Prévia do material em texto
Fernanda Arissa Takii Gabriel Dziurkovski Machado João Pedro Greca de Macedo Biasi Eurico Cleto Ribeiro de Campos (Organizadores) MANUAL DE ONCOLOGIA DA LICCAN 2ª Edição Editora CRV Curitiba – Brasil 2024 Conselho Editorial: Aldira Guimarães Duarte Domínguez (UNB) Andréia da Silva Quintanilha Sousa (UNIR/UFRN) Anselmo Alencar Colares (UFOPA) Antônio Pereira Gaio Júnior (UFRRJ) Carlos Alberto Vilar Estêvão (UMINHO – PT) Carlos Federico Dominguez Avila (Unieuro) Carmen Tereza Velanga (UNIR) Celso Conti (UFSCar) Cesar Gerónimo Tello (Univer .Nacional Três de Febrero – Argentina) Eduardo Fernandes Barbosa (UFMG) Elione Maria Nogueira Diogenes (UFAL) Elizeu Clementino de Souza (UNEB) Élsio José Corá (UFFS) Fernando Antônio Gonçalves Alcoforado (IPB) Francisco Carlos Duarte (PUC-PR) Gloria Fariñas León (Universidade de La Havana – Cuba) Guillermo Arias Beatón (Universidade de La Havana – Cuba) Jailson Alves dos Santos (UFRJ) João Adalberto Campato Junior (UNESP) Josania Portela (UFPI) Leonel Severo Rocha (UNISINOS) Lídia de Oliveira Xavier (UNIEURO) Lourdes Helena da Silva (UFV) Luciano Rodrigues Costa (UFV) Marcelo Paixão (UFRJ e UTexas – US) Maria Cristina dos Santos Bezerra (UFSCar) Maria de Lourdes Pinto de Almeida (UNOESC) Maria Lília Imbiriba Sousa Colares (UFOPA) Paulo Romualdo Hernandes (UNIFAL-MG) Renato Francisco dos Santos Paula (UFG) Sérgio Nunes de Jesus (IFRO) Simone Rodrigues Pinto (UNB) Solange Helena Ximenes-Rocha (UFOPA) Sydione Santos (UEPG) Tadeu Oliver Gonçalves (UFPA) Tania Suely Azevedo Brasileiro (UFOPA) Comitê Científico: Adriana Bittencourt Campaner (FCMSCSP) Anaflávia de Oliveira Freire (UNIFESP) André Giacomelli Leal (PUC-PR) Anna Silvia Penteado Setti da Rocha (UTFPR) Bernardino Geraldo Alves Souto (UFSCAR) Daniel Alexandre Bottino (UERJ) Diego Ferreira Regalado (UEA) Jan Alessandro Socher (FURB) Joaquim Antonio Cesar Mota (UFMG) José Antonio Chehuen Neto (UFJF) José Martins Filho (UNICAMP) José Odair Ferrari (UNIR) Leonardo Provetti Cunha (USP) Luciano Resende Ferreira (UNIFAE) Luiz Ferraz de Sampaio Neto (PUC-SP) Maurício Paulo Angelo Mieli (USP) Mauro Muszkat (UNIFESP) Paulo Roberto Vasconcellos da Silva (FIOCRUZ) Este livro passou por avaliação e aprovação às cegas de dois ou mais pareceristas ad hoc. Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) CATALOGAÇÃO NA FONTE Bibliotecária responsável: Luzenira Alves dos Santos CRB9/1506 Copyright © da Editora CRV Ltda. Editor-chefe: Railson Moura Diagramação e Capa: Designers da Editora CRV Revisão: O Autor M266 Manual de Oncologia da LICCAN – 2ª Edição / Fernanda Arissa Takii, Gabriel Dziurkovski Machado, João Pedro Greca de Macedo Biasi, Eurico Cleto Ribeiro de Campos (organizadores) – Curitiba : CRV, 2024. 348 p. Bibliografia ISBN Digital 978-65-251-5929-4 ISBN Físico 978-65-251-5928-7 DOI 10.24824/978652515928.7 1. Medicina 2. Oncologia 3. Neoplasias 4. Educação Médica 5. Cuidados Paliativos I. Takii, Fernanda Arissa, org II. Machado, Gabriel Dziurkovski, org. III. Biasi, João Pedro Greca de Macedo, org. IV. Campos, Eurico Cleto Ribeiro de, org. V. Título VI. Série. CDU 616-006 CDD 616.994 Índice para catálogo sistemático 1. Medicina – oncologia - 616.994 2024 Foi feito o depósito legal conf. Lei nº 10.994 de 14/12/2004 Proibida a reprodução parcial ou total desta obra sem autorização da Editora CRV Todos os direitos desta edição reservados pela Editora CRV Tel.: (41) 3029-6416 – E-mail: sac@editoracrv.com.br Conheça os nossos lançamentos: www.editoracrv.com.br AGRADECIMENTOS Gostaríamos de agradecer a todos que participaram da concretização do “Manual de Oncologia da LICCAN”, seja direta ou indiretamente. Aos ligantes autores, por aceitarem contribuir com seu tempo e pesquisa. Aos diretores de 2023 da LICCAN: Leticia Midori Michalawiski Yamaoka, Luana Naomi Miyawaki, Luisa Miqueloto Santos, João Rafael do Prado Martins e Vitor Dias Gonçalves pelo tempo e dedicação empreendidos na realização do manual. Ao Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro dos Campos e Dr. João Carlos Simões e aos doutores(as) Samya Hamad Mehanna, Luiz Martins Collaço, Jan Pawel Andrade Pachnicki, Bruno Ribeiro Batista, Tayron Bassani, Carlos Roberto Caron, Jonathan Vinicius Lourenço Souza, Maria Augusta Karas Zella, Rayssa Helena de Sena, Raphael Garcia Alves, Lucas Fernando Uratani, Ana Paula Lopes Przybysz, Paulo Henrique Nocete e Lucas Rodrigues Prim que, além de participar da escrita e revisão deste livro, nos incentivaram e orientaram ao longo de todo o processo, impulsionando nosso crescimento e nos dedicando seu tempo e energia. Que sorte a nossa de estar sob a tutela desses profissionais dedicados e competentes que tanto nos auxiliam a trilhar o caminho acadêmico científico! À Profa. Dra. Carmen A. P. Marcondes Ribas, diretora geral da FEMPAR e ao Prof. Dr. Luiz Martins Collaço, coordenador do curso de medicina da FEMPAR, pela liderança inspiradora e pela oportunidade de aprendizado. À Faculdade Evangélica Mackenzie do Paraná e ao Instituto Presbiteriano Mackenzie, que proporcionam a estrutura necessária para o crescimento e aprendizado de futuros médicos em suas jornadas educacionais. À Dra. Susana Puga Ribeiro por todo apoio e por cada conselho valioso. E um agradecimento especial ao Instituto do Câncer e Transplante de Curitiba (ICTR), por apoiar esse projeto e torná-lo possível pelo seu patrocínio, nos inspirando a acreditar na importância da medicina baseada em evidências, do cuidado e da empatia. Fernanda Arissa Takii Gabriel Dziurkovski Machado SUMÁRIO PREFÁCIO Prof. Dr. João Carlos Simões PARTE I: CONCEITOS GERAIS O CÂNCER Gabriel Dziurkovski Machado João Paulo Vargas de Mendonça João Rafael do Prado Martins Prof. Dr. Luiz Martins Collaço ANAMNESE E EXAME FÍSICO EM ONCOLOGIA Beatriz Climeck de Souza Júlia Riedel Dereti Vitor Dias Gonçalves Dr. Raphael Garcia Alves ESTADIAMENTO E NOMENCLATURA EM ONCOLOGIA Maria Júlia Vargas de Mendonça Adriele Canalli Kowalski Luisa Miqueloto Santos Prof. Dr. João Carlos Simões RASTREIO E DIAGNÓSTICO PRECOCE EM ONCOLOGIA Beatriz Arnaut Mendes Leandro Alencar Furtado Machoski Vitor Dias Gonçalves Dr. Bruno Ribeiro Batista MARCADORES TUMORAIS Beatriz Arnaut Mendes Leandro Alencar Furtado Machoski Vitor Dias Gonçalves Dr. Bruno Ribeiro Batista PARTE II: CONCEITOS CLÍNICOS NOÇÕES BÁSICAS DE ONCOLOGIA CLÍNICA Gabriel Dziurkovski Machado Julia Baldan Albano de Paula Fernanda Arissa Takii Dr. Bruno Ribeiro Batista FUNDAMENTOS EM CUIDADOS PALIATIVOS João Paulo Vargas de Mendonça Julia Sofia Gomes Vitor Dias Gonçalves Prof. Dr. Jonathan Vinicius Lourenço Souza EMERGÊNCIAS ONCOLÓGICAS Isadora Ramos Isabela Morgado de Moraes Luisa Miqueloto Santos Dra. Ana Paula Lopes Przybysz SÍNDROMES PARANEOPLÁSICAS Luana Naomi Miyawaki Fernanda Arissa Takii Leticia Midori Michalawiski Yamaoka Dra. Ana Paula Lopes Przybysz PARTE III: PRINCÍPIOS CIRÚRGICOS PRINCÍPIOS DA CIRURGIA ONCOLÓGICA Fernanda Arissa Takii Giulia Brunner Scutti João Rafael do Prado Martins Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos CATETERES VENOSOS TOTALMENTE IMPLANTÁVEIS Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos QUIMIOTERAPIA INTRAPERITONEAL HIPERTÉRMICA (HIPEC) Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos ANTISSEPSIA E ASSEPSIA Bruna Czelusniak Goulart Helena Messias Gomes Fernanda Arissa Takii PARAMENTAÇÃO Isadora Quirino Zanini Julia Baldan Albano de Paula Fernanda Arissa Takii INSTRUMENTOS E TEMPOS CIRÚRGICOS Fernanda Arissa Takii João Rafael do Prado Martins Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos PARTE IV: ONCOLOGIA CÂNCER DE PELE Leticia Midori Michalawiski Yamaoka Luana Naomi Miyawaki Fernanda Arissa Takii Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO Adriele Canalli Kowalski Maria Júlia Vargas de Mendonça Letícia Midori Michalawiski Yamaoka Dr. Tayron Bassani CÂNCER DA TIREOIDE Júlia Riedel Dereti Beatriz Climeck Luana Naomi Miyawaki Profa. Dra. Maria Augusta Karas Zella CÂNCER DE PULMÃO Sofia Daczuk Scalzo Luisa Miqueloto Santos João Rafaeldo Prado Martins Dr. Lucas Fernando Uratani CÂNCER DE MAMA Gabriel Dziurkovski Machado Fernanda Arissa Takii João Pedro Greca de Macedo Biasi Prof. Dr. Jan Pawel Pachnicki CÂNCER DO OVÁRIO Daniela Natsumi Hamasaki Ueda Leticia Cristine Furghieri Leticia Midori Michalawiski Yamaoka Prof. Dr. Jan Pawel Pachnicki CÂNCER DO COLO DE ÚTERO Isabela Morgado de Moraes Isadora Ramos Gabriel Dziurkovski Machado Prof. Dr. Jan Pawel Pachnicki CÂNCER DE ENDOMÉTRIO João Pedro Greca de Macedo Biasi Gabriel Dziurkovski Machado Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos CÂNCER DA PRÓSTATA Helena Gomes Vitor Dias Gonçalves Luísa Miqueloto Santos Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna CÂNCER DE TESTÍCULO Giulia Brunner Scutti Luisa Miqueloto Santos Prof. Dra. Samya Hamad Mehanna CÂNCER DO RIM João Rafael do Prado Martins Ricardo Abbud Torres Xavier Fernanda Arissa Takii Prof. Dra. Samya Hamad Mehanna CÂNCER DA BEXIGA Vitor Dias Gonçalves Wagner Zacalusny Luana Naomi Miyawaki Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna CÂNCER DO ESÔFAGO Geovanna Morgado de Oliveira Letícia Midori Michalawiski Yamaoka Gabriel Dziurkovski Machado Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna CÂNCER DE ESTÔMAGO Giulia Brunner Scutti Leticia Midori Michalawiski Yamaoka Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna CÂNCER COLORRETAL Leandro Alencar Furtado Machoski Beatriz Arnaut Mendes Luana Naomi Miyawaki Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna CÂNCER DE FÍGADO Luisa Miqueloto Santos Wagner Zacalusny, Gabriel Dziurkovski Machado Dra. Rayssa Helena de Sena CÂNCER DE PÂNCREAS Ricardo Abbud Torres Xavier Bruna Czelusniak Goulart João Rafael do Prado Martins Dr. Paulo Henrique Nocete SARCOMAS DE PARTES MOLES Julia Sofia Gomes Sofia Daczuk Scalzo Leticia Midori Michalawiski Yamaoka Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos TUMORES DO SISTEMA NERVOSO CENTRAL Isadora Quirino Zanini Julia Baldan Albano de Paula Vitor Dias Gonçalves Prof. Dr. Carlos Roberto Caron TUMOR PRIMÁRIO OCULTO Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos ÍNDICE REMISSIVO ORGANIZADORES COLABORADORES AUTORES PREFÁCIO Aquilo que escuto, esqueço. Aquilo que vejo, lembro. Aquilo que pratico, realizo. (Confúcio, 551 a.C. - 479 a.C.) Estamos vivendo tempos de muito ódio e pouco amor e afetividade. Mas a Medicina, e em especial a Cancerologia sempre representará humanismo, bondade, amor ao próximo e afetividade – razão de ser da profissão. Muito me apraz poder prefaciar este livro “Manual de Oncologia do Liccan” que tem como organizadores da obra os acadêmicos do LICCAN: Fernanda Arissa Takii, Gabriel Dziurkovski Machado e João Pedro Greca de Biasi sob a tutela do notável e inspirador prof. Eurico Cleto Ribeiro de Campos atual professor da disciplina de Oncologia da FEMPAR e chefe do Serviço de Cancerologia Cirúrgica do HUEM. Quero estender os efusivos parabéns a todos os demais estudantes e membros atuais da Coordenação do Liccan que gostaria de nominar: Leticia Midori Michalawiski Yamaoka, Luana Naomi Miyawaki, Vitor Dias Gonçalves, Luísa Miqueloto Santos e João Rafael Prado Martins, além de vários professores da FEMPAR e outros colegas médicos que recebem um agradecimento especial em cada capítulo que ajudaram a concluir. A definição oficial de uma Liga Acadêmica diz que se trata de “uma associação civil e científica livre, de duração indeterminada, sem fins lucrativos com sede e foro na Instituição de Ensino que a abriga, que visa complementar a formação acadêmica de alunos de graduação em uma área específica de especialidade médica, por meio de atividades que atendam os princípios do tripé universitário de ensino, pesquisa e extensão.” Sou o fundador do LICCAN em 2002, sendo a primeira liga do HUEC e FEMPAR. Ela sempre desempenhou um papel seminal na complementação das atividades teóricas e práticas de estudantes de medicina de todas as faculdades de Curitiba com participação ativa e orientada em centro cirúrgico, visita à beira do leito, discussão de casos e aulas ministradas por membros do Serviço de Cancerologia Cirúrgica do HUEM e convidados. Dentre alguns pilares emblemáticos da atuação do LICCAN citamos: o Congresso Médico Academico de Cancerologia (COMACAN) com professores de renome nacional e com temas de vanguarda, os pré-COMACAN, apresentação de trabalhos científicos no Congresso e autoria e co-autoria de publicações científicas como este livro de texto atual que esperamos possa contribuir com o ensino da Cancerologia. Prof. Dr. João Carlos Simões Professor fundador da LICCAN e professor de Oncologia da FEMPAR PARTE I: CONCEITOS GERAIS O CÂNCER Gabriel Dziurkovski Machado1 João Paulo Vargas de Mendonça2 João Rafael do Prado Martins3 Prof. Dr. Luiz Martins Collaço4 Neoplasias são doenças monoclonais em que uma célula defeituosa passa a se replicar de forma acelerada. Para que se instale a doença, basta uma célula sofrer um dano genético não-letal que cause uma mutação com caráter proliferativo acentuado. As neoplasias malignas (ou “câncer”) compreendem um conjunto de doenças a nível tecidual que têm como característica um crescimento desordenado de células acompanhado da capacidade de invasão de tecidos adjacentes ou órgãos à distância (uma característica denominada metástase). Com o passar da progressão da doença, o câncer causa dano aos tecidos do organismo em que se instala o tumor. A palavra “câncer” tem origem do grego karkinos, que significa caranguejo, e foi utilizada por Hipócrates devido a uma analogia feita entre as patas desse animal fixadas na areia e a capacidade de infiltração do câncer. Seja lenta ou rapidamente, todas as neoplasias malignas possuem a capacidade de invadir tecidos diferentes do seu tecido de origem. São denominadas “lesões primárias” aquelas onde houve o surgimento do câncer, independente da presença de metástases ou não. As lesões in situ são as neoplasias de caráter maligno em que as células ainda estão restritas à devida camada do seu tecido de origem, sem que tenha ocorrido a invasão de tecidos adjacentes. Já as lesões invasivas são as que foram capazes de invadir tecidos vizinhos à lesão primária e/ou aceder às vias linfáticas e hematogênicas ou cavidades naturais para formar colônias neoplásicas em outros órgãos (no processo denominado “metástase”). Os cânceres comumente causam focos de necrose e hemorragia nos órgãos devido ao seu crescimento desordenado. Além disso, eles possuem alto consumo energético (cursando com caquexia) e são capazes de atrapalhar o funcionamento dos órgãos em que estão instalados, comprometendo muito o status-performance do indivíduo e colocando em risco a vida do paciente conforme a progressão da doença ocorre. Concomitante a isso, os tumores podem causar síndromes paraneoplásicas, que são um conjunto de sinais e sintomas que vêm acompanhadas de uma neoplasia, mas sem estarem diretamente relacionadas com sua invasão, obstrução ou efeitos metastáticos. O câncer é uma doença de difícil tratamento que requer acompanhamento multidisciplinar, uma vez que a sobrevida do paciente está intimamente ligada não apenas à extensão do tumor, mas também à sua capacidade de suportar os efeitos colaterais das intervenções clínicas e cirúrgicas. Carcinogênese Diferentes fatores são capazes de causar mudanças no comportamento celular de um tecido, seja a nível genético ou epigenético. De forma geral, essas alterações irão promover anormalidades metabólicas na célula, promovendo divisões progressivamente aceleradas e erráticas ao passo que vias de apoptose passam a ser desativadas. Os fatores desencadeantes das mutações genéticas ou epigenéticas podem ser hereditários, ambientais ou até mesmo infecciosos. São exemplos de fatores ambientais a exposição à radiação ionizante, arsênico, asbesto, benzeno e outras substâncias, bem como a adoção de comportamentos e hábitos de vida como etilismo e tabagismo. Infecções persistentes por alguns agentes biológicos podem criar um ambiente propício ao surgimento de tumores, aumentando muito o risco de aparecimento de câncer. Entre essas causas citam-se o Helicobacter pylori ou oPapilomavírus Humano (HPV), que estão muito relacionados ao surgimento de tumores de estômago e colo do útero, respectivamente. Entre as causas hereditárias, citam-se as síndromes neoplásicas hereditárias, que possuem uma seção própria neste capítulo. As mutações ligadas ao aparecimento de tumores podem ser somáticas (surgindo de forma espontânea nos tecidos) ou germinativas (sendo transmitidas através dos gametas, tornando-se hereditárias). Essas mutações geram erros em duas classes de genes: os “proto-oncogenes” e os “genes supressores de tumor”. Proto-oncogenes são genes relacionados ao crescimento e reprodução celular que, ao sofrer uma mutação (seja ela germinativa ou somática) passa a ser superexpresso ou adquirir novas funções. Ao ter esse novo caráter esse gene é “ativado” e passa a ser denominado de oncogene, sendo responsável por codificar oncoproteínas relacionadas à proliferação tumoral. Exemplos de proto- oncogenes incluem os genes RAS, MYC e ERK bem como os genes que expressam receptores fatores de crescimento (EGFR, VEGFR, PDGFR e HER2), que quando superexpressos contribuem com o crescimento tumoral. Já os genes supressores de tumor são aqueles ligados à regulação e vigilância da reprodução celular. Se estiverem com suas funções mantidas, eles são capazes de induzir reparos no DNA ou até apoptose no caso de erros. Caso estejam mutados, eles perdem essa função regulatória e a célula torna-se incapaz de interromper erros ocorridos no ciclo celular, ficando mais propensa à proliferação descontrolada. Entre os genes supressores de tumor, citam-se os genes p53, BRCA1, BRCA2, MSH6 e APC. Hallmarks do Câncer Em 2000 os pesquisadores Douglas Hanahan e Robert Weinberg publicaram artigos elencando uma série de seis princípios de base celular que contemplassem de forma integrativa o desenvolvimento de um tumor no organismo. A esses seis conceitos foi dado o nome de “Hallmarks of Cancer” (em português, “características” ou “marcas” do câncer). Entretanto, conforme os anos passaram e as diversas ciências por trás da oncologia (e.x.: bioquímica, patologia, imunologia e microbiologia) realizavam novas descobertas, foi se mostrando necessária a adição de novos Hallmarks. Existem no momento, ao todo, catorze características fundamentais que foram elencadas na tentativa de racionalizar a complexidade das doenças neoplásicas em um número definido de princípios integrativos. Confira uma explicação simplificada de cada uma delas abaixo: Os primeiros seis hallmarks foram publicados em 2000. • Sustentar a sinalização proliferativa: Enquanto células saudáveis necessitam de sinais de crescimento mitogênico para proliferar, células neoplásicas se mostram capazes de produzir seus próprios sinais de crescimento de forma autônoma e sustentada, garantindo a divisão celular continuada sem estímulos externos. • Evitar os supressores de crescimento: Células tumorais passam a não expressar fatores supressores de tumor, além de se tornar dessensibilizadas aos sinais de inibição de crescimento de células vizinhas. • Ativar a invasão e a metástase: Seja rápida ou lentamente, todos os tumores malignos têm a capacidade de se desligar do tecido de origem para invadir outros tecidos. Essa invasão pode ser locorregional (invadindo tecidos ou órgãos “vizinhos” ao tumor) ou à distância (proliferando o tumor através de vias linfáticas, hematogênicas ou em cavidades naturais). À proliferação à distância dá-se o nome de metástase. • Acessar a imortalidade replicativa: Ao contrário de células saudáveis, que após um número finito de replicações atingem um estado de senescência e interrompem suas proliferações, as células tumorais são capazes de escapar os limites de reprodução, permitindo que haja um crescimento indefinido do tumor. • Induzir angiogênese: Tal qual tecidos saudáveis do organismo, tumores requerem um aporte de sangue para manter suas funções metabólicas (notavelmente elevadas). Para isso, os tumores se tornam capazes de fazer células vizinhas (não-cancerosas) liberarem citocinas e fatores de crescimento vascular que induzem a formação contínua de brotos vasculares e vasos sanguíneos aberrantes. • Resistir à morte celular: Células tumorais tornam-se capazes de inibir a apoptose, apesar de seu aspecto anormal e seus danos genômicos progressivos. Esse processo pode ocorrer seja ao inibir ou dessensibilizar os sinalizadores ou efetores desse processo fisiológico. Os quatro hallmarks seguintes foram publicados em 2011: • Desregular o metabolismo celular: Utilização de vias metabólicas alternativas por parte de células tumorais para manutenção do seu suporte energético, havendo um favorecimento do metabolismo baseado em glicólise aeróbica (o “Efeito de Warburg”) e fermentação lática. • Evasão do sistema imunológico: Células tumorais se mostram capazes de inibir reações do sistema imunológico. Para tanto, elas não apenas interrompem a síntese de antígenos que as fazem ser reconhecidas como ameaças (tornando-se “invisíveis”), como também inibem diretamente a resposta de leucócitos. Através desses mecanismos, essas células passam a não ser compreendidas como ameaça apesar de sua morfologia, comportamento e genótipo aberrante. • Inflamação promotora de tumores: O microambiente tumoral está muito relacionado às dinâmicas inflamatórias, graças à constante liberação de citocinas. O tumor se torna capaz de ludibriar o maquinário inflamatório de forma que ele apresente um comportamento pró-tumoral. Paradoxalmente, essa reação inflamatória gera maior liberação de fatores de crescimento e propicia a angiogênese, facilitando a progressão tumoral. • Instabilidade e mutação do genoma: As anormalidades genômicas das células tumorais ocorrem de forma progressiva conforme o tumor se desenvolve. Essas anormalidades facilitam o surgimento progressivo de novas mutações em genes supressores de tumor e oncogenes, que sumariamente favorecem o desenvolvimento tumoral. Os hallmarks mais recentes foram publicados em 2022 e representam algumas fronteiras na pesquisa em oncologia: • Desbloqueio da plasticidade fenotípica: tecidos saudáveis passam por uma diferenciação progressiva, indo de células tronco para células diferenciadas e diminuindo suas taxas de reprodução conforme o processo se completa. Células tumorais são capazes de evadir essa barreira ao silenciar alguns genes e estimular outros, obtendo plasticidade fenotípica através de processos de desdiferenciação e transdiferenciação celular. Esses processos facilitam a progressão tumoral e o desenvolvimento de resistências terapêuticas. • Reprogramação epigenética não mutacional: nos eventos epigenéticos ocorrem mudanças físicas e/ou topológicas no DNA que alteram a distribuição de hetero e eucromatina no núcleo, porém com a sequência nucleotídica sendo mantida. Esses eventos no genoma de células tumorais podem cursar com o silenciamento de genes supressores de tumor ou maior transcrição de oncoproteínas. • Microbioma polimórfico: em diferentes tecidos de barreira do organismo (intestinal, geniturinário, oral) é observado o impacto da microbiota local no fenótipo tumoral. Os microrganismos da microbiota podem ser responsáveis pela liberação de compostos que podem ser pró ou anti- tumorais. Disbioses exercem modulação pró-tumoral, enquanto microbiotas saudáveis demonstram comportamento anti-tumoral. • Células senescentes: a senescência celular é um estado irreversível de interrupção proliferativa induzida por estresse tecidual. As células senescentes são capazes também de liberar citocinas e compostos bioativos no microambiente tumoral que possuem ação parácrina. Esses compostos se mostram capazes de induzir a angiogênese, facilitar mecanismos de invasão, suprimir a resposta imune e, sumariamente, ter ação pró-tumoral. Vale ressaltar que, apesar de ter característica monoclonal, o câncer é uma doença a nível tecidual, portanto esta categorização a nível celular serve para organizar o raciocínio envolvendo essa doença complexa. Metástases Metástase é a disseminação,seja ela linfática ou hematogênica, de células tumorais para regiões e tecidos distantes. É a transferência da doença de um órgão para outro, sendo que estes não estão diretamente conectados, e que envolve um processo no qual o tumor altera a resposta imune ao seu favor. Essa alteração, é causada pelo microambiente tumoral (MAT), que envolve uma gama de elementos do organismo que tem relação com as células neoplásicas. O MAT é formado por uma combinação de células cancerosas em crescimento e as células de suporte ao redor (como fibroblastos e células endoteliais), bem como proteínas que compõem a estrutura entre as células. Além disso, também inclui células do sistema imunológico que estão naturalmente presentes, como macrófagos, neutrófilos, mastócitos e linfócitos. Desse modo, acredita-se que na disseminação das células neoplásicas, o MAT é capaz de induzir uma resposta inflamatória que produzirá mediadores responsáveis por aumentar a permeabilidade tecidual e capilar, facilitando a invasão de outros tecidos pelo tumor. Esta capacidade de invasão e disseminação dos tumores malignos gerando focos tumorais em outras partes do corpo a partir de uma neoplasia já existente é a principal característica do câncer, sendo que as metástases resistentes à terapia convencional são a maior causa de morte pela doença. Cada lesão primária possui certo tropismo por determinadas regiões no momento de metastatizar, uma vez que as células tumorais expressam moléculas de adesão as quais se ligam preferencialmente às células endoteliais de determinados órgãos. Ou seja, certos órgãos e tecidos são mais propensos à metastização, o que foi postulado pela primeira vez por Stephen Paget, em sua “Teoria da Semente e do Solo” publicada na revista The Lancet em 1889, significando que o desenvolvimento de metástases depende de múltiplas interações entre as células tumorais e a hemostasia única do microambiente de determinados órgãos. Um exemplo disso é a tendência à metástase óssea em casos de câncer de próstata. Etapas: A disseminação metastática não é algo simples, e para ocorrer são necessárias diversas “habilidades” por parte das células tumorais. Assim, ela pode ser dividida em 5 etapas: 1. Invasão e infiltração de tecidos subjacentes por células tumorais, dada a permeação de pequenos vasos linfáticos e sanguíneos. 2. Liberação, na circulação linfática e/ou sanguínea, de células neoplásicas, tanto isoladas como na forma de pequenos êmbolos. 3. Sobrevivência dessas células na circulação linfática e/ou sanguínea. 4. Retenção nos leitos capilares de órgãos distantes. 