Buscar

Lecionário Patrístico Dominical

Prévia do material em texto

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação
(CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)
Lecionário Patrístico Dominical / tradução e compilação,
Fernando José Bondan. – Petrópolis, RJ: Vozes, 2013.
Bibliografia
ISBN 978-85-326-4716-0 – Edição digital
1. Bíblia – Leituras litúrgicas 2. Lecionários I. Bondan,
Fernando José.
13.04535 CDD-264.02
Índices para catálogo sistemático:
1. Liturgia : Igreja Católica 264.02
© 2013, Editora Vozes Ltda.
Rua Frei Luís, 100
25689-900 Petrópolis, RJ
Internet: http://www.vozes.com.br
Brasil
Todos os direitos reservados. Nenhuma parte desta obra
poderá ser reproduzida ou transmitida por qualquer forma
e/ou quaisquer meios (eletrônico ou mecânico, incluindo
fotocópia e gravação) ou arquivada em qualquer sistema ou
banco de dados sem permissão escrita da editora.
Diretor editorial
Frei Antônio Moser
Editores
Aline dos Santos Carneiro
José Maria da Silva
Lídio Peretti
Marilac Loraine Oleniki
Secretário executivo
João Batista Kreuch
Editoração: Fernando Sergio Olivetti da Rocha
Projeto gráfico: Alex M. da Silva
Ilustração de capa: Benedito G. G. Gonçalves
Capa: Sandra Bretz
ISBN 978-85-326-4716-0 – Edição digital
Editado conforme o novo acordo ortográfico.
Sumário
Dedicatória
Siglas utilizadas neste livro
Prefácio
Ano A
Tempo do Advento
Tempo do Natal
Tempo da Quaresma
Semana Santa
Tempo Pascal
Tempo Comum
Solenidades do Senhor no Tempo Comum
Ano B
Tempo do Advento
Tempo do Natal
Tempo da Quaresma
Semana Santa
Tempo Pascal
Tempo Comum
Solenidades do Senhor no Tempo Comum
Ano C
Tempo do Advento
Tempo do Natal
Tempo da Quaresma
Semana Santa
Tempo Pascal
Tempo Comum
Solenidades do Senhor no Tempo Comum
Referências principais
Textos de capa
Dedicatória
Ao apoio de minha família.
Ao Pe. Júlio Marcelino dos Santos, com gratidão.
Siglas utilizadas neste livro CCL:
Corpus Christianorum Latinorum
CSCO: Corpus Scriptorum
Christianorum Orientalium CSEL:
Corpus Scriptorum Eclesiasticorum
Latinorum DTC: Domingo do Tempo
Comum
GCS: Griechischen Christlichen LH: Liturgia das Horas
LP: Lecionário Patrístico Dominical PG: Patrologia Grega –
Ed. Migne PL: Patrologia Latina – Ed. Migne PLS: Patrologia
Latina – Suplemento PS: Patrologia Siríaca
PO: Patrologia Orientalis
SC: Sources Chrétiennes (Paris: Le Cerf)
Prefácio
O Interesse pelos Santos Padres da Igreja se verifica
desde as origens do cristianismo, mas foi sobretudo a partir
do movimento patrístico que antecedeu o Concílio Vaticano
II e, depois sob o seu impulso, que ele vem se
desenvolvendo amplamente. Cada vez mais as pessoas se
interessam e buscam “nas origens” o alicerce de sua fé. A
espiritualidade dos Padres é sempre uma espiritualidade
original, simples, destituída dos artifícios dos séculos
posteriores. Quando se corre o risco de se perder o
horizonte teológico, olhemos para os Padres!
Infelizmente, os textos originais escritos em línguas
mortas (grego, latim, siríaco...) e de difícil acesso aos leigos
ainda torna muito restrito o acesso aos mesmos. Na nossa
língua materna os textos ainda são muito escassos e poucas
iniciativas se tomam nesta área. Uma seleção de textos
patrísticos de vários autores em um único volume como
consta neste livro, só conheço a já consagrada Antologia
dos Santos Padres do falecido beneditino Cirilo F. Gomes, e o
ofício das leituras da Liturgia das Horas.
Como diácono, preferi servir-me de fontes secundárias de
línguas vivas, principalmente dos textos em espanhol, e
ofertar aos sedentos estas riquezas, do que continuar
esperando e privando nosso povo de uma edição crítica que
não sei se algum dia sairá do papel... Na escolha dos textos,
dei preferência à variedade de autores, tanto ocidentais
como orientais, e à riqueza dos textos. Muitas vezes preferi
escolher textos que se encaixam na temática dominical,
embora não versem diretamente o Evangelho, para ofertar
uma interpretação mais ampla, do que citar autores
diferentes, mas que interpretam o Evangelho mais ou
menos da mesma forma. Procurei, também, dar aos autores
orientais a devida estima, visto que sua literatura é
bastante desconhecida entre nós.
Discute-se em que data termina o período chamado
“patrístico”. Bons autores colocam o século VII no Ocidente,
e o século VIII no Oriente. Por isso, procurei não contemplar
textos posteriores ao século VIII.
Sendo que procurei evitar ao máximo a citação de textos
que já constem no ofício das leituras da Liturgia das Horas,
posso afirmar com segurança que cerca de 90% dos textos
deste livro são inéditos em português.
Gostaria de dizer que este é um trabalho simples para os
simples. Foi pensado com carinho em vista dos evangelhos
dominicais e algumas solenidades semanais. Não busquem
aqui o rigor científico; o que não significa o esmero em
fornecer uma tradução agradável e fiel, a partir das línguas
vivas. Sempre que se fez necessário, os textos foram
cotejados com outras versões francesas ou italianas,
algumas vezes inclusive com o texto latino. Já os termos
clássicos da teologia foram rigorosamente traduzidos.
Mantive a maior parte dos textos bíblicos utilizados pelos
Padres (Vulgata, Setenta), porque se utilizasse uma versão
atual poderia não se encaixar na explicação do texto.
Tive um professor de Filosofia que dizia para nós, seus
alunos, para irmos direto às fontes, ou seja, aos textos dos
filósofos. Depois caberia ler introduções e estudos a
respeito. Acho que ele me influenciou: por isso não escrevi
uma introdução ao livro, mas apenas este prefácio, para que
o leitor vá “direto às fontes”. Uma boa leitura a todos.
O autor
Páscoa de 2013.
Ano A
Tempo do Advento 1º Domingo do
Advento LEITURAS: Is 2,1-5; Sl 121;
Rm 13,11-14
EVANGELHO: Mt 24,37-44
SANTOS PADRES:
1) Santo Efrém, diácono e doutor da Igreja (séc. IV)
Comentário sobre o Diatessaron 18,15-17
(SC 121, 325-328; cf. tb. LH, vol. I, p. 144)
“Vigiai: Cristo virá de novo”
Para impedir qualquer pergunta de seus discípulos a
respeito do seu advento, Cristo disse: Essa hora ninguém o
sabe, nem os anjos, nem mesmo o Filho; e não vos cabe
conhecer os dias e os tempos. Ele quis ocultar-nos isto para
que permaneçamos vigilantes, e para que cada um de nós
possa pensar que esse acontecimento sobrevirá durante a
sua vida. Se o tempo de seu retorno tivesse sido revelado,
sua vinda seria vã, e as nações e os séculos em que ela
acontecerá já não mais a desejariam. Ele disse com muita
clareza que virá, mas não precisou em que momento. Desta
forma, todas as gerações e épocas da história o esperam
ardentemente.
Mesmo que o Senhor tenha dado a conhecer os sinais de
sua vinda, não fica claro quando acontecerá, pois estes
sinais, submetidos a uma troca constante, tanto tem
aparecido como já passaram, e, podemos dizer mais, eles
ainda continuam. A última vinda do Senhor, de fato, será
semelhante à primeira, pois, do mesmo modo que os justos
e os profetas o desejavam, crendo que ele apareceria na
sua época, assim, cada um dos atuais fiéis deseja recebê-lo
na sua, porque Cristo não revelou o dia de sua aparição. E
não o revelou para que ninguém pense que ele – que é
soberano do decurso e do tempo – está submetido a algum
imperativo ou a alguma hora. O que o próprio Senhor
estabeleceu, como poderia lhe estar oculto, visto que
pessoalmente detalhou os sinais de sua vinda? Estes sinais
foram destacados para que, desde então, todos os povos e
todas as épocas pensassem que o advento de Cristo se
realizaria em sua própria época.
Velai, portanto, quando o corpo dorme, porque nesta
ocasião é a natureza quem nos domina, e nossa atividade
não se encontra dirigida pela vontade, mas pelos impulsos
da natureza. E quando reina sobre a alma um pesado
torpor, por exemplo, a pusilanimidade ou a melancolia, é o
inimigo que domina a alma e a conduz contra sua aspiração
natural. Apropria-se do corpo a força da natureza, e da alma
o inimigo.
Por isso nosso Senhor falouda vigilância da alma e do
corpo, para que o corpo não caia em um pesado torpor,
nem a alma no entorpecimento e temor, como diz a
Escritura: Despertai, como é justo; e também: Eu me
levantei e estou contigo; e ainda: Não vos acovardeis. Por
tudo isso, nós, encarregados deste ministério, não nos
acovardamos.
2) Santo Hilário de Poitiers, doutor da Igreja (séc. IV)
Tratado sobre o Salmo 14,4-5
(CSEL 22, 86-88; cf. tb. LH, vol. I, p. 167) “O fundamento
de nosso edifício é Cristo”
O primeiro e mais importante degrau que deve ascender
aquele que tende às coisas celestiais é habitar nesta tenda
e ali – afastado das preocupações mundanas e
abandonando os negócios deste mundo –, passar toda a sua
vida, noite e dia, à imitação de muitos santos que jamais se
afastaram da tenda.
Sob o nome de “monte” – sobretudo quando se trata das
coisas celestiais – temos de imaginar o mais alto e sublime.
E existe algo mais sublime do que Cristo? Mais digno do que
o nosso Deus? “Seu monte” é o corpo que assumiu de nossa
natureza, e no qual agora habita, sublime e excelso acima
de todo principado e potestade, e acima de todo nome.
Sobre este monte está edificada a cidade que não pode
permanecer oculta, pois como diz o apóstolo: Ninguém pode
pôr outro fundamento além do que já foi posto, que é Jesus
Cristo. Portanto, como os que pertencem a Cristo foram
eleitos no seu corpo antes da fundação do mundo, e a Igreja
é o corpo de Cristo, e Cristo é o fundamento de nosso
edifício – assim como a cidade edificada sobre o monte –,
disto concluímos que Cristo é aquele monte em que se
perguntam quem poderá habitar.
Em outro salmo lemos a respeito deste mesmo monte:
Quem pode subir ao monte do Senhor? Quem pode habitar
no recinto sagrado? E Isaías confirma a asserção dizendo:
Ao final dos tempos estará firme o monte da casa do Senhor
e dirão: Vinde, subamos ao monte do Senhor, a casa do
Deus de Jacó. E também Paulo afirma: Vós vos aproximastes
do Monte Sião, a cidade do Deus vivo, a Jerusalém do céu.
