Prévia do material em texto
Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X UMA LEITURA SOBRE A PRODUÇÃO DE SIGNIFICADOS PARA MATEMÁTICA E PARA A AULA DE MATEMÁTICA POR ALUNOS DO ENSINO MÉDIO Walter Luís Moura Silva1 Viviane Cristina Almada de Oliveira2 Resumo Nosso trabalho teve como principal objetivo investigar, com base no Modelo dos Campos Semânticos (MCS) (LINS, 1999; 2001; 2004; 2008; 2012), significados produzidos por alunos do Ensino Médio sobre Matemática e sobre aula de Matemática. Como disparadoras das falas desses alunos sobre esses objetos, optamos pela realização de entrevistas semiestruturadas junto a alunos do Ensino Médio de uma escola pública. Da análise dos conteúdos dessas entrevistas, identificamos significados distintos produzidos para Matemática e compreendemos que o trabalho voltado à escuta desses alunos pode consistir em uma importante ferramenta para guiar práticas educativas que promovam a interação em sala de aula, criando assim outras circunstâncias e oportunidades para o ensino e para a aprendizagem da Matemática nesta etapa de escolarização. Palavras-chave: Produção de significados; Matemática; aula de Matemática; Ensino Médio. 1. Introdução Os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN) de Matemática (BRASIL, 1998), os Parâmetros Curriculares Nacionais do Ensino Médio (PCNEM) (BRASIL, 2000), as Orientações Educacionais Complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais (PCN+ Ensino Médio) (BRASIL, 2002) e, no âmbito do estado de Minas Gerais, os Conteúdos Básicos Comuns (CBC) de Matemática (MINAS GERAIS, 2007) são alguns dos documentos que até recentemente serviam para subsidiar o planejamento da prática docente de professores de Matemática. Mais recentemente, a Base Nacional Comum Curricular (BNCC) (BRASIL, 2018) traz orientações que nortearão, a partir de 2020, os currículos das escolas brasileiras. De um modo geral, neles constam orientações didáticas, competências, habilidades e atitudes a serem desenvolvidas pelos alunos, pequenas incursões sobre tendências no ensino de Matemática e conteúdos propostos para o Ensino 1 Universidade Federal de Alfenas/ walterluismoura@yahoo.com 2 Universidade Federal de São João del-Rei/ vialmadaoliveira@gmail.com Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X Fundamental II e para o Ensino Médio. Tais documentos foram forjados a partir da perspectiva de especialistas (educadores, educadores matemáticos e matemáticos), alguns deles tendo também a participação de professores de Matemática da Educação Básica na sua redação final. É possível observarmos que, nesses documentos, não há menção a como alunos da educação básica percebem, compreendem ou lidam com Matemática e com as aulas de Matemática. O documento 10 Desafios do Ensino Médio no Brasil - para garantir o direito de aprender de adolescentes de 15 a 17 anos, publicado pelo UNICEF, em 2014, teve como propósito buscar informações junto aos próprios adolescentes que ajudassem no entendimento da exclusão escolar de estudantes nessa faixa etária. Nas muitas falas apresentadas pelos adolescentes e indicadas ao longo daquele texto, são apontadas percepções dos últimos relacionadas à escola e sobre práticas realizadas em salas de aula as quais deveriam, no mínimo, ser conhecidas por professores e gestores. Embora essas falas sejam de adolescentes de diferentes localidades do Brasil e não correspondam especificamente à realidade de cada comunidade escolar, reflexões e discussões sobre muitas dessas passagens podem servir como propulsoras para mudanças de atitudes e proposições de ações que ajudem no estabelecimento do diálogo e de caminhos a serem trilhados em qualquer escola, em qualquer sala de aula. Percebemos, assim, como bastante promissora para movimentos que se realizem no âmbito escolar e educacional a escuta de alunos. Sendo assim, nosso interesse nessa investigação residiu no fato de que conhecer significados produzidos por alunos do Ensino Médio para Matemática e para aula de Matemática pode consistir em uma importante ferramenta para guiar práticas educativas que promovam a interação em sala de aula, o que, em alguma outra instância, pode refletir em condições mais propícias para o ensino e para a aprendizagem de ideias matemáticas. Desse modo, o objetivo da investigação que aqui relatamos foi apresentar o que alunos do Ensino Médio disseram a partir de resíduos de enunciação que faziam menção a Matemática e a aula de Matemática. E, particularmente, estudar, com base no Modelo dos Campos Semânticos (MCS) (LINS, 1999; 2001; 2004; 2008; 2012), os significados Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X produzidos por esses alunos do Ensino Médio para Matemática e para a aula de Matemática. 