5. Extravasamento dos vasos linfáticos ou sanguíneos, seguido do crescimento das células tumorais disseminadas. Em uma porção considerável dos pacientes o diagnóstico de um câncer é feito e já há metástases instaladas. A consequência disso é que a excisão cirúrgica da lesão primária em um paciente com metástases perde seu potencial curativo pois a doença já está disseminada para outras partes do corpo. Este fenômeno é tão relevante que a presença de metástases à distância é um dos principais fatores prognósticos para um paciente portador de uma neoplasia. Esse fator é tão relevante que faz parte do sistema de estadiamento de neoplasias preconizado pela União Internacional Contra o Câncer – o sistema TNM de classificação dos tumores malignos. As metástases são, inclusive, apenas um dos pontos de diferenciação entre tumores benignos e malignos. As neoplasias benignas também podem colocar em risco a vida do paciente. Embora seja raro e ocorra de forma vagarosa, tumores benignos têm capacidade compressiva e podem cursar com lesão de tecidos adjacentes, podendo inclusive cursar com óbito. Conforme tabela a seguir: Tabela 1 - Diferenciação entre tumores malignos e benignos Tumor Benigno Tumor Maligno Formado por células bem diferenciadas (semelhantes às do tecido normal); estrutura típica do tecido de origem Formado por células anaplásicas (diferentes das do tecido normal); atípico; falta diferenciação Crescimento progressivo; pode regredir; mitoses normais e raras Crescimento rápido; mitoses anormais e numerosas Massa bem delimitada, expansiva; não invade nem in�ltra tecidos adjacentes Massa pouco delimitada, capacidade de invadir tecidos adjacentes; Não ocorrem metástases Metástases frequentemente presentes Fonte: O Autor, 2023 As metástases apresentam elevada heterogeneidade, até porque se originam dos mais variados tipos de neoplasias, o que se apresenta como um obstáculo terapêutico. Essa heterogeneidade, tanto genética quanto epigenética influência em invasão celular tumoral, invasão vascular/linfática, sobrevivência na circulação, saída dos vasos, e colonização de sítios distantes - todos aqueles fatores necessários para que a metastização ocorra. Esses eventos estão associados a diversos fatores (como microambiente, caminho pela circulação, sistema imune, etc.) que devem estar idealmente regulados para gerar promoção de mecanismos metastáticos e evasão de mecanismos inibitórios, e que definem o sítio e severidade da metástase. Assim, estuda-se essas diversas interações e eventos na busca de alvos em que se possa interferir para gerar efeitos terapêuticos. No entanto, os principais tratamentos continuam sendo a excisão cirúrgica do tumor, radioterapia e quimioterapia. No caso de neoplasias malignas essas linhas de tratamento geralmente são usadas em conjunto, variando apenas quanto à suscetibilidade dos tumores a cada uma das modalidades terapêuticas e à melhor sequência de sua administração. Um exemplo de sítio metastático passível de ressecção cirúrgica é o fígado no câncer colorretal. Mesmo quando há múltiplas metástases em ambos lobos hepáticos, ou estas são aumentadas em tamanho, é possível fazer quimioterapia neoadjuvante e, assim, obter citorredução ótima para posterior tratamento cirúrgico, sendo que a sobrevida pode chegar a 40-50% em 5 anos. Outros exemplos são as metástases cerebrais do câncer de pulmão não pequenas células, que podem ser ressecadas através de cirurgia ou radiocirurgia, sendo que a imunoterapia também obtém respostas consistentes. Síndromes Neoplásicas Hereditárias (SNHs) Certas variantes genéticas podem aumentar o risco de uma pessoa desenvolver determinados tipos de câncer. Essas mutações podem ser transmitidas de uma geração para a próxima, caracterizando as Síndromes Neoplásicas Hereditárias. Essas síndromes são características por causar o surgimento do mesmo tumor em múltiplos indivíduos de uma família. Essas mutações são herdadas e se apresentam em todas as células do corpo, estando relacionadas, portanto, ao surgimento de tumores em diferentes tecidos do organismo. Alguns exemplos de síndromes neoplásicas hereditárias podem ser vistas abaixo: Tabela 2 - Síndromes Neoplásicas Hereditárias e seus tumores associados Síndrome Gene(s) afetado(s) Tumores observados Câncer de Mama e Ovário Hereditário BRCA1 e/ou BRCA2 Mama, ovário, próstata e pâncreas Síndrome de Lynch Genes de reparo MMR como MLH1, MSH2, MSH6 e PMS3 Colorretal, endométrio, estômago e ovário Polipose adenomatosa familiar (PAF) APC Colorretal, osteomas, tireóide, tumores desmóides Síndrome de Li-Fraumeni TP53 Sarcomas, Osteosarcomas, Mama, SNC Anemia de Fanconi Genes FA (FANC-A, B, C, D2, E, F, G, I, J, L, M, N, O, P e outros) Leucemia Mielóide Aguda, Síndromes Mielodisplásicas, tumores de fígado, esôfago e faringe Fonte: O Autor, 2023 Essas síndromes costumam surgir como hipóteses clínicas após o aparecimento de um tumor em um paciente jovem com história mórbida familiar extensa para câncer, sendo diagnosticadas através de testes genéticos. Para indivíduos portadores dessas síndromes deve ser oferecido não só o devido aconselhamento genético, mas também uma atenção especial quanto a vigilância e profilaxia para o câncer. 1 Acadêmico da FEMPAR. 2 Acadêmico da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Médico Patologista. REFERÊNCIAS: 1. KUMAR, Vinay; ASTER, Jon C.; ABBAS, Abul K.. Robbins & Cotran Patologia: basespatológicas das doenças. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2021. 2. MUKHERJEE, S. O imperador de todos os males: uma biografia do câncer. São Paulo. Companhia Das Letras, 2012. 3. MAJÉRUS, Marie-Ange. The cause of cancer: The unifying theory. Advances in Cancer Biology-Metastasis, v. 4, p. 100034, 2022. 4. HANAHAN, Douglas; WEINBERG, Robert A. The hallmarks of cancer. Cell, v. 100, n. 1, p. 57-70, 2000. 5. HANAHAN, Douglas; WEINBERG, Robert A. Hallmarks of cancer: the next generation. Cell, v. 144, n. 5, p. 646-674, 2011. 6. HANAHAN, Douglas. Hallmarks of cancer: new dimensions. Cancer discovery, v. 12, n. 1, p. 31-46, 2022. 7. CROCE, Carlo M. Oncogenes and cancer. New England Journal of Medicine, v. 358, n. 5, p. 502-511, 2008. 8. SHERR, Charles J. Principles of tumor suppression. Cell, v. 116, n. 2, p. 235- 246, 2004. 9. PETRUCELLI, Nancie; DALY, Mary B.; PAL, Tuya. BRCA1-and BRCA2- associated hereditary breast and ovarian cancer. GeneReviews®[Internet], 2022. 10. FIDLER, I. J. et al. The Challenge of Targeting Metastasis. Cancer Metastasis Rev, v.34, n.4, p.635-641, 2015. 11. FIGUEIREDO, C. R. L. V. O intrigante paradoxo da inflamação associada ao câncer: uma atualização. Jornal Brasileiro de Patologia e Medicina Laboratorial, v. 55, n. 3, p. 321–332, 2019. Sociedade Brasileira de Patologia Clínica. Disponível em: https://www.scielo.br/j/jbpml/a/VMYQKJVgBcZttVNBGXMRmMs/abstract/? lang=pt. Acesso em: 7 set. 2023. 12. RIBATTI, D.; MANGIALARDI, G.; VACCA, A. Stephen Paget and the ‘seed and soil’ theory of metastatic dissemination. Clin Exp Med, v. 6, n. 4, p. 145-149, 2006 13. SIMÕES, J. C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 14. SOUZA, V. H. S. Atividade anticâncer e antiedematogênica de extratos e frações ativas obtidos de Imperata brasiliensis Trin. Dissertação apresentada à Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2011. 15. ZEESHAN, R. et al. Cancer metastasis: tricks of the trade. Bosn J Basic Med Sci, v.17, n.3, p.172-182, 2017. ANAMNESE E EXAME FÍSICO EM ONCOLOGIA Beatriz Climeck de Souza1 Júlia Riedel Dereti2 Vitor Dias Gonçalves3 Dr. Raphael Garcia Alves4 A anamnese e o exame físico nortearão a investigação diagnóstica subsequente, por isso, o paciente oncológico deverá ser escutado com atenção e com suporte para dúvidas. O paciente oncológico certamente passará por um processo longo de acompanhamento e decisões importantes para seu prognóstico serão tomadas após a primeira consulta, frente a isso, a anamnese inicial é fundamental em sua completude e abrangência, além de estabelecer um vínculo sólido para a propedêutica e seguimento oncológico. Iniciando a Consulta: Cumprimente o paciente pelo nome, apresente-se e feche a porta do consultório para preservar a privacidade. Indague se o paciente possui acompanhantes e deseja que eles participem da consulta. O diagnóstico oncológico toca profundamente o paciente, muitas vezes trazendo para ele pensamentos acerca da vida e da morte, sendo que estar sozinho neste momento pode ser a decisão de alguns, mas não tão boa para outros. Sinta a abertura e estrutura do paciente para a comunicação de notícias difíceis. Anamnese: 1. Inicie a anamnese pela queixa principal; Em primeira consulta, realize a anamnese completa (motivo do encaminhamento, história mórbida atual, história mórbida pregressa, histórico familiar, condições e hábitos de vida e perfil psicossocial) estabelecendo a ordem cronológica de procedimentos e resultados de exames, principalmente exames de imagem, biópsias e cirurgias; questione sobre hábitos de vida como tabagismo, etilismo, infecções anteriores, exposições a agentes tóxicos e histórico familiar de câncer, além de síndromes hereditárias na família. Caso seja uma consulta de retorno, busque ler o prontuário e exames complementares novos, antes mesmo de chamar o paciente ao consultório. Após essa leitura, faça uma breve revisão com o paciente. Confira datas e motivos dos novos exames para certificar-se da necessidade de novos e periodicidade com que serão feitos. Em ambas as situações, as escalas ECOG e Karnofsky podem ser utilizadas para avaliação de performance do paciente. O uso de escores é importante para decisões de tratamento oncológico. Tabela 1 - Escala de performance ECOG Score Avaliação de performance ECOG 0 Atividade normal 1 Sintomas da doença não restritivos 2 Fora do leito mais que 50% do tempo 3 Carente de cuidados intensivos 4 Restrito ao leito Fonte: O Autor, 2023 2. Lembre-se que muitos pacientes chegam ao consultório com a queixa de “exame alterado”, geralmente exames de rotina. O paciente oncológico normalmente já vem em consulta após passar por um médico generalista. Mantenha sua atenção às queixas iniciais e recentes, para visualizar a progressão deste processo de adoecimento. 3. Mantenha-se neutro ao interpretar resultados e ouvir queixas. Seja compreensivo e empático com seu paciente. Tabela 2 - Correlações oncológicas na anamnese Anamnese Correlação oncológica História Mórbida Atual (HMA) Dor; perda de peso nos últimos 6 meses; dispneia; insônia; presença de tumorações visíveis; alterações de hábitos intestinais; coloração da pele alterada; náuseas e vômitos, sangramentos, aspectos das fezes e urina; febre; anorexia; anotar todos os medicamentos que o paciente está em uso. História Mórbida Pregressa (HMP) Histórico oncológico pessoal; cirurgias anteriores; comorbidades; medicamentos de uso contínuo (MUCs); alergias; uso de anticoncepcional; histórico gineco-obstétrico (em caso de mulheres com suspeita de câncer ginecológico/mama); avaliar presença de comorbidades como hipertensão e diabetes. História Mórbida Familiar (HMF) Histórico de câncer e demais comorbidades na família (principalmente em parentes de primeiro grau). Condições e Hábitos de Vida (CHV) Carga tabágica; etilismo, uso de drogas ilícitas; alimentação; ocupação pro�ssional. Per�l Psicossocial (PPS) Aspectos sociais; religião; pro�ssão; estado civil; apoio familiar; rotina; escolaridade e interpretação da doença. Fonte: O Autor, 2023 Lembre-se de descrever tudo no prontuário, utilizando a linguagem técnica médica. Exame Físico 1. Determinar estado geral (Bom/Regular/Ruim - BEG/REG/MEG), se está lúcido e orientado em tempo e espaço (LOTE), corado/hipocorado, ictérico, cianótico, com sudorese. 2. Anotar sinais vitais (pulso, temperatura, pressão arterial, frequência respiratória e saturação) e escore da dor (EVN – Escala Verbal Numérica, de 0-10). 3. Exame linfonodal: É composto pela inspeção e palpação. É necessário o conhecimento das cadeias linfonodais e as respectivas áreas drenadas para a formação de hipóteses diagnósticas. Na avaliação deve-se observar a presença de sinais flogísticos (edema, calor, rubor e dor). A palpação deve ser realizada com as polpas digitais e a face ventral dos dedos médio, indicador e anular. O lado contralateral deve ser sempre comparado. É importante saber que vários outros linfonodos podem estar alterados na avaliação, sendo função do médico estar atento às drenagens linfáticas de todo o corpo. O câncer de mama habitualmente drena para região axilar. O câncer de canal anal para região inguinal. É fundamental sempre incluir no exame a palpação de linfonodos cervicais, supra e infraclaviculares. Tabela 3 - Características linfonodais Linfonodo Consistência Dor Mobilidade Tamanho Sinais de malignidade Duro Ausente Aderido > 2,5 cm Condições normais Borrachosa Presente Móvel 0,5 a 2,5 cm Fonte: O Autor, 2023 A coalescência é a junção de dois ou mais linfonodos, formando uma massa de limites imprecisos. É causada por processo inflamatório ou neoplásico. 4. Roteiro de sistemas – lembrando que o exame deve ser direcionado para o sistema acometido pelo câncer, mas sempre incluindo o sistema pulmonar, cardiovascular, abdominal e linfático. Buscar por tumorações e nódulos. Figura 1 – Sistema linfático Figura adaptada de Smart Servier - Lymphatic circulation, 2023. Tabela 4 - Correlaçõesoncológicas no exame físico Sistema Correlação oncológica Pele Petéquias, prurido, bolhas, manchas, ceratoses, secreções (com cronologia do crescimento da lesão), feridas operatórias/cicatrizes. Cabeça e pescoço Alopecia, desvio de rima labial, linfonodos cervicais, auriculares e supraclaviculares, parótidas e glândulas submandibulares. Boca/orofaringe Avaliar hidratação e coloração de mucosa jugal, estomatites, lesões intrabucais, aspecto de higiene bucal e leucoplasias. Pulmonar Ausculta com murmúrio vesicular reduzido ou aumentado, ruídos adventícios (sibilos, roncos, estertores), hemoptise e percussão. Cardíaco Bulhas cardíacas, ritmo e sopros. Vascular Varizes, fístulas, necrose e ulcerações. Sistema Correlação oncológica Abdominal Aspecto do abdome, ruídos hidroaéreos presentes, macicez, presença de massas à palpação, aspectos do fígado e baço, dor à palpação, sinais de irritação peritoneal. Dorso Palpação e percussão de apó�ses espinhosas. Membros superiores e inferiores Força e re�exos musculares, palpação de linfonodos axilares e inguinais, avaliar unhas. Neurológico Nível de consciência, alteração mental, pares de nervos cranianos, re�exo pupilar e marcha. Mama Palpação de todos os quadrantes mamários, mamilo e linfonodos axilares, presença de retração e expressão mamilar. Testículo, pênis e próstata Aspecto do exterior do aparelho, lesões verrucosas, nodulações, aumento de volume testicular e toque retal prostático. Fonte: O Autor, 2023 5. Todo achado de exame físico deve ser investigado quanto ao tempo de evolução, localização, lateralidade e presença de dor (se sim, avaliar o tipo, intensidade, frequência, irradiação). Se houver lesão, verificar o aspecto, coloração, tamanho e mobilidade. 6. Em casos de pacientes operados, verifica-se a ferida operatória: • Relatar tempo de evolução; • Se há presença de sinais flogísticos e infecção e se a ferida está limpa e seca; • Verificar presença de drenos, condições da sutura, cicatriz e dor local; • Presença de edema no membro acometido ou na drenagem linfática correspondente; • Dor na panturrilha ou empastamento, procurando sinais de trombose venosa profunda como o sinal de Homans (TVP). 7. Por fim, sintetize as informações estabelecidas e reconstitua os acontecimentos dialogados pelo paciente, garantindo entendimento das decisões diagnósticas e abrindo espaço para possíveis dúvidas. Nódulo Umbilical Metastático É um achado umbilical de aspecto firme, endurecido, de crescimento rápido, ulcerado e de coloração variada. É associado a malignidades metastáticas intra- abdominais e indica doença avançada. Pode ser a primeira manifestação de uma neoplasia e seu reconhecimento é importante para investigação diagnóstica e tratamento adequado. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Oncologista Clínico. REFERÊNCIAS: 1. MAIA, A.L. et al. Diagnóstico, tratamento e seguimento do carcinoma medular de tireoide: recomendações do Departamento de Tireoide da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Arq Bras Endocrinol Metab, v.58, n.7, p.667-700, 2014; 2. PORTO, C.C.; PORTO, A.L. Semiologia médica. 8.ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2019; 3. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018; 4. WHAT’S Breast Cancer in Men? American Cancer Society, 2018. Disponível em: https://www.cancer.org/cancer/breast-cancer-in-men/about/what-is-breast- cancer-in-men.html. Acesso em: 8 jan. 2021; 5. ANTONIO, J. L. C. et al. Nódulo da Irmã Maria José – um sinal semiológico de alerta: relato de caso. Revista Saber Digital, v. 14, n. 1, p. 39, 2 maio 2021. 6. ECOG-ACRIN CANCER RESEARCH GROUP. ECOG Performance Status Scale. Disponível em: https://ecog-acrin.org/resources/ecog-performance- status/. ESTADIAMENTO E NOMENCLATURA EM ONCOLOGIA Maria Júlia Vargas de Mendonça1 Adriele Canalli Kowalski2 Luisa Miqueloto Santos3 Prof. Dr. João Carlos Simões4 “O estadiamento da AJCC e TNM é a linguagem universal do câncer.” O estadiamento do câncer indica a taxa de crescimento e localização anatômica do tumor, além de refletir a sua extensão, o tipo histológico tumoral e a sua relação com o hospedeiro. É a partir dele que serão determinadas as condutas terapêuticas e o prognóstico do paciente. O estadiamento é universal, pois segue regras internacionais estabelecidas e, somente é realizado após a confirmação histológica do câncer, através da biópsia e exames de imagem (Tomografia Computadorizada, Ressonância Magnética, Ultrassonografia, Raio- X, PET-Scan, etc.) apropriados para cada paciente. Há dois tipos de estadiamento, o clínico e o patológico. O clínico é realizado por meio da anamnese, dos resultados de exames físicos, de sangue e de imagem e da biópsia, sendo fundamental para decidir o melhor tratamento a ser iniciado, além de poder analisar a resposta da doença à terapêutica. O estadiamento patológico ou cirúrgico utiliza dos mesmos princípios do clínico, somado aos achados operatórios e às avaliações patológicas do espécime ressecado. Os objetivos do estadiamento no câncer são: 1. Ajudar o médico no planejamento do tratamento; 2. Auxiliar na avaliação dos tratamentos; 3. Determinar a evolução do paciente; 4. Contribuir para pesquisas clínicas, com vistas ao desenvolvimento de novas estratégias de tratamento; Sistema TNM Existem diversos sistemas de estadiamento, sendo o TNM o mais utilizado, que é constantemente avaliado e atualizado pela American Joint Committe on Cancer (AJCC) e pela União Internacional de Controle do Câncer (UICC). Ele baseia-se na característica do tumor primário (T), no comprometimento da cadeia linfonodal (N) e na presença ou não de metástase à distância (M). Cada um desses critérios possuem uma graduação, os quais serão especificados nas tabelas a seguir: Tabela 1 – Estadiamento do Câncer de Mama ESTADIO SIGNIFICADO T Tx Não pode ser avaliado T0 Sem evidência de tumor primário Tis Carcinoma in situ T1 T1 mic micro-invasão ≤0,1cm T1 a > 0,1cm mas ≤0,5cm T1 b >0,5 mas ≤1cm T1 c >1cm mas ≤2cm T2 Tumor >2 cm mas ≤5cm T3 Tumor >5cm T4 T4 a Invade parede torácica, independente do tamanho T4 b Invade pele T4 c Tumor combinando T4a e T4b T4 d Carcinoma in�amatório N Nx Não pode ser avaliado N0 Não há metástase linfonodal N1 Há metástase linfonodal móvel para axila ipsilateral em níveis I e II N2 N2 a Metástase linfonodal �xa para axila ipsilateral em níveis I e II N2 b Metástase para linfonodos mamários internos ipsilaterais sem envolvimento axilar N3 N3 a Metástase para linfonodos infraclaviculares ipsilaterias N3 b Metástase para linfonodos mamários internos com envolvimento axilar ipsilaterais N3 c Metástase para linfonodos supraclaviculares ipsilaterais M M0 Sem doença à distância M1 Com doença à distância Fonte: O Autor, 2023 Classificação de Broders Somado ao TNM, existe a classificação histopatológica de Broders, a qual tem como parâmetro a diferenciação celular. Quanto mais diferenciado o tumor, melhor o prognóstico, e quanto mais indiferenciado, pior. Ela é dividida em quatro graus: Tabela 2 – Classificação histopatológica de Broders Parâmetro Características Grau I 0 a 25% de células indiferenciadas Grau II 25% a 50% de células indiferenciadas Grau III 50 a 75% de células indiferenciadas Grau IV 75% a 100% de células indiferenciadas Fonte: O Autor, 2023. Outros sistemas de estadiamento Existem, também, outras classificações para os os tumores, como a da FIGO (International Federation of Gynecology and Obstetrics) para tumores que atingem o sistema reprodutor feminino, a de Dukes para o câncer colorretal, o índice de Breslow para o melanoma, além de outros estadiamentos para o Linfoma de Hodgkin e para câncer infantil. Tabela 3 – Outros símbolos de classificação (prefixos e sufixos) Yc Estadiamento clínico após tratamento neoadjuvante Yp Estadiamento patológico após tratamento neoadjuvante R Estadiamento após recorrência ou re-tratamento A Estadiamentopós autópsia Su�xo Sn Linfonodos sentinelas Su�xo f Dos linfonodos, indica PAAF ou biópsia por fragmento (cor) Fonte: O Autor, 2023 Tabela 4 – Outros simbolos para tumor residual e margens cirúrgicas Tumor residual e margens cirúrgicas Rx Presença de tumor residual não pode ser analisada R0 Sem tumor residual R1 Tumor residual microscópico R2 Tumor residual macroscópico no sítio primário ou linfonodos Fonte: O Autor, 2023 Regra geral para nomenclatura A designação dos tumores fundamenta-se na histogênese e na histopatologia. Em tumores benignos, a regra é acrescentar o sufixo “oma” ao termo que designa o tecido original. Exemplo: • Tumor benigno do tecido cartilaginoso: Condroma • Tumor benigno do tecido adiposo: Lipoma • Tumor benigno do tecido epitelial de revestimento: Papiloma Caso os tumores sejam malignos, deve-se considerar a origem embriológica dos tecidos que originam o tumor. Se for derivado do tecido epitelial de revestimento interno ou externo, são chamados carcinomas. Quando é de origem glandular, passa a ser denominado de adenocarcinomas. Nos tumores malignos oriundos dos tecidos mesenquimais e conjuntivos, acrescenta-se “sarcoma” ao vocábulo relacionado ao tecido. Já em tumores provenientes das células blásticas, mais recorrentes na infância, adiciona-se “blastoma” ao tecido correspondente. Exemplo: • Tumor maligno do tecido epitelial de revestimento: Carcinoma basocelular de pele • Tumor maligno de tecido glandular-adenocarcinoma de ovário • Tumor maligno de tecido ósseo-osteossarcoma de fêmur • Tumor maligno de tecido hepático jovem-hepatoblastoma Exceções A maioria dos tumores seguem a regra geral, entretanto, alguns fogem disso. Os casos mais comuns são: • Teratomas: são tumores malignos de origem embrionária, derivados de células primitivas totipotentes; • Epônimos: são tumores malignos que receberam nomes após um indivíduo descrevê-los pela primeira vez. Exemplo: Tumor de Ewing; • Morfologia tumoral: carcinomas e adenocarcinomas podem ter nomes complementares para descrever sua morfologia macroscópica e microscópica; • Epitélios múltiplos: os tumores malignos e benignos podem apresentar mais de uma linhagem celular; • Sufixo indevido: alguns cânceres malignos ficaram denominados como se fossem benignos por não possuírem o correspondente variante benigno (melanoma, linfomas e sarcomas); • Outros: alguns tumores escapam de qualquer critério histogenético ou morfológico (mola hidatiforme, linfoma não Hodgkin cutâneo); Código Internacional das Doenças (CID) A Organização Mundial da Saúde (OMS), para uniformizar a nomenclatura tumoral, lança edições da Classificação Internacional das Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID-10) em vários idiomas. Assim, pode-se classificar os tumores por topografia e morfologia, dentro de códigos de letras e números, os quais são utilizados por especialistas em todo o mundo. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Cirurgião Oncológico e Oncologista Clínico. REFERÊNCIAS 1. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Estadiamento. INCA, 2019. Disponível em: https://www.inca.gov.br/estadiamento. Acesso em: 8 jan. 2021. 2. COSTA, Luiz Fernando Johnston. Nomenclatura de neoplasias. Disponível em: http://petdocs.ufc.br/index_artigo_id_384_desc_Oncologia _pagina__subtopico_40_busca_. 3. LOURENÇO, S.Q.C. et al. Classificações Histopatológicas para o Carcinoma de Células Escamosas da Cavidade Oral: Revisão de Sistemas Propostos. Revista Brasileira de Cancerologia, v. 53, n.3, p. 325-333, 2007. 4. MINISTÉRIO DA SAÚDE Instituto Nacional de Câncer (INCA). ABC do câncer : abordagens básicas para o controle do câncer. Instituto Nacional de Câncer. – Rio de Janeiro : Inca, 2011. Disponível em: https://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/abc_do_cancer.pdf. 5. MINISTÉRIO DA SAÚDE. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de regulação, avaliação e controle. Coordenação geral de sistemas de informação. SIA/SUS - Sistema de Informações Ambulatoriais Oncologia: Manual de Bases Técnicas. 21a Edição. Setembro/2015. Brasília-DF, Brasil. Disponível em: https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files/media/document/manual-de- oncologia-21-edicao-2015.pdf. 6. ONCOGUIA. Estadiamento do câncer. Disponível em: http://www.oncoguia.org.br/conteudo/estadiamento/4795/1/. 7. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 8. TNM Staging of commom cancers. RadiologyKey, 2016. Disponível em: https://radiologykey.com/tnm-staging-of-common-cancers/. RASTREIO E DIAGNÓSTICO PRECOCE EM ONCOLOGIA Beatriz Arnaut Mendes1 Leandro Alencar Furtado Machoski2 Vitor Dias Gonçalves3 Dr. Bruno Ribeiro Batista4 A Organização Mundial da Saúde (OMS) resume as estratégias para identificação de neoplasias em estádios iniciais em dois pontos: rastreio e diagnóstico precoce. Por rastreio entende-se a execução de procedimentos diagnósticos em uma população-alvo assintomática, podendo inclusive identificar lesões precursoras (ainda não cancerígenas). Diagnóstico precoce, por outro lado, visa pessoas que já desenvolveram a doença e tem sinais e sintomas relacionados. Rastreio O rastreio tem o objetivo de reduzir a morbimortalidade de uma doença específica, em populações-alvo assintomáticas. É uma das estratégias para a redução da mortalidade do câncer, uma vez que torna possível detectar lesões precursoras ou neoplasias em estádios iniciais. O principal valor está no fato de que neoplasias neste cenário tem altas chances de cura com menos intervenções. Dessa forma, programas de rastreamento efetivos diminuem a necessidade de tratamentos agressivos, proporcionando melhor taxa de cura e qualidade de vida aos pacientes. O processo de rastreio de câncer geralmente envolve os seguintes passos: seleção de população-alvo, tipos e frequência de testes, avaliação de resultados e intervenção. Além dos benefícios individuais, o rastreamento tem vantagens populacionais, principalmente no contexto de sistemas de saúde públicos, como o Sistema Único de Saúde (SUS), pois o tratamento de neoplasias em fases iniciais tem menor custo quando comparado com o de fases avançadas. Tais testes devem apresentar requisitos como segurança, ser economicamente viável, ter alta aceitação entre os indivíduos, sensibilidade e especificidade vantajosas e uma relação custo-benefício positiva. Isso implica que nem todos os procedimentos diagnósticos são adequados para serem utilizados como rastreio, e que a seleção de quais tumores devem ser objeto de triagem na população em geral requer considerações específicas, incluindo verba disponível. Além disso, o sucesso das iniciativas de triagem ainda está condicionado à mobilização e informação da população, à realização de ampla cobertura conforme as metas estabelecidas e à garantia da excelência das intervenções e ao monitoramento constante. Podemos citar como os principais exames de rastreamento a mamografia, citologia oncótica (ou Papanicolau), colonoscopia, exame de sangue para buscar marcadores tumorais séricos, tomografia computadorizada de baixa dose de radiação (LDCT) e ultrassonografia de abdome. Diagnóstico Como de praxe, a semiologia clínica, ou seja, a realização de anamnese completa seguida de exame físico de qualidade é o pilar de qualquer estratégia diagnóstica. Após esse momento inicial, o médico poderá recorrer a, se necessário, exames complementares. Existem vários exames complementares, mas os mais solicitados são exames laboratoriais (como o hemograma ou urinálise), radiológicos (como radiografias, ultrassonografias, tomografias computadorizadas, ressonâncias magnéticas e PET-CT) ou endoscópicos (como broncoscopia, rectosigmoidoscopia, colonoscopia ou cistoscopia). Na tabela 1 a seguir, estão elencados os principais tumores e os exames comumente indicados para diagnóstico. Tabela 1 – Diagnóstico precoce e rastreamento de acordo com a apresentação do câncer. TUMOR EXAME PREFERENCIAL Pulmão Tomogra�a Computadorizadade Baixa Dose (TCLD) Mama Mamogra�a ou Ultrassom de Mamas Colo do Útero Citologia Oncótica Próstata Exame Digital da Próstata (EDP) e dosagem de PSA Esôfago Endoscopia Digestiva Alta Estômago Endoscopia Digestiva Alta Colorretal Pesquisa de Sangue Oculto nas Fezes e Colonoscopia Fonte: O Autor, 2023. Para confirmar o diagnóstico de uma neoplasia, além de analisar o aspecto macroscópico de uma lesão suspeita, um estudo microscópico é necessário. Para tanto, a coleta de biópsias (seja por excisão, punção por agulha fina etc.) para análises anatomopatológicas é um marco importante. Com material histológico, o médico patologista será capaz de identificar a extensão, grau de diferenciação celular e organização tecidual da lesão suspeita. Essa análise não só é responsável pela confirmação do câncer, como também é capaz de estimar o prognóstico, auxiliar na definição terapêutica e avaliar a efetividade de intervenções terapêuticas. O SUS tem financiamento exclusivamente público e por esse motivo os programas de rastreio e diagnóstico são habitualmente mais restritos do que as recomendações das sociedades médicas (Tabela 2). Tabela 2 – Principais recomendações para rastreio e diagnóstico precoce Tipo de Câncer Critério de Elegibilidade, Intervalo Recomendado de Rastreamento, Idade de Início, e Fatores de Risco Considerados Câncer de Mama Mamogra�a anual, geralmente a partir dos 50 anos (Ministério da Saúde) ou a partir dos 40 anos (Sociedade Brasileira de Mastologia) para as pacientes de risco habitual. Para as pacientes de alto risco a recomendação é que a mamogra�a anual inicie aos 35 anos (Ministério da Saúde) ou 30 anos (Sociedade Brasileira de Mastologia). Câncer do Colo do Útero Colpocitologia oncótica (Exame de Papanicolaou) regular em qualquer pessoa com colo de útero, com início após o início da atividade sexual na faixa etária de 25 a 65 anos, com intervalos de�nidos a partir dos resultados obtidos (con�ra em detalhes no capítulo de “Câncer de Colo do Útero”). Câncer Colorretal O Ministério da Saúde recomenda a pesquisa de sangue oculto nas fezes, colonoscopia ou sigmoidoscopia em adultos entre 50 e 75 anos com risco habitual. Pacientes com síndromes neoplásicas hereditárias (síndrome de Lynch ou Polipose Adenomatosa Familiar) ou outras condições predisponentes (doenças in�amatórias intestinais) possuem indicação para a realização do exame antes dessa idade. Câncer de Pulmão Tomogra�a computadorizada de tórax de baixa dose de radiação, com intervalos discutidos com o médico e considerando fatores de risco, em pacientes a partir dos 55 anos com histórico de tabagismo de alto risco (carga tabágica maior que 30 anos-maço), seja ele ativo ou que cessou há menos de 15 anos, exposição ocupacional a carcinógenos e história familiar de câncer de pulmão. Câncer de Próstata Discutir a realização do exame PSA (Antígeno Prostático Especí�co) e o exame digital da próstata (EDP) entre o médico e o paciente, pois ainda existe controvérsia a respeito da validade e viabilidade do rastreio. A Sociedade Brasileira de Urologia recomenda a dosagem de PSA e realização do EDP a partir dos 45 anos em pacientes de risco habitual, ou mais cedo (40 anos) em caso de alto risco como histórico familiar de câncer de próstata e etnia negra. Já o Ministério da Saúde recomenda a discussão de prós e contras e decisão conjunta em homens de 55 e 69 anos, Fonte: O Autor, 2023. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmico da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Oncologista Clínico. REFERÊNCIAS: 1. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). ABC do Câncer: Abordagens Básicas para o Controle do Câncer. 6ª ed. Rio de Janeiro: Editora do Ministério da Saúde, 2020. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Detecção Precoce. Rio de Janeiro: INCA, 2020. Disponível em: https://www.inca.gov.br/controle-do-cancer-do-colo-do-utero/acoes-de- controle/deteccao-precoce. Acesso em: 15 ago. 2023. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Básica. Rastreamento. Brasília: Ministério da Saúde, 2010. 4. CARCINOMA in situ do colo uterino. ANATPAT, 2020. Disponível em: http://anatpat.unicamp.br/lamgin3.html. Acesso em: 5 fev. 2021. 5. FANG CHIA, B. I. N. Rastreamento para câncer colorretal. Revista da Associação Médica Brasileira, São Paulo, v. 48, n. 4, p. 286, 2002. 6. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2ª ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. MARCADORES TUMORAIS Beatriz Arnaut Mendes1 Leandro Alencar Furtado Machoski2 Vitor Dias Gonçalves3 Dr. Bruno Ribeiro Batista4 Os marcadores tumorais são moléculas que funcionam como indicadores da presença de células neoplásicas, os quais podem ser produzidos diretamente pelo tumor ou pelo organismo, em resposta à presença do tumor. Em geral, trata-se de substâncias presentes no tecido tumoral, mas que podem ser dosadas no sangue periférico. Esses marcadores tumorais, em sua maioria, incluem antígenos de superfície celular, proteínas citoplasmáticas, enzimas e hormônios. Embora níveis elevados de um marcador tumoral possam sugerir a presença de câncer, o resultado por si só não é suficiente para diagnosticar a doença, uma vez que condições benignas podem, ocasionalmente, provocar o aumento de determinados marcadores. Além disso, nem todo câncer elevará os níveis de um marcador tumoral. À vista disso, os valores dos marcadores tumorais circulantes geralmente são combinados com a clínica e predisposição do paciente e os resultados de outros testes, como biópsias ou exames de imagem, para diagnosticar o câncer. Vale ressaltar que indivíduos hígidos fora da população-alvo de políticas de rastreio formais não possuem indicação alguma de pesquisa deliberada desses testes. Além de custoso e inútil, solicitar esses exames sem indicação pode confundir o raciocínio clínico e dar início a investigação diagnóstica injustificada, que drena o paciente financeira e psicologicamente e congestiona o fluxo do sistema de saúde. Cada marcador tumoral tem um valor de referência determinado. Ou seja, taxas acima do valor de referência associadas a clínica sugestiva/predisposição devem ser investigadas. Existem vários marcadores tumorais em uso clínico e alguns estão associados a apenas um tipo de neoplasia, enquanto outros estão relacionados a vários tipos de câncer. No entanto, não existe um marcador tumoral “universal” que possa revelar a presença de qualquer tipo de neoplasia. Os marcadores tumorais, podem auxiliar no diagnóstico de determinadas neoplasias, também possuem outras aplicações clínicas como determinar estadiamento, avaliar prognóstico, identificar recidivas ou doença residual. Entretanto, o principal valor está em avaliar respostas ao tratamento e monitorar a resistência tumoral. Por exemplo, uma diminuição no nível de um marcador tumoral circulante pode indicar que o tumor está respondendo ao tratamento, enquanto um nível crescente ou inalterado pode indicar que não está respondendo. Além disso, os marcadores tumorais circulantes também podem ser pesquisados após o término do tratamento para investigar a possibilidade de uma recidiva da doença. Confira a seguir alguns dos marcadores tumorais de algumas das neoplasias abordadas no livro: Tabela 1 – Marcadores tumorais Alfa-Fetoproteína (AFP) Tumores: Fígado e tumores de células germinativas. Uso: Diagnóstico do câncer de fígado e monitorar a resposta ao tratamento; Estadiamento, prognóstico e avaliação da resposta ao tratamento de tumores de células germinativas (e.x.: testículo). β-hCG (Gonadotro�na Coriônica Humana) Tumores: Coriocarcinoma e tumores de células germinativas. Uso: Estadiamento, prognóstico e avaliação da resposta ao tratamento CEA (Antígeno Carcinoembrionário) Tumores: Câncer colorretal, pulmão e outros. Uso: Avaliação da resposta ao tratamento e vigilância de disseminação ou recidivas CA 15-3 Tumores: Tumores: Câncer de mama. Uso: Avaliação da resposta ao tratamento e vigilância de recidivas. CA-125Tumores: Câncer de ovário e carcinomatose peritoneal. Uso: Diagnóstico, avaliação da resposta ao tratamento e vigilância de recidivas. Cromogranina A (CgA) Tumores: Tumores neuroendócrinos. Uso: Diagnóstico, avaliação da resposta ao tratamento e vigilância de recidivas. PSA (Antígeno Prostático Especí�co) Tumores: Câncer de próstata. Uso: Rastreio, avaliação da resposta ao tratamento e vigilância de recidivas. * É um marcador tecido-especí�co, porém não tumor-especí�co, logo, pode vir aumentado em condições benignas como hiperplasia prostática benigna e prostatite. Tireoglobulina (TG) Tumores: Câncer de tireoide. Uso: Avaliação da resposta ao tratamento e vigilância de recidivas. Fonte: O Autor, 2023. 1 Acadêmico da FEMPAR. 2 Acadêmico da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Oncologista Clínico. REFERÊNCIAS: 1. ALMEIDA, J.R.C. et al. Marcadores Tumorais: Revisão de Literatura. Revista Brasileira de Cancerologia, v. 53, n. 3, p. 305-316, 2007. 2. BRASIL. Instituto Oncoguia. Marcadores tumorais. Disponível em: http://www.oncoguia.org.br/conteudo/marcadores-tumorais/4011/1/. Acesso em: 15 ago. 2023. 3. MAROLLI, C.; RIBEIRO, A. F.; ORLANDI, M. Cyfra 21-1, um marcador biológico para câncer de pulmão. Revista de Enfermagem, v. 9, n. 9, p. 50-59, 2013. 4. SIMÕES, J. C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 8.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2017. 5. BETTEGOWDA, C.; SAUSEN, M.; LEARY, R.J.; et al. Detection of circulating tumor DNA in early- and late-stage human malignancies. Science Translational Medicine, 6(224), 224ra24, 2014. 6. DUFFY, M.J. Clinical uses of tumor markers: a critical review. Critical Reviews in Clinical Laboratory Sciences, 38(3), 225–262, 2001. 7. DUFFY, M.J. Tumor markers in clinical practice: A review focusing on common solid cancers. Medical Principles and Practice, 22(1), 4–11, 2013. 8. LENNON, A.M.; BUCHANAN, A.H.; KINDE, I.; et al. Feasibility of blood testing combined with PET-CT to screen for cancer and guide intervention. Science, 369(6499), eabb9601, 2020. PARTE II: CONCEITOS CLÍNICOS NOÇÕES BÁSICAS DE ONCOLOGIA CLÍNICA Gabriel Dziurkovski Machado1 Julia Baldan Albano de Paula2 Fernanda Arissa Takii3 Dr. Bruno Ribeiro Batista4 A oncologia é uma área da medicina dedicada ao estudo, diagnóstico, tratamento e pesquisa das doenças malignas e seus impactos no organismo. Os oncologistas são profissionais altamente especializados que trabalham em estreita colaboração com outras especialidades médicas e profissionais da saúde para oferecer um cuidado multidisciplinar a pacientes com câncer, em busca do desenvolvimento de estratégias de tratamento personalizado em prol da melhoria na qualidade de vida e aumento na sobrevida dos pacientes. Para o tratamento de câncer é usual que se faça a associação entre cirurgia, quimioterapia e radioterapia, principalmente para casos avançados, as quais são as principais linhas de tratamento. Além disso, é fundamental que no manejo destes pacientes seja realizada abordagem multidisciplinar integrada, incluindo diferentes especialidades médicas, enfermagem, farmácia, serviço social, nutrição, fisioterapia, fonoaudiologia, odontologia, psicologia clínica e outros. Dentro da oncologia clínica podem ser utilizados diversos medicamentos e além da quimioterapia são empregados bloqueadores hormonais, terapias-alvo moleculares, inibidores do checkpoint imune (imunoterapia), transplante de medula óssea, entre outros. Quimioterapia (QT) É a abordagem terapêutica que consiste na administração de medicamentos com efeito citotóxico, ou seja, que interferem no metabolismo e multiplicação celular. São ditos sistêmicos, por terem distribuição por todo o organismo; usualmente aplicados com intervalos regulares, ditos ciclos. Tais medicamentos possuem efeito biológico por serem capazes de interromper o ciclo celular de maneira mais pronunciada no tecido tumoral, podendo diminuir a população celular do tumor, mas também evitar processos de invasão locorregional e erradicação de micrometástases. Os ciclos de quimioterapia possuem intervalos relacionados com questões farmacocinéticas e farmacodinâmicas intrínsecas de cada protocolo. Soma-se a isso a necessidade de haver tempo necessário para as células sadias restabelecer as funções fisiológicas do organismo. Usualmente os protocolos têm combinações pré-definidas de drogas e podem ser expressos em acrônimos – e.x.: esquema “FOLFOX”, que corresponde ao uso de 5-FU (Fluorouracil), Ácido Folínico e Oxaliplatina. As doses dos medicamentos são comumente calculadas a partir do valor estimado da área de superfície corporal (estimada em metros quadrados por fórmulas como as de Dubois e Mosteller). Finalidades da Quimioterapia: • QT curativa: Objetiva curar pacientes com neoplasias malignas nos casos em que representa o principal tratamento (podendo ou não estar associada à cirurgia e à radioterapia); • QT adjuvante: QT administrada após o tratamento principal, com proposta curativa. O objetivo é suprimir o desenvolvimento de micrometástases ou células sobreviventes, diminuindo incidência de recidivas; • QT neoadjuvante ou citorredutora: QT administrada antes do tratamento principal, com proposta curativa. Redução de tumores regionalmente avançados, com o objetivo de facilitar a ressecabilidade cirúrgica; • QT paliativa: Tratamento de tumores sólidos avançados ou recidivados. Melhora significativamente a sobrevida (em meses ou anos), mas sem possibilidade de cura. Objetiva também a atenuação de sinais e sintomas ligados à neoplasia que comprometem a capacidade funcional. Classificação dos Quimioterápicos Quanto ao Ciclo Celular: • Ciclo-inespecíficos: Atuam nas células independentemente de estarem ou não no ciclo proliferativo. São drogas que também afetam, portanto, células em fase G0 de repouso, que são células que não estão se replicando e possuem atividade nuclear baixa, sendo, portanto, resistentes à maioria dos quimioterápicos. e.x.: Platinas, Antibióticos. • Ciclo-específicos: Atua em células ativas no ciclo celular, independente da fase em que se encontram (apesar de poderem ter atividade mais intensa em fase específica), e.x.: Antimetabólitos, Taxanos, Alcalóides da Vinca. • Fase-específicos: Atuam em fases determinadas do ciclo celular, de forma que a exposição prolongada ou repetição de doses permite que mais células entrem nessa fase, permitindo assim melhor efeito terapêutico. Antineoplásicos fase-específicos, também são, por definição, ciclo- específicos. Tabela 1 – Classificação dos quimioterápicos de acordo com estrutura química e mecanismo de ação Classe de Antineoplásicos Exemplos Mecanismo de ação (simpli�cado) Fase do Ciclo Celular predominantemente envolvida Agentes Alquilantes e compostos relacionados Ifosfamida, ciclofosfamida Inibidores da replicação do material genético ao criar ligações cruzadas nas �tas de DNA Ciclo celular-não especí�co Platinas Carboplatina, Cisplatina, Oxaliplatina Antimetabólitos/Análogos de Nucleotídeos Capecitabina, Fluorouracil (5-FU), Citarabina, Gencitabina. Antimetabólitos que simulam a estrutura de nucleotídeos purínicos/pirimidínicos, se incorporam ao DNA e inibem síntese de material genético. S Antraciclinas Doxorrubicina Inibidores da replicação do DNA e perturbação do reparo de DNA mediado pela Topoisomerase II Inibidores da Topoisomerase (I ou II) Irinotecano Inibidores da replicação do DNA ao inibir a Topoisomerase I Etoposídeo Inibidores da replicação do DNA ao inibir a Topoisomerase II S e G2 Antibióticos Citotóxicos Bleomicina Antibióticos que inibem a síntese de DNA e RNA G2 e M Alcalóides da Vinca Vincristina, Vinblastina Bloqueadores da montagem de microtúbulos M Taxanos Docetaxel, Paclitaxel Bloqueadores da desmontagem de microtúbulos Fonte: O autor, 2023 Efeitos Adversos da Quimioterapia Esses efeitos são relevantes no momento da prescrição, uma vez que a decisão deve levar em conta não apenas a neoplasia, mas também questões sociais e intenções do tratamento. Os fármacos utilizadospossuem intervalos de administração, doses e manejo que se baseiam em protocolos clínicos. Entretanto, os esquemas de quimioterapia podem variar de acordo com a finalidade da QT (por exemplo paliativa), funções orgânicas (insuficiência renal), ou mesmo baixa performance. Os efeitos colaterais da quimioterapia são variados, entretanto os mais recorrentes são a mielotoxicidade, neuropatia, mucosite, sintomas gastrointestinais e alopecia. Internacionalmente, os graus de toxicidade à terapia do câncer são avaliados a partir da terminologia CTCAE (Common Terminology Criteria for Adverse Events), o qual descreve a gravidade dos efeitos colaterais em graus de 1 a 5, sendo G1 apresentações leves, G2 que impedem de trabalhar, G3 limitantes, G4 risco de morte e G5 fatal. Tabela 2 – Efeitos adversos comuns em quimioterapia e suas apresentações clínicas Efeito Adverso Sintomas e Apresentações Clínicas Mielotoxicidade Neutropenia, neutropenia febril, trombocitopenia e anemia Neuropatia Parestesia/dor neuropática, paresia e anestesia Mucosite Aparecimento de úlceras dolorosas na mucosa oral Sintomas Gastrointestinais Êmese, podendo causar desidratação e distúrbios hidroeletrolíticos Constipação, podendo causar quadros de abdome agudo obstrutivo Diarreia, podendo causar desidratação severa Cardiotoxicidade Alterações de pressão arterial, arritmias, insu�ciência cardíaca com fração de ejeção diminuída (mais observada em pacientes sob vigência de antracíclicos, p. ex. doxorrubicina) Fonte: National Cancer Institute, 2017 Radioterapia (RT) Consiste na emissão de radiação ionizante, com o uso de equipamentos e técnicas variadas, em uma área demarcada do organismo, sendo um método de tratamento local/locorregional da doença. É a especialidade médica do radio- oncologista e pode ser feita da seguinte maneira: • RT externa/teleterapia: Radiação é emitida por aparelho afastado e direcionado ao local do paciente a ser tratado. Técnica convencional (2D): Planejamento e simulação de tratamento utilizando um maquinário de raio-x especial. Geralmente há 2-4 direções de entrada dos raios. Conformada tridimensional (3D): Mais usada atualmente, o planejamento do tratamento é feito em três dimensões através da utilização de tomografia computadorizada, o que permite distribuição mais precisa da radiação nos tecidos e maior proteção dos tecidos normais. Radioterapia com modulação de intensidade dos feixes (IMRT): Permite modular a intensidade de irradiação de cada feixe, de forma que é possível aumentar a dose direcionada ao tumor com os tecidos normais vizinhos recebendo o mínimo possível de radiação. • Braquiterapia: Aplicadores em contato com o local a ser tratado emitem a radiação originada do aparelho e direcionada a eles. • Radiocirurgia: É a forma de tratamento que utiliza radioterapia externa e planejamento 3D, com volume alvo definido por TAC ou RM; seu objetivo é tratar lesões pequenas com doses altas de radiação em poucas frações (por vezes única), com o mínimo de excedente do volume alvo. É chamada de radiocirurgia estereotáxica intracraniana (SRT), quando utilizada para tumores cerebrais, e de radiocirurgia estereotáxica corpórea (SBRT), quando usada em outros locais do corpo. Finalidades da Radioterapia: • RT curativa: é a principal modalidade de tratamento radioterápico; seu objetivo é a cura do paciente. • RT pré-operatória/prévia/citorredutora: ocorre antes da cirurgia e visa reduzir o tumor e facilitar o procedimento operatório; • RT pós-operatória ou pós-quimioterapia/profilática: ocorre após cirurgia/quimioterapia com a finalidade de esterilizar possíveis focos microscópicos do tumor; • RT paliativa: é o tratamento local do tumor primário ou metástase, que não influencia na taxa da sobrevida global do paciente. Os principais tipos são: • RT antiálgica: finalidade específica de reduzir a dor (especialmente utilizada em metástases ósseas). Efeitos Colaterais da Radioterapia: Variam conforme a região de aplicação da radiação, por exemplo: Tabela 3 – Efeitos da radioterapia observados em cada região de irradiação Região Efeitos Observados Pele Radiodermite Cabeça e Pescoço Disgeusia, disfagia, aftas, xerostomia, fragilidade de fâneros, alopécia Tórax Astenia, perda de pelos, prurido, anorexia e náuseas. Pelve Astenia, diarreia, constipação, perda de pelos, prurido, disúria. Fonte: O Autor, 2023 Imunoterapia (IT) Em condições normais, o sistema imunológico tem a capacidade de atacar células do organismo, mas para impedir que esse ataque ocorra em células saudáveis, existem pontos de verificação (checkpoints) das moléculas de controle imunológico. Um exemplo dessas moléculas de controle imunológico é o antígeno CTLA- 4, (descoberto por James Allison, ganhador do Prêmio Nobel de 2018) que é expresso pelo linfócito T, junto com o ligante CD28, e se liga com mais afinidade ao receptor B7 da célula apresentadora de antígeno (APC), impedindo a célula T interagir contra um antígeno. Dessa forma, quando a CTLA-4 é bloqueada, há estimulação da ação dos linfócitos T no combate à célula tumoral. Contudo, tumores podem ser superexpressores de CTLA-4 e se tornarem “invisíveis” ao sistema imune. Por isso, foi desenvolvido o Ipilimumabe, que se liga ao CTLA-4, impede seu funcionamento e otimiza a função imunológica no combate ao tumor. Outra molécula importante é a PD-1 (descoberta por Tasuku Honjo, ganhador do Prêmio Nobel de 2018), um receptor de morte programada presente na membrana de linfócitos T ativados. Esse receptor se liga em receptores PD-L1 encontrados normalmente na membrana de células dendríticas e macrófagos – essa ligação inibe a ação da célula T e mantém a célula tolerante ao antígeno. Os tumores, por sua vez, podem se tornar capazes de expressar PD-L1, conseguindo, portanto, evadir os mecanismos de defesa do sistema imunológico e garantir sua proliferação. Nesse contexto, foram desenvolvidos anticorpos monoclonais inibidores de PD-1 (Nivolumabe e Pembrolizumabe) no linfócito T ou de PD-L1 (Atezolizumabe, Avelumabe, Durvalumabe) na membrana do tumor. Essas drogas irão agir bloqueando a ligação das moléculas, permitindo a atividade das células de defesa. Efeitos colaterais da imunoterapia: A imunoterapia por sua vez acarretou um novo espectro de toxicidades, estas chamadas imunomediadas, que incluem hepatites, pneumonites, nefrites, colites e endocrinopatias. A indicação terapêutica, na maioria dos casos, é de prednisona via oral (0,5 a 1 mg/kg/dia) e, eventualmente, de metilprednisolona intravenosa (1 -2mg/kg/dia). Terapias-Alvo Medicamentos que atuam diretamente nas células tumorais, poupando ao máximo o tecido saudável. Para isso, elas agem em proteínas de proliferação que estão super ativas ou em quantidade exagerada nas células tumorais, sendo estas proteínas relacionadas ao crescimento celular desordenado. Inibidores da Tirosinoquinase (Tki) As tirosinoquinases (TK) são enzimas responsáveis pela comunicação entre a membrana celular e o núcleo, sendo essenciais para a multiplicação celular. Receptores de fatores de crescimento (e.x.: EGFR, VEGFR) podem possuir domínios de tirosinoquinase, que são capazes de fosforilar proteínas e modular suas funções, podendo ativar cascatas de reação e sinalização intracelular de multiplicação. Sua ativação inapropriada pode ativar vias de proliferação excessiva ou aumento do tempo de vida das células. Os TKi são capazes de, portanto, inativar essas vias de proliferação exagerada. Tabela 4 – Exemplos de drogas TKi e seus alvos moleculares Droga Alvo Imatinib Bcr-Abl, c-KIT Ge�tinib EGFR Erlotinib EGFR Sorafenib Inibidor de RAF, MEK, VEGFR e PDGFR Sunitinib Inibidor de VEGF, PDGFR, CHFR e c-KIT Dasatinib Inibidor de Bcr-Abl, ACR, c-KIT e PDGFR Fonte: O Autor, 2023 Anticorpos Monoclonais: São imunoglobulinas sintéticas que atuam sob antígenos tumorais, com sua ação e eficiência dependente da intensidade de expressão tumoral desse antígeno. Alguns exemplos podem ser vistos na tabela abaixo: Tabela 5 – Exemplos deanticorpos monoclonais e seus alvos moleculares Droga Alvo Trastuzumabe HER2 Pertuzumabe Bevacizumabe VEGF Cetuximabe EGFR Fonte: O Autor, 2023 Anticorpos-Droga Conjugados (ADCs): Também é possível combinar a especificidade dos anticorpos ao potencial antitumoral de agentes citotóxicos, baseado nisso foram desenvolvidos os anticorpos-droga conjugados. O complexo ADC tem como alvo os antígenos tumorais — ao realizar a ligação com a membrana plasmática do tumor ele é absorvido pela célula tumoral e, nesse processo, o complexo é capaz de inocular sua droga conjugada, causando não só a morte celular como também liberar agentes citotóxicas nas células vizinhas, através de um efeito parácrino (ou bystander effect). Alguns exemplos de ADCs são o Trastuzumabe-deruxtecan (Mama HER2+), Sacituzumabe-govitecan (Mama TN) e Tisotumabe-vedotin (Colo uterino metastático). Hormonioterapia (HT) Certos tumores têm seu crescimento dependente ao estímulo hormonal do paciente, comumente observado em tumores de mama, próstata e endométrio. Drogas que agem na supressão ou aumento hormonal impedem que células neoplásicas responsivas a hormônios recebam os estimulados para seu crescimento. Isso pode ser feito através de meios cirúrgicos, radioativos ou farmacológicos. Os principais exemplos são o Tamoxifeno para o câncer de mama, Darolutamida para câncer de próstata e Megestrol para câncer de endométrio. Tabela 6 – Exemplos de drogas e intervenções hormonais e seus mecanismos de ação Tumores Droga/Procedimento Mecanismo de Ação Mama Anastrozol Inibidor da Aromatase Tamoxifeno Modulador do receptor de estrogênio Próstata Darolutamida Anti-androgênio Goserelina Agonista do LHRH Orquiectomia Castração cirúrgica Endométrio Megestrol Progestina Fonte: O Autor, 2023 Efeitos Colaterais da Hormonioterapia: Apesar de esse tratamento ser positivo para o prognóstico, existem alterações hormonais importantes nos pacientes. Os sintomas estão de acordo com o hormônio afetado e incluem impotência sexual, osteoporose, fogachos, fadiga e aumento de peso. É comum que mulheres com câncer de mama tratado por hormonioterapia apresentem sintomas relacionados ao climatério, como fadiga, redução da massa muscular, diminuição da densidade mineral óssea, ressecamento e outros. As alterações afetam negativamente a qualidade de vida dessas pacientes. Estudos Clínicos A oncologia é uma área com inúmeras descobertas tanto no campo do tratamento, mas também para diagnóstico e prognóstico. Para tanto, é necessário a existência de estudos para embasar novas condutas clínicas. A pesquisa clínica ou estudos clínicos (em inglês clinical trials ou apenas trials) são estudos científicos experimentais usados para avaliação de dose, segurança e eficácia de intervenções terapêuticas, comparando os resultados de um grupo experimental com um grupo de controle. Essa “intervenção” inclui não apenas medicamentos, mas também procedimentos cirúrgicos, medidas profiláticas etc. Os estudos, antes de aplicar experimentos em humanos, passam por análises pré-clínicas in vitro e então in vivo (em animais) em busca de compreender o perfil da intervenção quanto à sua eficácia, toxicidade e farmacocinética. Após a fase pré-clínica, os estudos clínicos passam por quatro fases de intervenção em humanos. Na primeira fase é avaliada a segurança da intervenção, enquanto na segunda e terceira o objetivo é avaliar a eficácia na população alvo. Nas fases II e III os participantes do estudo são distribuídos de forma aleatória em dois grupos: um que será realizada a intervenção analisada e outro em que não será. Na quarta fase a intervenção é avaliada após a comercialização, num caráter de vigilância em populações maiores e em busca de efeitos incomuns. Confira a tabela: Tabela 7 – Características de cada fase de estudos clínicos Fase I Fase II Fase III Fase IV Avaliar segurança Determinar doses seguras e toleráveis, compreender farmacocinética e farmacodinâmica Avaliar e�cácia e toxicidade Analisar relação dose- efeito, buscar por dose terapêutica apropriada Avaliar tolerância e efetividade Comparar intervenção com os padrões existentes Pós comercialização, farmacovigilância Avaliar dados após uso em larga escala para analisar resultados e efeitos incomuns Fonte: O Autor, 2023 Os desfechos mais analisados são os seguintes: • Sobrevida Global (SG): Tempo mediano transcorrido entre a adição do paciente no estudo até seu óbito (por qualquer causa) – padrão ouro dos desfechos • Sobrevida Livre de Progressão (SLP): Tempo mediano desde o início do tratamento até a progressão do tumor (seguindo critérios como o RECIST) – importante em cenários de doença avançada ou metastática • Sobrevida Livre de Doença (SLD): Tempo mediano entre o início do acompanhamento no estudo até a recidiva do tumor (localmente ou à distância) – útil ao analisar intervenções adjuvantes e curativas • Taxa de Resposta Objetiva (TRO): Taxa de pacientes que atingiram resposta (completa ou parcial, discreta ou impressionante) – usada em análise de intervenções neoadjuvantes • Taxa de Controle de Doença (DCR): Taxa de pacientes que atingem resposta (completa ou parcial) ou estabilização da doença; • Também são analisadas questões subjetivas ao paciente, que analisam fatores como qualidade de vida através de questionários validados como o EORTC QLQ-C30 (European Organization for Research and Treatment of Cancer-Core Quality of Life Questionnaire), que através e 30 ítens analisa pacientes sob a lente de aspectos físicos, emocionais, cognitivos e fisiológicos ligados ao convívio com a doença. Para ilustrar, vamos usar um exemplo real: O estudo MIRASOL, um ensaio em fase III apresentado no congresso da ASCO (American Society of Clinical Oncology) em junho de 2023. Seu objetivo foi avaliar uma alternativa para o tratamento de pacientes com câncer de ovário platina-resistente que já haviam recebido Bevacizumabe previamente ou não. O estudo comparou o desempenho do tratamento padrão, que consiste em quimioterapia à escolha do oncologista com Paclitaxel, Doxorrubicina ou Topotecano (braço controle ou “QT”) com o novo anticorpo droga-conjugado Mirvetuximab-soravtansina (braço experimental ou “MIRV”) por 13 meses. O estudo revelou vantagem do MIRV em sobrevida global e sobrevida livre de progressão em comparação ao braço controle. Com um seguimento mediano de 13,1 meses, a SGm foi de 16.46 meses (95% IC, 14.46-24.57) em pacientes que receberam MIRV e 12.75 meses (95% IC, 10.91-14.36) em pacientes que receberam QT (HR, 0.67; 95% IC, 0.50-0.89; p = 0.0046). Isso representa uma redução de mortalidade em 33% para pacientes que receberam o Mirvetuximabe soravtansina comparado à quimioterapia de escolha do oncologista. Além disso, 13 pacientes do braço experimental obtiveram resposta completa – esses são resultados que revelaram que a intervenção proposta não apenas ofereceu maior tempo de vida para os pacientes, como se mostrou melhor que outras linhas de tratamento disponíveis aos médicos participantes. Intervenções ideais objetivam ganhos em SLD nos cenários curativos e aumento de SG em cenários paliativos. Além desses resultados, a cada dia que passa mais estudos demonstram taxas de resposta completa, que é um termo que denomina a ausência de evidência de tumor mesmo em casos metastáticos – embora não seja um sinônimo, são os termos mais próximos que existem de “cura do câncer”. 