Ora, se toda nossa esperança de repouso se radica no corpo
de Cristo, e se, por outro lado, temos de descansar no
monte, não podemos entender por “monte” nada mais que
o corpo que Cristo assumiu de nós, antes do qual era Deus,
no qual era Deus, e mediante o qual transformou nosso
humilde corpo, segundo o protótipo do seu corpo glorioso,
contanto que cravemos em sua cruz os vícios de nosso
corpo, para ressuscitar conforme o seu modelo.
Com efeito, a ele se ascende depois de haver pertencido à
Igreja, nele se descansa a partir da sublimidade do Senhor,
nele seremos associados aos coros angélicos, quando
também formos cidade de Deus. Repousa-se, porque cessou
a dor produzida pela enfermidade, cessou o medo
procedente da necessidade, e gozando todos da plena
harmonia, fruto da eternidade, descansarão nos bens fora
dos quais nada mais se pode desejar.
Por isso a pergunta: Senhor, quem pode hospedar-se em
tua tenda e habitar em teu monte santo? Responde o
Espírito Santo pela boca do profeta: O que procede
honestamente, e pratica a justiça. Portanto, na resposta nos
é dito que aquele que procede honestamente, e vive
afastado de qualquer mancha de pecado, é aquele que,
depois do banho batismal, não voltou a se manchar com
nenhuma espécie de imundície, mas permanece imaculado
e resplandecente. Já é uma grande coisa abster-se do
pecado; contudo, não é este o descanso que segue o
itinerário estabelecido: na pureza de vida inicia-se o
caminho, mas não é o seu ápice. De fato, o texto continua:
E pratica a justiça. Não basta projetar o bem, é necessário
colocá-lo em prática; e a boa vontade não é o suficiente
para iniciá-lo: é mister levá-lo à perfeição.
2º Domingo do Advento LEITURAS: Is 11,1-
10; Sl 71; Rm 15,4-9
EVANGELHO: Mt 3,1-12
SANTOS PADRES:
1) Santo Eusébio de Cesareia (séc. IV)
Comentário sobre o livro do Profeta Isaías 40
(PG 24, 366-367) “Uma voz grita no deserto”
Uma voz clama no deserto: Preparai o caminho do Senhor,
endireitai suas veredas. O profeta declara abertamente que
seu vaticínio não se realizará em Jerusalém, mas no
deserto; isto é: que sua glória se manifestará, e a salvação
de Deus chegará ao conhecimento de todos os homens.
E tudo isto, de acordo com a história e a escrita, cumpriu-
se exatamente quando João Batista pregou o advento
salvador de Deus no deserto do Jordão, onde a salvação
divina se tornou visível. Pois Cristo e sua glória tornaram-se
manifestos para todos quando, uma vez batizado, abriram-
se os céus e o Espírito Santo desceu em forma de pomba e
pousou sobre ele, enquanto se ouvia a voz do Pai que dava
testemunho de seu Filho: Este é meu Filho amado; escutai-o.
Tudo isto se dizia porque Deus se manifestaria no deserto,
lugar que sempre foi intransitável e inacessível. Tratava-se,
de fato, de todos os povos privados do conhecimento de
Deus, e com os quais não puderam entrar em contato os
justos e os profetas.
Por esta razão, aquela voz manda preparar um caminho
para a Palavra de Deus, assim como aplainar os seus
obstáculos e asperezas, para que, quando chegar o nosso
Deus, ele possa caminhar sem dificuldade. Preparai um
caminho ao Senhor: trata-se da pregação evangélica e de
uma nova consolação, com o desejo de que a salvação de
Deus chegue ao conhecimento de todos os homens.
Sobe a um monte elevado, arauto de Sião; retumba a voz,
arauto de Jerusalém. Estas expressões dos antigos profetas
se encaixam muito bem, e se referem oportunamente aos
evangelistas. Após ter falado da voz que grita no deserto,
são elas que anunciam o advento de Deus aos homens.
Assim, após a profecia de João Batista, segue-se de forma
coerente a menção dos evangelistas.
Qual é esta Sião senão aquela mesma que antes se
chamava Jerusalém? E ela mesma era aquele monte ao qual
a Escritura se refere, dizendo: O Monte Sião onde puseste
tua morada; e o apóstolo: Vos aproximastes do Monte Sião.
Tais expressões não estarão aludindo ao coro apostólico,
escolhido dentre o primitivo povo da circuncisão?
E esta Sião e Jerusalém é aquela que recebeu a salvação
de Deus, a mesma que por sua vez se ergue magnífica
sobre o monte de Deus, ou seja, sobre o seu Verbo
unigênito: a qual Deus ordena que, uma vez elevada ao
sublime cume, anuncie a palavra de salvação. E quem é o
que evangeliza a não ser o coro dos apóstolos? E o que é
evangelizar? É pregar a todos os homens, e em primeiro
lugar às cidades de Judá, que Cristo veio à terra.
2) Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja (séc. V)
Sermão 109,1
(PL 38, 636) “Convertei-vos, porque está próximo o
Reino dos Céus”
Escutamos o Evangelho, e no Evangelho ao Senhor
revelando a cegueira daqueles que são capazes de
interpretar o aspecto do céu, porém são incapazes de
discernir o tempo da fé em um Reino dos Céus que já está
chegando. Ele dizia isto aos judeus, mas as suas palavras
afetam também a nós. E o próprio Jesus Cristo começou a
pregação de seu Evangelho desta forma: Convertei-vos,
porque está próximo o Reino dos Céus. Da mesma forma,
João o batista, seu precursor, começou assim: Convertei-
vos, porque está próximo o Reino dos Céus. E agora o
Senhor corrige aqueles que se negam a converterem-se, já
estando próximo o Reino dos Céus. O Reino dos Céus –
como ele mesmo afirma – não virá de uma maneira
surpreendente. E acrescenta: O Reino de Deus está dentro
de vós.
Que cada um receba com prudência as advertências do
preceptor, se não quer perder a hora de misericórdia do
Salvador, misericórdia que se concede no contexto atual,
em que ao gênero humano se oferece o perdão.
Precisamente ao homem se presenteia o perdão para que se
converta e não exista a quem condenar. Isso Deus decidirá
quando chegue o fim do mundo; mas de momento nos
encontramos no tempo da fé. Se o fim do mundo encontrará
ou não aqui a alguns de nós, eu o ignoro; possivelmente não
encontre a nenhum. O certo é que o tempo de cada um de
nós está próximo, porque somos mortais. Andamos nomeio
de perigos. Assustam-nos mais as quedas do que se
fôssemos de vidro. E existe algo mais frágil do que um vaso
de cristal? Mas, contudo, conserva-se e dura séculos. E
mesmo que se possa temer a queda de um vaso de cristal,
não existe medo de que a velhice ou a febre o afete.
Somos, portanto, mais frágeis do que o cristal, porque
devido, sem dúvida, a nossa própria fragilidade, cada dia
nos espreita o temor dos numerosos e constantes acidentes
inerentes à condição humana; e ainda que estes temores
não cheguem a se concretizar, o tempo corre: e o homem
que pode evitar um golpe, poderá também evitar a morte?
E se consegue escapar dos perigos exteriores, conseguirá
evitar também os que vêm de dentro? Algumas vezes são
os vírus que se multiplicam no interior do homem, outras é
a enfermidade que se abate subitamente sobre nós; e
mesmo que o homem consiga ver-se livre dessas taras, a
velhice acabará finalmente por chegar a ele, sem moratória
possível.
3º Domingo do Advento LEITURAS: Is 35,1-
6a; Sl 145; Tg 5,7-10
EVANGELHO: Mt 11,2-11
SANTOS PADRES:
1) Santo Ambrósio, bispo e doutor da Igreja (séc. IV)
Exposição sobre o Evangelho de São Lucas 1,5.93-95.99-
102.109
(CCL 14, 165-166; 167-168; 171-177) “És tu o que virá ou
devemos esperar a outro?”
João enviou dois dos seus discípulos para perguntar a
Jesus: És tu aquele que virá ou devemos esperar a outro?
Não é fácil a compreensão destas palavras simples, ou, do
contrário, este texto estaria em desacordo com o que foi
dito anteriormente. Na realidade, como João pôde afirmar
aqui que desconhece a quem anteriormente havia
reconhecido por revelação de Deus Pai? Como é que
naquela ocasião conheceu o que previamente desconhecia,
enquanto que agora parece desconhecer ao que já conhecia
antes? Eu – disse ele – não o conhecia, porém aquele que
me enviou a batizar com água me disse: Aquele sobre quem
vires baixar o Espírito Santo... E João acreditou no oráculo,
reconheceu aquele que foi revelado, adorou o que foi
batizado e profetizou sobre o enviado dizendo: E eu o vi e
dou testemunho de que este é o escolhido de Deus.
Portanto, como aceitar sequer a possibilidade de que tão
grande profeta tenha se equivocado, até o ponto de não
considerar como Filho de Deus àquele de quem tinha
afirmado: Este é o que tira o pecado do mundo?
Por conseguinte, já que a interpretação literal é
contraditória, busquemos o seu sentido espiritual. João,
como já afirmamos, era tipo da lei precursora de Cristo. E é
correto afirmar que a lei – acorrentada materialmente como
estava nos corações dos que não têm fé, como em cárceres
privados da luz eterna, e constrangida por entranhas
fecundas em sofrimentos e insensatez –, era incapaz de
levar a pleno cumprimento o testemunho da divina
economia sem a garantia do Evangelho. Por isso João envia
a Cristo dois de seus discípulos, para conseguir um
complemento de sabedoria, visto que Cristo é a plenitude
da lei.
Além do mais, sabendo o Senhor que ninguém consegue
ter uma fé plena sem o Evangelho – sendo que a fé começa
no Antigo Testamento, mas não se consuma senão no Novo
–, da pergunta sobre sua própria identidade, responde não
com palavras, mas com fatos: Ide, disse ele, anunciar a João
o que estais vendo e ouvindo: os cegos veem e os
paralíticos andam, os leprosos ficam limpos e os surdos
ouvem, os mortos ressuscitam e aos pobres lhes é
anunciado a boa notícia. Contudo, estes exemplos
mencionados pelo Senhor ainda não são os definitivos: A
plenificação da fé é a cruz do Senhor, sua morte e sua
sepultura. Por isso, completa suas afirmações anteriores
dizendo: E feliz é aquele que não se escandaliza por causa
de mim!
É verdade que a cruz se apresenta como motivo de
escândalo inclusive para os escolhidos, porém, também é
verdade que não existe maior testemunho de uma pessoa
divina, nada há mais sublime que a total oblação de um só
pela salvação do mundo. Só este fato o corrobora
plenamente como Senhor. Dizendo de outra forma, é assim
que João o designa: Este é o Cordeiro de Deus que tira o
pecado do mundo. Na verdade, esta resposta não está
dirigida apenas para aqueles homens, discípulos de João:
vai dirigida a todos nós, para que creiamos no Cristo
baseados nos fatos.
