliões que desestabilizaram os governos nacionais 
e favoreceram a consolidação do neocolonialismo.
Diante deste cenário, para Fanon (2010, p. 120) não bastava exigir mais esforços do 
povo, mas pelo contrário reorientar a economia: “Se as condições de trabalho não se 
modificam serão necessários séculos para humanizar esse mundo, animalizado pelas 
forças imperialistas”. Mas como fazer essa transição se oque marca estas jovens nações 
é justamente a ausência de capital acumulado? Para responder a essa pergunta, Fanon 
recorre à noção de Reparações. Para ele, as metrópoles imperialistas cometeram um 
novo saque quando se retiravam das coloniais levando consigo os aparatos materiais de 
produção e reprodução. Depois de terem sangrado o continente em todos os aspectos 
possíveis, fazia-se necessário para o continente africano pós-colonial a implementação 
de ações de reparações semelhantes ao que foi observado na Alemanha com os Judeus 
em 1945 (FANON, 2010, p. 116). Neste caso, nem a independência política, nem os pedi-
dos de desculpas morais seriam suficientes, mas sim o estabelecimento de mecanismos 
econômicos de incentivo ao desenvolvimento das jovens nações, uma vez que a riqueza 
dos países imperialistas também pertenceria ao chamado terceiro mundo:
América Latina, China, África. De todos esses continentes, diante dos quais 
a Europa ergue hoje a sua torre opulenta, partem a séculos, rumo à essa 
mesma Europa, os diamantes e o petróleo, a seda e o algodão, as madeiras e 
os produtos exóticos. A Europa é, literalmente a criação do Terceiro Mundo. 
As riquezas que a sufocam são as que foram roubadas aos povos subdesen-
volvidos (FANON, 2010, p. 122).
Para Fanon (2010, p. 122-123), a Europa estava em débito com aqueles a quem histori-
camente saqueou, explorou e humilhou e, portanto, essa ajuda deveria ser a “consagração 
de uma dupla tomada de consciência, tomada de consciência pelos colonizados, de que 
isso lhes é devido, e pelas potências capitalistas, de que efetivamente devem pagar”. Isto 
significaria apelar para as forças progressistas da Europa, esperando que estes estejam 
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do lado da “felicidade humana”, de forma que seja possível “reintroduzir o homem no 
mundo, o homem total”. Processo que só seria possível consolidar-se com “a ajuda deci-
siva das massas europeias” (IBIDEM, p. 126). Em síntese, como resulta a análise de Fanon, 
as especificidades econômicas da colônia são observadas cuidadosamente de forma a 
possibilitar a reorientação da economia em função das necessidades nacionais. Essa 
reorientação, entretanto, depende de bases concretas para se efetivar, do qual o autor 
destaca a pressão social em função das reparações econômicas pelos danos do colonia-
lismo e a necessária aliança com o proletariado europeu, como elemento que consolidaria 
essa pressão. Olhando agora, 50 anos depois, fica fácil constatar que o otimismo de Fanon 
neste aspecto não foi correspondido.
A luta de classes e os interesses em conflito no interior da colônia
Outro ponto importante a ser considerado é a existência de diferentes sujeitos e 
interesses em conflito durante a independência. Esta análise nos desautorizaria a afir-
mar que a questão de classe não é adequada para entender os problemas africanos. Pelo 
contrário, Fanon aposta que a observação deste aspecto é fundamental para o sucesso da 
luta anticolonial. O primeiro grupo analisado por Fanon é a burguesia nacional. Embora 
essa burguesia tenha sido criada, na maioria dos casos como débil intermediária dos 
interesses metropolitanos nas coloniais, é ela, na maioria dos países africanos, o princi-
pal sujeito interessado na independência. Entretanto, sua atrofia congênita provocada 
pelo colonialismo a impede de levar a luta anticolonial até as ultimas consequências, 
levando distorções mortais ao processo de libertação. Aliás, segundo Fanon (2010, p. 
234), “a direção burguesa dos países subdesenvolvidos encerra a consciência nacional 
num formalismo esterilizante”.