1 Acadêmico da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Oncologista Clínico. REFERÊNCIAS: 1. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). ABC do Câncer: Abordagens Básicas para o Controle do Câncer. 6.ed. Rio de Janeiro, 2020. 2. NIEDERHUBER, John E et. al. Abeloff’s Clinical Oncology. 6. ed. CHURCHILL-LIVINGSTONE: Elsevier, 2020 3. ABELOFF, Martin D. et al. Abeloff’s Clinical Oncology. Elsevier Health Sciences, 2008. 4. HOFF, P. M. Tratado de oncologia. SÃO PAULO: ATHENEU. [s.l: s.n.] 5. BOIS, Du. A formula to estimate the approximate surface area if height and weightbe known. 1916. Nutrition, v. 5, p. 303, 1989. 6. FASES do Ciclo Celular. Khan Academy, 09 out. 2015. Disponível em: https://pt.khanacademy.org/science/biology/cellular-molecular- biology/mitosis/a/cell-cycle-phases. Acesso em: 1 ago. 2023. 7. AMJAD, Muhammad T.; CHIDHARLA, Anusha; KASI, Anup. Cancer chemotherapy. 2020. 8. NURGALI, Kulmira; JAGOE, R. Thomas; ABALO, Raquel. Adverse effects of cancer chemotherapy: Anything new to improve tolerance and reduce sequelae?. Frontiers in pharmacology, v. 9, p. 245, 2018. 9. NATIONAL CANCER INSTITUTE. Common Terminology Criteria for Adverse Events (CTCAE) v.5. 27 nov. 2017. Disponível em https://ctep.cancer.gov/protocoldevelopment/electronic_applications/docs/ctcae_ v5_quick_reference_5x7.pdf. Acesso em: 1 ago. 2023. 10. RAO, Kamakshi V.; FASO, Aimee. Chemotherapy-induced nausea and vomiting: optimizing prevention and management. American health & drug benefits, v. 5, n. 4, p. 232, 2012. 11. KRIS, Mark G. et al. American Society of Clinical Oncology guideline for antiemetics in oncology: update 2006. Journal of clinical oncology, v. 24, n. 18, p. 2932-2947, 2006. 12. PAI, Vinita B.; NAHATA, Milap C. Cardiotoxicity of chemotherapeutic agents: incidence, treatment and prevention. Drug safety, v. 22, p. 263-302, 2000. 13. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Quimioterapia. Rio de Janeiro, 2018. 14. HAUNER, K. et al. Side Effects of Chemotherapy. Der Urologe, v.56, p.472-479, 2017. 15. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Cartilha - Radioterapia. Rio de Janeiro, 2019. 16. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2. ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 17. VIEIRA LINS, M. et al. Inibidores de checkpoints imunológicos no tratamento de câncer de pulmão de células não pequenas (NSCLC). Revista Brasileira de Ciências Biomédicas, v. 3, n. 1, p. E0632022, 2022. 18. LOU, K. et al. Prevention and treatment of side effects of immunotherapy for bladder cancer. Frontiers in oncology, v. 12, 2022. 19. PAI, Vinita B.; NAHATA, Milap C. Cardiotoxicity of chemotherapeutic agents: incidence, treatment and prevention. Drug safety, v. 22, p. 263-302, 2000. 20. GROSS, Stefan et al. Targeting cancer with kinase inhibitors. The Journal of clinical investigation, v. 125, n. 5, p. 1780-1789, 2015. 21. VANNEMAN, Matthew; DRANOFF, Glenn. Combining immunotherapy and targeted therapies in cancer treatment. Nature reviews cancer, v. 12, n. 4, p. 237-251, 2012. 22. ZAHAVI, David; WEINER, Louis. Monoclonal antibodies in cancer therapy. Antibodies, v. 9, n. 3, p. 34, 2020. 23. BECK, Alain et al. Strategies and challenges for the next generation of antibody–drug conjugates. Nature reviews Drug discovery, v. 16, n. 5, p. 315- 337, 2017. 24. MAROTTI, Marcelo. Quais são os objetivos clínicos que determinam a eficácia dos tratamentos em oncologia?. Revista da Associação Médica Brasileira, v. 53, p. 477-478, 2007. 25. DELGADO, Amanda; GUDDATI, Achuta Kumar. Clinical endpoints in oncology - a primer. American journal of cancer research, v. 11, n. 4, p. 1121, 2021. 26. MOORE, Kathleen N. et al. Phase III MIRASOL (GOG 3045/ENGOT-ov55) study: Initial report of mirvetuximab soravtansine vs. investigator’s choice of chemotherapy in platinum-resistant, advanced high-grade epithelial ovarian, primary peritoneal, or fallopian tube cancers with high folate receptor-alpha expression. Journal of Clinical Oncology v. 41, n. 17_suppl, LBA5507, 2023 FUNDAMENTOS EM CUIDADOS PALIATIVOS João Paulo Vargas de Mendonça1 Julia Sofia Gomes2 Vitor Dias Gonçalves3 Prof. Dr. Jonathan Vinicius Lourenço Souza4 Esse assunto se refere a um modelo de atenção à saúde que vem ganhando muito enfoque na atualidade, principalmente devido ao processo de reumanização da medicina. Segundo a Organização Mundial da Saúde, os Cuidados Paliativos consistem em ações multiprofissionais e interdisciplinares que têm como objetivo melhorar a qualidade de vida de pessoas (adultos e crianças), bem como seus familiares/cuidadores, que enfrentam doenças ameaçadoras da vida (como o câncer), valorizando as dimensões física, psicoemocional, sociofamiliar e espiritual. Equipe Interdisciplinar e Cuidados Paliativos Oncológicos Essa equipe é composta por profissionais de diversas áreas (médicos, enfermeiros, farmacêuticos, nutricionistas, assistentes sociais, fisioterapeutas, psicólogos, entre outros) e tem como principal objetivo manter um atendimento organizado e planejado para as necessidades do indivíduo. Dessa forma, é de extrema importância que o profissional médico ou acadêmico de medicina tenha as seguintes competências para uma abordagem adequada: 1. Ter pleno conhecimento sobre a história da doença (realizar boa anamnese, saber dos procedimentos e tratamentos prévios). 2. Avaliar sinais e sintomas (estando sempre atento aos relatos). 3. Propor tratamentos medicamentosos ou não. 4. Sempre manter a equipe interdisciplinar informada e realizar encaminhamentos se necessário. 5. Explicar ao paciente e seus familiares a respeito do tratamento e prognóstico da doença, esclarecendo suas dúvidas. Ansiedade e Depressão nos Cuidados Paliativos Devido às condições de vida dos pacientes com doença crônica, podem-se desenvolver transtornos psiquiátricos, como ansiedade e depressão. Viver sob a perspectiva da finitude da vida é um desafio que envolve aspectos físicos e emocionais. É nesse contexto de perdas físicas, emocionais, sociais, financeiras e afetivas que há a necessidade de Cuidados Paliativos efetivos. Tais cuidados envolvem: 1. Estabelecer o impacto da ansiedade e/ou depressão por meio da avaliação interdisciplinar. 2. Manter acompanhamento regular e transparente. 3. Averiguar o ambiente doméstico do paciente, pois este influencia no tratamento. 4. Promover controle rigoroso de sintomas. 5. Incentivar adesão à psicoterapia. 6. Estimular atividades de lazer ou físicas (respeitando todas as limitações do paciente). 7. Oferecer terapia ocupacional para que o paciente possa recuperar sua autoestima. 8. Realizar, quando necessário, a terapia farmacológica. Avaliação e manejo da dor A dor é uma experiência única e individual, modulada pelo conhecimento prévio de um dano que pode ser existente ou presumido. Portanto, em qualquer situação, a dor deve ser legitimada como aquela que o paciente refere. A avaliação da dor pode ser feita de forma qualitativa, a partir de anamnese (localização, qualidade, fatores desencadeantes, alívio e piora, irradiação, frequência, intensidade, duração e impacto na funcionalidade e qualidade de vida) e de forma quantitativa por meio de escalas, como a numérica (onde zero significa ausência de dor, um e dois dor leve, três e quatro dor moderada, cinco e seis dor forte, sete e oito dor muito forte e nove dor insuportável e dez é a pior dor possível). A “Escada Analgésica” desenvolvida pela OMS é a mais conhecida para guiar o tratamento farmacológico da dor oncológica. Tabela 1 – Escala Analgésica da Dor da OMS Escala Analgésica da OMS Tipo e Intensidade da Dor Tratamento Dor Leve Não Opióides (Analgésicos; AINES) Dor Moderada Opióides Fracos (Tramadol, Codeína, Buprenor�na) + Não Opióides Dor Intensa Opióides Fortes (Mor�na; Metadona; Fentanil) + Não Opióides Dor Refratária Procedimento Intervencionista + Opióides Fortes + Não Opióides Tratamento Adjuvante: Apoio psicossocial e espiritual; Antidepressivos; Anticonvulsivantes; Antagonistas de NMDA; Terapia Hormonal; Cirurgia; etc. Fonte: O Autor, 2023 Desse modo, é importante ressaltar que a escolha do medicamento só deve ser realizada após conversa entre a equipe médica, a qual optará pelo tratamento mais adequado para determinado tipo de dor. Dispneia e Outros Sintomas Respiratórios Por ser um sintoma subjetivo, a dispneia também pode ser quantificada por escala numérica, sendo zero ausência de falta de ar e dez a pior falta de ar possível. É importante também investigar fatores de alívio e piora, histórico de tabagismo e desencadeantes,impacto na funcionalidade e qualidade de vida, resposta ao tratamento e presença de fatores emocionais como ansiedade e depressão. O exame físico do aparelho respiratório é indispensável. É válido lembrar que a saturação de oxigênio em padrões normais não exclui dispneia e que, em Cuidados Paliativos, exames complementares podem ser solicitados como auxílio na tomada de decisão. Dentre as possíveis causas da dispneia e tratamentos estão: • Infecção: antibióticos e antifúngicos. • Congestão pulmonar: diuréticos. • Derrame pleural: procedimentos para drenagem. • Broncoespasmo: broncodilatadores e corticoides. • Tromboembolismo pulmonar: anticoagulantes. • Obstrução de vias aéreas: radioterapia e broncoscopia. • Anemia: hemotransfusão. Náuseas e Vômitos Náuseas e vômitos têm alta prevalência nos pacientes em Cuidados Paliativos oncológicos, visto que o tratamento modificador atua de maneira sistêmica e pode ocasionar efeitos citotóxicos no organismo do indivíduo. É importante descobrir a causa desses sintomas por meio de anamnese, exame físico e, se necessário, solicitar exames complementares como hemograma completo, eletrólitos, função renal, função hepática e imagem. O tratamento farmacológico inclui: • Antagonistas dos receptores de Dopamina (D2): possuem ação antiemética em Sistema Nervoso Central (SNC) e podem agir a nível periférico atuando no aumento da motilidade do trato gastrointestinal (TGI). No entanto, podem causar efeitos colaterais desagradáveis, como as reações extrapiramidais. Exemplos: Haloperidol, Clorpromazina, Metoclopramida, Bromoprida. • Antagonistas dos receptores de Serotonina (5-HT3): atuam a nível do TGI e SNC, reduzindo a probabilidade de náuseas e vômitos. São medicamentos de primeira linha no controle de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia. Exemplos: Ondansetrona, Granisetrona, entre outros. • Antagonistas do Receptor NK-1 (Neurocinina 1): Medicamentos como o Aprepitanto são antagonistas do receptor NK-1 e são eficazes na prevenção de náuseas e vômitos induzidos pela quimioterapia, especialmente na fase tardia. • Corticosteróides: Dexametasona e Metilprednisolona são corticosteroides que também são usados em associação a outros antieméticos na prevenção e controle de náuseas e vômitos induzidos por quimioterapia. • Benzodiazepínicos: podem ser utilizados como profilaxia da náusea precoce ou quando associada a sintomas de ansiedade. O fármaco mais prescrito é o Clonazepam. • Canabidiol: o tetraidrocanabinol (THC) presente na Cannabis sativa é responsável por ativar os receptores CB1 e CB2, promovendo aumento da motilidade intestinal e esvaziamento gástrico. Além disso, são recomendados cuidados não farmacológicos como: ingestão de líquidos gelados (inibição vagal) e sólidos secos (menor distensão gástrica), dieta fracionada, evitar alimentos gordurosos, evitar deitar imediatamente após a refeição, realizar bochechos com água bicarbonatada. Ética em Cuidados Paliativos O embasamento na ética médica proporciona tomadas de decisões mais coerentes em todas as fases do cuidado do paciente. Isso também inclui a avaliação adequada do tratamento, o local em que será realizado (hospital ou domicílio) e quem irá realizar. • O médico tem obrigação de esclarecer ao paciente e familiar as opções terapêuticas; • No caso de uso de medicações que potencialmente produzem efeito colateral negativo, a situação deve ser explicada ao paciente ou seu representante legal; • O objetivo deve ser a prevenção de complicações e sintomas que possam aparecer com a evolução da doença; • Mesmo com a recusa de tratamento pelo paciente em situações incuráveis e/ou irreversíveis, o médico deve permanecer ao seu lado oferecendo cuidados e assistência, auxiliando no esclarecimento das decisões. “É mágico como a dor passa quando aceitamos a sua presença. Olhemos para a dor de frente, ela tem nome e sobrenome. Quando reconhecemos esse sofrimento, ele quase sempre se encolhe.” Ana Claudia de Lima Quintana Arantes Transmissão de Notícias Delicadas São consideradas notícias delicadas todas as informações que afetem de forma negativa a perspetiva de futuro do paciente, podendo ser desde a comunicação de um novo diagnóstico de doença crônica até a progressão de uma já existente. Cada indivíduo interpreta e reage à notícia de forma diferente. Portanto, é extremamente complexo determinar o impacto e as consequências que essa nova informação irá gerar, tanto para o paciente quanto para sua família. Na maioria das vezes, os pacientes preferem que as notícias delicadas sejam dadas por um profissional experiente, empático e atencioso, que ofereça esperança e utilize um discurso adequado para a situação. Dessa forma, a habilidade comunicativa do médico facilita a adesão ao tratamento e reduz sintomas como a ansiedade e tristeza. Deve-se levar em consideração que o paciente pode discutir o seu diagnóstico e hipóteses terapêuticas com a sua família para tomada de decisão compartilhada. Um estudo conduzido por Rao et al. (2016) mostrou que a grande maioria dos pacientes com doenças oncológicas preferem receber as informações completas referentes ao seu diagnóstico e prognóstico, enquanto uma pequena porcentagem prefere não receber detalhes de sua malignidade. Entretanto, em ambos os grupos o envolvimento familiar na tomada de decisões foi de grande benefício. Por não saber qual será a reação do paciente quando receber a informação, o mais adequado seria perguntar a ele a sua preferência sobre a divulgação completa de sua condição clínica antes de informar notícias delicadas. Na tentativa de facilitar a comunicação de notícias delicadas, alguns modelos foram criados e utilizados na prática clínica. O SPIKES, descrito por Robert Buckman em 1992, é um mnemônico que cria etapas a serem seguidas na divulgação de notícias delicadas, que são: 1. Setting: corresponde à escolha de um local adequado, silencioso e privado, que demonstre respeito ao paciente e a sua família. 2. Perception: determinar o quanto o paciente está entendendo sobre a situação antes de apresentar todas as informações necessárias. 3. Invitation: indica que o profissional deve determinar o quanto e qual tipo de informação deve ser transmitida ao paciente e sua família, tendo em vista as suas necessidades e reações. 4. Knowledge: refere-se à importância de domínio da informação a ser compartilhada por parte do profissional, desde a extensão da doença até o plano de cuidado, devendo ser comunicada ao paciente de maneira clara, honesta e segmentada, evitando o uso de termos médicos. 5. Emotion: refere-se à postura do profissional durante a comunicação, que deve perceber as emoções e reações do paciente e familiares e responder a essas de maneira empática. 6. Summarize: consiste na revisão das informações em linguagem compreensível para finalmente discutir o plano terapêutico com o paciente. Outro modelo existente é o PEWTER, que também é um mnemônico onde cada letra representa uma etapa para comunicar uma notícia delicada de forma empática. 1. Prepare: organização e conhecimento de toda informação que deve ser transmitida ao paciente em linguagem informal. 2. Evaluate: refere-se à avaliação do que o paciente e familiares já sabem ou suspeitam e deve incluir o estado cognitivo e psicológico do paciente, bem como consciência das emoções pessoais, postura corporal e suas expressões faciais. 3. Warning: diz sobre a necessidade de avisar o paciente que o assunto a ser conversado é sério, para que ele se prepare emocionalmente e mentalmente. 4. Telling: envolve a apresentação das informações de maneira direta, calma e sem ficar se desculpando. 5. Emotional response: exige que o profissional avalie a reação do paciente, para averiguar se será necessário ter mais de uma reunião para discutir sobre as notícias delicadas. 6. Regrouping: equivale a uma colaboração profissional–paciente, para que seja mantido o sentimento de esperança, não necessariamente da cura, mas de que a qualidade de vida será garantida. 1 Acadêmicoda FEMPAR. 2 Acadêmica da FPP. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Médico Paliativista e Nefrologista. REFERÊNCIAS: 1. ACADEMIA NACIONAL DE CUIDADOS PALIATIVOS (ANCP). Manual de cuidados paliativos ANCP: ampliado e atualizado. 2. ed. São Paulo: ANCP, 2012. 2. AMINIAHIDASHTI, H.; MOUSAVI, S.; DARZI, M. Patients’ attitude toward breaking bad news: a brief report. Emerg, v.4, n.1, p.34-37, 2016. 3. BAILE, W.F. et al. SPIKES—A six-step protocol for delivering bad news: application to the patient with cancer. Oncologist, v.5, n.4, p.302-311, 2000. 4. BRASIL. Ministério da Saúde. Quando nem tudo vai bem: a comunicação de notícias difíceis. 2019. Disponível em: <https://portaldeboaspraticas.iff.fiocruz.br/atencao-recem-nascido/quando-nem- tudo-vai-be m-a-comunicacao-de-noticias-dificeis/. Acesso em: 11 jan. 2021. 5. BUMB, M. et al. Breaking bad news: an evidence-based review of communication models for oncology nurses. Clin J Oncol Nurs, v.21, n.5, p.573-580, 2017. 6. CORONAVÍRUS e cuidados paliativos: comunicação em tempos de pandemia. PEBMED, 2020.Disponível em: https://pebmed.com.br/coronavirus- e-cuidados-paliativos-comunicacao-em-tempos-de-pan demia-podcast/. Acesso em: 11 jan. 2023 7. DOR no paciente oncológico. Propaliar, 2020. Disponível em: <http://propaliar.com.br/blog/25-2/. Acesso em: 11 jan. 2021. 8. FUJIMORI, M. et al. Preferences of cancer patients regarding the disclosure of bad news. Psychooncology, v.16, n.6, p.573-581, 2007. 9. KAPLAN, M. SPIKES: a framework for breaking bad news to patients with cancer. Clin J Oncol Nurs, v.14, n.4, p.514-516, 2010. 10. MAIELLO, A.P.M.V. et al. Manual de cuidados paliativos. Hospital Sírio Libanês, 2020. Disponível em: <https://antigo.saude.gov.br/images/pdf/2020/September/17/Man ual- CuidadosPaliativos-vers--o-final.pdf>, Acesso em: 28 dez. 2020 11. MARTINS, R.G.; CARVALHO, I.P. Breaking bad news: patients⠹ preferences and health locus of control. Patient Educ Couns, v.92, n.1, p.67-73, 2013. 12. NARDI, T.; KEEFE-COOPERMAN, K. Communicating bad news: A model for emergency mental health helpers. Int J Emerg Ment Health, v.8, n.3, p.203- 207, 2006. 13. PTACEK, J.T.; EBERHARDT, T.L. Breaking bad news. JAMA, v.276, n.6, p.496-502, 1996. 14. RAO, A. et al. Breaking bad news: patient preferences and the role of family members when delivering a cancer diagnosis. Asian Pac J Cancer Prev, v.17, n.4, p.1779-1784, 2016. 15. ROSENZWEIG, M.G. Breaking bad news: A guide for effective and empathetic communication. Nurs Pract, v.37, n.2, p.1-7, 2012. 16. SIMÕES, J. C. et al. Manual acadêmico da liga de câncer, dor e cuidados paliativos. Curitiba: FEPAR, 2012. 17. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 18. UNIVERSIDADE FEDERAL DO TRIÂNGULO MINEIRO (UFTM). Mensuração da dor. 2020. Disponível em: http://www2.ebserh.gov.br/documents/147715/0/Mensura%C3%A7%C3%A3o+ da+Dor+fin al.pdf/0b8ffb2a-7f99-47ec-8d86-7060087fb46f. Acesso em: 11 jan. 2021 19. VOGEL, Karolyne Pricyla et al. Comunicação de Más Notícias: Ferramenta Essencial na Graduação Médica. Revista Brasileira de Educação Médica, v. 43, n. 1, p. 314-321, 2019. EMERGÊNCIAS ONCOLÓGICAS Isadora Ramos1 Isabela Morgado de Moraes2 Luisa Miqueloto Santos3 Dra. Ana Paula Lopes Przybysz4 Consistem em condições agudas e graves, potencialmente fatais, que podem acometer pacientes oncológicos, relacionadas ao câncer em si ou ao seu tratamento. Algumas das principais emergências oncológicas incluem a síndrome da compressão medular, hipercalcemia da malignidade, síndrome da lise tumoral, neutropenia febril e síndrome da veia cava superior. Síndrome da compressão medular Definição A síndrome da compressão medular compreende sinais e sintomas neurológicos, causados pela invasão direta da medula espinhal e/ou de seus nervos por um câncer primário ou por metástases, bem como por fraturas ou instabilidade de coluna vertebral, com capacidade de progredir para situações que resultam em dor de difícil controle e disfunções neurológicas de grande impacto na qualidade de vida e na longevidade. Epidemiologia A síndrome da compressão medular é a segunda complicação neurológica mais frequente, sendo o local mais acometido a coluna torácica (60%), seguido pela coluna lombossacral (25%) e coluna cervical (15%). Em cerca de 25% dos casos, há envolvimento de mais de uma região da coluna. Quanto à incidência, os cânceres de mama, pulmão e próstata representam a maioria dos casos, totalizando mais de 60% das ocorrências. Em seguida, temos os linfomas de Hodgkin, mieloma múltiplo e neoplasia renal, contribuindo com cerca de 10% dos diagnósticos cada. Possui maior prevalência quando existe neoplasia maligna avançada. A incidência anual é de 3 a 5% dos pacientes com cânceres ameaçadores à vida. Estudos apontam sobrevida inferior a 6 meses a partir da instalação da síndrome, sendo esta considerada um fator de mau prognóstico. Em 20% dos casos é a manifestação inicial de neoplasias metastáticas. Fisiopatologia A compressão medular ocorre principalmente pela invasão do espaço epidural por massas tumorais. Inicialmente tais lesões promovem edema vasogênico, decorrente da modificação da relação entre o fluxo de sangue do plexo venoso epidural e a medula. Posteriormente, ocorre a liberação de mediadores inflamatórios, citocinas e neurotransmissores, devido à diminuição do fluxo vascular que, por consequência, leva a isquemia, hipóxia e danos neurológicos, finalizando com o estabelecimento do edema citotóxico, que pode resultar em lesões irreversíveis. Quadro clínico O quadro clínico varia conforme o local e o grau da compressão medular. Há um grande espectro de apresentações clínicas, desde casos oligossintomáticos até comprometimentos motores e sensitivos severos, por vezes irreversíveis. A queixa mais comum e mais precoce é a dor (referida ou localizada), de instalação aguda ou progressiva, mais intensa à noite, que piora na posição supina e com manobras que aumentam a pressão (como tosse, espirro e manobra de Valsalva). Déficits neurológicos costumam aparecer algumas semanas após a dor, acometendo primeiramente as funções motora, com fraqueza muscular em até 85% dos casos. Os pacientes geralmente apresentam parestesia simétrica dos membros e hiperreflexia. Na progressão, há comprometimento sensitivo, com parestesias, respeitando nível sensitivo. Em quadros mais avançados pode ocorrer paralisia e a disfunção dos esfíncteres, com retenção ou incontinência urinária e/ou fecal, os quais estão associados a pior prognóstico e menor sobrevida e raramente são caracterizados isoladamente. Diagnóstico O diagnóstico é feito com associação entre o quadro clínico e exame de imagem que confirmam a compressão medular, sendo que o exame de escolha é a Ressonância Magnética (RM) de coluna total, mesmo que os sintomas sejam localizados. Em casos de contraindicação à realização da RM, a alternativa seria a tomografia computadorizada (TC) com mielografia, porém se trata de um método invasivo, com injeção de contraste no espaço subdural. Caso haja imagem compatível com compressão medular, porém sem manifestação clínica, é considerado como “compressão subclínica”. Tratamento Envolve dois pontos principais: tratamento imediato e definitivo. O tratamento imediato deve ser iniciado o mais precocemente possível quando há suspeita de compressão medular, mesmo antes da confirmação por exame de imagem, a fim de evitar danos neurológicos irreversíveis. Se baseia em 3 pontos principais: Tabela 1 – Medidas imediatas na síndrome da compressão medular Repouso no Leito Indicado até que se exclua a existência de instabilidade na coluna vertebral Tratamento de Suporte Analgesia para alívio da dor Corticoesteróides Dexametasona