Então, o que fostes ver? Um profeta? Sim, eu vos digo, e
alguém que é mais do que profeta. Porém, como é que
queriam ver a João no deserto, se estava preso na cadeia? O
Senhor nos propõe como modelo aquele que lhe havia
preparado o caminho, não só precedendo-o por seu
nascimento segundo a carne e anunciando-o com a fé, mas
também lhe antecipando com sua gloriosa paixão. Sim,
mais que um profeta, já que é ele quem encerra a sucessão
dos profetas; mais do que um profeta, já que muitos
desejaram ver a quem ele profetizou, a quem ele
contemplou, a quem ele batizou.
2) São Cirilo de Alexandria, doutor da Igreja (séc. V)
Comentário sobre o livro do Profeta Malaquias 3,32
(PG 72, 330-331)
“Virá o Senhor, e a sua doutrina superará a lei”
Eis que envio o meu mensageiro para preparar o caminho
diante de mim. Estas palavras proféticas foram
oportunamente acomodadas ao mistério de Cristo. Deus Pai
o tornou nosso Emanuel: justiça, santificação e redenção,
purificação de toda maldade, libertação do pecado,
desprezo de toda desonestidade, caminho para um jeito
mais digno e santo de se viver e, porta de acesso à vida
eterna. Por ele foram corrigidas todas as coisas, destruído o
poder do diabo, e reencontrada a justiça.
Eis que envio o meu mensageiro para preparar o caminho
diante de mim. Estas palavras parecem anunciar ao Batista,
pois o próprio Cristo disse em outro lugar: é dele que está
escrito: Eis que envio o meu mensageiro para preparar o
caminho diante de ti. Isto mesmo o confirma o próprio São
João, quando interpelava os que a ele recorriam para
receberem o batismo de conversão, dizendo: Eu vos batizo
com água, porém, depois de mim virá aquele do qual não
sou digno nem de desatar a correia de suas sandálias: Ele
vos batizará com o Espírito Santo e com fogo.
Repentinamente entrará no santuário o Senhor a quem
vós buscais, o mensageiro da aliança que vós tanto
desejais. Veja como Cristo veio repentinamente depois de
seu precursor: manteve-se oculto a todos os judeus,
aparecendo entre eles de forma súbita e inesperada.
Dizemos que o santo Batista é chamado de “anjo”: não
por natureza, visto que ele nasceu de uma mulher, homem
como nós, mas porque lhe foi confiada a missão de pregar-
nos e anunciar-nos a Cristo, missão esta que é tipicamente
angélica. João é “anjo” por ofício, e não por condição
angélica.
Diz-se que entrará no santuário, seja porque a Palavra se
fez carne e nela habitou como em um santuário, santuário
este que assumiu do castíssimo corpo da Santíssima
Virgem; seja como homem completo, possuindo alma e
corpo, e que segundo a fé foi formado sem intermediário
pela divina providência; ou simplesmente por santuário
podemos entender Jerusalém, como cidade santa e
consagrada a Deus; ou também a Igreja da qual Jerusalém
era a imagem. Além do mais, sua vinda ou presença, Cristo
a promulgou através de muitas obras magníficas:
Proclamando o Evangelho do Reino, curando as
enfermidades e sofrimentos do povo, tal como está escrito.
Entrará o Senhor – diz –, a quem vós buscais, os que dizeis
em sua covardia: Onde está o Deus da justiça? Ele virá,
pois, e sua doutrina superará a lei, os símbolos e as figuras,
e será o mensageiro da aliança, outrora anunciada pela
boca de Deus Pai. Em certa citação dos livros santos, diz-se
ao sábio Moisés: Suscitarei um profeta como você, dentre
teus irmãos, porei minhas palavras em sua boca, e
anunciará o que eu ordenar.
Que Cristo é o mensageiro do Novo Testamento, o atesta
Isaías ao dizer: Porque o calçado que pisa destemido, e o
manto manchado de sangue serão lançados ao fogo. Porque
um menino nos nasceu, um filho nos foi dado; a soberania
repousa sobre seus ombros, e seu nome é: Conselheiroadmirável. Conselheiro incontestável de Deus Pai.
4º Domingo do Advento LEITURAS: Is 7,10-
14; Sl 23; Rm 1,1-7
EVANGELHO: Mt 1,18-24
SANTOS PADRES:
1) São Beda o Venerável, doutor da Igreja (séc. VIII)
Sermão 5 na Vigília do Natal
(CCL 122, 32-36)
“Ó grande e insondável mistério!”
Em poucas palavras, porém cheias de realismo, o
evangelista São Mateus descreve o nascimento de nosso
Senhor e Salvador Jesus Cristo, pelo qual o Filho de Deus,
eterno antes do tempo, apareceu no tempo como Filho do
homem. Conduzindo o evangelista à sucessão genealógica,
partindo de Abraão até chegar a José, o esposo de Maria, e
enumerar – conforme o modo costumeiro de narrar às
gerações humanas – a totalidade seja dos genitores como
dos gerados, e dispondo-se a falar do nascimento de Cristo
ressaltou a enorme diferença que existe entre ele e os
demais nascimentos: os outros nascimentos ocorrem
através da união normal do homem e da mulher, enquanto
que ele, por ser o Filho de Deus, veio ao mundo através de
uma Virgem. E era conveniente sob todos os aspectos que
Deus, ao decidir tornar-se homem para salvar os homens,
não nascesse senão de uma virgem, pois era impensável
que uma virgem não gerasse a nenhum outro, senão a um
que, sendo Deus, ela o gerasse como Filho.
Eis que, disse o profeta, a Virgem conceberá, e dará à luz
um filho, e lhe porá o nome de Emanuel (que significa “Deus
conosco”). O nome que o profeta dá ao Salvador, “Deus
conosco”, indica a dupla natureza de sua única pessoa. Na
verdade, aquele que é Deus nascido do Pai antes de todos
os séculos, é o mesmo que, na plenitude dos tempos,
tornou-se, no seio materno, no Emanuel, isto é, em “Deus
conosco”, porque se dignou assumir a fragilidade de nossa
natureza na unidade de sua pessoa, quando a Palavra se fez
carne e habitou entre nós, isto é, quando de modo
admirável começou a ser o que nós somos, sem deixar de
ser o que era, assumindo de tal forma nossa natureza que
não ficasse obrigado a deixar de ser o que ele era.
Maria deu à luz, pois, a seu filho primogênito, isto é, ao
filho de sua própria carne. Deu à luz aquele que, antes da
criação, nasceu Deus de Deus, e na humanidade, na qual foi
criado, superava superabundantemente a toda criatura. E
ele lhe pôs, diz, o nome de Jesus. Jesus é o nome do filho
que nasceu da Virgem; nome que significa – conforme a
explicação angélica – que ele salvaria o seu povo dos seus
pecados. E aquele que salva dos pecados salvará da mesma
forma das corruptelas da alma e do corpo, que são sequela
do pecado.
A palavra “Cristo” designa a dignidade sacerdotal ou
régia. Na lei, tanto os sacerdotes como os reis eram
chamados “cristos” pela crisma, isto é, pela unção com o
óleo sagrado: Eram um sinal de alguém que, ao manifestar-
se no mundo como verdadeiro Rei e Pontífice, foi ungido
com o óleo de júbilo entre todos os seus companheiros.
Devido a esta unção ou crisma, é chamado Cristo; aos que
participam desta unção, ou seja, desta graça espiritual, são
chamados de “cristãos”. Que ele, por ser nosso Salvador,
nos salve de nossos pecados; enquanto Pontífice nos
reconcilie com Deus Pai; na sua qualidade de Rei, digne-se
conceder-nos o reino eterno de seu Pai, Jesus nosso Senhor,
que com o Pai e o Espírito Santo vive e reina e é Deus, por
todos os séculos dos séculos. Amém.
2) São Cirilo de Alexandria, doutor da Igreja (séc. V)
Comentário sobre o livro do Profeta Isaías 4,2
(PG 70, 955-958)
“Deus Pai o tornou misericórdia e justiça para nós”
Anteriormente já falávamos longamente sobre Ciro, rei
dos medos e dos persas, que devastou a região da Babilônia
e a trucidou pela força, aliviou Israel da escravidão que lá
sofria, afrouxou as cadeias do seu cativeiro, reconstruiu o
Templo de Jerusalém, e foi instigado contra os caldeus pelo
próprio Deus, que lhe abriu as portas de bronze, e quebrou
os ferrolhos de ferro.
Porém, nesta narração se tratava de um fato particular,
visto que unicamente os israelitas deviam ser colocados em
condições de paz e libertados da angústia da servidão. Em
seguida todo o interesse da narração passa a se centrar no
Emanuel, que foi enviado por Deus Pai para anunciar aos
cativos a liberdade e aos cegos a vista; para libertar do mal
aos que se encontravam irremediavelmente aprisionados
por seus pecados; para atrair novamente a si todos os
habitantes da terra já resgatados da tirania do diabo, e
conduzi-los desta maneira, através de sua mediação, a
Deus Pai.
Desta forma tornou-se o mediador entre Deus e os
homens, e por ele somos reconciliados com o Pai em um só
Espírito, porque, como diz a Escritura, ele é a nossa paz. Ele
restaurou o lugar sagrado, isto é, seu templo, que é a Igreja.
Pois ele a colocou diante de si como uma virgem pura, sem
mancha nem ruga nem nada que se lhe assemelhe, mas
santa e imaculada. Pela qual nos é concedido ver em Ciro e
em seus gestos uma magnífica figura dos divinos e
admiráveis benefícios que Deus concedeu a todos os
habitantes da terra. E justamente esta é a finalidade pela
qual estes gestos foram recordados.
Alegre-se, portanto, o céu superior, isto é, os que vivem
na cidade do além, estabelecidos em uma morada distinta e
maravilhosa: os anjos e os arcanjos. Dizemos que foi motivo
de alegria para os espíritos celestiais a conversão a Deus,
por meio de Cristo, Salvador de todos nós, dos homens
perdidos desta terra, e também a recuperação da vista
pelos cegos: em uma palavra, a salvação do que estava
perdido. Se já se alegram por um só pecador que faz
penitência, como duvidar que exultem de alegria ao
contemplar o mundo todo salvo? Por isso diz: Céus, manai o
orvalho; nuvens, derramai a vitória.
Nós entendemos por misericórdia a caridade, que é o
cumprimento da lei, acompanhada da justiça evangélica,
cujo dispensador e mestre é, para nós, o Cristo. Pode
afirmar-se também que a misericórdia e a justiça que
nascem e brotam da terra são Nosso Senhor Jesus Cristo em
pessoa, pois Deus Pai o tornou para nós misericórdia e
justiça, isto se realmente temos obtido nele a misericórdia
e, justificados com o perdão das culpas passadas,
recebemos dele a justiça que pode tornar-nos herdeiros de
todos os bens, e é o caminho de nossa salvação.