Como vimos na sessão anterior, “o aspecto dinâmico e pioneiro, o aspecto inventor 
e descobridor de mundos que se encontra em toda burguesia nacional está aqui lamenta-
velmente ausente” (FANON, 2010, p. 180). Na verdade, “no seio da burguesia nacional dos 
países coloniais, o espírito hedonista domina. É que no plano psicológico ela se identi-
fica com a burguesia ocidental, da qual sugou todos os seus ensinamentos”. A burguesia 
nacional é, pois, um monstro aberrante que não consegue acompanhar as burguesias 
clássicas em seu caráter dinâmico e inovador, mas a supera em seus aspectos mais baixos:
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Ela (a burguesia nacional das colônias) segue a burguesia ocidental no seu 
lado negativo e decadente, sem ter superado as primeiras etapas de explora-
ção e de invenção que são, de qualquer modo, uma aquisição desta burguesia 
ocidental. Não se deve acreditar, que ela queime etapas. Na verdade, ela 
começa pelo fim. Já está envelhecida quando não conheceu nem a petulân-
cia nem a intrepidez, nem o voluntarismo da juventude e da adolescência 
(FANON, 2010, p. 180)
A burguesia nacional pretende, em seu narcisismo voluntarista, substituir a burguesia 
metropolitana, mas não o consegue efetivamente, pois esta presa às atividades econômi-
cas intermediárias. Percebe-se com o tempo que é uma classe dominante impossibilitada 
de acumular capital. Além disso, seu distanciamento diante dos reais problemas da nação 
a posiciona alheia à economia do seu próprio país, conduzindo, na maioria das vezes a 
economia à estagnação (Fanon, 2010:178). Trata-se de uma classe dominante – ao contrá-
rio da burguesia europeia que precisava derrubar a velha ordem – que nasce destituída 
de aspirações universais.
O aspecto dinâmico e pioneiro, o aspecto inventor e descobridor de mundos que 
se encontra em toda burguesia nacional esta aqui lamentavelmente ausente. No seio da 
burguesia nacional dos países coloniais, o espírito hedonista domina. É que no plano 
psicológico ela se identifica com a burguesia ocidental, da qual sugou todos os seus ensi-
namentos. Quando a bomba social explode, a burguesia colonial que, até então, estava 
quieta, manifesta-se: tenta atuar como cabresto da luta de forma a se apresentar como 
interlocutora, mas o faz freando os potenciais de transformação (FANON, 2010, p. 79). 
Aquilo que a burguesia autóctone nomeia, é frequentemente um efetivo acordo entre 
burguesia metropolitana e ela. Trata-se de uma burguesia que não está acostumada a 
acumular e, por isso, depois da independência esbanja os recursos da nação (ou os investe 
privadamente em bancos europeus) sem reinvesti-lo produtivamente:
Os lucros que embolsa, enormes em relação à renda nacional, não são rein-
vestidos(...). Em contrapartida, somas importantes são utilizadas em despesas 
ostentatórias, carros, mansões, coisas que os economistas descrevem bem 
como características da burguesia subdesenvolvida (IBIDEM, p. 182).
Com essa burguesia nacional no comando, “continua-se a expedir as matérias primas, 
continua-se a ser os pequenos agricultores da Europa, os especialistas em produtos 
brutos” (FANON, 2010, p. 178-179). Nacionalizar a economia nestes termos, não implica-
ria a mudança nas relações de produções, mas transferir o poder da metrópole para suas 
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mãos e é aqui que reside a raiz do neocolonialismo. A burguesia nacional satisfar-se-á, 
sem complexos com toda a dignidade, com o papel de agente de negócios da burgue-
sia ocidental. Para sair deste labirinto ela (a burguesia nacional), de acordo com Fanon 
(2010, p. 177), deveria se negar, enquanto classe (e instrumento do capital metropolitano), 
para se submeter ao capital revolucionário que constitui o povo, ou se tornará inevita-
velmente em antinacional.
Do contrário, a unidade africana ruiria em interesses particularistas de ordem tribal 
(FANON, 2010, p. 187), religiosa (p. 188-189) e regionalista (p. 181) dentro de uma mesma 
realidade nacional favorecendo os interesses colonialistas. O “despreparo das elites, a 
ausência de ligação orgânica entre elase as massas, sua preguiça e, vamos dizê-lo, a 
covardia no momento decisivo da luta estão na origem de desventuras trágicas” (IBIDEM, 
p. 175). Sedenta por ocupar os postos antes dominados pelos europeus, a burguesia nacio-
nal vai disseminar um nacionalismo ultrarradical que desemboca catastroficamente em 
novas formas de racismo. Num primeiro momento, declara guerra aos não africanos, em 
seguida aos africanos de outras nacionalidades em uma busca desesperada por lançar 
mão de um poder outrora inteiramente tutelado pela metrópole. Na maioria dos casos, é 
essa burguesia a principal responsável pela fragmentação da nação (IBIDEM, p. 183-185).