é a principal escolha. Indicada para a diminuição do edema vasogênico. Em pacientes que não receberão cirurgia ou radioterapia, reduzir gradualmente Fonte: O Autor, 2023 Já o tratamento definitivo depende da extensão da doença oncológica, estabilidade da coluna,radiossensibilidade do tumor e grau de compressão medular. As principais opções são: radioterapia, descompressão cirúrgica, estabilização/fixação da coluna. Em situações de coluna instável, procede-se com cirurgia de descompressão e/ou radioterapia. Quando a coluna estiver estável e o tumor for radiossensível, dá-se preferência para radioterapia isolada ou cirurgia seguida de radioterapia. Se o tumor for radiorresistente, a radiocirurgia estereotáxica (SRS) isolada ou por cirurgia de descompressão seguida de SRS são alternativas. Hipercalcemia da malignidade A hipercalcemia da malignidade é caracterizada por elevação do cálcio sérico (Cálcio total > 10,5 mg/dl ou Cálcio crônico > 5,2mg/dl ou > 1,3 mmol/dl) em pacientes com condições oncológicas predisponentes. Epidemiologia Corresponde à principal complicação metabólica das neoplasias malignas, acometendo mais de 20% dos pacientes oncológicos. É uma condição associada à alta morbimortalidade, sendo que cerca de 50% dos pacientes falecem em até 30 dias após um quadro de hipercalcemia maligna. Quanto à prevalência, os cânceres mais comumente associados à HCM são tumores sólidos, como câncer de mama, pulmão e rins, além do mieloma múltiplo. Fisiopatologia Existem classicamente três mecanismos envolvidos na hipercalcemia da malignidade, sendo que o principal deles é a secreção de PTHRP pelo tumor. O PTHRP é um peptídeo que se liga aos receptores de PTH promovendo uma atividade biológica semelhante ao hormônio PTH, incluindo: reabsorção óssea, reabsorção renal de cálcio e inibição da reabsorção de fosfato pelos rins. Como resultado, ocorre um aumento de cálcio sérico e uma diminuição de fosfato sérico. Quadro clínico O quadro clínico depende da gravidade da hipercalcemia, que é definida de acordo com a dosagem de cálcio e inclui os seguintes sintomas: Tabela 2 – Clínica da Hipercalcemia da Malignidade Hipercalcemia Ca sérico Sintomas apresentados Leve < 12 mg/dL [3 mmol/L] Geralmente oligossintomática Moderado 12-14 mg/dL [3-3,5 mmol/L] Constipação, náusea, poliúria, polidipsia, disfunção cognitiva, fadiga Grave > 14 mg/dL [3,5 mmol/L] Rebaixamento do nível de consciência, hipovolemia, alterações cardíacas arritmogênicas Fonte: O Autor, 2023 Diagnóstico O diagnóstico é feito com associação entre o quadro clínico e exames laboratoriais. A avaliação laboratorial inclui dosagem de cálcio total corrigido pela albumina e dosagem de PTH sérico. No caso da hipercalcemia da malignidade, a avaliação laboratorial se apresenta com cálcio total corrigido > 10,5 mg/dl (em mais de uma dosagem) e PTH suprimido. Tratamento O objetivo do tratamento é a reversão da hipercalcemia seguida pelo tratamento da causa de base. Em casos de hipercalcemia moderada assintomática e hipercalcemia leve, indica-se apenas a hidratação adequada e o cuidado para evitar fatores que possam elevar ainda mais a calcemia. Já para pacientes sintomáticos e/ou com hipercalcemia grave, é indicado o tratamento hospitalar que inclui hidratação, bifosfonatos, calcitonina e glicocorticóide, além do tratamento específico para a neoplasia. A hidratação é a medida inicial de escolha, pois promove redução rápida da calcemia por aumentar a filtração glomerular. Os bisfosfonatos inibem os osteoclastos e consequentemente a reabsorção óssea, porém têm um início de ação tardio (48 a 96h). Na emergência hipercalcêmica, a calcitonina pode ser utilizada para controlar os sintomas enquanto se espera que os bisfosfonatos façam efeito. Quando a hipercalcemia é secundária ao aumento de calcitriol, o uso de glicocorticóide é indicado. Síndrome da lise tumoral A síndrome da lise tumoral (SLT) consiste em um quadro de lise maciça de células tumorais, espontaneamente ou causada pelo tratamento oncológico, com consequente extravasamento de conteúdo intracelular na circulação sanguínea. Epidemiologia A maioria dos casos da SLT estão relacionado a neoplasias hematológicas. Neoplasias sólidas muito quimiossensíveis (tumores germinativos, neoplasias de pequenas células) também podem desencadear a SLT, embora isso seja menos comum. Fisiopatologia A lise pode ser espontânea ou secundária ao tratamento citotóxico com quimioterapia, radioterapia e anticorpos monoclonais. A lise celular libera componentes intracelulares como ácido úrico (componente do DNA), fósforo e potássio na corrente sanguínea, o que sobrecarrega os mecanismos homeostáticos normais, resultando em hiperfosfatemia, hiperuricemia, hipercalemia e hipocalcemia. Quadro clínico O paciente com SLT pode apresentar sintomas inespecíficos, como náuseas, vômitos, fadiga, fraqueza muscular. Em quadros mais graves podem ocorrer convulsões, insuficiência renal, arritmias cardíacas e óbito. A lesão renal aguda é a manifestação grave mais comum. Quanto ao início dos sintomas, em neoplasias hematológicas, tipicamente ocorre entre 12 e 72 horas após o início da terapia citotóxica. Em tumores sólidos, os sintomas clínicos se desenvolvem uma semana ou mais após o início do tratamento. Diagnóstico O critério mais utilizado para o diagnóstico da síndrome da lise tumoral é o Critério de Cairo-Bishop, podendo ser um diagnóstico laboratorial ou clínico. Diagnóstico laboratorial: definido com a presença de duas ou mais das seguintes anormalidades metabólicas: hiperuricemia, hiperfosfatemia, hipercalemia ou hipocalcemia, entre 3 dias antes e 7 dias após tratamento de neoplasia. Diagnóstico clínico: definido com o critério laboratorial além de uma ou mais das seguintes manifestações clínicas: lesão renal aguda, arritmia cardíaca, convulsão e morte súbita. Tabela 3 – Diagnóstico da síndrome da lise tumoral HIPERURICEMIA Ácido úrico ≥ 8 mg/dL (ou aumento de 25% em relação ao valor basal) HIPERCALEMIA Potássio ≥ 6 mEq/L (ou aumento de 25% em relação ao valor basal) HIPERFOSFATEMIA Fósforo ≥ 4,5 mg/dL em adultos, ≥ 6,5 em crianças (ou aumento de 25% em relação ao valor basal) HIPOCALCEMIA Cálcio ≤ 7 mg/dL (ou diminuição de 25% em relação ao valor basal) Fonte: O Autor, 2023 Tratamento Quando a SLT já está estabelecida, o tratamento consiste, primeiro, em hidratação agressiva, visando manter um débito urinário de 100 ml/h. Caso haja redução do débito urinário mesmo após a hidratação, considerar a utilização de diuréticos de alça. Outro ponto importante do tratamento é a correção dos distúrbios eletrolíticos, como a hipocalcemia, hiperfosfatemia, hipercalemia e hiperuricemia. O tratamento profilático deve ser adotado de acordo com a estratificação de risco do tumor. Para tumores de baixo risco (sólidos, linfomas indolentes), recomenda-se a observação com monitoramento rígido de sinais e sintomas de SLT. Já para tumores de médio risco (linfomas, leucemias iniciais, carcinoma de pequenas células de pulmão), é indicada hidratação e alopurinol. Por fim, para os de alto risco (linfomas e leucemia agressivos), oferecer hidratação e rasburicase. Neutropenia febril A neutropenia febril consiste em um quadro de febre (38,3°C) ou de temperatura elevada (38°C) sustentada por uma hora ou mais em pacientes neutropênicos (contagem absoluta de neutrófilos < 500 células/mm3). Epidemiologia Quanto à prevalência, a neutropenia febril ocorre, na maioria dos casos, em pacientes com câncer recebendo quimioterapia citotóxica, afetando cerca de 10% a 50% dos pacientes com neoplasias sólidas e > 80% dos pacientes com neoplasias hematológicas. Acredita-se que a maior parte das infecções tenha origem na flora endógena do paciente, sendo que o foco infeccioso só é identificado na minoria dos casos. Fisiopatologia Devido a ação citotóxica da quimioterapia, ocorre redução da mielopoiese, levando a diminuição qualitativa e quantitativa dos neutrófilos. Essas disfunções, associada à imunossupressão causada pela doença de base, favorecem a colonização por bactérias e/ou fungos. Quadro clínico Febre é a principal manifestação, podendo estar associada ou não a outros sinais e sintomas infecciosos (ex: celulite, pneumonia). Diagnóstico Paciente submetido à quimioterapiacitotóxica, com febre associada a neutropenia. Realizar hemocultura sendo um set para cada lúmen de cateter venoso profundo, e se presente pelo menos um set de veia periférica. Coletar também cultura de sítios suspeitos conforme indicação clínica. Solicitar hemograma, uréia, creatinina, transaminases, bilirrubina. Imagens de tórax para pacientes com sinais ou sintomas de infecção do trato respiratório inferior. Tratamento A escolha do local para o tratamento se baseia no Escore MASCC (Multinational Association Supportive Care in Cancer). Pacientes com MASCC ≥ 21 são considerados de baixo risco e podem ser tratados ambulatorialmente, enquanto que aqueles com MASCC < 21 são considerados de alto risco e devem, portanto, receber tratamento em regime de internamento hospitalar. Iniciar antibioticoterapia empírica em até uma hora após a admissão. Para pacientes de baixo risco, fornecer Ciprofloxacino + Amoxacilina com Clavulanato. Para pacientes de alto risco, fornecer monoterapia com um beta-lactâmico antipseudomonal, como Cefepime, Piperacilina/Tazobactam e Carbapenêmicos (Imipenem-Cilastatina). A Vancomicina pode ser associada em casos específicos, como quando há suspeita de infecção por gram-positivos, infecções relacionadas a cateter ou instabilidade clínica. Tabela 4 – Escore MASCC CARACTERÍSTICA PONTOS Ausência de sintomas ou sintomas leves 5 Sintomas moderados 3 Sintomas graves 0 Ausência de hipotensão 5 Ausência de DPOC 4 Tumor sólido ou neoplasia hematológica sem infecção fúngica prévia 4 Ausência de desidratação 3 Início dos sintomas fora do hospital 3 Idade < 60 anos 2 Fonte: O Autor, 2023 Síndrome da veia cava superior (SVCS) Consiste nas manifestações clínicas resultantes da obstrução da veia cava superior (VCS) por compressão extrínseca (tumor/massa) ou intrínseca (estenose/trombose), dificultando o retorno venoso. Epidemiologia Aproximadamente 90% dos casos são decorrentes de neoplasias, sendo os tumores mais comuns causadores de SVCS: câncer de pulmão (70-80% dos casos), linfoma não-Hodgkin (5-15% dos casos), tumor germinativo de mediastino (2% dos casos) e timoma (2% dos casos). As causas não-neoplásicas incluem mediastinite fibrosante e trombose relacionada a presença de dispositivos vasculares totalmente implantáveis. Quadro clínico A severidade do quadro clínico está relacionada com a velocidade com que se instala a obstrução da VCS. Os principais sintomas são: dispnéia (sintoma mais comum), edema de face e de membros superiores, pletora facial, ingurgitamento das jugulares e circulação colateral torácica visível. Durante o exame físico, o sinal de Pemberton pode ser identificado nos pacientes. Outros sintomas podem estar presentes, como tosse, cianose, vertigem, rebaixamento do nível de consciência por edema cerebral. Diagnóstico O diagnóstico é feito de acordo com o quadro clínico, devendo ser confirmado com exames de imagem. O método de escolha para confirmação diagnóstica é a TC de tórax com contraste, pois permite identificar a localização da obstrução e diferenciar se a obstrução é extrínseca ou intrínseca. Radiografia de tórax evidenciando alargamento do mediastino ou derrame pleural pode sugerir SVCS. Tratamento Medidas gerais, como repouso, oxigenoterapia e elevação da cabeceira, são oferecidas até que se inicie o tratamento definitivo, o qual será direcionado para tratar a causa da obstrução. Caso seja decorrente de processos neoplásicos, considerar quimioterapia e/ou radioterapia, dependendo do tipo do tumor. Se decorrente de trombose, avaliar a indicação de trombolíticos associados a anticoagulantes. Caso a trombose esteja associada à presença de cateter intravascular, proceder com a retirada deste. Em quadros graves, quando ocorre compressão das vias aéreas e/ou edema cerebral, considerar a colocação de stent endovascular. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Médica Residente de Oncologia Clínica. REFERÊNCIAS 1. DynaMed. Febrile Neutropenia. EBSCO Information Services. Disponível em: https://www.dynamed.com/approach-to/febrile-neutropenia. Acesso em: 12 set. 2023. 2. DynaMed. Hipercalcemia. EBSCO Information Services. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/hypercalcemia. Acesso em: 8 set. 2023. 3. DynaMed. Superior Vena Cava Syndrome. EBSCO Information Services. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/superior-vena-cava- syndrome. Acesso em: 12 set. 2023. 4. DynaMed. Tumor Lysis Syndrome. EBSCO Information Services. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/tumor-lysis-syndrome. Acesso em: 8 set. 2023. 5. EL-HAJJ FULEIHAN, G. et al. Treatment of hypercalcemia of malignancy in adults: An endocrine society clinical practice guideline. The journal of clinical endocrinology and metabolism, v. 108, n. 3, p. 507–528, 2023. 6. MOTA, J. M. S. C. Emergências Oncológicas - Emergências Oncológicas - Neutropenia Febril na Sala de Urgência. Revista Qualidade HC, 4 ago. 2018. Disponível em: https://www.hcrp.usp.br/revistaqualidade/uploads/Artigos/170/170.pdf. Acesso em: 12 set. 2023. 7. MOTA, J. M. S. C. Emergências Oncológicas - Emergências Oncológicas - Síndrome da Veia Cava Superior na Emergência. Revista Qualidade HC, 4 ago. 2018. Disponível em: https://www.hcrp.usp.br/revistaqualidadehc/uploads/Artigos/179/179.pdf. Acesso em: 12 set. 2023. 8. MOTA, J. M. S. C. Emergências Oncológicas - Emergências Oncológicas - Síndrome de Compressão Medular na Emergência. Revista Qualidade HC, 6 ago. 2018. Disponível em: https://www.hcrp.usp.br/revistaqualidadehc/uploads/Artigos/177/177.pdf. Acesso em: 12 set. 2023. 9. MOTA, J. M. S. C. Emergências Oncológicas - Emergências Oncológicas - Síndrome de lise Tumoral na Emergência. Revista Qualidade HC, 4 ago. 2018. Disponível em: https://www.hcrp.usp.br/revistaqualidadehc/uploads/Artigos/178/178.pdf. Acesso em: 12 set. 2023. 10. TREATMENT of Hypercalcemia of Malignancy in Adults: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 108, n. 3, p. 507-528, 2023. Disponível em: https://academic.oup.com/jcem/article/108/3/507/6916871. Acesso em: 8 set. 2023 SÍNDROMES PARANEOPLÁSICAS Luana Naomi Miyawaki1 Fernanda Arissa Takii2 Leticia Midori Michalawiski Yamaoka3 Dra. Ana Paula Lopes Przybysz4 As síndromes paraneoplásicas abordam um conjunto de sintomas que acompanham doenças oncológicas, mas não são causados diretamente pelo próprio tumor ou por suas metástases, e sim, mediados por fatores solúveis, como hormônios e citocinas, ou por mecanismos imunológicos humorais ou celulares contra células tumorais, desencadeando manifestações que podem afetar diversos sistemas orgânicos. As principais doenças associadas são câncer de pulmão de pequenas células, câncer de mama, neoplasias ginecológicas e hematológicas. O tratamento é realizado de forma específica, bem como do tumor subjacente. Síndromes paraneoplásicas endócrinas Hipercalcemia da malignidade A hipercalcemia da malignidade é a complicação metabólica mais comum relacionada às doenças malignas, porém tanto sua mortalidade quanto incidência vêm decaindo devido à maior efetividade e potência das dos quimioterápicos. Estima-se que 2-30% dos pacientes oncológicos sejam acometidos, porém essa taxa varia de acordo com o estágio, bem como do tipo de câncer - as neoplasias mais relacionadas com essa síndrome são: mama, pulmão, rim e mieloma múltiplo. A apresentação clínica não é específica e sua sintomatologia é proporcional à severidade da hipercalcemia. Essa síndrome é gerada por quatro mecanismos: produção excessiva de proteína relacionada com o PTH pelas células tumorais (80%), atividade osteolítica em locais de metástase, secreção de 1,25-dihidroxivitamina D (no caso de linfomas) e secreção ectópica de PTH. As características clínicas incluem fadiga, náuseas/êmese, alterações do nível de consciência, desidratação e nefrolitíase. O tratamento consiste em hidratação adequada, diuréticos de alça, bifosfonatos intravenosos, corticoidee hemodiálise (no caso de pacientes que não toleram grande infusão de fluídos ou injúria renal aguda com critérios de urgência). Síndrome da Secreção Inapropriada de Hormônio Antidiurético (SIADH) A SIADH é uma disfunção do balanço hídrico caracterizada por hiponatremia euvolêmica em razão de uma secreção não fisiológica de ADH na ausência de desordens renais ou endócrinas. Suas causas são numerosas e variadas, dentre elas: tumores, desordens de Sistema Nervoso Central, drogas, afecções pulmonares, entre outras. No que diz respeito às etiologias oncológicas, o câncer de pulmão de pequenas células recebe destaque, já que 15% dos pacientes acometidos têm a SIADH, porém tumores de cabeça e pescoço, hematológicos, urológicos e gastrointestinais também já foram associados à síndrome. Os sintomas variam com o grau da hiponatremia e podem ser leves como cefaleia e fraqueza, até sintomas mais graves como alterações do nível de consciência, convulsões e coma. A terapia ideal associa restrição hídrica e demeclociclina, que inibe a ação da vasopressina no túbulo distal. Em casos mais graves há indicação de salina hipertônica. Síndrome de Cushing A síndrome de Cushing paraneoplásica (SCP) é frequentemente associada a tumores neuroendócrinos e representa cerca de 10% dos casos de síndrome de Cushing. Os sintomas relacionados a SCP ocorrem devido a secreção de hormônios por células malignas ou secundários ao efeito dos anticorpos das células neoplásicas nas células normais. A síndrome surge da produção de ACTH (hormônio adrenocorticotrófico) ou CRH (hormônio liberador de corticotrofina), o que resulta em liberação de cortisol por parte das glândulas suprarrenais. Aproximadamente 50-60% dos casos estão relacionados a tumores neuroendócrinos de pulmão (pequenas células e carcinóides brônquicos). Clinicamente, a síndrome apresenta-se com aumento de peso, obesidade central, retenção hídrica e hipertensão arterial, intolerância à glicose/DM, fragilidade cutânea e hiperpigmentação cutânea. O tratamento farmacológico é direcionado ao bloqueio da síntese ou da ação do cortisol, utilizando drogas como cetoconazol, metirapona e mitotano. Em casos refratários à medicação, a adrenalectomia pode ser avaliada. Síndromes paraneoplásicas dermatológicas e reumatológicas Acantose nigricans É caracterizada por manchas escuras resultantes de hiperceratose e hiperpigmentação, principalmente em regiões de dobras e pregas cutâneas. Na maioria dos casos está associada à resistência insulínica ou outras doenças endócrinas não malignas. Está mais intimamente associada a carcinoma de trato gastrointestinal, mas já foi relatada em carcinomas de pulmão, rins , bexiga, ovário e pâncreas. A síndrome pode preceder a detecção da doença maligna em cerca de 20% dos casos, enquanto em 60% aparece junto à neoplasia. A condição parece estar associada a fatores de crescimento produzidas pelo tumor, e sua sintomatologia cessa temporariamente com a ressecção do tumor. Dermatomiosite A dermatomiosite é uma miopatia inflamatória idiopática, a qual manifesta-se através de achados dermatológicos, fraqueza da musculatura proximal e evidências laboratoriais de inflamação muscular. Inúmeras neoplasias já foram associadas à síndrome como câncer de ovário, cervical, pulmão, mama, colorretal, gástrico, e linfomas. Artropatia Pnêumica (Pierre-Marie-Bamberg) A artropatia pnêumica é caracterizada por espessamento periostal dos ossos longos (principalmente fêmur e tíbia) e falanges (baqueteamento digital), dor óssea e artrite simétrica. Está principalmente relacionada a neoplasias e metástases pulmonares ou ósseas. Além do tratamento da neoplasia, outras opções de tratamento incluem bifosfonatos, analgésicos opióides, AINEs e radiação paliativa localizada. Vasculite Leucocitoclástica Ocorre principalmente em neoplasias hematológicas, tumores pulmonares, gastrointestinais ou do trato urinário. Sua apresentação cutânea apresenta-se com púrpura palpável nos membros inferiores acompanhada de dor, queimação e prurido acompanhada de febre, mal-estar, artrite primária ou secundária. Síndrome de Sweet A Síndrome de Sweet é caracterizada por uma dermatose neutrofílica aguda febril com o aparecimento súbito de placas, pápulas e nódulos eritematosos e dolorosos na face, tronco e extremidades. As neoplasias comumente associadas são leucemia mieloide aguda e outras neoplasias hematológicas e em relação aos tumores sólidos são os cânceres de mama, genitourinário e gastrointestinal. Pênfigo Paraneoplásico O pênfigo paraneoplásico é uma doença grave que afeta pele e mucosas gerando lesões mucosas dolorosas e erupção cutânea polimórfica que é observada principalmente nas palmas das mãos, plantas dos pés e tronco. Geralmente associado com distúrbios linfoproliferativos de células B. Síndromes Paraneoplásicas Hematológicas (SPHs): As SPHs são predominantemente assintomáticas, estando associadas com neoplasias em estágio avançado e raramente necessitando de tratamento específico e podem melhorar após tratamento bem sucedido do tumor. A eosinofilia surge devido à produção tumoral dos fatores de crescimento de eosinófilos IL-3, IL-5 e GM-CSF. As malignidades mais comumente associadas são linfoma, leucemia e câncer de pulmão. Esse tipo de eosinofilia é tipicamente assintomática, porém, pode causar dispneia devido aos infiltrados pulmonares. Na agranulocitose há produção ectópica de fatores estimuladores de colônias e IL-6. Está associada a tumores sólidos como câncer de pulmão, bem como a neoplasias gastrointestinais, cerebrais, de mama, renais e ginecológicas. A aplasia eritrocitária ocorre após ineficácia de destruição de células T autorreativas no timo resultando em uma destruição autoimune de precursores de glóbulos vermelhos. Comumente associada aos timomas. Outras causas ocorrem associadas a linfomas e leucemia causado por disfunção autoimune da eritropoiese por aumentos dos linfócitos ou por mielodisplasia. A trombocitose paraneoplásica ocorre devido a produção ectópica de IL-6. É uma condição essencialmente assintomática, onde a relação com a trombose normalmente não é observada, não requerendo tratamento. Contudo, é considerada um fator de mau prognóstico. Síndromes Paraneoplásicas Neurológicas (SPNs): As SPNs são desencadeadas por uma resposta imunológica contra antígenos onconeurais que são expressos tanto pelo tumor como também pelo sistema nervoso. Dessa forma, esses antígenos são liberados após a morte das células tumorais e apresentados às células T pelas células apresentadoras de antígenos nos linfonodos regionais. Este anticorpo específico do antígeno onconeural ou resposta autoimune mediada por células contribui para o desenvolvimento da SPN. Estão principalmente associadas a câncer de pulmão de pequenas células, linfoma ou mieloma. As síndromes neurológicas paraneoplásicas podem afetar o sistema nervoso central (encefalite límbica e degeneração cerebelar paraneoplásica), a junção neuromuscular (síndrome miastênica de Lambert-Eaton e miastenia gravis) ou o sistema nervoso periférico (neuropatia autonômica e neuropatia sensorial subaguda) e dependendo do compartimento do sistema nervoso afetado, os sintomas podem incluir alterações cognitivas e de personalidade, ataxia, déficits de nervos cranianos, fraqueza ou dormência. O quadro clínico pode consistir de encefalite, encefalomielite, degeneração cerebelar, neuropatia sensorial subaguda, opsoclono-mioclono, miastenia gravis e síndrome miastênica de Lambert-Eaton. O diagnóstico é feito através da história clínica aliada a exames complementares como de imagem, análise do líquor e eletroneuromiografia. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Médica Residente de Oncologia Clínica. REFERÊNCIAS: 1. AMRUTHA, M. et al. Hypertrophic osteoarthropathy: uncommon presentation of lung cancer. Cleve Clin J Med, v.84, n.4, p.270-272, 2017. 2. BERNHARD, M., SCHETT, G. Rheumatic paraneoplastic syndromes - A clinical link between malignancy and autoimmunity.Clinical immunology, v. 186, p. 67-70, 2018. 3. CUESTA, M.; THOMPSON, C. J. The syndrome of inappropriate antidiuresis (SIAD). Best Practice & Research Clinical Endocrinology & Metabolism, v. 30, n. 2, p. 175–187, mar. 2016. 4. CUNHA, D.G. et al. Paraneoplastic Sweet’s syndrome. An Bras Dermatol, v. 93, n. 4, p.576-578, 2018. 5. DEVINE, M. F, et al. Paraneoplastic neurological syndromes: clinical presentations and management. Therapeutic advances in neurological disorders, v. 14, 2021. 6. DOURMISHEV, L.A. et al. Paraneoplastic dermatological manifestation of gastrointestinal malignancies. World J Gastroenterol, v.15, n.35, p. 4372-4379, 2009. 7. FULEIHAN, G. E.-H. et al. Treatment of Hypercalcemia of Malignancy in Adults: An Endocrine Society Clinical Practice Guideline. The Journal of Clinical Endocrinology & Metabolism. 2022. 8. GRAUS, F., DALMAU, J. Paraneoplastic neurological syndromes. Curr Opin Neurol, v. 25, n. 6, p. 795-801, 2012. 9. LEYPOLDT, F. et al. Paraneoplastic neurological syndromes. Clin Exp Immunol, v.175, n.3, p.336-348, 2014. 10. LORICERA, J. et al. The spectrum of paraneoplastic cutaneous vasculitis in a defined population: Incidence and clinical features. Med (United States), v.92, n.6, p.331-343, 2013. 11. MINEUR, L.; BOUSTANY, R.; VAZQUEZ, L. Paraneoplastic Cushing Syndrome in Gastrointestinal Neuroendocrine Tumour. Case Reports in Oncology, v. 14, n. 3, p. 1407–1413, 23 set. 2021. 12. MORITZ, M. L. Syndrome of Inappropriate Antidiuresis. Pediatric Clinics of North America, v. 66, n. 1, p. 209–226, fev. 2019. 13. MOUTINHO-PEREIRA, S. et al. Paraneoplastic dermatomyositis associated with vocal cord carcinoma. BMJ Case Reports CP, v. 16, n. 6, p. e255606, 1 jun. 2023. 14. PELOSOF, L.C. et al. Paraneoplastic syndromes: an approach to diagnosis and treatment. Mayo Clin Proc, v.85, n.9, p.838-854, 2010. 