E se da terra manda-se germinar a justiça, que ninguém
se ofenda, levando em conta que o salmista usa a mesma
expressão para com Deus Pai e o próprio Emanuel: Realizou
a justiça na terra. Na realidade Cristo não vestiu nossa
carne do alto dos céus, mas, segundo a carne, nasceu de
uma mulher, uma das que estão na terra. Portanto, quando
se diz que Cristo é fruto e gérmen da terra, deves entender,
como acabo de dizer, que nasceu segundo a carne de uma
mulher eleita especialmente para este ministério, mesmo
sendo apenas mais uma das criaturas da terra.
Tempo do Natal Missa da noite
LEITURAS: Is 9,1-6; Sl 95; Tt 2,11-14
EVANGELHO: Lc 2,1-14
SANTOS PADRES:
1) São Teódoto de Ancira (séc. V)
Sermão na natividade do Senhor
(Edic. Schwartz, ACO. T. 3, parte 1, 157-159. Cf. La vie
spirituelle, dic. 1967, 509-510) “O dono de tudo veio em
forma de servo”
O dono de tudo veio em forma de servo, revestido de
pobreza, para não afugentar a sua presa. Tendo escolhido
para nascer a insegurança de um campo indefeso, nasce de
uma virgem pobrezinha, imerso na pobreza, para, no
silêncio, dar caça ao homem e assim salvá-lo. Pois de ter
nascido no meio do rumor, e se estivesse rodeado de
riqueza, os infiéis teriam dito, e com razão, que tinha sido a
abundância de riqueza o que havia operado a
transformação em volta da terra. E se tivesse escolhido
Roma, naquela ocasião a cidade mais poderosa, teriam
pensado que era o poderio de seus cidadãos o que tinha
mudado o mundo. De ter sido o filho do imperador, sua obra
beneficente estaria inscrita como consequência das
influências; se tivesse nascido filho de um legislador, sua
reforma social seria considerada fruto do ordenamento
jurídico.
E o que fez? Escolheu todo o que é desprezívele pobre,
todo o insignificante e ignorado pela grande massa, a fim de
dar a conhecer que a divindade era a única (fonte)
transformadora da terra. Este é o motivo pelo qual escolheu
uma mãe pobre, uma pátria ainda mais pobre, e ele mesmo
escasso de recursos.
Aprenda a lição do presépio. Não tendo leito para deitar
ao Senhor, ele é colocado em um presépio, e a indigência
daquele que é o mais imprescindível se converte em
privilegiado anúncio da profecia. Foi colocado em um
presépio para indicar que iria converter-se em alimento até
mesmo dos irracionais. De fato, vivendo na pobreza e
deitado no presépio, a Palavra e Filho de Deus atrai a si
tanto aos ricos como aos pobres, aos eloquentes como aos
de poucas palavras.
Observa como a ausência de bens deu cumprimento à
profecia, e como a pobreza tornou acessível a todos aquele
que por nós se fez pobre. Ninguém teve dúvida em acorrer
por temor às abundantes riquezas de Cristo; ninguém sentiu
o acesso bloqueado pelo esplendor do poder: ele se mostrou
próximo e pobre, oferecendo-se a si mesmo pela salvação
de todos.
Mediante a corporeidade assumida o Verbo de Deus se faz
presente no presépio, para tornar possível que todos,
racionais e irracionais, participem do alimento de salvação.
E penso que era o que anteriormente havia pregado o
profeta desvelando-nos o mistério deste presépio: O boi
conhece o seu possuidor, e o asno, o presépio de seu dono.
Israel não me conhece, meu povo não medita. O que é rico
por nós se fez pobre, tornando visível a todos a salvação
com a força da divindade. Referindo-se a isto dizia também
o grande São Paulo: Sendo rico se fez pobre, para
enriquecer-nos com a sua pobreza.
Porém, quem era o que nos enriquecia? De que nos
enriquecia? E como ele se fez pobre por nós? Diga-me, por
favor: Quem, sendo rico, se fez pobre com minha pobreza?
Será o que apareceu feito homem? Mas este nunca foi rico,
mas nasceu pobre de pais pobres. Quem era, pois, rico, e
com o que nos enriquecia o que por nós se fez pobre? Deus
– diz – enriquece a criatura. Portanto, é Deus quem se fez
pobre, fazendo sua a pobreza do que se tornava visível; ele
é verdadeiramente rico em sua divindade, e por nós se fez
pobre.
2) São Pedro Crisólogo, doutor da Igreja (séc. V)
Sermão 149
(PL 52, 598-599)
“Paz é o nome pessoal de Cristo”
Ao chegar o Senhor e Salvador nosso, e ao fazer sua
aparição corporal, os anjos, dirigindo os coros celestiais
evangelizavam aos pastores dizendo: Anuncio-vos uma boa-
nova, uma grande alegria para todo o povo. Utilizando as
mesmas palavras dos santos anjos, também nós vos
anunciamos uma grande alegria.
De fato, hoje a Igreja está em paz; hoje a nave da Igreja
chega ao porto; hoje, caríssimos, é exaltado o povo de Deus
e humilhados os inimigos da verdade; hoje Cristo se alegra
e o diabo geme; hoje os anjos vivem em exultação e os
demônios confusos. Que mais direi? Hoje Cristo, que é o Rei
da paz, içando sua paz pôs em fuga as divisões, cobriu de
confusão a discórdia e, como o céu com o esplendor do sol,
assim ilumina a Igreja com o fulgor da paz. Porque hoje vos
nasceu um Salvador.
Que desejável é a paz! Que fundamento mais estável é a
paz para a religião cristã, e que adorno celeste para o altar
do Senhor! O que poderíamos dizer para elogiar a paz? A
paz é o nome pessoal de Cristo, como diz o apóstolo: Cristo
é nossa paz, ele fez de dois povos uma realidade única.
Entretanto, assim como ante a visita de um rei se limpam as
praças e toda a cidade é um festim de luzes e flores, de
forma que não haja nada que ofenda a vista do ilustre
visitante, a mesma coisa acontece agora: diante da vinda
de Cristo, rei da paz, deve-se remover do meio toda a
tristeza e, ante o esplendor da verdade, deve pôr-se em
fuga a mentira, desaparecer a discórdia, resplandecer a
concórdia.
Por isso, mesmo quando na terra os santos realizam o
elogio da paz, onde seus louvores alcançam o nível mais
alto é no céu: os santos anjos louvam e proclamam: Glória a
Deus no céu, e na terra paz aos homens por Ele amados.
Estão vendo, irmãos, como existe um intercâmbio da paz
entre todas as criaturas do céu e da terra: os anjos do céu
anunciam a paz à terra, e os santos da terra louvam em
uníssono a Cristo, que é a nossa paz, já elevado aos céus; e
os místicos coros cantam a uma só voz: Hosana no céu!
Portanto, digamos juntamente com os anjos: Glória a Deus
no céu, que humilhou o diabo e exaltou a Cristo. Glória a
Deus no céu, que pôs em fuga a discórdia e consolidou a
paz.
Missa do dia LEITURAS: Is 52,7-10; Sl 97; Hb
1,1-6
EVANGELHO: Jo 1,1-18
SANTOS PADRES:
1) Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja (séc. V)
Sermão sobre o nascimento do Senhor 188,2-4
(PL 38, 1.003-1.004)
“O dia de hoje nos leva ao dia eterno”
No princípio existia a Palavra, e a Palavra estava junto de
Deus, e a Palavra era Deus, e também: a Palavra se fez
carne e habitou entre nós. Talvez possamos dizer o motivo
pelo qual habitou entre nós; talvez ele possa ser explicável
onde quis ser visível. Por isso celebramos também este dia
em que se dignou nascer de uma virgem, permitindo que,
de alguma forma, sua geração fosse narrada pelos homens.
Mas quem narrará sua geração, isto é, aquela que teve
lugar na eternidade, e pela qual nasceu Deus de Deus?
Eternidade na qual não existe um dia que possa ser
celebrado solenemente, que passa para voltar cada ano,
mas que permanece sem ocaso, porque também não teve
aurora. Assim, a Palavra única de Deus, a vida e luz dos
homens, é o dia eterno. Em vez disso temos este em que,
unido à carne humana, fez-se como esposo que sai de seu
leito nupcial, e que agora lhe chamamos hoje, porém,
amanhã lhe chamaremos ontem. No entanto, o dia de hoje
nos leva ao dia eterno, porque o dia eterno, ao nascer de
uma virgem, tornou sagrado o dia de hoje.
Que louvores proclamaremos, pois, ao amor de Deus!
Quantas graças temos de lhe dar! Tanto nos amou que por
nós foi feito no tempo aquele por quem foram feitos os
tempos, e neste mundo teve idade menor que muitos de
seus servos aquele que era mais antigo que o mundo por
sua eternidade. Tanto nos amou que se fez homem aquele
que fez o homem; foi criado por uma mãe a qual ele tinha
criado; foi levado nas mãos que ele formou, se amamentou
do peito que ele encheu, e chorou no presépio a infância
muda, a Palavra sem a qual é muda a eloquência humana.
Considera, ó homem, o que Deus veio a ser por ti;
aprende a doutrina de tão grande humildade da boca
daquele doutor que ainda não fala. Em outra época, no
paraíso, tu foste tão fecundo que impuseste o nome a todo
ser vivente; apesar disso, deitado no presépio sem falar,
estava o teu Criador; sem chamar por seu nome, nem
sequer a sua mãe. Tu, descuidando da obediência, te
perdeste no amplo jardim de árvores frutíferas; ele, por
obediência, veio em condição mortal a um estábulo
apertado, para buscar, mediante a morte, ao que estava
morto. Tu, sendo homem e para tua perdição, quiseste ser
Deus; ele, sendo Deus, quis ser homem para encontrar o
que estava perdido. Tanto te oprimia a soberba humana,
que somente a humildade divina podia te levantar.
Celebremos, pois, com alegria o dia em que Maria deu à
luz o Salvador; a casada, ao Criador do matrimônio; a
virgem ao príncipe das virgens; ela que era virgem antes do
matrimônio, virgem no matrimônio, virgem durante o parto,
virgem quando amamentava. De fato, de nenhum modo o
filho todo-poderoso violou, ao nascer, a virgindade de sua
mãe, escolhida por ele.
2) Orígenes (séc. III)
Sobre os princípios 2,6,1-2
(PG 16, 209-211)
“Temos de contemplar o mistério de Cristo com o
maior temor e reverência”
Se considerarmos o que a Escritura santa nos refere de
sua majestade, e não perdemos de vista que Cristo Jesus é
imagem do Deus invisível, primogênito de toda criatura, e
que por meio dele foram criadas todas as coisas, as visíveis
e invisíveis; tudo foi criado por ele e para ele. Ele é anterior
a tudo,e ele sustenta todas as coisas, que é a cabeça de
todos, comprovamos a impossibilidade de colocar por
escrito o mistério da glória do Salvador.