2. Fundamentação Teórica O Modelo dos Campos Semânticos (MCS), utilizado neste trabalho como principal referencial teórico, foi criado por Romulo Campos Lins. Segundo Oliveira (2002), As ideias iniciais que deram origem ao MTCS3 surgiram no desenvolvimento do trabalho de doutorado de Lins, que buscava estabelecer uma caracterização epistemológica para Álgebra e Pensamento Algébrico. Embora tenha sido constituído nesse contexto – Álgebra e Pensamento Algébrico – o MTCS não se restringe apenas a essa área da Matemática e a esse tipo de pensamento, nem tampouco à Matemática. Havendo processo de produção de significados, podemos aplicá-lo. (OLIVEIRA, 2002, p. 22) O centro da discussão do MCS são processos de produção de significados. Mas, nas teorizações de Lins, são desenvolvidas outras noções que se articulam à de significado dentro do MCS. Na sequência, indicamos como compreendemos as noções de conhecimento e significado para que o leitor compreenda os usos dessas palavras em nosso texto. O conhecimento é entendido como uma crença-afirmação que o sujeito enuncia, seguida de uma justificação (não de uma justificativa). A justificação é “aquilo que o sujeito entende como lhe autorizando a dizer o que diz” (LINS, 2012, p. 12). Logo, o conhecimento (do sujeito) existe e é do domínio da enunciação, não do enunciado. De acordo com o MCS, o significado é produzido na fala e “[...] é o conjunto de coisas que se diz a respeito de um objeto. Não o conjunto do que se poderia dizer, e, sim, o que efetivamente se diz no interior de uma atividade. Produzir significado é, então, falar a respeito de um objeto.” (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 145-146). Entendemos, em consonância com o MCS, que a constituição do sujeito enquanto sujeito cognitivo se dá através da produção de significados que ele realiza, ao mesmo 3 “Modelo Teórico dos Campos Semânticos” foi a nomenclatura inicialmente dada por Romulo Campos Lins ao que hoje chamamos de Modelo dos Campos Semânticos. Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X tempo em que ele constitui os objetos através de suas enunciações (LINS, 2012). Desse modo, um objeto não é ou está previamente constituído; sua constituição se dá na e pela produção de significados, durante a fala do sujeito, no interior de uma atividade. Sendo assim, se pensarmos em duas pessoas que falam algo de “x” – muito embora ambas falem sobre “x” – “x” podem ser objetos diferentes para elas. Isso porque “x” não existe anteriormenteà fala; “x” existe para cada uma das pessoas na e pela enunciação de cada pessoa. Pensando, por exemplo, em frações, para elas podem ser produzidos diferentes significados; por exemplo: parte do todo, resultado de uma medida ou operador (OLIVEIRA, 1999). Esses três possíveis significados produzidos para uma fração são distintos e tratam-se, portanto, em cada caso, de objetos diferentes, e não de interpretações possíveis para uma mesma coisa que já está dada. Para o MCS, o processo de comunicação não é apenas a transmissão simples de uma mensagem entre um emissor e um receptor. No MCS a noção de comunicação é substituída pela noção de espaço comunicativo, que é um processo de interação no qual (dizer isto, para o MCS, é redundante) interlocutores são compartilhados. Numa inversão conceitual, “comunicação” não corresponde mais a algo do tipo “duas pessoas falando uma para a outra”, e sim a “dois sujeitos cognitivos falando na direção de um mesmo interlocutor. (LINS, 2012, p. 24) Vale observar que o “interesse do MCS é no processo de produção de significado e em sua leitura, e não na permanência, mas esta pode ser teorizada, no modelo, como (apenas) uma foto datada de um processo (de produção de significado)” (LINS, 2012, p. 19). 3. Aspectos Metodológicos Nossa pesquisa foi de cunho qualitativo, visto que, nela, a descrição e análise dos dados buscou um maior nível de profundidade de compreensão das informações levantadas. Portanto, utilizamos a entrevista semiestruturada como instrumento de levantamento de dados junto a alunos do Ensino Médio. Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X O primeiro passo para a realização das entrevistas foi a elaboração do nosso protocolo de pesquisa. Nesta fase, criamos um termo informativo sobre a pesquisa e autorizações para os pais dos alunos assinarem, assim como eles mesmos, indicando a ciência da participação na investigação e da concessão das entrevistas. Além disso, produzimos um pequeno questionário identificador, no qual os alunos poderiam optar por um pseudônimo para ser utilizado, resguardando assim suas identidades. Algumas das questões que compuseram o roteiro das entrevistas foram tomadas de Angelo (2012) e outras perguntas foram por nós formuladas após a realização de parte da revisão bibliográfica. Após a escrita do protocolo da pesquisa, partimos em busca de uma escola pública, na qual houvesse Ensino Médio, para realização das entrevistas. A escola que nos permitiu realizar a pesquisa possuía, na época, cinco turmas de Ensino Médio (uma de primeiro ano, duas de segundos e duas de terceiros anos). Em um primeiro contato com os alunos, conversamos com cada turma desse nível de ensino, convidando os alunos a participarem da pesquisa e esclarecendo como se daria a coleta de dados. Recebemos a inscrição de 36 alunos, sendo 11 do primeiro ano, 14 do segundo ano e 11 do terceiro ano. Havíamos previsto o número de cinco entrevistados de cada ano do Ensino Médio, o que perfaria o total de quinze entrevistas para análise. Como o número de alunos interessados foi superior, sugerimos à direção da escola sortear os cinco alunos de cada ano do Ensino Médio. Ao apresentarmos aos alunos a proposta do sorteio, eles preferiram decidir entre eles quais os cinco de cada ano que concederiam as entrevistas. A esses alunos foram entregues os documentos por nós elaborados, citados anteriormente. As entrevistas individuais aconteceram na sala de informática da escola entre os dias 23/11/16 a 01/12/16. A dinâmica das entrevistas se deu com a leitura pelo entrevistador de cada pergunta, um intervalo de tempo para o aluno pensar sobre o que responderia e, em seguida, a gravação da resposta. Depois de realizadas e gravadas as entrevistas, elas foram transcritas para a análise e discussão dos dados obtidos. 4. Análise das entrevistas Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X Como já explicitamos, entendemos por significado, em consonância com o MCS, o conjunto de coisas que efetivamente se diz a respeito de um objeto dentro de uma atividade. Portanto, quando um sujeito fala a partir de determinado objeto no interior de uma atividade, dizemos que esse sujeito está produzindo significado, ao mesmo tempo em que constitui esse objeto. Nessa perspectiva, tomando as falas de alunos do Ensino Médio a respeito de Matemática e de aula de Matemática, consideramos que tais enunciações são efetivamente os significados produzidos por esses alunos para Matemática e para aula de matemática. A partir das falas desses alunos fizemos uma leitura dos significados por eles produzidos para Matemática e para aula de Matemática e apresentamos considerações sobre os mesmos que achamos pertinentes no âmbito da Educação Matemática. Os significados produzidos pelo sujeito em determinada atividade são influenciados por suas experiências e vivências. No caso de nossa investigação, os significados produzidos por alunos do Ensino Médio a partir das questões que envolviam Matemática foram algo que atrapalha, que muita gente não gosta e que é muito difícil. Nesse caso, observamos a partir das falas dos alunos o estabelecimento de uma relação dessa Matemática com o contexto escolar, quando eles se referem à matéria escolar, ao estudo e a notas na escola. Na entrevista, foi apresentado para os alunos o enunciado “João adora estudar Matemática, ele é apaixonado pela Matemática” e, em seguida, pedido a eles que dissessem o que falariam a João, caso ele lhes contasse desse seu gosto. Em resposta, alguns alunos disseram que gosto é algo indiscutível e particular. E, para muitos dos alunos entrevistados, gostar de Matemática é algo diferente, loucura e, assim sendo, a pessoa que gosta de Matemática também é diferente, louca, corajosa e privilegiada. Alguns alunos falam que Matemática não é para qualquer