15. SILVA, J.A. et al. Manifestações cutâneas paraneoplásicas: conceitos e atualizações. An Bras Dermatol, v.88, n.1, p.9-22, 2013. PARTE III: PRINCÍPIOS CIRÚRGICOS PRINCÍPIOS DA CIRURGIA ONCOLÓGICA Fernanda Arissa Takii1 Giulia Brunner Scutti2 João Rafael do Prado Martins3 Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos4 Papel da cirurgia oncológica Apesar dos avanços nas áreas de radioterapia e quimioterapia, a cirurgia ocupa um papel essencial na prevenção, diagnóstico, tratamento curativo, medidas de suporte ao tratamento, tratamento paliativo e reconstruções. Sendo a ressecção cirúrgica a principal linha de tratamento para a maioria dos tumores sólidos, sendo usada com mais frequência no manejo de doença localmente avançada ou metastática. A cirurgia oncológica participa em até 90% dos casos oncológicos, desde a biópsia, implante de cateter totalmente implantável, até as ressecções maiores. Diferentes estudos demonstram que o cirurgião oncológico é um fator prognóstico tão importante quanto aqueles relacionados ao tumor, impactando diretamente nas taxas de sobrevida. Ainda que a cirurgia oncológica seja uma a especialidade fundamental para a redução da mortalidade prematura por câncer, a abordagem médica deve ser multidisciplinar e incluir terapias sistêmicas e locais, isso significa que o oncologista clínico, o radioterapeuta, o cirurgião oncológico e todos os outros especialistas envolvidos no tratamento do câncer devem trabalhar em conjunto para decidir a melhor conduta para o paciente. Sendo também relevante ao cirurgião oncológico o conhecimento sobre a biologia molecular do câncer, estabelecidos nas partes I e II desse livro. Tipos de cirurgia oncológica Curativa Tem como objetivo remover todo o tecido afetado por células malignas, estando as margens cirúrgicas microscópicamente livres de lesão. Na cirurgia radical inclui-se também a ressecção de parte ou a totalidade do órgão afetado, sendo feita, usualmente, a linfadenectomia da cadeia linfonodal em risco e de pelo menos uma cadeia linfonodal negativa de comprometimento neoplásico a fim de evitar a ocorrência de metástases. É importante ressaltar que a cirurgia curativa obtém melhor taxa de sucesso quando aplicada a tumores localizados, sem a ocorrência de metástases. A quimioterapia e/ou a radioterapia podem ser aplicadas antes do procedimento cirúrgico com o objetivo de diminuir o tumor, ou posteriormente, para eliminar as possíveis células cancerosas remanescentes. Paliativa A abordagem paliativa é aplicada quando a cura não é mais possível, e tem como objetivo reduzir a dor, oferecer conforto e uma melhor qualidade de vida para os pacientes, mas não traz a cura da doença, podendo resultar na melhora da qualidade de vida ou até mesmo nas taxas de sobrevida. Reconstrutivas A cirurgia reconstrutiva tem como finalidade recuperar, de forma estética ou funcional, alguma parte do corpo afetada por uma cirurgia de caráter curativo, a porção reconstrutiva do tratamento pode ser realizada de forma concomitante ou posterior à cirurgia que causou o dano a ser reparado. O exemplo mais comum de cirurgia oncológica reconstrutiva é a reconstrução mamária feita após mastectomias nos casos de câncer de mama. Profilática Em alguns casos, as cirurgias redutoras de risco podem ser realizadas em pacientes com alto risco em desenvolver determinado tipo de câncer, principalmente em portadores de mutações genéticas associadas ao câncer, como exemplo no câncer gástrico hereditário ou polipose adenomatosa familiar (PAF). Avanços em cirurgia oncológica A abordagem multidisciplinar, focando na individualização no tratamento, junto com o avanço das técnicas, permitiu uma grande evolução da cirurgia oncológica com procedimentos menos invasivos (técnicas minimamente invasivas como cirurgia robótica ou guiadas por imagem) e com melhores dispositivos. Aliados a isso existem novos procedimentos como HIPEC e pesquisa de linfonodo sentinela, bem como o uso de novas energias como radiofrequência, micro-ondas e eletroporação. Com isso, adquiriu-se resultados estéticos e funcionais melhores e, principalmente, ganhos em sobrevida global e qualidade de vida ao paciente. Evidentemente, cada técnica possui suas limitações e cabe ao cirurgião oncológico acompanhar e/ou colaborar com o avanço científico em busca de elucidar e conhecer as intervenções mais indicadas para os pacientes Cirurgia minimamente invasiva As cirurgias endoscópicas e laparoscópicas são exemplos de cirurgia minimamente invasiva, as quais buscam realizar procedimentos cirúrgicos evitando a morbidade das feridas cirúrgicas convencionais. Elas podem diminuir a dor pós-operatória, possibilitar alta hospitalar mais precoce, uma convalescença mais curta e melhora estética. Entretanto, querer uma curva de aprendizado maior e um cirurgião experiente. Linfonodo sentinela Seu conceito baseia-se na drenagem linfática ordenada e previsível para um linfonodo e a função desse primeiro linfonodo em atuar como filtro para as células tumorais. Assim, é o primeiro linfonodo a receber a drenagem linfática do tumor antes das cadeias axilar e mamária interna, devendo refletir o estado de toda a cadeia linfonodal axilar. A biópsia do linfonodo sentinela tem por finalidade predizer o estado da axila, e, quando negativo, evita o esvaziamento axilar, ou seja, a remoção total da rede linfática axilar (linfadenectomia). Infusão isolada de membro A técnica cirúrgica baseou-se no circuito extracorporal, sendo possível isolar territórios como os membros, o intestino, o fígado, a pélvis e os pulmões, e perfundi-los com doses de citostáticos elevadas. É uma técnica terapêutica que permite, em condições específicas como o ambiente hipertérmico e hiperbárico, criar um circuito extracorporal e administrar uma dose de quimioterapia superior quando comparada à sessão de quimioterapia convencional, além de proporcionar menos efeitos colaterais. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FPP. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Cirurgião Oncológico. REFERÊNCIAS 1. Surgery For Cancer | American Cancer Society. Disponível em: https://www.cancer.org/cancer/managing-cancer/treatment-types/surgery.html.2. COSTA, Inês Nogueira et al. Fatores de prognóstico da metastasectomia hepática no cancro colorretal. Revista Portuguesa de Cirurgia, n. 49, p. 103- 104, 2021. 3. DILLER, L., VIRAJ, A. Integrative surgical oncology: A model of acute integrative oncology. Cancer vol. 127, n. 21, p. 3929-3938, 2021. 4. DOMCHEK, Susan M. et al. Association of risk-reducing surgery in BRCA1 or BRCA2 mutation carriers with cancer risk and mortality. Jama, v. 304, n. 9, p. 967-975, 2010. 5. SILVA, Luiz Antonio Santini Rodrigues da. Cirurgia oncológica: um grande desafio. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 43, p. 139-140, 2016. 6. SULLOIVAN, R, et al. Global câncer surgery: delivering safe, affordable, and timely câncer surgery. Lancet Oncol, v. 16, n. 11, p. 1193-224, 2015. 7. BAETA, Cristina. A perfusão isolada dos membros no melanoma maligno (a experiência do IPO-Porto). 2012. 8. MARTINS, Isabela Rossi; MARCONDES, Ana Lucia. LINFOCINTILOGRAFIA DE MAMA PARA PESQUISA DE LINFONODO SENTINELA E SEUS BENEFÍCIOS PARA O PACIENTE. In: IX JORNACITEC-Jornada Científica e Tecnológica. 2020. 9. JAFFRAY B. Minimally invasive surgery. Arch Dis Child, vol 90, n. 5, p. 537-42, 2005 CATETERES VENOSOS TOTALMENTE IMPLANTÁVEIS Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos1 A utilização de dispositivos para acesso do sistema vascular remonta ao século XVII d.C, quando ocorreram as primeiras transfusões sanguíneas descritas na literatura médica. Desde então, os materiais com que os dispositivos são construídos e as técnicas sofreram significativas melhoras. O século XX d.C foi quando o desenvolvimento de cateteres centrais alcançou seu auge, com grande parte dos métodos e dispositivos atuais aí surgidos. Os cateteres de longa duração para acesso central tiveram grande evolução em 1973, com os modelos de silicone de Broviac, posteriormente adaptados por Hickman para uso em transplante de medula óssea e plasmaferese. Esse tipo de cateter fornece maior conforto ao paciente, sem a necessidade de punções frequentes, além de reduzirem riscos de infecções e outras complicações relacionadas aos acessos venosos centrais. O foco do capítulo, no entanto, encontra-se nos cateteres venosos totalmente implantáveis (portacath), amplamente utilizados para administrar tratamentos em pacientes com câncer. Características Os cateteres totalmente implantáveis, desenvolvidos a partir da década de 80, representam uma importante inovação no acesso vascular de longa duração para pacientes. Consistem em cateteres de silicone com sua ponta posicionadas próximas à junção cavo-atrial, a outra extremidade é conectada a um reservatório (port) inserido cirurgicamente em tecido subcutâneo. Sua característica de uso é intermitente, portanto a cada infusão é necessário puncionar novamente a pele na região do implante para acessá-lo. Os reservatórios são fabricados em plástico ou titânio. Há ainda modelos com câmara dupla e outros com válvulas para controle do fluxo no lúmen do dispositivo. Indicações de uso Avaliar de que forma o acesso ao sistema vascular será feito envolve inúmeras variáveis. Fatores como a duração prevista do tratamento, sua frequência, as propriedades da solução a ser administrada e o estado do sistema vascular do paciente desempenham um papel fundamental nessa decisão. Cateteres totalmente implantáveis são tipicamente empregados em situações nas quais as infusões podem ocorrer por anos, de maneira intermitente (ou seja, descontínua), com o principal exemplo sendo pacientes oncológicos submetidos a quimioterapia. Soluções com pH > 9.0, pH < 5.0, osmolaridade > 500 mOsm/L ou ainda com características vesicantes (que promovem intensa irritação em contato com a pele ou mucosas) também incluem fatores que sugerem seu uso. Implantação A inserção do cateter e a fixação subcutânea do reservatório devem ser realizadas em um ambiente apropriado, com a devida monitorização dos sinais vitais. É recomendado o uso de métodos auxiliares de imagem, como a fluoroscopia. Conforme práticas padrão em procedimentos cirúrgicos, é imperativo seguir estritamente os protocolos de higienização das mãos, esterilização de instrumentos e a seleção adequada de anestésicos, entre outros cuidados essenciais. 1. Escolha do local de implantação: Preferencialmente escolhe-se veias que drenam para o sistema da veia cava superior (jugulares interna e externa, cefálica, basílica, subclávia, etc), no entanto há casos adversos em que a recomendação é para punção ou dissecção de veias subordinadas à cava inferior (safena, femoral). Esses casos incluem trombose da cava superior (indicação absoluta) e comprometimento da parede torácica (indicação relativa a depender do seu nível). É importante observar que, em geral, a escolha do lado direito do corpo é preferível devido ao trajeto mais direto até o átrio cardíaco. No entanto, em casos nos quais o tumor está localizado na região torácica direita, a intervenção deve ser realizada no lado oposto (esquerdo). 2. Técnica de acesso: A depender da veia escolhida para acessar o sistema venoso central, deve-se tomar diferentes medidas para acessá-la. Em veias superficiais isso ocorre via dissecção, enquanto em veias profundas por punção. 3. Ultrassonografia como auxiliar: O desenvolvimento das técnicas permite que o acesso seja facilitado pelo uso de aparelhos de ultrassonografia, aumentando a precisão da punção e reduzindo riscos associados (punção arterial e pneumotórax). 4. Instalação do reservatório: O cateter é inserido na veia que foi puncionada e, em seguida, é encaminhado subcutaneamente até o reservatório. É essencial verificar se a extremidade do cateter está posicionada adequadamente na junção cavo-atrial e realizar um teste de fluxo-refluxo. Após isso, o cateter é conectado ao reservatório, que é fixado no local com o uso de suturas não absorvíveis. O teste de fluxo- refluxo é repetido, agora com puncionamento do dispositivo. Complicações do Procedimento Tratando-se de um procedimento cirúrgico, e ainda cujo dispositivo implantado atinge o sistema venoso central e a periferia do miocárdio, complicações podem ocorrer. É imperativo que os profissionais responsáveis saibam agir nessas situações, sempre agindo pelos princípios da beneficência e não maleficência. Os itens a seguir descrevem brevemente algumas dessas adversidades: 1. Pneumotórax, Hemotórax e Punção arterial: Complicações ocasionadas pela punção acidental das cavidades pleurais (pneumotórax e hemotórax) ou de artérias próximas à veia escolhida. O uso de métodos de imagem adequados pode contribuir para a redução desses eventos adversos. Ultrassonografia e fluoroscopia são os principais exemplos. 2. Arritmias cardíacas: Durante o procedimento de implantação do cateter, pode ser verificada arritmia durante o monitoramento dos sinais vitais. Resolve-se a maioria dos casos apenas puxando o fio guia até a veia cava, não ultrapassando o átrio direito. 3. Infecções: É a complicação mais comum associada ao uso de cateteres de maneira geral e pode manifestar-se na região de implantação do reservatório, local de saída do cateter ou até mesmo como bacteremia e fungemia. É notável, no entanto que outros tipos de acesso central, particularmente aqueles com cateteres externos, apresentam maior risco de infecção em relação ao totalmente implantável. 4. Trombose venosa profunda: Manifesta-se como dor ao longo do caminho da veia, edema facial ou de membros (a depender da localização do cateter) e circulação venosa torácica colateral. Em pacientes oncológicos o risco torna-se ainda maior, já que é associado às lesões endoteliais pelos agentes quimioterápicos e hipercoagulabilidade. 5. Embolização do cateter: Caracteriza-se pela ‘quebra’ do cateter ou sua desconexão com o reservatório. Clinicamente manifesta-se como dor durante infusão de medicamentos e impossibilidade de extração de sangue pelo port. 6. Rotação do reservatório: A face puncionável do reservatório rotaciona, voltando-se em direção a caixa torácica ou superfície sobre a qual foi implantada.Deve-se reposicionar o dispositivo cirurgicamente. 7. Extrusão do reservatório: Exposição do reservatório por deiscência da sutura ou necrose cutânea. Ocasionada por má escolha do local de implantação ou infecção. 8. Obstrução do lúmen: Formação de fibrina ou coágulo oclui a continuidade do lúmen do cateter com o espaço intravascular, impedindo o refluxo sanguíneo. Trata-se com fibrinólise local ou remoção do dispositivo se necessário. O tratamento das condições deve levar em conta as condições individuais de cada paciente. Especialmente em pacientes oncológicos deve-se tomar cuidado com as medidas tomadas. Atenta-se ao fato de que a remoção do dispositivo nem sempre é a abordagem correta. 1 Cirurgião Oncológico. REFERÊNCIAS 1. FONSECA, I. Y. I. et al. Brachial insertion of fully implantable venous catheters for chemotherapy: complications and quality of life assessment in 35 patients. Einstein, Sao Paulo, Brazil, v. 14, n. 4, p. 473–479, 2016. 2. WOLOSKER, Nelson et al. Totally implantable venous catheters for chemotherapy: experience in 500 patients. Sao Paulo Medical Journal, v. 122, p. 147-151, 2004. 3. ZERATI, A. E. et al. Totally implantable venous catheters: History, implantation technique and complications. Jornal Vascular Brasileiro, v. 16, n. 2, p. 128–139, 2017. QUIMIOTERAPIA INTRAPERITONEAL HIPERTÉRMICA (HIPEC) Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos1 A terapia de quimioterapia intraperitoneal hipertérmica, conhecida como HIPEC, é uma abordagem terapêutica inovadora que faz proveito do sinergismo entre o calor e a ação citotóxica dos quimioterápicos na cavidade peritoneal para o tratamento de neoplasias peritoneais. Destaca-se em especial àquelas confinadas à cavidade abdomino-pélvica, sem disseminação extraperitoneal e com mínima invasão de órgãos subjacentes. Ascendeu como uma alternativa à quimioterapia intraperitoneal (IP) e mostrou benefícios no que concerne à sobrevida dos pacientes. A HIPEC é realizada durante o ato cirúrgico, eliminando a necessidade de dispositivos de acesso peritoneal implantados previamente. Essa característica torna o tratamento mais tolerável, reduzindo os efeitos colaterais e minimizando o risco de complicações associadas à inserção de cateteres peritoneais. É considerado o padrão de tratamento para neoplasias epiteliais do apêndice associadas à síndrome de pseudomixoma peritoneal e para o mesotelioma peritoneal maligno difuso. É um procedimento de grande porte que combina a quimioterapia IP com a hipertermia, o que resulta na incrementação citotóxica dos quimioterápicos. O calor gerado durante a HIPEC aumenta a penetração das drogas antimitóticas nos tecidos cancerígenos, mesmo em áreas com pouca irrigação sanguínea, e amplifica a ação dessas substâncias, exercendo também um efeito citotóxico direto sobre as células malignas. Importante destacar que essa terapia não causa um aumento significativo nos níveis de quimioterápicos na corrente sanguínea. Adicionalmente, contribui para a indução de uma resposta imunológica antineoplásica eficaz, reforçando a ação de determinados agentes antimitóticos, como mitomicina C, cisplatina e oxaliplatina, e reduzindo os mecanismos de resistência tumoral. A HIPEC possui algumas particularidades variáveis que incluem o tipo de circuito de perfusão, o tempo de fechamento abdominal e de perfusão intraperitoneal, as temperaturas alvo, a escolha e dosagem dos agentes antimitóticos. Esses parâmetros devem ser ajustados de forma a se alcançar as temperaturas preconizadas na abordagem do HIPEC, ao mesmo tempo que a instauração de uma temperatura mínima também é de extrema valia, para otimizar as taxas de sobrevivência resultantes desse procedimento. Para realizar a HIPEC, é essencial contar com um conjunto específico de equipamentos para a perfusão abdominal. Esses equipamentos devem ser capazes de aquecer a solução de quimioterapia, controlar sua temperatura, garantir o fluxo da solução para dentro e fora da cavidade abdominal, e também incluir tubos e cateteres apropriados. Além disso, é fundamental ter termômetros para medir a temperatura dentro do abdômen e no esôfago. Todos os materiais e equipamentos usados na realização da HIPEC devem possuir certificação das agências regulatórias relevantes, como a ANVISA (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) e o INMETRO (Instituto Nacional de Metrologia, Qualidade e Tecnologia). Além disso, a necessidade de outros suprimentos, como grampeadores cirúrgicos e suas cargas correspondentes, depende da extensão da remoção de órgãos afetados pelo câncer. A disponibilidade desses suprimentos será determinada durante o procedimento cirúrgico, de acordo com a necessidade. A perfusão da cavidade com os quimioterápicos na HIPEC pode ser feita por técnica aberta (Coliseu) ou fechada. Embora não existam evidências conclusivas que estabeleçam a superioridade de uma abordagem sobre a outra, a técnica fechada, na qual o abdome é perfundido com a pele suturada continuamente, é frequentemente recomendada devido à sua simplicidade e menor risco de contaminação. Em geral, a HIPEC é feita após a citorredução cirúrgica (CRS), um procedimento que visa reduzir o volume de células neoplásicas na cavidade abdominal. Terminada a CRS, cateteres de infusão são inseridos através da parede abdominal, com o objetivo de iniciar a perfusão abdominal com a solução quimioterápica aquecida. O esquema de administração de medicamentos para procedimentos de HIPEC pode variar amplamente devido à disponibilidade de diferentes opções terapêuticas. Neste contexto, este livro aborda a proposta de padronização sugerida pela Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica como referência. Para pacientes diagnosticados com tumores peritoneais mucinosos do apêndice (MPMD), são recomendadas duas opções terapêuticas. A primeira consiste na administração de oxaliplatina a uma dose de 360mg/m2, infundida ao longo de 30 minutos, ou na combinação de Cisplatina, a 100mg/m2, e Doxorrubicina, a 15mg/m2, perfundidas durante 60 minutos. Ambas as abordagens são realizadas em um volume de 4 litros de perfusato. No entanto, é importante destacar que alguns pacientes podem apresentar características específicas que exigem ajustes nas doses. Por exemplo, para pacientes com mais de 60 anos, aqueles que passaram por tratamentos de quimioterapia sistêmica anteriormente, indivíduos que tiveram episódios de neutropenia febril durante a quimioterapia sistêmica ou pacientes submetidos a cirurgias extensas de citorredução, pode ser necessária a redução das doses, aproximadamente para 70% da dose padrão. Além disso, quando a HIPEC envolve o uso de Oxaliplatina, uma redução adicional da dose para 200- 250mg/m2 pode ser recomendada, devido ao maior risco de complicações hemorrágicas no período pós-operatório. Para pacientes com neoplasia mucinosa do apêndice (PMP), a recomendação é a utilização de Oxaliplatina a 360 mg/m2, administrada durante 30 minutos, em um volume de 4 litros de perfusato. Alternativamente, pode-se optar pela combinação de Cisplatina a 100 mg/m2 e Doxorrubicina a 15 mg/m2. É importante notar que o uso de mitomicina (MMC) também é uma opção, embora este medicamento não esteja disponível comercialmente no Brasil. Não é recomendado o uso da quimioterapia bidirecional baseada em regimes HIPEC com oxaliplatina ou a intensificação por meio da adição de irinotecano à oxaliplatina, devido à falta de evidências sólidas que respaldem sua eficácia. É relevante ressaltar que há limites de dose para as drogas quimioterápicas utilizadas no perfusato. Esses limites são definidos em 1000 mg/m2 (ou 200 mg/m2 por litro de perfusato) para a carboplatina, 240 mg ou 45 mg/l de perfusato para a cisplatina, 15 mg/l de perfusato para a doxorrubicina e 460 mg/m2 para a oxaliplatina. Essas diretrizes visam garantir a segurança e a eficácia do procedimento. Em resumo, a escolha dos medicamentos e as dosagens empregadas na HIPEC devem ser cuidadosamente consideradas com base nas características individuais do paciente e nas orientaçõesda Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica, sempre com o objetivo de proporcionar o tratamento mais eficaz e seguro possível. O controle do fluxo de infusão desempenha um papel crucial nas diferentes fases da HIPEC. Durante a fase de enchimento abdominal, é mantido um fluxo constante de 300-500 ml/min para assegurar uma adequada distribuição da solução perfundida. Conforme avançamos para a próxima etapa, conhecida como a fase de circulação, esse fluxo é gradualmente aumentado para 700-1000 ml/min, e, finalmente, ajustado em incrementos de 100 ml/min imediatamente antes de ingressarmos na fase de circulação da quimioterapia propriamente dita. É importante ressaltar que, para otimizar os resultados do procedimento, é aconselhável manter um volume mínimo de quatro litros de perfusato na cavidade abdominal. Isso não apenas garante a máxima distensão abdominal, proporcionando uma distribuição mais homogênea do quimioterápico na cavidade, como também contribui para manter a temperatura intracavitária dentro da faixa desejada. A temperatura-alvo, neste contexto, varia entre 41°C e 43°C, com uma sugestão adicional de que a infusão seja realizada a 44°C. Esse nível de temperatura é fundamental para assegurar uma ação citotóxica eficaz do tratamento, uma vez que a quimioterapia deve ser mantida acima de 40°C na cavidade abdominal. É crucial destacar que o controle preciso da temperatura desempenha um papel crítico nos efeitos citotóxicos sobre as células neoplásicas, influenciando diretamente a sobrevida global e a sobrevida livre de progressão dos pacientes submetidos à HIPEC. Para garantir esse controle durante o procedimento, são utilizados termômetros inseridos através da parede abdominal e posicionados dentro da cavidade abdominal, juntamente com o monitoramento constante da temperatura esofágica e da solução perfundida. Essas medidas garantem a precisão e a segurança do tratamento, contribuindo para os resultados bem- sucedidos da HIPEC. Os procedimentos de anastomose, como anastomose intestinal, esôfago- jejunal e colorretais, devem ser efetuados antes da HIPEC, uma vez que não há evidências de maior recorrência relacionada a área anastomótica, assim como garante uma menor exposição do quimioterápico para a equipe cirúrgica. Especificamente, no caso da anastomose esôfago-jejunal, essa ordem de procedimentos também minimiza a exposição do mediastino aos efeitos citotóxicos dos medicamentos empregados na HIPEC. Ademais, é recomendada a administração de antibioticoprofilaxia com ampicilina/sulbactam ou cefoxitina por um período de 24 a 72 horas, especialmente em pacientes com carcinomatose peritoneal, devido ao aumento do risco de complicações infecciosas que podem resultar em maior morbidade e mortalidade nesse grupo de pacientes. Outra medida importante é a vacinação pré-operatória, que deve ser oferecida aos pacientes em que a esplenectomia é uma possibilidade durante a CRS/HIPEC. Isso inclui a imunização contra o pneumococo e a gripe, preferencialmente realizada pelo menos 14 dias antes do procedimento ou a partir do dia da cirurgia. No pós-operatório, é recomendado que os pacientes sejam monitorados em uma Unidade de Terapia Intensiva (UTI) devido à extensão das ressecções realizadas e às características e fatores de risco individuais. Ademais, para a equipe cirúrgica, é aconselhável o uso de dois pares de luvas durante a manipulação do abdome após a fase de esvaziamento, como medida de precaução devido ao risco associado à exposição da pele aos quimioterápicos utilizados na HIPEC. Essas medidas visam garantir a segurança e o bem-estar tanto dos pacientes quanto da equipe médica durante todo o procedimento. A abordagem da HIPEC, como qualquer procedimento médico, possui algumas contraindicações importantes. Entre as principais contraindicações estão a presença de metástases fora da cavidade abdominal, o envolvimento extenso do intestino delgado e seu mesentério, a afetação do pedículo hepático e do ligamento gastro-hepático, o comprometimento linfonodal retroperitoneal em estágio avançado e a obstrução ureteral ou biliar. A avaliação de quais pacientes são elegíveis para a HIPEC é um processo meticuloso. Isso ocorre porque o aumento da temperatura corporal durante a fase de HIPEC resulta em uma maior taxa metabólica, o que, por sua vez, aumenta a demanda por oxigênio, eleva a frequência cardíaca e leva ao aumento dos níveis de dióxido de carbono exalado, além de contribuir para o aumento dos níveis de lactato no sangue e agravar a acidose metabólica. Portanto, para determinar quais pacientes podem se beneficiar desse tratamento, é essencial avaliar indicadores prognósticos confiáveis. Isso inclui a análise de informações histopatológicas, a consideração do índice de carcinomatose peritoneal (ICP), a avaliação do grau de redução cirúrgica realizada e a análise dos fatores individuais dos pacientes, como sua saúde geral, idade e condições médicas pré-existentes. Essa avaliação cuidadosa é necessária mesmo em casos em que o prognóstico inicial seja desfavorável. Em última análise, os parâmetros pré-operatórios desempenham um papel fundamental na identificação dos pacientes que podem se beneficiar tanto da cirurgia de citorredução completa (CCR) quanto da terapia de HIPEC. Em resumo, os serviços de saúde que preenchem os requisitos necessários e se empenham em realizar cirurgias de citorredução e HIPEC pelo Sistema Único de Saúde (SUS) devem estabelecer um sistema de acompanhamento meticuloso para os pacientes submetidos a esses procedimentos. Dada a natureza complexa e multidisciplinar dessas intervenções médicas, que exigem a colaboração de diversas equipes hospitalares, e considerando o significativo risco de complicações e mortalidade associado a esses tratamentos, é de extrema importância manter um acompanhamento sistemático e rigoroso dos pacientes tratados. A avaliação dos resultados deve se basear em métricas como o tempo de internação, a incidência de complicações, a taxa de sobrevivência global em um período determinado e o registro de óbitos. Isso garantirá que os pacientes recebam o melhor atendimento possível, que os resultados sejam monitorados de perto e que protocolos específicos para sua utilização sejam definidos, contribuindo assim para o avanço da medicina e o aprimoramento das opções terapêuticas disponíveis para aqueles que enfrentam neoplasias peritoneais e outras condições relacionadas. 1 Cirurgião Oncológico. REFERÊNCIAS 1. BATISTA, T. P. et al. A proposal of Brazilian Society of Surgical Oncology (BSSO/SBCO) for standardizing cytoreductive surgery (CRS) plus hyperthermic intraperitoneal chemotherapy (HIPEC) procedures in Brazil: pseudomixoma peritonei, appendiceal tumors and malignant peritoneal mesothelioma. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 44, n. 5, p. 530–544, out. 2017. 2. CORDEIRO, P. J. D.; MUZI, C. D. Cirurgia Citorredutora com Quimioterapia Intraperitoneal Hipertérmica em Pacientes com Adenocarcinoma Mucinoso de Apêndice: Série de 43 Casos. Revista Brasileira de Cancerologia, v. 68, n. 1, 24 mar. 2022. 3. BATISTA, T. P.; BADIGLIAN FILHO, L.; LEÃO, C. S. Exploring flow rate selection in HIPEC procedures. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 43, n. 6, p. 476–479, dez. 2016. 4. ESQUIVEL, J.; CORRESPONDENCE, J.; ESQUIVEL. Cytoreductive Surgery and Hyperthermic Intraperitoneal Chemotherapy (HIPEC) in the Management of Peritoneal Surface Malignancies of Colonic Origin. Disponível em: https://accamargo.phlnet.com.br/applied/ACR200727p.136-43.pdf. Acesso em: 24 set. 2023. 