Portanto, se considerarmos tantas e tais coisas como
foram ditas sobre a natureza do Filho de Deus, nos encherá
de admiração e de assombro o que uma natureza tão acima
de todo o criado, desde a altura de sua majestade, tenha-se
rebaixado até o aniquilamento, fazendo-se homem e
vivendo entre os homens.
Ele mesmo, antes de tornar-se visível em um corpo
mortal, enviou aos profetas na qualidade de precursores e
mensageiros de sua vinda. E depois de sua ascensão aos
céus, ordenou aos santos apóstolos, investidos com os
poderes de sua divindade – homens inexperientes e
iletrados, escolhidos dentre os publicanos e os pecadores –,
a percorrer toda a terra, para que, de toda raça e da
universalidade dos povos, congregassem-lhe um povo santo
que cresse nele.
Mas, entre todos os milagres e prodígios que dele
conhecemos, há um que excede de forma mais específica a
toda capacidade de admiração da inteligência humana: a
fragilidade da inteligência mortal não chega a compreender,
nem sequer a intuir que tão imenso poder da divina
majestade, o próprio Verbo do Pai e Sabedoria de Deus, por
meio da qual foram criadas todas as coisas, visíveis e
invisíveis, tenhamos de crer que estava circunscrita dentro
dos limites daquele homem que apareceu na Judeia. Ainda
mais: Essa fé nos convida a aceitar que a Sabedoria de
Deus penetrou no seio de uma mulher, que nasceu como
menino, que prorrompeu em prantos como qualquer outro
menino que chora. E, por fim, o que dele se conta, que se
perturbou na presença da morte, como o próprio Jesus
confessou dizendo: Minha alma está triste até a morte; e
finalizando, que foi conduzido a uma morte considerada
pelos homens como a mais ignominiosa, ainda que
ressuscite ao terceiro dia.
Contudo, quando observamos nele características tão
profundamente humanas, que em nada parecem se
diferenciar do comum dos mortais, e, por outro lado, outros
tão tipicamente divinos, que não combinam com nenhum
outro, a não ser com aquela primeira e inefável natureza da
deidade, a inteligência humana se angustia e, presa por
imenso assombro, não sabe ao que se fixar, ao que se
segurar, que direção tomar. Se o sente como Deus, o vê
mortal; se o considera homem, o vê voltar dos mortos
carregado de cativos, depois de ter destruído o domínio da
morte. Por isso, temos de contemplá-lo com o maior temor e
reverência.
Domingo na oitava do Natal Sagrada Família
LEITURAS: Eclo 3,3-7.14-17a; Sl 127; Cl 3,12-21
EVANGELHO: Mt 2,13-15.19-23
SANTOS PADRES:
1) São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja (séc.
V)
Sermão sobre o dia da natividade
(PG 56, 392)
“Junto ao Menino Jesus estão Maria e José”
Jesus entrou no Egito para pôr fim ao pranto da antiga
tristeza; suplantou as pragas pela alegria, e converteu à
noite e as trevas em luz de salvação.
Foi, então, contaminada a água do rio com o sangue dos
ternos meninos. Por isso entrou no Egito o que tinha
convertido a água em sangue, comunicou às águas vivas o
poder de aflorar a salvação, e purificou-as de seu lodo e
impureza com a virtude do Espírito. Os egípcios foram
atormentados e enfurecidos, e não reconheceram a Deus.
Entrou, pois, Jesus no Egito e, transbordando as almas
religiosas do conhecimento de Deus, deu ao rio o poder de
fecundar uma messe de mártires mais copiosa que a messe
de grãos.
O que mais direi, ou como seguir falando? Vejo a um
artesão e um presépio; vejo a um menino e os panos do
berço, vejo o parto da Virgem carente do mais
indispensável, todo marcado pela mais premente
necessidade; tudo sob a mais absoluta pobreza. Tem visto
fulgores de riqueza na mais extrema pobreza? Como, sendo
rico, fez-se tão pobre por nossa causa? Como é que não
dispôs nem de leito nem de cobertores, mas somente foi
depositado em um despojado presépio? Ó tesouro de
riqueza, dissimulado debaixo da aparência de pobreza!
Repousa no presépio, e faz tremer o orbe da terra; é envolto
em panos, e rompe as cadeias do pecado; ainda não
consegue articular palavra, e instrui aos magos induzindo-os
à conversão.
O que mais direi, ou como seguir falando? Vejam a um
menino envolto em panos e que descansa em um presépio;
com ele está Maria, que é Virgem e Mãe; José lhe
acompanhava, aquele que é chamado de pai.
José era somente o esposo: foi o Espírito quem a cobriu
com a sua sombra. Por isso José estava em um mar de
dúvidas, e não sabia como chamar ao menino. Esta é a
razão pela qual, aflito pela dúvida, recebe, por meio do anjo,
um oráculo do céu: José, não tenha dúvida em levar a tua
mulher, pois o que nela foi gerado procede do Espírito
Santo. De fato, o Espírito Santo cobriu a Virgem com a sua
sombra.
E por que ele nasce da Virgem e conserva intacta a sua
virgindade? Ora, porque em outro tempo o diabo enganou a
virgem Eva; por isso a Maria, que deu à luz sendo virgem,
foi Gabriel quem lhe comunicou a abençoada notícia. É
verdade que a seduzida Eva deu à luz uma palavra que
introduziu a morte; porém, também é verdade que, com
Maria, acolhendo a alegre notícia, gerou ao Verbo na carne,
e que nos mereceu a vida eterna.
2) São João Crisóstomo, bispo e doutor da Igreja (séc.
V)
Sermão 9 sobre o Evangelho de São Mateus “Para que se
cumprisse que seria chamado nazareno”
Morto já Herodes, o anjo do Senhor apareceu em sonhos a
José e lhe disse: Levanta-te, pega o menino e sua mãe, e
vai-te para a terra de Israel. Já não disse: foge; mas vai-te.
Aconselha o descanso depois da prova? Porque José voltou
depois do desterro, regressou a sua pátria e pôde ver ao
assassino dos meninos inocentes já morto. Mas apenas
retornou para a pátria e se encontrou com as relíquias dos
antigos perigos. Porque vivia e reinava um filho do tirano.
Perguntarás: Como foi que Arquelau reinasse na Judeia,
sendo governador Pilatos? A morte de Herodes era recente,
e seu reino ainda não tinha se dividido em várias partes.
Pela morte de Herodes, ficou com o poder seu filho. Mas
porque o irmão de Arquelau também se chamava Herodes,
o evangelista o distinguiu e disse: Em lugar de seu pai
Herodes.
Mas, se José temia ir à Judeia por causa de Arquelau, na
Galileia era-lhe necessário temer a Herodes filho. Contudo,
uma vez que José mudou de lugar, a questão acabou no
esquecimento, pois o ataque tinha sido contra Belém e seus
territórios. De maneira que Arquelau, uma vez concluída a
matança, pensou que tudo tinha terminado e que aquele a
quem ele buscava havia perecido entre os muitos que
morreram. Por outro lado, tendo visto como seu pai morreu,
ele se tornou um tanto moderado e não quis continuar a
perseguição nem compartir na perversidade. Assim
regressou José a Nazaré, tanto para fugir do perigo, como
para viver em sua amada pátria. E para que procedesse
com maior confiança, recebeu acerca disso o oráculo da
parte do anjo.
Entretanto, Lucas não diz que José tinha ido a Nazaré por
força da profecia; mas que, tendo terminado o (rito) da
purificação, desceram a Nazaré. O que dizer sobre isto? Que
Lucas o disse falando do tempo que precedeu a fuga ao
Egito. Porque não disse que foram lá antes da purificação, a
fim de que em nada se transgredisse a lei; mas que
esperaram até que concluíssem a Purificação e
regressassem a Nazaré, e depois foram ao Egito. Já
regressados do Egito, diz o evangelista que retornaram a
Nazaré. Na primeira vez nenhum oráculo lhes avisou que
regressassem, mas que por vontade própria fossem a sua
amada pátria. Não tendo ido a Belém a não ser por motivo
do censo, e não tendo encontrado lugar na hospedaria para
deter-se, apenas terminada a questão voltaram a Nazaré.
Agora, ao invés disso, o anjo os faz regressar a sua casa,
para que ali se estabeleçam. E isto não sem motivo, mas
porque assim estava profetizado. Para que se cumprisse o
que foi dito pelos profetas, que se chamaria Nazareno. Qual
dos profetas disseisto? Não o perguntes, nem o examines
com vã curiosidade. Muitos livros proféticos pereceram,
como pode ver-se pelos Paralipômenos...
1º de janeiro
Santa Maria, Mãe de Deus
LEITURAS: Nm 6,22-27; Sl 66; Gl 4,4-7
EVANGELHO: Lc 2,16-21
SANTOS PADRES:
1) Santo Agostinho, bispo e doutor da Igreja (séc. V)
Carta 140,6.11
(CSEL 44, 158-159; 162-163)
“Foi enviado Filho, não por adoção, mas por geração
eterna”
Porém, quando se cumpriu o tempo em que a graça,
oculta no Antigo Testamento, ia revelar-se no Novo, enviou
Deus a seu Filho, nascido de uma mulher. Sob este nome
compreende a língua hebraica a qualquer mulher, casada
ou solteira.
E para que conheças a que filho enviou e quis que
nascesse de uma mulher, e saibas quão grande é esse Deus
que, pela salvação dos fiéis, dignou-se assumir nossa
humilde condição, observa agora ao Evangelho: No princípio
já existia a Palavra, e a Palavra estava junto de Deus, e a
Palavra era Deus. A Palavra no princípio estava junto a
Deus. Assim, este Deus, Palavra de Deus, mediante a qual
tudo se fez, é o Filho de Deus, imutável, onipresente,
incircunscrito, e, não sendo suscetível de divisão, está
íntegro em todas as partes; está presente inclusive na
inteligência dos ímpios, mesmo quando não o veem, da
mesma maneira que a luz natural não é percebida pelos
olhos do cego. Resplandece também entre aquelas trevas às
quais alude o Apóstolo quando diz: Antes éreis trevas, mas
agora sois luz no Senhor.
Enviou, pois, Deus a seu Filho, nascido de uma mulher,
nascido sob a lei. Ele se submeteu à observância da lei,
para resgatar aos que estavam debaixo da lei, ou seja, aos
que a lei tinha como escravos do pecado pela letra que
mata, já que é impossível cumprir plenamente o preceito
sem a vivificação do Espírito. Porque o amor de Deus, que é
a plenitude da lei, foi derramado em nossos corações com o
Espírito Santo que nos foi dado.
Por isso, depois de ter dito: para resgatar aos que
estavam sob a lei, acrescentou logo em seguida: Para que
recebêssemos o ser filhos por adoção. Assim distingue a
graça deste benefício daquela natureza do Filho, que foi
enviado Filho, não por adoção, mas por geração eterna.