um e que para quem gosta de Matemática, ela deve ser mais fácil. Nessa direção, Araújo & Rodrigues (2016) afirmam que: “Se o aluno vê a matemática como elitista, feita para gênios, consequentemente não irá se interessar por este conhecimento” (p. 07). Nesse sentido, é Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X interessante observar que, de fato, esses alunos que produziram tais significados para Matemática não expressam gosto pela mesma. Uma possível influência à produção desses significados pode encontrar-se em discursos que, frequentemente, são articulados com relação à Matemática. Procheira (2009) apresenta essa condição, indicando que: Em nossa cultura, antes mesmo de o aluno realmente entrar em contato com o conhecimento matemático, toma contato com as ideias que circulam na sociedade referentes à matemática. Esta geralmente parece estar impregnada de significados que têm uma conotação de dificuldade e de desprazer. (PROCHEIRA, 2009, p. 13) Claro que o contato com tais ideias, embora seja um fator considerável, não é determinante do modo como os alunos vão produzir significados para Matemática. As experiências escolares desses alunos também influenciam nesse processo de produção de significados. Além dos significados produzidos para Matemática nessa direção por alguns alunos, todos os entrevistados falaram em Matemática como necessária na vida diária e presente em todos os momentos. Nossa leitura desses significados produzidos para Matemática pelos alunos vai ao encontroda discussão realizada por Lins & Gimenez (1997), na qual modos de produzir significados matemáticos que na rua são legítimos constituem o que os autores chamam de “matemática da rua” e modos de produzir significados matemáticos que na escola são legítimos constituem a dita “matemática da escola”. Tais matemáticas, da rua e da escola, são diferentes, pois “cada uma envolve seus próprios significados e suas próprias maneiras de proceder e avaliar os resultados desses procedimentos” (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 17). Na matemática da escola são legítimos o formalismo, o processo lógico- dedutivo, as demonstrações; já na matemática da rua, por exemplo, encontrar resultados aproximados e utilizar estratégias não formalizadas ou não demonstradas, são modos legítimos de se produzir significados. Nas entrevistas, quando os alunos se referiam à Matemática como “necessária”, “presente no dia-a-dia”, indicavam maneiras próprias de proceder vinculadas a práticas Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X cotidianas, provavelmente informais, tais como pagar, dar troco, calcular áreas, volumes, ler o calendário. Esses procedimentos por eles indicados não se vinculam às habilidades tradicionalmente trabalhadas junto aos alunos do Ensino Médio no âmbito escolar. Sendo assim, muito provavelmente, ao assim falarem da matemática, esses alunos se referiam ao que Lins e Gimenez chamaram de matemática da rua. É plausível dizermos que, quando os alunos se referiram à Matemática como algo que atrapalha, que muita gente não gosta, que é muito difícil, eles não estivessem se referindo a maneiras de proceder e a significados próprios que caracterizam a matemática da rua, e sim, à matemática da escola. Assim sendo, percebemos nas falas dos alunos do Ensino Médio significados distintos produzidos para Matemática, já que em suas falas, foram constituídos objetos distintos. O primeiro, a Matemática como algo difícil, que atrapalha e que ninguém gosta, bastante próximo do que chamamos de matemática da escola o segundo, a matemática como algo importante e fundamental para a vida, vinculado à matemática da rua. As enunciações produzidas pelos alunos quando questionamos como eles explicariam a uma pessoa que não conhece nada sobre a escola porque existe a aula de Matemática, corroboraram essa perspectiva de leitura. Além de explicarem o que é Matemática na direção da matemática da rua, para esses estudantes de Ensino Médio, a aula de matemática na escola existe somente para dar suporte às pessoas para a manipulação da Matemática presente fora dela. Desse modo, para esses alunos, a matemática da escola tem importância justificada em função de maneiras de proceder vinculadas a significados próprios da matemática da rua, como pagar alguém, dar o troco, comprar alguma coisa, ler o calendário. Perguntamos também a eles como seria o mundo se não houvesse matemática e como eles a viam em suas vidas. Instigados por essas perguntas, todos os alunos colocaram a Matemática como importante. Entretanto, novamente falaram sobre Matemática na direção da matemática da rua. Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X Dessa maneira, observamos uma possível relação entre essas matemáticas e a preferência desses alunos. Os significados produzidos pelos alunos para Matemática, na direção da matemática da escola, demonstram uma conotação negativa. Por outro lado, os significados produzidos pelos alunos para Matemática, na direção da matemática da rua, demonstram uma conotação positiva. Esse sentimento de aversão à matemática da escola pode dever-se também ao fato de que, muitas vezes, a matemática da escola ignora os métodos da matemática da rua, assim como as outras experiências matemáticas desses alunos. Dessa maneira, a escola acaba menosprezando o saber/fazer do aluno, propondo uma desconstrução de um conhecimento para assim, construir o seu (dito verdadeiro) conhecimento. Essa atitude, muitas vezes comum na escola, acaba influenciando contrariamente na aprendizagem dos seus alunos, além de ser perversa do ponto de vista cultural (LINS & GIMENEZ, 1997). Nesse sentido, percebemos a importância e a urgência de a escola ser uma instituição que valorize conhecimentos e significados (matemáticos) outros produzidos por seus alunos. Quando perguntamos aos alunos se eles já haviam sofrido com Matemática, percebemos, através da nossa leitura, que as falas dos alunos foram pautadas pela dificuldade em aprender e pelo fracasso escolar (recuperação e reprovação). Por outro lado, quando perguntamos a eles se a Matemática já havia lhes proporcionado alegrias, a maioria dos alunos disse ter ficado alegre com a Matemática quando os resultados das avaliações feitas na escola, traduzidos em notas, eram satisfatórios. As aulas que marcaram positivamente os alunos foram aquelas nas quais o professor rompeu com a tradicional organização do espaço da sala de aula: professor à frente, explicando a matéria, alunos assentados, copiando a explicação e reproduzindo exercícios conforme o modelo dado pelo professor. Ao produzirem tais narrativas, alguns alunos evidenciaram que as aulas que fogem desse padrão são mais interessantes, proveitosas e facilitam a aprendizagem. Na sequência, quando perguntamos aos alunos como eles descreveriam uma aula de Matemática, percebemos que suas enunciações foram produzidas na direção de como Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X eles gostariam que fossem as aulas de Matemática. Os alunos entrevistados apontaram algumas atividades que deveriam ser adotadas na aula de Matemática, tais como: uso de tecnologias - notebooks, tablets, datashow, celular, internet –, uso de vídeos e músicas relacionados ao conteúdo matemático e uso de atividades dinâmicas e em grupo. Além disso, alguns alunos evidenciaram que o uso de livro didático na aula de Matemática é importante para aprendizagem, mas não pode ser recorrente para não tornar a aula “maçante”. Essas sugestões para a aula de matemática, explicitadas nas falas desses alunos de Ensino Médio, são afirmadas a partir de suas crenças, as quais os autorizam a produzir tais significados para a aula de matemática e que os tornam legítimos. Desse modo, acreditamos que ao falarem nessa direção esses alunos estão expressando realmente o que consideram como efetivo para sua própria aprendizagem, promovendo a interação e a motivação entre eles. Outro aspecto relacionado a uma aula de Matemática, pedido aos alunos para se manifestarem, foi sobre como o professor se porta em uma aula de Matemática. A partir deste convite, os alunos não disseram como esse professor age, mas como eles entendem que ele deveria agir: ser menos rígido e mais amigo, educado, paciente, extrovertido, alegre, equilibrado e atencioso. Quando perguntamos aos alunos o que eles mais gostavam na aula de Matemática, novamente eles falaram sobre a postura do professor. Muitos deles apresentaram o gosto pela aula de Matemática relacionado com o modo de agir do professor. Quando indagamos os alunos sobre o comportamento discente durante uma aula de Matemática, eles apontaram que, para um bom aproveitamento de uma aula de Matemática, é necessário, da parte dos estudantes: concentração, silêncio, atenção, quietude, interação, educação, disposição e cooperação. Ao propormos o questionamento sobre o que influencia as notas de umaluno em Matemática, as enunciações produzidas demonstraram que esses discentes entendem que esse comportamento por eles apontado é a principal influência. Sendo assim, compreendemos que esses alunos de Ensino Médio percebem o papel que o próprio discente possui no seu processo de escolarização em Matemática. Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X Mais que isso, esses alunos compartilham da responsabilidade quanto à aprendizagem em Matemática, embora muitas vezes isso não reflita nos resultados das avaliações. Perguntamos aos alunos o que eles menos gostam na aula de Matemática e, em reposta, os principais aspectos que os alunos apontaram foram: as provas, os exercícios para casa e do livro, a obrigação de fazer exercícios valendo visto, as aulas comuns, não conseguir sanar todas as dúvidas e a conversa dos colegas. Tais comentários podem sugerir que o que esses alunos menos gostam na Matemática está vinculado a modos legítimos de produzir significado da matemática da escola, como o formalismo e procedimentos de generalização. Feita essa leitura, retomamos uma recomendação de Lins e Gimenez quanto à coexistência dessas duas matemáticas, no lugar de a matemática da escola ser considerada como hierarquicamente superior à matemática da rua: É apenas com base na coexistência de significados matemáticos e não- matemáticos na escola que se poderá construir uma legitimidade comum, o que pode, por sua vez, impedir que a matemática da escola seja percebida como inútil, um saber cuja razão de ser deixa de existir quando termina a escolarização que envolve a matemática. (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 28). Quando perguntados se havia alguma coisa que os irritavam na aula de Matemática, os alunos responderam afirmativamente e disseram ser: conversa excessiva dos colegas, muitos exercícios, pouca explicação e não conseguir desenvolver alguma atividade corretamente – o que, segundo eles, também os irritava em qualquer aula. Outra situação que nos guiou na leitura do que os alunos pensam da aula de Matemática foi o questionamento que fizemos a eles sobre qual a primeira coisa que lhes vem à cabeça quando um colega fala que a próxima aula é de Matemática. A partir dessa pergunta, a maioria dos alunos disse que tudo dependerá do momento, da matéria que estiver sendo ensinada e do modo como o professor estará trabalhando. 5. Considerações finais Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X Através dessa pesquisa pudemos observar como são escassos trabalhos voltados à escuta de alunos, em especial os de Ensino Médio. Em consequência disso, alternativas que atendam às necessidades desses alunos no âmbito educacional, considerando suas falas, são pouco discutidas. Procuramos, com o desenvolvimento deste trabalho, dar voz a alguns alunos do Ensino Médio para que pudessem realmente falar sobre seus pensamentos, concepções e sentimentos relacionados à Matemática e à aula de Matemática. Pela leitura das falas dos alunos a partir de enunciados sobre Matemática e sobre aula de Matemática percebemos distintos significados produzidos para Matemática, caracterizando, portanto, matemáticas distintas em seus discursos. Além disso, a importância por eles atribuída à matemática da escola nos pareceu ser estabelecida em função de maneiras de proceder vinculadas a significados próprios da matemática da rua, exclusivamente. Compreender mais a fundo as relações que alunos constroem entre essas matemáticas, poderia nos apontar direções para, enquanto professores de Matemática, propormos práticas educativas que pudessem auxiliar na superação da visão de que certos conteúdos matemáticos têm seu lugar justificado na escola apenas por existirem. Essa possibilidade contribuiria para se tentar cumprir o papel que Lins e Gimenez conferem à Educação Matemática, que seria [...] participar da análise e da tematização dos significados da matemática da rua [...] e do desenvolvimento de novos significados, possivelmente matemáticos [da matemática da escola], que irão coexistir com os significados não matemáticos [da matemática da rua], em vez de tentar substituí-los. (LINS e GIMENEZ, 1997, p. 18, comentário