5. , R. J. C. et al. Quality of life in a phase 2 trial of short-course hyperthermic intraperitoneal chemotherapy (HIPEC) at interval debulking surgery for high tumor burden ovarian cancer. Revista do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, v. 47, p. e20202534, 2020. 6. ASTUDILLO, S. et al. Avaliação da morbimortalidade e da sobrevida em pacientes portadores de carcinomatose peritoneal submetidos a cirurgia citorretorredutora e quimioterapia hipertérmica intraperitoneal(HIPEC). v. 50, 1 jan. 2023. ANTISSEPSIA E ASSEPSIA Bruna Czelusniak Goulart1 Helena Messias Gomes2 Fernanda Arissa Takii3 A investigação na área microbiológica tem origem antiga estando relacionada à sobrevivência humana, à ciência e até mesmo ao misticismo. No final do século XIX, surgiu a ideia de assepsia, resultando em melhorias significativas nos desfechos dos procedimentos cirúrgicos. A Assepsia é o conjunto de medidas e manobras responsáveis pela eliminação de germes de locais que não os contém, como ambientes e objetos. A Antissepsia é o conjunto de medidas e manobras responsáveis por provocar a inibição do crescimento de germes ou a sua retirada a partir de desinfetantes e antissépticos. É o termo empregado quando se faz a desinfecção da equipe cirúrgica e do paciente. Além desses dois termos, vários outros se associam a eles no cotidiano: A degermação é a redução do número de patógenos e outros detritos na superfície da pele com água e sabão, PVPI (iodopovidona) ou clorexidina. É feita a partir da escovação mecânica e elimina agentes patogênicos e não patogênicos da microbiota transitória. Já a desinfecção é a eliminação total dos germes patogênicos de um objeto ou ambiente, seja a partir da inibição de seu crescimento ou neutralização de suas toxinas. E a esterilização é a eliminação de todas as formas de vida antimicrobiana, como fungos, vírus e bactérias na forma ativa, vegetativa ou esporulada. É feita a partir de meios químicos como óxido de etileno e físicos como calor úmido, calor seco, radiações e etc. O emprego adequado e de forma otimizada dos métodos de assepsia e antissepsia possibilita a redução dos riscos para o desenvolvimento de infecção de ferida cirúrgica, tanto aqueles relacionados ao agente microbiano como os relacionados ao ato operatório. Assepsia A assepsia engloba toda a técnica cirúrgica que emprega medidas ou meios para impedir o contato de germes com a ferida operatória. Ela conceitua um estado de ausência de germes patogênicos no tecido vivo. Dessa forma, pode-se descrever diversos procedimentos em busca da assepsia, como a profilaxia antibiótica, o processo de esterilização de artigos a serem utilizados, além da preparação tanto da equipe cirúrgica quanto do paciente. Técnicas de esterilização Esterilização é a destruição de todos os organismos vivos, mesmo os esporos bacterianos, de um objeto, podendo ser utilizados agentes físicos ou químicos. Dentre os meios de esterilização físicos, têm-se o calor seco (estufa, flambagem, fulguração); calor úmido (fervura, autoclave); e radiações (raios alfa, gama e raios x). Já entre os meios químicos, os desinfetantes são os agentes utilizados. Antissepsia A função primária da antissepsia é a retirada da flora cutâneo-mucosa das camadas tanto superficiais quanto profundas da pele a partir da aplicação de germicidas como compostos de iodo, clorexidina, álcool e etc. Os fatores importantes na escolha de um antisséptico são um amplo espectro de destruição de patógenos, capacidade de inibição de sua proliferação, tempo de ação, incapacidade de sofrer absorção sistêmica, não gerar dano ao sítio de ação, baixos índice de hipersensibilidade e custo. Alguns germicidas para desinfecção da pele são: • Iodo: forte germicida de ação bacteriostática e bactericida, além de possuir com função residual de antissepsia. Apresenta relativa capacidade de eliminação de esporos. Principal forma para desinfecção das mãos: álcool iodado a 0,5% ou 1%. • Iodóforos: trata-se do iodo dissolvido em polivinilpirrolidona (PVP), formando então o chamado “PVPI”, o qual permite uma liberação lenta de iodo e maior estabilidade à solução. Atua sobre bactérias gram positivas e negativas, vírus, fungos e possui ação residual. • Clorexidina: Possui ação contra fungos e bactérias, especialmente as Gram + em relação às negativas. Age precipitando o conteúdo intracelular dos microrganismos e destruindo suas membranas celulares. Vale mencionar que não existe evidência científica que comprove a superioridade do PVPI em relação à clorexidina e vice-versa, sendo ambos métodos igualmente efetivos na antissepsia e prevenção de infecções de sítio cirúrgico. • Álcool etílico ou isopropílico: utilizados na concentração de 70% ou em soluções de álcool iodado a 0,5% ou 1% (ação sinérgica). Não possui ação residual, apenas ação germicida praticamente imediata contra bactérias, fungos e alguns vírus, como SARS-CoV-2 e Hepatite B. Atua através da desnaturação de proteínas e pela remoção de lipídios das células dos microrganismos. 1 Acadêmica da UFPR. 2 Acadêmica da FPP. 3 Acadêmica da FEMPAR. REFERÊNCIAS: 1. FUNDAMENTOS EM CLÍNICA CIRÚRGICA- 1A PARTE, 2008, Medicina (Ribeirão Preto). Assepsia e Antissepsia: Técnicas de Esterilização [...]. [S. l.: s. n.], 2008. DOI https://doi.org/10.11606/issn.2176-7262.v41i3p265-273. Disponível em: https://www.revistas.usp.br/rmrp/article/view/272. Acesso em: 7 set. 2023. 2. KAMPF , Günter. Antiseptic Stewardship for Antimicrobial Soaps. Springer, [S. l.], p. 679-687, 26 ago. 2018. 3. INGRACIO, Anderson et al. Ambiente Cirúrgico. In: INGRACIO, Anderson et al. Técnica Cirúrgica. [S. l.: s. n.], 2017. cap. 1..; 4. GOFFI, F.S. Técnicas cirúrgicas: bases anatômicas, fisiopatológicas e técnicas da cirurgia. 4.ed. Atheneu, 2007. 5. MONTEIRO, E.L.C. SANTANA, E.M. Técnica Cirúrgica. 1ª ed., Guanabara Koogan, 2006. 6. MORIYA, T. MÓDENA, J.L.P. Asepsy and antisepsy: technics of sterilization. Medicina (Ribeirão Preto), 2008; 41 (3): 265-73. 7. REIS, Lúcia Margarete dos et al. Avaliação da atividade antimicrobiana de antissépticos e desinfetantes utilizados em um serviço público de saúde. Revista brasileira de Enfermagem, v. 64, p. 870-875, 2011. PARAMENTAÇÃO Isadora Quirino Zanini1 Julia Baldan Albano de Paula2 Fernanda Arissa Takii3 A paramentação cirúrgica surgiu com a função de proteger os pacientes de riscos biológicos gerados por microrganismos presentes nos médicos, funcionários, ambiente hospitalar, materiais e até no próprio paciente, assim, minimizando os riscos de infecção hospitalar e de sítio cirúrgico. Consiste em um conjunto de barreiras contra a invasão de microrganismos nos sítios cirúrgicos, impedindo também a exposição dos profissionais a sangue e outros fluidos. Fazem parte da paramentação: o uso de pijama cirúrgico, gorro, máscara, óculos de proteção, avental, luvas estéreis, propés (em desuso em algumas instituições) e campos da área cirúrgica. É interessante salientar que a paramentação começa antes mesmo de entrar no centro cirúrgico. Seguindo as normas de regulamentação (NR 32), o profissional de saúde deve manter suas unhas sempre curtas e íntegras, barba aparada (para uso correto das máscaras) e cabelos presos (para uso correto do gorro cirúrgico), além de utilizar sapatos fechados próprios para uso hospitalar. Antes de se paramentar, ainda no vestiário, deve retirar todo e qualquer adereço ou adorno como brincos, anéis, relógios, pulseiras, colares e semelhantes. Deve então realizar uma lavagem simples das mãos durante um minuto (Figura 1) para, somente após, vestir o pijama cirúrgico fornecido pela instituição. Vale aqui reforçar a importância do uso do tamanho correto das vestimentas cirúrgicas para evitar a exposição corporal indesejada. Vestido o pijama cirúrgico, ainda na área restrita, deve-se colocar máscara, gorro/touca, óculos de proteção (se necessário) e propés (se fornecidos pela instituição). A máscara deve ser ajustada para se adequar bem ao nariz, cobrindo toda sua área, assim como boca e mento, tendo de ser trocada quando molhada ou danificada, com tempo máximo de uso variando de acordo com o modelo. Nunca deve ficar pendurada no pescoço ou ser guardada no bolso para reutilização. Após seu uso, descartar apropriadamente. Figura 1 – Desenho esquemático da sequência de lavagem das mãos Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. Os óculos de proteção têm grande importância para evitar que respingos de sangue ou fluídos entrem em contato com a mucosaocular. O gorro deve cobrir totalmente o cabelo, previamente preso, em toda a circunferência da cabeça. O uso do propé ainda é discutível e, caso utilizado, deve-se tomar cuidado com a contaminação durante sua colocação, devendo ser realizada nova lavagem simples das mãos logo após vesti-lo. Após isso, o profissional pode adentrar ao centro cirúrgico. Imediatamente antes do início de uma cirurgia deve ser realizada a lavagem cirúrgica das mãos precedida de uma lavagem simples. Segundo Larson (2001) “A higienização das mãos é a medida individual mais simples e menos dispendiosa para prevenir a propagação das infecções relacionadas à assistência à saúde”. A antissepsia cirúrgica das mãos tem como objetivo eliminar a microbiota transitória da pele e reduzir a microbiota residente, além de proporcionar efeito residual na pele do profissional. O procedimento deve durar de 3 a 5 minutos. Atualmente são utilizadas duas técnicas, com uso de PBA (produto a base de álcool) ou com esponja e escova impregnadas por antisséptico, sendo ambas eficazes e realizadas com a técnica de lavagem cirúrgica. Concluída a degermação cirúrgica das mãos é recomendado esperar que elas sequem de forma natural, nunca secando com papel ou chacoalhando-as. Após a lavagem deve-se ter cuidado em não baixar as mãos abaixo da linha da cicatriz umbilical para evitar contato com objetos não estéreis, nem as encostar no corpo, face ou em qualquer outra superfície não estéril. O modo mais eficaz e comum de se fazer isso é entrelaçando os dedos, unindo as mãos em frente ao corpo, sem encostar no mesmo. Dirigindo-se para sala operatória não se deve encostar em nada, tendo cuidado para não bater os cotovelos em ninguém. A porta da sala deve ser aberta por outra pessoa ou então utilizando os pés. Ao entrar na sala, pegar cautelosamente a compressa estéril para secar as mãos, utilizando um lado para cada mão, não sendo necessário secar os cotovelos. Com as mãos secas, deve pegar o avental cirúrgico, que estará estéril e dobrado, e, em local espaçoso, abri-lo sem deixar que toque no chão nem em qualquer objeto. Para vesti-lo deve-se localizar sua face posterior, que ficará em contato com o ventre do profissional, e então, mantendo-o na altura dos ombros, vestir uma manga de cada vez, jogando-a para cima e colocando o braço por dentro da mesma, sem deixar cair. Uma segunda pessoa deve fechar cautelosamente os cordões posteriores, sendo que os mais externos devem ser fechados, de forma estéril, por outro profissional já paramentado. Após a colocação do avental, pode-se prosseguir para colocação das luvas estéreis. Uma dica importante é não deixar que as mangas do avental subam muito pelo antebraço, pois as luvas devem cobrir toda a circunferência das mangas para que não escapem ou enrolem durante a cirurgia. A técnica de colocação das luvas estéreis, assim como toda a paramentação cirúrgica, deve ser praticada incansavelmente para atingir níveis de perfeição visando minimizar contaminações. Vale salientar que, em nenhum momento a face externa da luva, ou seja, a que ficará em contato com o paciente, deve ser tocada pela pele do profissional (Figura 4). O uso do tamanho correto das luvas e sua colocação adequada tem suma importância no ideal manuseio intra operatório, na prevenção de acidentes pérfuro-cortantes e no conforto da mão profissional durante os longos períodos de uso da mesma. Figura 2 – Colocação das luvas estéreis Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. Um momento extremamente crítico para contaminação do profissional, após a cirurgia, é a desparamentação cirúrgica. Assim, deve-se ter o cuidado de não deixar que as superfícies contaminadas pela cirurgia entrem em contato com a pele. Dessa forma, na retirada das luvas, a superfície externa não deve tocar a interna nem a pele em nenhum momento, os cordões do avental cirúrgico são soltos por outra pessoa e o médico o retira com cuidado, desprezando no hamper. Todos os EPIs devem ser descartados adequadamente, seguindo as recomendações da instituição. Após a cirurgia, deve-se realizar uma nova lavagem simples das mãos. Figura 3 – Colocação do avental Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. REFERÊNCIAS: 1. BRASIL. Agência Nacional de Vigilância Sanitária. Segurança do paciente em serviços de saúde: higienização das mãos. Brasília: Anvisa, 2009. 2. DUARTE, I.G.L.; LEITE M.D. Paramentação cirúrgica: artigo de revisão. Rev Med Minas Gerais, v. 23, n. 3, p. 343-346, 2013. 3. JONES, M.L. Non-sterile and sterile gloves: application and removal. British Journal of Healthcare Assistants, v. 8, n. 2, p. 64-67, 2014. 4. LARSON, E.L. Hygiene of skin: when is clean too clean. Emerging Infectious Diseases, v. 7, n. 2, p. 225-230, 2001. 5. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 6. SIMÕES, J.C. Técnica Cirúrgica. 1. ed. Curitiba: Liga Curitibana de Cancerologia, 2013. 7. TÉCNICA de escovação e paramentação cirúrgica. Enfermagem, a arte de cuidar , 2016. Disponível em: http://enfermagem-a-arte-de- cuidar.blogspot.com/2016/05/tecnica-de- escovacao-e-paramentacao.html. Acesso em: 11 dez. 202 INSTRUMENTOS E TEMPOS CIRÚRGICOS Fernanda Arissa Takii1 João Rafael do Prado Martins2 Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos3 A intervenção cirúrgica consiste em ações manuais auxiliadas por instrumentos cirúrgicos realizadas por um cirurgião com propósitos terapêuticos, estéticos ou de diagnóstico. Essas intervenções cirúrgicas incluem estágios fundamentais, como diérese, hemostasia e síntese, que são procedimentos essenciais utilizados na maioria das operações de forma sequencial e que possibilita a realização de procedimentos cirúrgicos mais complexos. Diérese A palavra “diérese” tem origem nas línguas latina (diaerese) e grega (diairesis), ambas denotando conceitos de divisão, incisão, secção, separação e divulsão permitindo a exposição dos órgãos e estruturas afetadas utilizando bisturis, tesouras e ruginas. 1. Incisão A diérese é a técnica cirúrgica que envolve a incisão ou secção dos tecidos usando instrumentos cortantes, geralmente uma lâmina de bisturi. Uma incisão precisa e nítida com um bisturi afiado é considerada a melhor abordagem para promover uma cicatrização adequada. Alternativamente, outros métodos como eletrocautério, laser e ultrassom podem ser utilizados, mas com cuidado para evitar danos e reações adversas nos tecidos. Quando realizado por um bisturi eletro-eletrônico denomina-se diatermia. Para uma boa incisão cirúrgica e garantir um procedimento seguro e eficaz deve ter tamanho adequado para fácil acesso aos órgãos e boa visibilidade do campo operatório, bordas regulares, seguir as linhas de força da pele (linhas de Kaissl e Langer), atravessar os tecidos com cuidado e por planos e evitar danos a vasos e nervos importantes na área cirúrgica. 2. Divulsão Nesse tipo de diérese, o cirurgião afasta os tecidos sem seccioná-los, utilizando o plano de clivagem ou a estrutura fasciculada, como os músculos. Isso pode ser feito com instrumentos como tesouras de pontas rombas, pinças hemostáticas, pinça de Mixter, afastador de Farabeuf, tentacânula entre outros. 3. Punção Utiliza-se agulha ou trocater para penetrar nos tecidos que dão acesso a cavidades, fazendo a separação sem seccioná-los. É utilizado em cirurgias laparoscópicas, drenagem de líquidos, coletas de fragmentos de órgãos, injeção de contraste e medicamentos, entre outros. 4. Descolamento Envolve a separação romba dos tecidos através de um espaço anatômico virtual. Exemplos incluem a separação da vesícula biliar do leito hepático durante a colecistectomia e a manobra de Kocher para descolamento do duodeno da parede abdominal. 5. Dilatação Utilizada para aumentar o calibre de vias naturais estreitadas, canais, ductos e vasos, através da ruptura de fibras musculares ou tecido fibroso. Exemplos incluem a dilatação do colo do útero, esôfago, uretra, entre outros.6. Serração Realizada com serras, principalmente em cirurgias ortopédicas e cardíacas. Instrumentos de Diérese Os bisturis frios (Figura 1) são constituídos por um cabo de tamanho e formato variável, no qual se encaixam diferentes tipos de lâminas, as quais são quase sempre descartáveis. O bisturi elétrico ou eletrocautério tem o formato de caneta com uma ponta metálica e conectado a fonte de energia. Possui efeito de diérese e hemostasia simultâneos com um pedal de corte e outro para coagulação Figura 1 – Bisturi frio. A) Numeração de cabos; B) Numeração de lâminas Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. A Tesoura de Mayo-Stille (Figura 2.A) é utilizada para desbridar e cortar tecidos mais densos, como fáscias e músculos. Podem ser retas ou curvas. Também são usadas para cortar bandagens. A tesoura de Metzenbaum (Figura 2.B) é usada para cortar tecidos delicados. Existe em diversos tamanhos e suas lâminas podem ser retas ou curvas, com tamanho variando entre 14-26 cm. A tesoura angulada com ponta fina (Figura 2.C) é indicada para cortes em estruturas delicadas, como vasos sanguíneos. Figura 2 – A) Tesouras Mayo-Stille; B) Metzembaum; C) Angulada com ponta fina Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. Hemostasia A hemostasia cirúrgica abrange uma série de procedimentos com o propósito de evitar, reduzir ou interromper o sangramento, assegurando uma visibilidade adequada no campo operatório e melhorando a condição técnica. Uma falha nessa etapa do procedimento pode prejudicar a cicatrização e aumentar o risco de infecção. A Hemostasia pode ser dividida em: 1. Prévia, também conhecida como pré-operatória, ocorre antes da cirurgia para temporariamente interromper o fluxo sanguíneo na área de incisão, minimizando a perda de sangue e criando um campo operatório livre de sangramento. Essa prática é mais comum em procedimentos envolvendo membros e tem como objetivo principal prevenir hemorragias. Em situações de atendimento a acidentados, também pode ser empregada quando necessário. 2. Temporária pode ser obtida a partir da compressão vascular mediante emprego de pinças atraumáticas tipo Potts ou Satinsky. 3. Definitiva é a abordagem mais comum e eficaz, envolvendo a ligadura de um vaso sanguíneo através do seu isolamento, passagem de dois fios, ligadura acima e abaixo do vaso e, finalmente, secção entre as ligaduras. Outras técnicas alternativas incluem o pinçamento do vaso seguido da ligadura usando pinças hemostáticas, bem como a ligadura com clips metálicos e a eletrocoagulação de vasos pequenos. Instrumentos da hemostasia As pinças hemostáticas apresentam formato semelhante ao da tesoura, diferindo-se dela pela presença da cremalheira entre as duas argolas, que permite o fechamento do instrumento de forma autoestática com diferentes níveis de pressão de fechamento. Pinças retas ou pinças de reparo são utilizadas para o pinçamento de material cirúrgico, como fios e drenos. Já as pinças curvas são usadas para o pinçamento de vasos e tecidos delicados. A pinça Halstead (Figura 3), também chamada de “Mosquito”, apresenta um serrilhado transversal delicado em toda a parte preensora, com ou sem dentes. É usada principalmente para pinçamento de vasos de menor calibre, para reparo de fios e para exposição de campo. Figura 3 – Pinça Halstead Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. A Pinça Crille (Figura 4) é caracterizada por apresentar ranhuras transversais em toda sua parte prensora, podendo ser reta ou curva. Já a pinça Kelly (Figura 5) apresenta ranhuras em apenas �⁄� da parte preensora, podendo ser curva ou reta. Figura 4 – Pinça Crille. A) Reta; B) Curva Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. Figura 5 – Pinça Kelly. A) Reta; B) Curva Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões A pinça de preensão de Allis (Figura 6) é uma pinça de apreensão traumática, com a característica de hastes preensoras que não se tocam. Figura 6 – Pinça de preensão de Allis Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões A Pinça Kocher (Figura 7) inicialmente era usada para a hemostasia, mas, por seu caráter traumático, atualmente é mais usada no clampe grosseiro e no reparo de tecidos fibrosos, podendo ser reto ou curva. Figura 7 – Pinça Kocher Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. A Pinça Rochester (Figura 8) é robusta com a ponta longa, utilizada no pinçamento de pedículos. Figura 8 – Pinça Rochester Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. A Pinça Mixter (Figura 9) possui a ponta curva, auxiliando a dissecção de vasos e também na passagem de fios para realizar a ligadura em volta desses vasos. Figura 9 – Pinça Mixter Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. A Pinça Satinsky (Figura 10) é atraumática com ponta curva e permite hemostasia sem lesão dos vasos devido seu denteamento. Figura 10 – Pinça Satinsky Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. Instrumental auxiliar A pinça anatômica/de dissecção (Figura 11) é uma pinça preensora com marcações estriadas em suas pontas, é usada para a dissecção e manipulaçãodos tecidos mais delicados. Já a pinça dente de rato (Figura 12), semelhante à pinça de dissecção, difere da primeira por apresentar dentes em sua extremidade; seu principal uso consiste na preensão de tecidos mais espessos. Figura 11 – A) Pinça dente de rato; B) Pinça anatômica Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. A Pinça Backhaus (Figura 12) fixa os campos à pele, entre si ou fixa objetos nos campos. Figura 12 – Pinça Backhaus Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. Síntese A síntese cirúrgica é a fase do procedimento destinada a reconstruir e restituir a integridade das estruturas, órgãos e tecidos que foram separados na cirurgia ou por traumatismo. As suturas podem ser temporárias ou definitivas, de coaptação (sutura de pele), sustentação (aproximação de bordas que tendem a separar-se devido a elasticidade do tecido) e de hemostasia. Além disso, existem diversas técnicas como o ponto simples, ponto em U, ponto em X, ponto Donatti, chuleio simples e ancorado, intradérmica, entre outros. O porta-agulha de Mayo Hegar (Figura 13) é um instrumento utilizado para a realização da antissepsia do paciente. Figura 13 – Porta agulha de Mayo Hegar Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões Agulhas cirúrgicas: Os fios cirúrgicos são frequentemente fornecidos com agulhas pré-aderidas para facilitar a sutura. As agulhas variam em forma e tamanho, dependendo da aplicação. Agulhas retas são usadas para suturas simples, enquanto agulhas curvas são usadas para suturar em áreas de difícil acesso. Elas são utilizadas para passar o fio cirúrgico através dos tecidos. Elas vêm em diferentes tamanhos e formatos, dependendo do tipo de procedimento cirúrgico. Tabela 1 – Características dos principais fios cirúrgicos Característica usos dos �os Absorvíveis Inabsorvíveis Categute Ácido Poliglicílico (DEXON) Poliglactina 910 (VICRYL) Poliglecaprona (MONOCRIL) Polidioxanona (PDS) Algodão Nylon Polipropileno Força tênsil em 1 semana Reg. Boa Boa Boa Boa Boa Boa Boa Força tênsil em 1 mês zero Ruim Reg. Reg. Boa Boa Boa Boa Força têncil em 6 meses zero zero zero zero zero Reg. Boa Boa Reação in�amatória alta Baixa Baixa Baixa Min. Muito alta Baixa Baixa Segurança dos nós baixa Boa Boa Reg. Reg. Ótima Reg. Baixa Mucosas +++ +++ +++ +++ +++ Não + + Intradérmica ++ +++ +++ ++++ +++ Não ++ +++ Subcutâneo ++++ +++ +++ +++ +++ Não Não Não Aponeurose Não +++ +++ Não +++ ++ ++ +++ Peritôneo ++ +++ ++ ++ +++ + ++ ++ Feridas contaminadas Não +++ +++ ++ ++ Não Não + Pele de baixa tensão ++ +++ +++ +++ +++ + ++++ +++ Pele de alta tensão Não + + + ++ + +++ +++ Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. Figura 14 – Tipos de agulhas de acordo com a secção transversal Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões Nós cirúrgicos: São uma parte crucial da técnica de sutura em procedimentos cirúrgicos e médicos. Eles são usados para amarrar os fios cirúrgicose manter os tecidos suturados de forma segura, garantindo que a incisão ou ferida se mantenha fechada durante o processo de cicatrização. A estrutura básica de um do cirúrgico é constituída por um primeiro semi-do de contenção, um segundo semi-nó de fixação e semi-nó(s) de segurança (Figura 15) Figura 15 – Princípio básico de um nó cirúrgico Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. O nó de sapateiro (Figura 16), também conhecido como nó cirúrgico de instrumentos, é uma técnica de amarração usada em procedimentos médicos e cirúrgicos. É chamado de “nó de sapateiro” devido à semelhança do movimento das mãos ao amarrá-lo com o movimento das mãos de um sapateiro ao costurar. Esse tipo de nó é frequentemente utilizado em cirurgias quando é necessário realizar nós em áreas de difícil acesso ou quando é importante manter uma tensão precisa na sutura. Figura 16 – Nó de sapateiro Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões Ainda, pode-se lançar mão de outra técnica igualmente eficaz, o nó Pauchet (Figura 17). Figura 17 – Nó de Pauchet Fonte: Cortesia Dr. Simões Outros Instrumentos: Os Afastadores são subdivididos em dinâmicos – como o Farabeuf (Figura 18), válvulas manuais de Doyen e válvula supra-púbica – e os estáticos – como Gosset (Figura 19) e Balfour. Figura 18 – Afastador de Farabeuf Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões Figura 19 – Afastador de Gosset Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões. A cuba é utilizada para a preparação de materiais e como reservatório de soluções. A mais comum é a cuba em formato de rim. Os drenos e sondas cirúrgicas são dispositivos médicos utilizados para remover líquidos, ar ou outras substâncias indesejadas que podem se acumular no local de uma incisão cirúrgica ou cavidade corporal durante ou após um procedimento cirúrgico. Eles desempenham um papel fundamental na prevenção de complicações pós-operatórias, como acúmulo de fluidos, infecções e hematomas. Distribuição de Materiais na Mesa Cirúrgica: A distribuição dos materiais na mesa cirúrgica, inicia com a certificação de que o instrumentador está propriamente higienizado e em roupas estéreis. Em seguida, é realizada a cobertura da mesa com um campo de borracha e com um campo duplo estéril. Os instrumentos cirúrgicos, normalmente são posicionados de forma ordenada para acompanhar o tempo de cirurgia e direcionados de modo a facilitar a transferência entre profissionais. Porém, essa organização pode variar de acordo com a preferência e experiência de cada profissional. É orientado que instrumentos mais delicados fiquem mais próximos ao instrumentador, ex: pinça Halstead. As pontas de bisturis, tesouras e outros, devem ficar voltadas para o centro da mesa. Isso facilita a correta empunhadura e evita que ocorra acidentes. De modo geral, a mesa é dividida em diérese, preensão, hemostasia, exposição, material especial e síntese (Figura 20). Figura 20 – Esquema de organização da mesa Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões Figura 21 – Modelo da mesa com os instrumentos posicionados Fonte: Cortesia do Prof. Dr. João Carlos Simões 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmico da FEMPAR. 3 Cirurgião Oncológico. REFERÊNCIAS: 1. BRITO, E.S.; HOFFMAN, I.; COUTINHO, L.S. Tempos e Instrumental Cirúrgico. In: BRITO, E. S. Manual básico de metodização cirúrgica. Palmas: EDUFT, 2014. 