Deste modo, feito partícipe da natureza dos filhos dos
homens, pode adotar aos homens, tornando-os partícipes
de sua própria natureza. Por isto mesmo, ao dizer: deu-lhes
o poder para se tornarem filhos de Deus, esclareceu a forma
para evitar que fosse interpretado como um nascimento
carnal. Deu semelhante poder aos que creem em seu nome
e, pela graça espiritual, renascem não do sangue, nem do
amor carnal, nem do amor humano, mas de Deus,
colocando imediatamente em evidência o mistério desta
reciprocidade. E como se, assombrados por tamanha
maravilha, não ousássemos aspirar a consegui-la,
acrescenta imediatamente: E a Palavra se fez carne, e
habitou entre nós. Como se dissesse: Não desespereis, ó
homens, de poder chegar um dia a serem filhos de Deus,
quando o próprio Filho de Deus, ou seja, a Palavra de Deus,
fez-se carne e habitou entre nós. Fazei o mesmo,
espiritualizai-vos e vivam naquele que se fez carne e
habitou entre vós. Doravante, não devemos nos desesperar,
homens, de podermos chegar a ser, pela participação da
Palavra, filhos de Deus, agora que o Filho de Deus chegou a
ser, pela participação da carne, filho do homem.
2) Rufino de Aquileia (séc. V)
Explicação do símbolo apostólico, 8
“Nasceu da Virgem Maria”
Que nasceu da Virgem Maria por obra do Espírito Santo.
Este nascimento entre os homens é devido à dispensação
divina, o resultado da sua condescendência; ao passo que o
anterior (na eternidade) é da própria substância divina, da
essência de sua natureza. Nasceu da Virgem Maria por obra
do Espírito Santo. Aqui é imperioso um ouvido casto e um
espírito puro, a fim de que compreendas que o Espírito
Santo preparou um templo no recôndito do ventre de uma
virgem para aquele de quem você, algum tempo atrás,
aprendeu que nascera de modo inefável do Pai. E assim
como na santificação do Espírito Santo nenhum pensamento
de imperfeição deve ser admitido, da mesma forma no
nascimento virginal nenhuma contaminação deve ser
imaginada. Por este nascimento foi um novo nascimento
dado a este mundo, e apropriadamente (chamado) novo.
Pois aquele que é o único Filho no céu é, por consequência,
o único Filho na terra; e nasceu de forma singular, assim
como nenhum outro jamais foi ou poderá ser.
As palavras dos profetas a respeito dele: A Virgem
conceberá e dará à luz um Filho, são conhecidas por todos,
e são citadas nos evangelhos mais de uma vez. O Profeta
Ezequiel também previu a maneira extraordinária do
nascimento, chamando Maria figurativamente “o pórtico do
Senhor”; o pórtico, isto é, através do qual o Senhor veio ao
mundo. Pois ele disse: O pórtico que está fronteiro ao
oriente ficará fechado. Ninguém o abrirá, ninguém aí
passará, porque o Senhor, Deus de Israel, aí passou; ele
permanecerá fechado. O que poderia ser dito com mais
clara referência à preservação da condição inviolável da
virgem? Esse portão da virgindade foi fechado; através dele
o Senhor Deus de Israel entrou; através dele saiu do seio da
virgem para este mundo; e o estado virginal manteve-se
inviolável, e o pórtico da virgem permaneceu fechado para
sempre. Portanto, o Espírito Santo é mencionado como o
Criador da carne do Senhor e do seu templo.
Partindo deste ponto podes compreender igualmente a
majestade do Espírito Santo, pois o Evangelho dá
testemunho dele quando o anjo disse a virgem: Ela dará à
luz um filho, a quem porás o nome de Jesus, porque ele
salvará o seu povo de seus pecados; e ela respondeu, como
se fará isso, pois não conheço homem? E o anjo replicou: o
Espírito Santo descerá sobre ti, e a força do Altíssimo te
envolverá com a sua sombra. Por isso, o ente santo que
nascer de ti será chamado Filho de Deus. Veja aqui a
Trindade, cooperando mutuamente um com os outros. O
Espírito Santo é mencionado como descendo sobre a
virgem, e o poder do Altíssimo encobrindo-a com sua
sombra. Qual é o poder do Altíssimo senão o próprio Cristo,
que é o poder e a sabedoria de Deus? Quem é esse poder?
A força do Altíssimo. Existe aqui, então, o Altíssimo; existe
também o poder do Altíssimo; existe igualmente o Espírito
Santo. Esta é a Trindade, em todos os lugares oculta, e em
toda parte manifesta, distinta nos nomes e nas pessoas,
mas inseparáveis na substância da divindade. E embora só
o Filho tenha nascido da virgem, contudo, aí está presente
igualmente o Altíssimo, aí está presente também o Espírito
Santo, para que sejam santificados tanto a concepção
quanto o parto da Virgem.
Domingo entre 2 e 8 de janeiro Epifania do Senhor
LEITURAS: Is 60,1-6; Sl 71; Ef 3,2-3a.5-6
EVANGELHO: Mt 2,1-12
SANTOS PADRES:
1) São Basílio Magno, doutor da Igreja (séc. IV)
Sermão sobre a geração de Cristo
(PG 31, 1.471-1.475)
“Recebamos também nós essa imensa alegria em
nosso coração”
A estrela veio parar acima de onde estava o menino. Por
isso os magos, ao verem a estrela, transbordaram de
alegria. Recebamos também nós essa imensa alegria em
nossos corações. É a alegria que os anjos anunciam aos
pastores. Adoremos com os magos, demos glória com os
pastores, dancemos com os anjos. Porque hoje nasceu um
Salvador, que é o Messias, Senhor. O Senhor é Deus: Ele nos
ilumina, porém não na condição divina, para atemorizar
nossa fragilidade, mas na condição de escravo, para
gratificar com a liberdade aos que gemiam debaixo da
escravidão. Quem é tão insensível, quem tão ingrato, que
não se alegre, não se exulte e não se deleite com tais
notícias? Esta é uma festa comum a toda a criação. Que se
concedam ao mundo dons celestiais, o arcanjo é enviado a
Zacarias e a Maria, forma-se um coro de anjos que cantam:
Glória a Deus no céu, e na terra paz aos homens que Deus
ama.
As estrelas despencam do céu, alguns magos abandonam
sua pátria, a terra o recebe em uma gruta. Que todos
ofertem algo,que nenhum homem se mostre ingrato.
Festejemos a salvação do mundo, celebremos o dia natalício
da natureza humana. Hoje ficou cancelada a dívida de Adão.
Já não se dirá mais: És pó e ao pó retornarás, mas: “unido
ao que vem do céu, serás admitido no céu”. Não será mais
dito: Terás filhos com dor, pois é bem-aventurada aquela
que deu à luz ao Emanuel e os peitos que o amamentaram.
Justamente por isso um menino nos nasceu, um filho nos foi
dado: ele leva aos ombros o principado.
Junte-se você também aos que, desde o céu, receberam
alegres ao Senhor. Pensa nos pastores manando sabedoria,
nos pontífices adornados com o dom de profecia, nas
mulheres transbordando de júbilo: assim quando Maria é
convidada a alegrar-se por Gabriel, assim quando Isabel
sente João saltar de alegria em seu ventre. Ana que falava
da boa notícia, Simeão que o tomava nos braços, ambos
adoravam no menino ao imenso Deus e, longe de desprezar
o que viam, exaltam a majestade de sua divindade. Pois a
força divina se tornava visível através do corpo humano
como a luz atravessa o cristal, refulgindo ante aqueles que
tinham purificados os olhos do seu coração. Com os quais
oxalá também nós nos encontremos, contemplando face a
face a glória do Senhor como em um espelho, para que
também nós transformemo-nos em sua imagem com
resplendor crescente, pela graça e a benignidade de Nosso
Senhor Jesus Cristo, a quem seja dada a glória e o poder
pelos séculos dos séculos. Amém.
2) Santo Hilário de Poitiers, doutor da Igreja (séc. IV)
Tratado sobre o Salmo 66,3-5
(CSEL 22, 271-273)
“Ó Deus, que os povos te louvem!”
Que Deus resplandeça sua face sobre nós e tenha piedade
de nós. Nós necessitamos a bênção de Deus para que sua
face nos ilumine, para que a luz de seu conhecimento
irradie-se sobre nossos corações obscurecidos, para que o
espírito de sua majestade dissipe a obscuridade de nosso
entendimento, e assim possamos gloriar-nos dizendo: Brilhe
sobre nós, Senhor, a luz de vossa face. Esta iluminação de
sua face sobre nós é dom de sua misericórdia, misericórdia
esta que iniciou sua obra em nós com a remissão dos
pecados. As palavras que seguem depois nos esclarecem o
porquê se pede a iluminação da face de Deus sobre nós.
Para que conheçamos na terra os teus caminhos e em
todos os povos a tua salvação. Segundo a correta versão
grega, pedimos para ser iluminados pela face de Deus para
que seja conhecido na terra o seu caminho, que é o
ensinamento da vida religiosa: por ela, de fato, caminha-se
até Deus. E o ensinamento da vida religiosa é Cristo. Nos
evangelhos ele mesmo se identifica com esse ensinamento
ao dizer: Eu sou o caminho, a verdade e a vida. E
novamente: Ninguém vai ao Pai a não ser por mim.
Que Jesus seja o Salvador, basta analisar o significado do
vocábulo para percebê-lo, pois em hebraico Jesus significa
“Salvador”. A confirmação desta afirmação a temos no que
diz o anjo ao falar com José sobre Maria: Dará à luz um
Filho, e lhe porás por nome Jesus, porque ele salvará a seu
povo de seus pecados. Portanto, o anjo afirma que a razão
pela qual se deve nomeá-lo de Jesus é porque ele está
chamado a ser o Salvador do povo. Os apóstolos se
confessam incapazes de pregar a mensagem evangélica se
não são iluminados, se não irradiam um pouco do esplendor
da face do Senhor. Pois, segundo o Evangelho, também eles
são luz do mundo.
Porém, o Senhor é a luz verdadeira que ilumina a
apóstolos e profetas para que também eles possam ser luz.
A toda esta pregação profética e apostólica deve seguir o
louvor dos povos e a alegria pela remissão dos pecados; e
não somente pela remissão dos pecados, mas também pela
certeza de que o mesmo que perdoou os pecados julgará
aos povos com equidade, e conduzirá pelo caminho da vida
a todas as nações da terra que, abandonando o erro da
idolatria, são instruídas no conhecimento de Deus. Por isso
acrescenta o salmista: Ó Deus, que te louvem as nações,
que todos os povos te louvem, porque reges o mundo com
justiça e governas as nações da terra.