Em suas mãos débeis e opulentas, a unidade africana correria o risco de ruir em 
interesses particularistas (regionais) dentro de uma mesma realidade nacional abortando 
a luta de libertação e favorecendo a retomada do colonialismo por outras vias ainda mais 
eficazes, pois dotadas da representatividade “nacional”. Nos países subdesenvolvidos, a 
fase burguesa é impossível (FANON, 2010, p. 202) e por esta razão, o líder que escolhe 
a burguesia, contribui para abortar a possibilidade de uma verdadeira emancipação. O 
segundo grupo analisado refere-se aos sujeitos nomeados por Fanon como intelectuais 
colonizados. Estes homens, na maioria das vezes, formados em universidades localiza-
das nas metrópoles europeias costumam ser constantemente cooptados pelas forças 
coloniais (FANON, 2014, p. 60-61). Com essas elites intelectuais, no exato momento em 
que se inicia a luta anticolonial, empreende-se, na maioria das vezes, um diálogo sobre 
os valores ocidentais com vistas a convencê-las das vantagens civilizatórias da coloni-
zação. Muitos intelectuais perdem-se nessa conversa, convertendo-se como opositores 
ou mesmo elementos de freio para a luta de libertação nacional.
Outros, depois de se decepcionarem com os limites da assimilação colonial, voltam-
se apaixonadamente ao povo e passam a buscar nele a verdade. E apenas nesse encontro, 
que se vê o desmoronamento das verdades ditas pela burguesia colonial, isto é, o seu 
monólogo narcisista e a sua ideia de uma essência eterna. A entrega deste intelectual 
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à luta promove a dissolução em si de alguns ídolos inculcados pelo colonialismo, como 
o individualismo (FANON, 2010, p. 64). Em outros lugares, onde a descolonização não 
está tão madura, os intelectuais colonizados fazem o jogo da burguesia colonial, mesmo 
quando estão no contato com o povo e não conseguem, portanto, dialogar com ele. Seu 
contato neste caso se resume ao oportunismo populista (IBIDEM, p. 67).
No caso dos partidos nacionais, o mesmo dilema se repete. Os partidos que não 
conseguiam identificar as particularidades sociais e econômicas das colônias e ao mesmo 
tempo não estabeleceriam com o povo uma relação autêntica, contribuíram para o aborto 
da libertação nacional, mesmo nos casos em que a independência política é alcançada. 
Há que se atentar para as particularidades da colônia o que implica reconhecer que nessa 
formação social os proletários urbanos, artistas, artesãos, burocratas não compõem o 
sujeito revolucionário por excelência, como definem os manuais políticos criados pela 
esquerda europeia. Essas frações de classe, além de numericamente pequenas, são na 
verdade o contingente entre os colonizados que mais privilégios acumulam e, em última 
instância, aqueles que têm muito a perder com o avanço da luta anticolonial:
O grande erro, o vício congênito da maioria dos partidos políticos nas regiões 
subdesenvolvidas foi, segundo o esquema clássico, dirigir-se prioritariamente 
aos elementos mais conscientes: o proletariado das cidades, os artesãos e 
os funcionários, isto é, uma parte ínfima da população, que não representa 
mais de um por cento (...) Muitas vezes já se observou que nos territórios 
coloniais, o proletariado é o núcleo do povo colonizado mais adulado pelo 
regime colonial. O proletariado embrionário das cidades é relativamente 
privilegiado. Nos países capitalistas o proletariado não tem nada a perder, 
ele é aquele que eventualmente, teria tudo a ganhar. Nos países colonizados, 
o proletariado tem tudo a perder. Efetivamente, ele representa a fração do 
povo colonizado necessária a insubstituível para a boa marcha da máquina 
colonial: condutores de transporte público, taxistas, mineiros, estivadores, 
intérpretes, enfermeiros, etc. São esses elementos que constituem a clien-
tela mais fiel dos partidos nacionalistas e que, pelo lugar privilegiado que 
ocupam no sistema colonial, constituem a fração “burguesa” do povo colo-
nizado (FANON, 2010, p. 130-131).