nosso) Compreendemos que a leitura dos significados produzidos pelos alunos para aula de Matemática pode fundamentar uma constante vigilância didática do professor. Desse modo, entendendo o quê e a direção na qual o aluno fala, o professor poderá, de fato, interagir com esse aluno. Nessa perspectiva, acreditamos na importância deste trabalho principalmente para a formação continuada do professor de Matemática. A partir de sua leitura, o professor pode se colocar em um movimento de (re)pensar e refletir sobre suas práticas, criando Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X assim outras circunstâncias e oportunidades para o ensino e para a aprendizagem da Matemática no Ensino Médio. 6. Referências ANGELO, C. L. Uma leitura das falas de alunos do ensino fundamental sobre a aula de Matemática. 2012. 160 f. Tese (Doutorado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro-SP, 2012. ARAUJO, C. K.; RODRIGUES, A. L. Explicações dadas pela literatura científica sobre ensino aprendizagem da matemática nas séries iniciais. Rondônia: Faculdade de Pimenta Bueno – Revista Saberes. 2016. Disponível em: <http://fapb.edu.br/media/files/35/35_1937.pdf>. Acesso em 07/06/2017. BRASIL. Secretaria de Educação Fundamental. Parâmetros Curriculares Nacionais: Matemática. Brasília: MEC/SEF, 1998. 152 p. BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. Parâmetros curriculares nacionais: ensino médio. Brasília, 2000. 394p. BRASIL. MEC. Secretaria de Educação Média e Tecnológica. PCNs+ Ensino Médio: orientações educacionais complementares aos Parâmetros Curriculares Nacionais. Brasília, 2002. 144 p. (Ciências da Natureza, Matemática e suas Tecnologias). FLICK, U. Introdução à pesquisa qualitativa. Tradução Joice Elias Costa. 3. ed. Porto Alegre: Artmed, 2009. GARNICA, A. M. História Oral e Educação Matemática. In: Pesquisa Qualitativa em Educação Matemática. BORBA, M. C.; ARAUJO, J. L. (orgs.) Belo Horizonte: Autêntica, 2004. LINS, R. C.; GIMENEZ, J. Perspectivas em aritmética e álgebra para o século XXI. Campinas: Papirus, 1997. LINS, R. C. Por que discutir Teoria do Conhecimento é relevante para a Educação Matemática. In: BICUDO, M. A. V. (Org.). Pesquisa em Educação Matemática: Concepções e Perspectivas. Rio Claro: Editora UNESP, 1999. p. 75 – 94. __________. Matemática, monstros, significados e educação matemática. In: BICUDO, M. A. V. & BORBA, M. C. (Orgs.). Educação Matemática: pesquisa em movimento. São Paulo: Cortez, 2004. p. 92 – 120. Educação Matemática com as Escolas da Educação Básica: interfaces entre pesquisas e salas de aula XIII Encontro Nacional de Educação Matemática ISSN 2178-034X __________. A diferença como oportunidade para aprender. In: Peres, E. et al. (orgs.). Processos de ensinar e aprender: sujeitos, currículos e cultura: livro 3. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2008, p. 530-550. __________. O Modelo dos Campos Semânticos: estabelecimentos e notas de teorizações. In: LAUS, C. et al. (Orgs.). Modelo dos Campos Semânticos e Educação Matemática: 20 anos de história. São Paulo: Midiograf, 2012.p. 11– 30. MINAS GERAIS - SECRETARIA DE ESTADO DE EDUCAÇÃO DE MINAS GERAIS. Conteúdo Básico Comum – Matemática (2007). Educação Básica - Ensinos Fundamental e Médio. Disponível em: <http://crv.educacao.mg.gov.br/sistema_crv/banco_objetos_crv/%7B4DA513B4-3453- 4B47-A322-13CD37811A9C%7D_Matem%C3%A1tica%20final.pdf>. Acesso em: 10/04/2016. OLIVEIRA, V. C. A. A produção de significados a partir de um texto sobre frações. 1999. Monografia (Especialização em Educação para Ciência). Faculdade de Educação/NEC, UFJF. Juiz de Fora/ MG. ___________. Sobre a produção de significados para a noção de transformação linear em Álgebra Linear. 2002. Dissertação (Mestrado em Educação Matemática) – Instituto de Geociências e Ciências Exatas, Universidade Estadual Paulista, Rio Claro- SP, 2002. PROCHEIRA, R. M. J. A. R. Representações sociais de matemática: um estudo com alunos do Ensino Médio do SENAI de Itajaí-SC. UNIVALI -Universidade do Vale do Itajaí. 2009. Disponível em: <http://livros01.livrosgratis.com.br/cp117549.pdf>. Acesso em: 25/07/2015. UNICEF. 10 desafios do ensino médio no Brasil: para garantir o direito de aprender de adolescentes de 15 a 17 anos / [coordenação Mário Volpi, Maria de Salete Silva e Júlia Ribeiro]. – 1. ed. – Brasília, DF: UNICEF, 2014.