A expressão “que os povos te louvem” parece designar
aos crentes ou aos que no futuro crerão procedentes das
doze tribos de Israel, enquanto que as palavras “que todos
os povos te louvem” não exclui povo algum. O texto
“cantam de alegria as nações, porque rege o mundo com
justiça e governa as nações da terra” indica como causa da
alegria a esperança do juízo eterno e o ingresso das nações
no caminho da vida.
Domingo entre 9 e 13 de janeiro Batismo do Senhor
LEITURAS: Is 42,1-4.6-7; Sl 28; At 10,34-38
EVANGELHO: Mt 3,13-17
SANTOS PADRES:
1) São Gregório Taumaturgo (séc. III)
Sermão 4 [atribuído] na Santa teofania
(PG 10, 1.182-1.183)
“Veio a nós aquele que é o esplendor da glória do
Pai”
Estando você presente é impossível calar, pois eu sou a
voz, e precisamente a voz que grita no deserto: preparai o
caminho do Senhor. Eu preciso ser batizado por ti, e tu vens
a mim? Ao nascer, eu tornei fecunda a esterilidade da mãe
que me gerou, e, quando ainda era um menino, procurei
remédio na mudez de meu pai, recebendo de ti, menino, a
graça de fazer milagres.
De tua parte, nascido de Maria a Virgem conforme
quiseste e da maneira que só tu conheceste, não
menosprezaste sua virgindade, mas a preservaste e a
mimoseaste juntamente com o apelativo de mãe. Nem a
virgindade impediu o teu nascimento, nem o nascimento
feriu a virgindade, mas sim que ambas as realidades, o
nascimento e a virgindade – realidades opostas se houver –,
firmaram um pacto, porque para ti, Criador da natureza, isto
é fácil e possível.
Eu sou somente homem, partícipe da graça divina; tu,
porém, és ao mesmo tempo Deus e homem, pois és benigno
e amas com loucura o gênero humano. Eu preciso ser
batizado por ti, e tu vens a mim? Tu que eras ao princípio, e
estavas junto a Deus e eras o próprio Deus; tu que és o
esplendor da glória do Pai; tu que és a imagem perfeita do
perfeito Pai; tu que és a luz verdadeira, que ilumina a todo
homem que vem a este mundo; tu que para estar no mundo
vieste onde já estavas; tu que te fizeste carne sem
converter-se em carne; tu que habitaste entre nós e te
tornaste visível aos teus servos na condição de escravo; tu
que, com teu santo nome, como uma ponte uniste o céu e a
terra: tu vens a mim? Tu, tão imenso, a um homem como
eu? O rei ao precursor? O Senhor ao servo? Pois ainda que
não tenhas te constrangido de nascer nas humildes
condições da humanidade, eu não posso transpassar os
limites da natureza. Tenho consciência do abismo que
separa a terra do Criador. Conheço a diferença que existe
entre o pó da terra e o seu Criador. Sou consciente de que a
claridade do teu sol de justiça me supera imensamente, eu
que sou a lâmpada de tua graça. E mesmo quando estás
revestido da branca nuvem do corpo, contudo, reconheço
teu senhorio. Confesso minha condição servil e proclamo
tua magnificência. Reconheço a perfeição de teu domínio, e
conheço minha própria baixeza e ignomínia.
Não sou digno de desatar a correia de tua sandália; como,
pois, irei atrever-me a tocar o alto[1] de tua cabeça
imaculada? Como estenderei sobre ti minha mão direita,
sobre ti que estendeste os céus como uma tenda e
estabeleceste a terra sobre as águas? Como abrirei minha
mão de servo sobre tua cabeça divina? Como lavar aquele
que é imaculado e isento de todo pecado? Como iluminar a
própria luz? Que oração pronunciarei sobre ti, sobre ti que
acolhes até mesmo as orações dos que não te conhecem?
2) Santo Ambrósio, bispo e doutor da Igreja (séc. IV)
Comentário sobre o Salmo 35,4-5
(CCL 64, 52-53)
“Ao encarnar-se não perdeu os atributos de sua
grandeza”
Creio que sobre a pobreza e os sofrimentos do Senhor
temos citado os testemunhos muito válidos de dois santos,
dos quais um viu e testemunhou, enquanto que o outro foi
escolhido somente para testemunhar. Escutemos ainda
novos testemunhos sobre a condição servil do Senhor
tirados destes testemunhos confiáveis, ou melhor,
escutemoso que o próprio Senhor disse de si mesmo pela
boca dos dois. Vejamos o que diz: Fala o Senhor, que desde
o ventre me formou servo seu, para que lhe trouxesse a
Jacó, para que lhe reunisse a Israel. Lembremos que
assumiu a condição de servo para reunir ao povo.
Eu estava – diz – nas entranhas maternas, e o Senhor
pronunciou meu nome. Escutemos qual é o nome que o Pai
lhe dá: Vede! A Virgem conceberá e dará à luz um filho e lhe
porá por nome Emanuel, que significa “Deus conosco”. Qual
é o nome de Cristo senão o de “Filho de Deus”? Escuta um
novo texto. Anunciando sobre Maria a José, também Gabriel
tinha dito: Dará à luz um filho, e lhe porás o nome de Jesus.
Escuta agora a voz de Deus: E tu, Belém, terra de Judá, não
és de modo algum a menor das cidades de Judá; pois de ti
sairá um chefe que apascentará meu povo.
Observe o mistério: do seio da Virgem nasceu o que é
Servo e Senhor ao mesmo tempo: servo para trabalhar,
Senhor para ordenar, a fim de implantar o reinado de Deus
no coração do homem. Ambos são um. Não um do Pai e
outro da Virgem, mas sim o mesmo que antes dos séculos
foi gerado pelo Pai, e mais tarde se encarnará no seio da
Virgem. Por isso é chamado Servo e Senhor: servo por nós,
mas pela unidade da natureza divina, Deus de Deus,
príncipe de príncipe, igual de igual; pois o Pai não pode
gerar um ser inferior a ele e afirmar ao mesmo tempo que
no Filho tem as suas complacências.
Grande coisa é para ti, diz, que sejas meu servo e
restabeleças as tribos de Jacó. Emprega sempre termos
adequados a sua dignidade: Grande Deus e grande servo,
pois ao encarnar-se não perdeu os atributos de sua
grandeza, já que sua grandeza não tem fim. Portanto, é
igual enquanto Filho de Deus, assumiu a condição de servo
ao encarnar-se, sofreu a morte aquele cuja grandeza não
tem fim, porque o fim da lei é Cristo, e com isso se justifica
a todo o que crê, para que todos creiamos nele e lhe
adoremos com profundo afeto. Bendita servidão que a todos
nos concedeu a liberdade; bendita servidão que lhe valeu o
“nome acima de todo nome”; bendita humildade que fez
que ao nome de Jesus todo joelho se dobre no céu, na terra,
no abismo, e toda língua proclame: Jesus Cristo é Senhor
para a glória de Deus Pai.
[1]. Literalmente: cocuruto.
Tempo da Quaresma Quarta-feira de
Cinzas LEITURAS: Jl 2,12-18; Sl 50;
2Cor 5,20–6,2
EVANGELHO: Mt 6,1-6.16-18
SANTOS PADRES:
1) São João Crisóstomo, doutor da Igreja (séc. V)
Discurso 3 contra os judeus
(PG 48, 867-868)
“Jejuamos por nossos pecados, pois vamos
aproximar-nos dos sagrados mistérios”
Por que jejuamos durante estes quarenta dias? No
passado, muitos se aproximavam dos sagrados mistérios
temerariamente e sem nenhuma preparação,
especialmente nestes dias em que Cristo entregou-se a si
próprio. Por esse motivo, os Padres, conscientes do prejuízo
que podia se derivar dessa aproximação irresponsável aos
mistérios, julgaram oportuno prescrever quarenta dias de
jejum, de orações, de escuta da Palavra de Deus e de
assembleias, para que todos, diligentemente purificados
pela oração, a esmola, o jejum, as vigílias, as lágrimas, a
confissão e demais obras, possamos aproximar-nos dos
sagrados mistérios com a consciência limpa, conforme
nossa capacidade receptiva. A experiência nos diz que, com
esta decisão unânime, asseguraram, inclusive para os
tempos vindouros, algo grandioso e maravilhoso,
conseguindo fazer-nos chegar à habitual observância do
jejum.
De fato, ainda que durante o ano todo nós não nos
cansamos de pregar e proclamar o jejum, ninguém presta
atenção às nossas palavras. Por outro lado, apenas
anunciando a Quaresma, ainda que ninguém incentive,
ainda que ninguém exorte, até o mais negligente se
reanima e acolhe as exortações e os estímulos que nos faz
este mesmo tempo quaresmal.
Portanto, se alguém te pergunta por que jejuas, não digas
que é pela Páscoa, nem sequer que é pela cruz. De fato, não
jejuamos nem pela Páscoa nem pela cruz, mas por causa de
nossos pecados, pois vamos aproximar-nos dos sagrados
mistérios. Ademais, a Páscoa não é motivo de jejum ou de
luto, mas de alegria e de júbilo.
Finalmente, a cruz tomou sobre si o pecado, foi expiação
pelo mundo inteiro e reconciliação de um ódio entranhado,
abriu às portas do céu, devolveu a amizade aos que antes
eram inimigos, nos fez subir ao céu, colocou a nossa
natureza à direita do trono, e nos concedeu outros bens
inumeráveis. Por isso não devemos chorar e afligir-nos por
todas estas coisas, mas sim rejubilar-nos e alegrar-nos. O
próprio São Paulo disse: Deus me livre de gloriar-me a não
ser na cruz de nosso Senhor Jesus Cristo. E novamente: A
prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós
quando ainda éramos pecadores.
Neste mesmo sentido se expressa claramente São João:
Deus tanto amou o mundo. Como o amou? Recusando-se
perder todas as outras coisas, ergueu uma cruz. Depois de
ter dito: Deus tanto amou o mundo, acrescentou: que
entregou a seu Filho único para que o crucificassem, para
que não pereça nenhum dos que creem nele, mas tenham a
vida eterna. Portanto, se a cruz é motivo de amor e de
glorificação, não digamos que nos afligimos por ela. Nunca,
jamais choremos pela cruz, mas por nossos pecados. Por
isso é que jejuamos.
2) São Basílio Magno, doutor da Igreja (séc. IV)
Sermão sobre o jejum 1,2-3
“Corre com alegria ao dom do jejum”
Perfuma a cabeça e lava o rosto. Estas palavras da santa
Escritura chamam tua atenção há um sentido misterioso.
Aquele que foi ungido, ungiu; e o que foi lavado, lavou.
Traslada este preceito ao teu interior. Lava tua alma das
repugnantes manchas do pecado; unge tua cabeça com o
perfume da santidade para que acompanhes a Cristo, e com
esta disposição inicie o jejum. Não mudes o tom de teu
rosto como fazem os hipócritas; e fique sabendo que a cor
de teu rosto se muda quando o afeto interior cobre-se por
um hábito exterior simulado, e se cobre com a mentira
como com um véu espesso.