Fanon (2010, p. 138) afirma que na colônia, aqueles que “não têm nada a perder, a 
não ser os seus grilhões” são em primeiro lugar as massas rurais, ou seja, aqueles que 
mais sofrem com a exploração colonial e consequentemente os que mais se inflamam. 
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Entretanto, dada a adoção por parte dos partidos nacionais de cartilhas políticas basea-
das na realidade europeia, essa força política é constantemente ignorada, estando na 
maioria das vezes entregue ao espontaneísmo e à contrarrevolução. Compõe também 
esta lista de sujeitos subversivos os retirantes emigrados do campo que formam nas 
cidades o lumpemproletariado, mas estes, apesar de seu potencial explosivo, são cons-
tantemente absorvidos como mercenários nos momentos de contenda, necessitando 
ser acompanhados de perto pelos partidos nacionalistas que almejam o fim da coloni-
zação (IBIDEM, p. 134).
Essa exposição é necessária para mostrar que para Fanon, o confronto ao colonia-
lismo não pode se resumir a uma negação simbólica do mesmo, mas é possível quando 
se encontra à verdade dos principais prejudicados pela situação colonial:
Se alguém pensa que se pode perfeitamente dirigir um país sem que o povo 
meta o nariz, se alguém pensa que o povo, com sua presença, atrapalha o 
jogo, seja porque o atrase, seja porque, pela sua natural inconsciência, ele o 
sabote, então não pode haver nenhuma hesitação: é preciso afastar o povo. 
Ora, acontece que o povo, quando é convidado para a direção do país, atrasa, 
mas acelera o movimento (FANON, 2010, p. 218).
Os partidos nacionalistas desconfiam e estão distantes dos verdadeiros condena-
dos e acabam por construir julgamentos semelhantes aos ajuizados pelos colonos. Não 
veem, ao julgar negativamente as massas rurais, que o colonialismo as mantém presas a 
uma estrutura feudal (FANON, 2010, p. 132). Assim, em sua cegueira diante da situação 
local, a elite autóctone entra em contradição com os chefes tribais, curandeiros e outros 
elementos presentes no mundo rural. Se esses quadros partidários houvessem reali-
zado uma leitura precisa da particularidade colonial, poderiam perceber que na colônia 
(diferente dos países capitalistas clássicos) não é o meio rural o mais reacionário, mas o 
proletariado urbano (IBIDEM, p. 133).
Os dois principais interessados numa transformação na colônia são, portanto, o 
lumpemproletariado composto por traços rurais que emigraram forçosamente para os 
grandes centros e os camponeses que permanecem firme às tradições coletivas e à disci-
plina (FANON, 2010, p. 134). Se esse potencial não for apropriado pelos partidos nacionais, 
pode ser futuramente apropriado pelas forças de reação colonial, opondo esse poder 
tradicional às forças anticoloniais. Por esses motivos, a ação dessa massa rural é decisiva 
nos acontecimentos antes e depois da independência. O caminho esta, pois, no encon-
tro com os condenados da terra.
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Considerações preliminares
Em Frantz Fanon, o colonialismo é uma estrutura de dominação e exploração com 
dimensões tantosubjetivas quanto objetivas. Sua objetividade repousa em uma articu-
lação material particular – tanto econômica como extraeconômica – junto ao complexo 
sócio-metabólico do capital. O capitalismo, colonialismo e racismo, portanto, adquirem 
expressão de um complexo de complexos. Isso significa, por outro lado, que a descoloni-
zação, tão comentada hoje em dia, seria bem-sucedida se articulasse, ao mesmo tempo, 
a luta pela afirmação e posterior superação das identidades subalternizadas em direção 
ao reconhecimento de si, enquanto ser humano-genérico, e a luta pelo desmantela-
mento revolucionário do complexo social colonial capitalista. Como dizia, a desalienação 
é possível mediante a “reestruturação do mundo”:
Eu, homem de cor, só quero uma coisa: Que jamais o instrumento domine 
o homem. Que cesse para sempre a servidão do homem pelo homem. Ou 
seja, de mim por um outro. Que me seja permitido descobrir e querer bem 
ao homem, onde quer que ele se encontre. (FANON, 2008, p. 190)
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	Muito além do discurso: a relação entre colonialismo, capitalismo e racismo no pensamento de Frantz Fanon
	Deivison Mendes Faustino

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