O hipócrita vem a ser como um cômico que representa
outras pessoas: algumas vezes representa ser um Senhor,
quando não é mais que um vil criado; outras de ser um rei
poderoso, não passando de um desprezível servo. De tal
forma que na vida presente, como em uma farsa, muitos
passam por uma representação aparente de teatro, porque
ocultam uma coisa em seu coração, e manifestam outra em
seu semblante. Por isso, não mudes o teu rosto; apresenta-
te tal como és na realidade, e não te desfigure em um
exterior triste e melancólico, colocando toda a tua glória em
que te considerem um homem sóbrio e comedido.
A verdade é que aquela prática não deixa nada de útil,
porque se revelou como trombeta; nem se tira fruto algum
daquele jejum, porque se faz apenas para pública
ostentação. Aquelas obras que geram reputação entre os
homens de nada servem para o século vindouro, porque
terminam com a recomendação e louvor dos outros
homens. Portanto, corre com alegria ao dom do jejum. O
jejum é um dom, que, apesar de ser muito antigo, nem se
deteriora, nem envelhece, mas sempre rejuvenesce com um
vigor perpétuo e contínuo.
Pensas que eu conto a antiguidade do jejum desde que a
lei começou? Pois saiba que o jejum é ainda mais antigo que
ela. Pensas um pouco, e verás que é verdade o que te
digo... O jejum não é nenhuma invenção nova, mas um
tesouro que nos guardaram os antigos, e deles chegou até
nós. Tudo aquilo que possui em si a recomendação da
antiguidade, ao mesmo tempo é digno de veneração.
Venera, pois, e reverencia as cinzas e a antiguidade do
jejum. Ele é tão antigo quanto o primeiro homem, porque no
paraíso o jejum foi promulgado.
O primeiro preceito que teve Adão foi este: Da árvore da
ciência do bem e do mal não comereis. Estas palavras, não
comereis, expressam uma rigorosa lei de jejum e de
abstinência. Se Eva houvesse observado o jejum da árvore,
não teríamos necessidade do jejum atual, porque os sãos
não necessitam de médico, mas os enfermos. Pelo pecadotodos fomos feridos: esforcemo-nos, portanto, pela
penitência. Porém, é penitência vã e infrutuosa a que não
vai acompanhada pelo jejum. A terra maldita não produzirá
senão espinhos e abrolhos. Está ordenado que vivas em
penitência, e que não te entregue às delícias. Satisfaz, pois,
a Deus com o jejum.
1º Domingo da Quaresma LEITURAS: Gn
2,7-9; 3,1-7; Sl 50; Rm 5,12-19
EVANGELHO: Mt 4,1-11
SANTOS PADRES:
1) São Gregório Nazianzeno, doutor da Igreja (séc.
IV)
Discurso 40,10
(PG 36, 370ss.)
“Os cristãos dispõem de meios para superar as
tentações”
Se o tentador, o inimigo da luz, ataca-te depois do
batismo – e certamente o fará, pois tentou até mesmo ao
Verbo, meu Deus, oculto na carne, a saber, a própria Luz
velada pela humanidade –, sabes como vencê-lo: não temas
o combate. Opõe-lhe a água, opõe-lhe o Espírito contra o
qual se despedaçarão todos os incandescentes dardos do
maligno.
Se ele te apresenta tua própria pobreza – de fato, não
deixou de fazê-lo com Cristo, recordando-lhe sua fome para
incitá-lo a transformar as pedras em pães –, lembre-se de
sua resposta. Ensina-lhe o que parece não ter aprendido;
opõe-lhe aquela palavra de vida, que é o pão descido do
céu e que dá a vida ao mundo. Se ele te tenta com a
vanglória – como fez com Jesus quando o levou ao
desfiladeiro do templo e lhe disse: Lança-te daqui abaixo
para demonstrar tua divindade –, não se deixe levar pela
soberba. Se ele te vencer nisto, não vai parar por aqui: ele é
insaciável e te quer por inteiro; mostra-se complacente, de
aspecto bondoso, porém acaba sempre confundindo o bem
com o mal. É a sua estratégia.
Este ladrão é inclusive um perito conhecedor da Escritura.
No texto o está escrito se refere ao pão; mais abaixo, refere-
se aos anjos. E, de fato, está escrito: dará ordens aos seus
anjos a teu respeito, e eles te levarão nas mãos. Ó sofista
da mentira! Por que te calas sobre o que segue? Porém,
ainda que tu o silencie, eu o conheço perfeitamente. Segue
o texto: sobre a serpente e a víbora andarás, calcarás aos
pés o leão e o dragão; protegido e amparado – aqui se
entende – pela Trindade.
Se ele te tenta com a avareza, mostrando-te em um
instante todos os reinos como se te pertencessem e
exigindo-te que o adores, despreza-o como a um
mesquinho. Amparado pelo sinal da cruz, diga-lhe: Eu
também sou imagem de Deus; contudo não fui, como tu,
precipitado do céu por soberba; estou revestido de Cristo,
pelo batismo. Cristo se tornou minha herança; és tu que
deve adorar-me.
Creia-me, a estas palavras ele se retirará, vencido e
envergonhado, de todos aqueles que foram iluminados,
como se retirou de Cristo, a luz primordial. Estes são os
benefícios que o batismo confere àqueles que reconhecem a
força da graça; estes são os suntuosos banquetes que
oferece a quem sofre uma fome digna de louvor.
2) São Leão Magno, papa (séc. V)
Sermão na Quaresma 1,3-5
“Entramos no combate da santidade”
Entramos, amadíssimos, na Quaresma, isto é, em uma
maior fidelidade ao serviço do Senhor. Vem a ser como se
entrássemos em combate de santidade. Portanto,
preparemos nossas almas às investidas das tentações,
sabendo que, quanto mais zelosos nos mostremos de nossa
salvação, mais violentamente nos atacarão nossos
adversários. Porém, aquele que habita no meio de nós é
mais forte que aquele que luta contra nós. Nossa fortaleza
vem dele, em cujo poder temos posto nossa confiança. O
Senhor permitiu que o tentador lhe visitasse, para que nós
recebêssemos, além da força de seu socorro, o ensinamento
de seu exemplo.
Acabais de ouvi-lo: venceu o seu adversário com as
palavras da Lei, não com o vigor de seu braço. Sem dúvida,
sua humanidade obteve mais glória e foi maior o castigo do
adversário ao triunfar do inimigo dos homens como mortal,
em vez de como Deus. Combateu para ensinar-nos a
combater após Ele. Venceu para que nós, do mesmo modo,
sejamos também vencedores. Pois não há, amadíssimos,
atos de virtude sem a experiência das tentações, nem fé
sem prova, nem combate sem inimigo, nem vitória sem
batalha.
A vida transcorre em meio a emboscadas, em meio de
sobressaltos. Se não queremos ver-nos surpreendidos,
devemos vigiar. Se pretendermos vencer, temos de lutar.
Por isso disse Salomão quando era sábio: filho, se entras no
serviço do Senhor, prepara tua alma para a tentação. Cheio
da ciência de Deus, sabia que não há fervor sem esforço e
combates. E prevendo os perigos, os adverte a fim de que
estejamos preparados para repelir os ataques do tentador.
Instruídos pelo ensinamento divino, amadíssimos,
entremos no estádio escutando o que o apóstolo nos disse
sobre este combate: nossa luta não é contra a carne e o
sangue, mas contra os principados, contra as potestades,
contra os dominadores deste mundo de trevas. Não nos
enganemos: Estes inimigos que desejam perder-nos
compreendem muito bem que contra eles se encaminha
todo o nosso esforço em favor de nossa salvação. Por isso,
cada vez que desejamos algum bem, provocamos ao
adversário. Entre eles e nós existe uma oposição
entranhada, fomentada pelo diabo, porque, tendo eles sido
despojados dos bens que nos advêm da graça de Deus,
nossa justificação lhes tortura.
Quando nós nos levantamos, eles submergem. Quando
revitalizamos nossas forças, eles perdem a sua. Nossos
remédios são as chagas de Cristo, pois a cura de nossas
feridas os entristece: estejam, portanto, alertas, diz o
apóstolo; cingi vossos rins com a verdade, revestidos da
couraça da justiça, e os pés calçados de prontidão para
anunciar o Evangelho da paz. Embraçai a todo o momento o
escudo da fé, com que possais apagar os dardos inflamados
do maligno. Tomai, enfim, o capacete da salvação e a
espada do espírito, que é a Palavra de Deus.
Foi-nos dado o escudo da fé para proteger todo o corpo,
colocou em nossa cabeça o capacete da salvação, colocou
em nossas mãos a espada, ou seja, a palavra de verdade.
Assim, o herói da luta do espírito não somente está
resguardado das feridas, mas também pode lesar a quem o
ataca. Confiando nestas armas, entremos sem preguiça e
sem temor na luta que nos é proposta, e, neste estádio em
que se combate pelo jejum, não nos contentemos apenas
em abster-se da comida. De nada serve que se debilite a
força do corpo, se não se alimenta o vigor da alma.
Mortifiquemos algo ao homem exterior, e restauremos ao
interior. Privemos a carne de seu alimento corporal, e
adquiramos forças na alma com as delícias espirituais. Que
todo cristão observe-se detidamente, e com um severo
exame esquadrinhe o fundo do seu coração.
2º Domingo da Quaresma LEITURAS: Gn
12,1-4a; Sl 32; 2Tm 1,8b-10
EVANGELHO: Mt 17,1-9
SANTOS PADRES:
1) Santo Efrém, diácono e doutor da Igreja (séc. IV)
Sermão sobre a transfiguração 1,3-4
(Opera omnia quae exstant graece. Vol. 2. Roma, 1743, 41-
43) “A transfiguração, suporte da fé dos discípulos”
Naquele tempo, Jesus tomou consigo Pedro, Tiago e João,
seu irmão, e os levou a um lugar à parte, sobre uma alta
montanha. E foi transfigurado diante deles; o seu rosto
brilhou como o sol e as suas roupas ficaram brancas como a
luz.
Ele os levou até a montanha para mostrar-lhes a glória de
sua divindade, e lhes ensinar que ele era o Redentor de
Israel, tal como já tinha revelado por seus profetas; e
também para prevenir todo escândalo à vista dos
sofrimentos que livremente iria sofrer por nós em sua
natureza humana. Eles, de fato, o conheciam como homem,
mas ignoravam que fosse Deus; conheciam-no como filho
de Maria, um homem que vivia com eles no mundo, mas
sobre a montanha revelou-lhes que era o Filho de Deus, e o
próprio Deus.
Eles o tinham visto comer e beber, fatigar-se e descansar,
cochilar e dormir, apavorar-se até gotejar de suor, coisas
que não pareciam estar em harmonia com sua natureza
divina, nem convir à sua humanidade. Por isso os trouxe
sobre a montanha, para que o Pai o chamasse seu Filho, e
lhes mostrasse que ele era realmente Filho dele, e que ele

Mais conteúdos dessa disciplina