2. SABISTON, J.R. Tratado de cirurgia: A base biológica da prática cirúrgica moderna. 19. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2014. 3. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2. ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 4. SIMÕES, J.C. Técnica Cirúrgica. Curitiba: Liga Curitibana de Cancerologia, 2013. 5. TALINI, C.; DIAS, D.F.; BORDIGNON, J.R. Metodização e Instrumentação cirúrgica. PARTE IV: ONCOLOGIA CÂNCER DE PELE Leticia Midori Michalawiski Yamaoka1 Luana Naomi Miyawaki2 Fernanda Arissa Takii3 Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos4 O câncer de pele é atualmente uma das neoplasias mais incidentes e prevalentes do Brasil. Pode ser classificado em neoplasias de pele não melanoma – carcinoma basocelular (CBC) e carcinoma espinocelular (CEC) – e neoplasia de pele melanoma e, apesar de terem características histológicas e apresentações clínicas diferentes, ambos possuem o mesmo principal fator de risco: exposição à luz solar. O melanoma, associado às queimaduras solares, já os não melanoma à exposição crônica durante a vida, por isso, esse tipo costuma atingir mais a população idosa. Os CBC se desenvolvem de queratinócitos da camada basal da epiderme, folículos pilosos e ductos sudoríparos, necessitam de grande aporte de estroma para desenvolvimento, portanto a chance de metástases é muito baixa. O CEC se dissemina de forma infiltrativa e local, podendo acometer estruturas vasculares e nervosas, tendo maior chance de metástase, principalmente quando se trata de indivíduos imunossuprimidos. A ceratose actínica é a principal lesão precursora, têm o mesmo processo patológico, porém em diferente etapa, o risco de transformação maligna da ceratose actínica pode chegar a cerca de 20% por ano. A queilite actínica é outra lesão crônica e pré maligna, a qual afeta o lábio inferior pela exposição excessiva aos raios solares, sua chance de transformação maligna é de 6-10% e geralmente em CEC. Fatores tais como álcool e cigarro podem elevar essa chance. O carcinoma de Merkel é um tipo de câncer agressivo e raro de células neuroendócrinas, o qual conta com menos de 1% das doenças malignas da pele e tem a particularidade de atingir uma população mais velha e ou imunossuprimida. Pode ser causada por via mutagênica, por infecção viral ou pela exposição à radiação ultravioleta. O melanoma é o câncer maligno dos melanócitos que normalmente acomete a pele, por sua origem ectodérmica pode atingir também mucosas, intestino, úvea e sistema nervoso central. Sua incidência tem aumentado com os anos, sendo o risco estimado de desenvolver a doença durante a vida de 1/34 nas mulheres e 1/53 para os homens nos Estados Unidos. São esperados 8.980 novos casos a cada 100 mil habitantes para o triênio de 2023 a 2025, de acordo com o INCA. Apresenta-se em qualquer idade, tendo um componente genético importante quanto mais precoce, dado que 50% dos casos ocorrem em indivíduos entre 35 e 65 anos com histórico de exposição solar. É bem estabelecida a relação de maior prevalência em fenótipos de risco, com aumento da exposição solar, nevos múltiplos e histórico de imunossupressão. Pode ser subdivido em 4 tipos histológicos principais • Extensivo superficial: Compreende 70% dos casos de melanomas cutâneos, sendo incidente principalmente em áreas de exposição solar, como a região posterior das pernas nas mulheres e as costas nos homens; • Melanoma nodular: subtipo mais raro, com 5% dos casos, sendo mais comum em homens e predomínio de ulceração nas lesões; • Lentigo acral maligno: mais comum em asiáticos e hispânicos; • Lentigo maligno: associado à exposição solar prolongada, acomete uma faixa etária mais elevada e compreende 4-15% dos melanomas cutâneos; Na avaliação clínica é importante a avaliação dos fatores de risco, sintomas e o status de perfomance do paciente. O exame das lesões suspeitas deve seguir os critérios ABCDE, e a dermatoscopia pode ser associada para um exame mais detalhado das lesões a) Assimetria b) Bordas irregulares c) Coloração d) Diâmetro > 6mm e) Evolução da lesão, considerando seu formato, mudanças de coloração, de superfície (crostas, elevações, sangramentos) e sintomas O tratamento do melanoma depende principalmente do estadiamento, profundidade - sendo utilizados os índices de Breslow e Clark - ulceração, índice mitótico e acometimento linfonodal. Anatomia O tegumento, constituído por pele e seus anexos (unhas, folículos pilosos, glândulas sudoríparas e glândulas sebáceas), é o maior órgão do corpo. A espessura da pele varia entre 0,5-3,0mm e é diferente de acordo com a região corporal, sendo a mais delgada na região das pálpebras. A pele possui inúmeras funções,entre elas: barreira de proteção contra patógenos infecciosos e radiação UV, bem como regulação da temperatura corporal, síntese de vitamina D, entre outras. Sua porção superficial, a epiderme, um epitélio estratificado pavimentoso queratinizado, composto por queratinócitos, melanócitos e células de Merkel, possui quatro ou cinco camadas: estrato basal, estrato espinhoso, estrato granuloso e estrato córneo. A camada interna, denominada derme, é um tecido conjuntivo ricamente vascularizado, o qual fornece suporte mecânico, elasticidade e resistência à pele. Epidemiologia O câncer de pele não melanoma é o mais frequente no Brasil e corresponde a cerca de 30% de todos os tumores malignos registrados no país, sendo mais comum em pessoas com mais de 40 anos. Em 2020, segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer) , houve 2653 mortes devido a essa neoplasia, sendo 1534 homens e 1119 mulheres (INCA, 2022). Já o câncer de pele melanoma representa 3% das neoplasias malignas do órgão e foi responsável por 1978 mortes (1.159 homens e 819 mulheres) no ano de 2019. O INCA estimou em 8.450 novos casos no Brasil (4.200 homens e 4.250 mulheres) para cada ano do triênio de 2019/2022. Altitudes mais elevadas têm sido associadas com maiores incidências de melanoma cutâneo, coincidindo com as maiores taxas de radiação UV, assim como em latitudes mais baixas são reportados mais casos de melanoma, aumentando assim em regiões próximas ao Equador. Clínica Os CEC e CBC podem surgir como lesões cutâneas que não cicatrizam e tipicamente aparecem em regiões corporais fotoexpostas como a cabeça e o pescoço e mãos. Macroscopicamente, os CEC são pápulas ou placas endurecidas com base eritematosa, lisas ou não, podem ter uma região central clareada ou uma ulceração, bem como são lesões friáveis. Os CBC têm apresentação clínica com variações, porém habitualmente são lesões em forma de pápula ou nódulo lisos, com bordos peroláceos e possuem teleangiectasias. O câncer do tipo melanoma pode surgir a partir da pele normal ou de uma lesão pigmentada. Mudanças em lesões existentes ou o aparecimento de placas ou nódulos eritematosos ou pálidos são considerados sinais de alarme. De forma típica, a manifestação da doença na pele normal se dá após o aparecimento de uma pinta escura de bordas irregulares acompanhada de coceira e descamação. Em casos de uma lesão pigmentada pré-existente ocorre aumento no tamanho, alteração na coloração e na forma da lesão, que passa a apresentar bordas irregulares. O melanoma expansivo superficial caracteriza-se como uma lesão castanha com bordas elevadas, podendo apresentar pigmentos azul, rosa, cinza, branco e marrom. Já o melanoma nodular geralmente localiza-se na cabeça, pescoço e tronco, com máculas que variam entre o preto e o castanho, podendo ser também amelanóticas com lesões formando pápulas que sangram facilmente. O subtipo lentiginoso acral, por sua vez, localiza-se preferencialmente nas palmas, solas e região ungueal, podendo ser verrucosa ou uma mácula com contornos irregulares que se pigmenta de castanho ou preto. As lesões ungueais podem apresentar o sinal de Hutchinson, uma listra longitudinal de pigmento preto que indica acometimento subungueal. Por fim, o melanoma do tipo lentigo maligno é característico de indivíduos com idade avançada e histórico de exposição solar, apresentando-se como uma mácula castanha com contorno irregular e pigmentação variada. As principais mutações condutoras presentes no melanoma correspondem a genes que interferem em vias que promovem a proliferação celular e inibem a apoptose e o reparo do DNA, sendo as mais prevalentes as dos genes BRAF, KRAS, NF1 e WT triplo, sendo importantes alvos terapêuticos. As vias de proliferação acometidas são as de proteína-quinase ativadas por mitógeno, como a MAPK -que abrange a mutação BRAF (40-50% dos melanomas cutâneos) e RAS (20%)- e do fosfatidilinositol 3’-cinase/AKT, que modulam a transcrição de fatores que regulam a proliferação e a sobrevivência celular. Os genes AKT e PTEN, por sua vez, provocam o aumento da sobrevivência celular por meio do antagonismo na via intrínseca da apoptose. O melanoma é conhecido por ser um câncer imunomediado, um dos mecanismos mais conhecidos é o enfraquecimento do sistema imune inato e adaptativo pela liberação de IL-10 pelas células de Langerhans. Diagnóstico O diagnóstico das neoplasias de pele é, no geral, feito através da inspeção da lesão, exame dermatoscópico e análise histológica. Lesões suspeitas de apresentação típica podem ser diagnosticadas macroscópicamente pela inspeção, mas terão maior acurácia diagnóstica por meio da dermatoscopia, porém a biópsia é essencial para a confirmação. O diagnóstico no melanoma se dá por meio da dermatoscopia associada à biópsia excisional, preferencialmente com margem de 2-3mm de forma tridimensional. Essa técnica fornece ao patologista a confirmação do melanoma bem como o grau de invasão histológica, sendo classificado pelos índices de Breslow e Clark, essenciais para definição do prognóstico e plano terapêutico. O índice de Breslow se refere à profundidade do câncer (medida em milímetros), quanto menor seu valor, menos invasivo é o tumor e melhor é o prognóstico do paciente. Categorizado em 4 níveis: • Nível I: Melanoma < 0,75 mm. • Nível II: Melanoma de 0,76 a 1,5 mm. • Nível III: Melanoma de 1,51 a 4,0 mm. • Nível IV: Melanoma > 4,1 mm invade a derma reticular. Atualmente é o principal fator usado para estadiamento do melanoma, sendo indispensável para o tratamento. Tratamento O principal alvo do manejo da neoplasia de pele não melanoma é a remoção completa da lesão, tendo como objetivo secundário um bom resultado estético. A escolha do tratamento em si dependerá de fatores como a clínica e a natureza histológica, tamanho, o sítio da lesão, bem como comorbidades, disponibilidade do tratamento e seu custo. Para tratamento dos CBC, a cirurgia micrográfica de Mohs, apesar de apresentar menos taxa de recorrência (4,4% em 10 anos), é uma opção limitada devido ao seu alto custo e pouca disponibilidade, portanto é considerada para tumores maiores (2cm no tronco ou extremidades), tipos histológicos mais invasivos ou tumores com alta chance de recorrência. A crioterapia é utilizada quando outras terapias com maior eficácia não são aplicáveis, mas a biópsia deve ser realizada antes do procedimento a fim de determinar a profundidade da lesão. Em casos em que a excisão cirúrgica não for possível, a radioterapia passa a ser uma opção de tratamento adicional. Como tratamento tópico, o imunomodulador Imiquimode e o agente antineoplásico Fluorouracil são aprovados pela FDA (Food and Drug Administration) quando o CBC é superficial. O prognóstico do CBC mostra-se muito favorável, com taxas de sobrevida de 100% em casos em que não há invasão de outros tecidos. O manejo dos CEC será avaliado levando-se em conta o risco de recorrência e metástase e baseado em fatores clínicos e patológicos da lesão. A remoção cirúrgica é o tratamento primário de escolha para CEC local. O CEC de baixo risco possui opções de tratamento como: cirurgia micrográfica de Mohs, curetagem, crioterapia e fármacos tópicos (imiquimode e 5-fluorouracil). Em casos de tumores de alto risco a cirurgia de Mohs é também uma opção, bem como uma excisão cirúrgica padrão, porém com margens mais amplas. Ainda, pode-se considerar neoadjuvância com imunobiológicos. Para CEC avançados, radioterapia adjuvante é indicada para alguns casos. Para CEC metastáticos, recomenda-se abordagem multidisciplinar e tratamento baseado em imunoterapia, terapia alvo, quimioterapia tradicional ou mesmo ensaios clínicos. No caso de tumores avançados localmente, os quais são incuráveis por meio da cirurgia ou radioterapia, considera-se uso de imunoterapia com inibidores de checkpoint tais como Pembrolizumabe e Cemiplimabe. O Cemiplimabe, anticorpo monoclonal que vem sendo usado de forma mais recente, age contra ”programmed death-1” (PD-1) mostrando eficácia de atividade antitumoral e um perfilseguro para pacientes com CEC localmente avançado e é aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA). O prognóstico dos CEC, no geral, é bom, mostrando uma taxa de sobrevida em 5 anos ao redor de 98%. No caso do melanoma cutâneo, a excisão local ampla com margens adequadas é o tratamento básico, sendo a profundidade da ressecção um dos parâmetros mais importantes para garantir a retirada completa da lesão, sendo a única conduta no estádio 0. A partir do estádio IB (T1b) é considerada a biópsia do linfonodo sentinela para o estadiamento completo, com menor grau de evidência (NCCN 2B), a radioterapia locorregional e a terapia com Pembrolizumabe (NCCN 2A) é indicada para os estádios IIB e IIC. A pesquisa de linfonodo sentinela deve ser realizada no mesmo procedimento da ampliação de margem em todos os pacientes no estádio pT2 e pT3, independente da topografia do tumor, desde que não haja doença linfonodal clinicamente detectável. A pesquisa é feita por meio da linfocintilografia pré- operatória associada ao uso concomitante de azul patente pericicatricial no momento da cirurgia. A dissecção complementar após linfonodo sentinela positivo consiste em uma prática controvérsia já que os estudos apontam que não há ganho de sobrevida, no entanto, dever ser considerada em pacientes que não tenham acesso ao seguimento adequado. Recomenda-se o seguimento por meio de US especializado a cada 3 a 4 meses nos primeiros dois anos e a cada 6 meses até o quinto ano. O melanoma é um dos cânceres mais imunomodulados, sendo altamente prevalente em pacientes imunocomprometidos, sendo que há evidências de infiltrados linfocitários tanto nos tumores primários quanto nas metástases. A imunoterapia foi uma inovação fundamental para a melhora do prognóstico e aumento da sobrevida global, em especial no melanoma metastático, com benefícios superiores a radio e quimioterapia isoladas, o uso de anticorpos anti- PD1 ou terapia-alvo com inibidores do BRAF e MEK hoje compõem os principais tratamentos do melanoma metastático. Para o estádio III com linfonodos comprovadamente comprometidos, a vigilância seriada da bacia nodal é recomendada frente à dissecção completa dos linfonodos, sendo importante a terapia adjuvante com Nivolumabe, Pembrolizumabe, e Dabrafenibe para paciente com mutação ativadora BRAF. No caso da doença metastática à distância ou estádio IV, caso oligometastática é possível a terapia ablativa, estereotáxica ou tentativa de ressecção. Para a terapia sistêmica os regimes mais efetivos são de Pembrolizumabe, Nivolumabe, Nivolumabe + Iplimumabe, Nivolumabe + Relatilmabe-rmbw e inibidores do BRAF. Seguimento Recomenda-se que pacientes acometidos por câncer de pele não melanoma, mesmo que curados, realizem consultas anuais, a fim de monitorar o surgimento de novas lesões ou lesões pré-malignas, já que o risco de recidiva é alto. Quanto ao câncer de pele melanoma, o seguimento varia de acordo com o estádio da doença, posto que o objetivo é a identificação de recorrências e novas neoplasias primárias. Os pacientes classificados como estádio II devem ser acompanhados 3 vezes ao ano nos primeiros 3 anos, passando a partir disso para consultas anuais, além do exame clínico são necessárias a dosagem de DHL e radiografias torácicas para o controle. Já no estádio III, associa-se o mesmo esquema de seguimento com hemograma completo, testes de função hepática e tomografias de tórax e abdômen, enquanto no estádio IV exige a adição de RNM cerebral e PET CT. O PET CT é o exame de escolha para pesquisa de metástases a distância pela avidez do melanoma por fluordeoxiglicose, sendo o exame com melhor acurácia, dado o alto potencial metastático dessa neoplasia. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Cirurgião Oncológico. REFERÊNCIAS: 1. BONALUMI FILHO, A.; DE CAMPOS, E.C.R.; LEAL, F.R.P. Oncologia Cutânea. Rio de Janeiro: Elsevier, 2018. cap. 9, p. 9-15 2. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer. Câncer de pele não melanoma. INCA, 2022. 3. FIRNHABER, J. M. Basal Cell and Cutaneous Squamous Cell Carcinomas: Diagnosis and Treatment. American Family Physician, v. 102, n. 6, p. 339– 346, 15 set. 2020. 4. MADAN, V.; LEAR, J. T.; SZEIMIES, R.-M. Non-melanoma skin cancer. The Lancet, v. 375, n. 9715, p. 673–685, 20 fev. 2010. 5. OVALLE, W. K. ; NAHIRNEY, P. C. Netter Bases da Histologia. Rio de Janeiro : Elsevier, 2014. 6. SCHMULTS, C. D.; BLITZBLAU, R; AASI, S. Z. et al. Squamous cell skin cancer. Version 1.2023. In National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN Guidelines) 7. TANESE, K. Diagnosis and Management of Basal Cell Carcinoma. Current Treatment Options in Oncology, v. 20, n. 2, fev. 2019. 8. SWETTER, S.M. et al. Melanoma. Version 3.2022. In: National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN Guidelines). NCCN, 2022. Disponível em: <https://www.nccn.org/guidelines/category_1.>. Acesso em: 23 ago. 2023. 9. RALLI, M. et al. Immunotherapy in the Treatment of Metastatic Melanoma: Current Knowledge and Future Directions. J Immunol Res, v. 2020, p. 9235638, 28 jun. 2020. 10. CHAMBERLAIN, A.; NG, J. Cutaneous melanoma - atypical variants and presentations. Aust Fam Physician, v. 38, n. 7, p. 476-482, jul. 2009. 11. MATTHEWS, N. H. et al. Epidemiology of Melanoma. In: Cutaneous Melanoma: Etiology and Therapy, 2017. 12. ONCOLOGIA Cutânea. In: BONALUMI, A.; CAMPOS, E.; LEAL, F. Melanoma cutáneo. [S. l.]: Elsevier, 2017., p. 113-123. ISBN 139788535289886. 13. GAUCI, M. L. et al. Diagnosis and treatment of Merkel cell carcinoma: European consensus-based interdisciplinary guideline – Update 2022. European Journal of Cancer, v. 171, p. 203–231, ago. 2022. 14. TENORIO, E. P. et al. Actinic cheilitis: case report. Revista Médica de Minas Gerais, v. 28, 2018. 15. MIGDEN, M. R. et al. PD-1 Blockade with Cemiplimab in Advanced Cutaneous Squamous-Cell Carcinoma. New England Journal of Medicine, v. 379, n. 4, p. 341–351, 26 jul. 2018. 16. MIGDEN, M. R. et al. Cemiplimab in locally advanced cutaneous squamous cell carcinoma: results from an open-label, phase 2, single-arm trial. The Lancet Oncology, v. 21, n. 2, p. 294–305, fev. 2020. CÂNCER DE CABEÇA E PESCOÇO Adriele Canalli Kowalski1 Maria Júlia Vargas de Mendonça2 Letícia Midori Michalawiski Yamaoka3 Dr. Tayron Bassani4 O câncer de cabeça e pescoço (CCP) é o sétimo mais incidente no mundo entre todos os tipos de câncer, sendo considerado um dos mais agressivos. Esse termo corresponde a um grupo diverso de neoplasias malignas que ocorrem acima da clavícula, excluindo: Sistema Nervoso Central, pele, olhos, linfonodos, esôfago e traquéia. Esse grupo de doenças requer cuidado semiológico e equipe multidisciplinar, visto que os impactos podem trazer diversas morbidades aos pacientes. Epidemiologia Atualmente, os cânceres de cabeça e pescoço representam 4.5% das mortes por câncer no mundo, com a crescente prevalência relacionada aos fatores de risco, dentre eles: tabagismo, alcoolismo, infecção por HPV, exposição a agentes carcinógenos, deficiências nutricionais e higiene bucal precária. Cerca de ⅓ dos cânceres associados à infecções virais correspondem ao HPV. Quando abordado o CCP, esse fator de risco é ainda mais relevante, pois as formas HPV-18 e HPV-16 apresentam significativa afinidade pela mucosa nasofaríngea e orofaríngea. A comorbidade associada ao vírus da imunodeficiência humana (HIV) é comum nos tempos atuais, fator que pode aumentar a predisposição em até 3 vezes. Quanto ao tabaco, nota-se que fumantes apresentam 10 vezes mais chances de desenvolver algum tipo de CCP em comparação aos não-fumantes. Esse hábito pode trazer consequências como fibrose submucosa oral e queratose palatina e as complicações se tornam maiores com a associação do tabagismo ao alcoolismo (aumentando até 40 vezes o risco). Ademais, a má nutrição pode contribuir no surgimento dos CCP devido a importância da suplementaçãode vitamina A e carotenóides. De forma geral, são mais acometidos homens em comparação às mulheres (2:1) e pessoas acima de 50 anos. Indivíduos de renda e escolaridade baixas mostram maior vulnerabilidade a esse tipo de neoplasia, relacionado também ao uso de álcool e fumígenos. Quanto às comorbidades, as mais relacionadas aos CCP são Hipertensão Arterial Sistêmica e Diabetes Mellitus. A taxa de sobrevida média dos pacientes é de 40%, no entanto, assim como a qualidade de vida durante o tratamento, ambos fatores estão diretamente relacionados à precocidade do diagnóstico. Portanto, conhecer os fatores de risco são imprescindíveis para construir estratégias de prevenção e controle. Anatomia É importante ressaltar a vulnerabilidade da região de cabeça e pescoço, visto que tanto a via respiratória como digestiva alta são bastante expostas e próximas a demais estruturas vitais, o que pode culminar em maiores complicações. O trato aerodigestivo superior é revestido por mucosa, assim, a histologia neoplásica predominante é o carcinoma de células escamosas, representando mais de 90% dos CCP, seguido de adenocarcinomas. • Cavidade oral: lábios, mucosa bucal, porção anterior da língua, assoalho da boca, palato duro e região retromolar. • Glândulas salivares: Glândulas parótidas: inferior e anteriormente às orelhas Glândulas submandibulares: região mais interna da mandíbula Glândulas sublinguais: inferiormente ao assoalho da boca em cada lado da língua • Faringe, dividida em: Nasofaringe ou Rinofaringe: dos cóanos posteriores até o teto do palato mole Orofaringe: entre o teto do palato mole e a porção superior da valécula Hipofaringe: da porção superior da valécula até a cartilagem cricóidea • Laringe, dividida em: Glote (onde estão localizadas as cordas vocais), supraglote e infraglote Cavidade Oral Os tumores de cavidade oral são os mais incidentes entre os CCP (representam cerca de 40% entre todos os tipos). Inicialmente, a principal queixa sintomática é o surgimento de feridas que não cicatrizam/não param de sangrar (em até 15 dias), úlcera ou massa indiferenciada na região. Com a evolução da doença, é comum episódios de hemorragia local, bem como disfagia e halitose. É comum a presença de metástase linfonodal. Nasofaringe O diagnóstico exige muita atenção e cuidado na investigação, visto que, principalmente em fases iniciais, os achados clínicos são consideravelmente inespecíficos. Dentre os sintomas mais comuns, pode-se citar: epistaxe, dor local, otalgia, obstrução nasal, presença de massa indolor no pescoço e alterações neurológicas devido ao comprometimento de nervos cranianos por invasão da base do crânio. Um fator de risco importante a ser considerado para esse tipo de neoplasia é a infecção pelo Epstein-Barr vírus (HBV), ou herpesvírus 4 (HHV-4) devido a sua capacidade de infecção de células B. Orofaringe Como citado no tópico de epidemiologia, os tumores de orofaringe têm uma importante associação ao papilomavírus humano (HPV), que costuma se instalar nas mucosas e tecidos linforreticulares, como os das amídalas. Dentre os principais sintomas referidos nesse tipo de câncer, encontram-se: adenopatia cervical, disfagia e odinofagia. Hipofaringe A maioria dos cânceres de laringe são carcinomas epidermóides. Presença de massas cervicais, disfagia, otalgia e odinofagia são sintomas comumente relatados. Um importante fator anatômico a ser considerado é a proximidade aos linfonodos cervicais e, consequentemente, alta probabilidade de metástase. Ademais, lesões no seio piriforme podem levar a produção de secreção e posterior obstrução esofágica. Laringe A maioria dos cânceres de laringe se iniciam nas células escamosas do epitélio da região glótica, evoluindo, portanto, com acometimento das cordas vocais. Frequentemente é relatado rouquidão e, em casos mais avançados, obstrução de vias aéreas, que pode necessitar de intervenções cirúrgicas emergenciais como traqueostomia. Glândulas salivares A grande maioria dos tumores de glândula salivar são adenomas polimórficos benignos. Contudo, as neoplasias malignas evoluem rápida e abrasivamente, resultando em um prognóstico reservado para a maioria dos pacientes. Quanto à classificação histológica, os carcinomas mais comuns são mucoepidermóides e cístico-adenoides. Entre os sintomas mais referidos, pode-se citar: dor na face, trismo, odinofagia, inchaço ou presença de nódulos locais. Em estadios avançados, é possível encontrar acometimento ósseo da base do crânio, incluindo pares de nervos cranianos, além de manifestações cutâneas. Diagnóstico De maneira geral, o diagnóstico costuma ser tardio e complexo, devido à inespecificidade dos sintomas e atraso na busca por assistência médica. O início da investigação da doença se inicia com uma boa anamnese e exame físico de cabeça e pescoço detalhado. Exames de imagem podem ser complementares ao exame físico, como TC de baixo contraste e RM a fim de investigar tumores em glândulas salivares e seios da face, por exemplo. A tomografia computadorizada por emissão de pósitrons, ou PET-scan, por vez, é usada para verificar metástase, apesar de haver alto índice de resultados falsos- positivos. Assim, a radiografia de tórax é uma alternativa preferível para analisar presença de metástase regional. O diagnóstico confirmatório dos CCP é dado por biópsia da lesão primária ou aspiração de massa em pescoço. A biópsia excisional (retirada íntegra do tumor) é feita em suspeita de linfoma. Estadiamento A forma mais usual de estadiamento de CCP é pelo sistema TNM (sugestão: consultar o capítulo ``Estadiamento e Nomenclatura em Oncologia´´). No entanto, vale ressaltar que alguns CCP exigem estadiamentos específicos, principalmente no que tange à invasão a tecidos adjacentes. Um exemplo de estadiamento específico é o para câncer de orofaringe e hipofaringe que, pela relação de risco com o HPV, são usadas duas classificações distintas, uma para os pacientes que se foram infectados e outro para os que não. O estadiamento para tumores de cavidade oral, por vez, é feito a partir da análise adicional da profundidade e campo de invasão da lesão. Tratamento O tratamento dos CCP, de forma geral, é bastante invasivo e passível de morbidades ao paciente. Algumas das alterações relacionadas ao tratamento comumente encontradas são: xerostomia, fadiga e alterações mucocutâneas. Portanto, a escolha do tratamento por parte do médico oncologista deve ser bastante criteriosa e cuidadosa, levando em consideração o local, tipo e estadio do tumor. Uma vez identificado precocemente, o tumor de até 2cm de extensão e sem acometimento de linfonodos pode ser retirado cirurgicamente, que têm como grande vantagem ser um método curativo. Atrasos no início ou irregularidades na continuidade do tratamento podem ser determinantes para piora do prognóstico. Tabela 1 – Tratamentos dos CCP. Câncer de Cavidade Oral A cirurgia primária com linfadenectomia é geralmente o tratamento de escolha. A radioterapia adjuvante pode ser recomendada em casos de apresentações patológicas adversas. A quimioterapia, por vez, pode ser associada à radioterapia com uso de cisplatina. Câncer de Nasofaringe A radioterapia costuma ser a primeira opção de tratamento para doença local. Em casos avançados, a associação à quimioterapia de indução com cisplatina e gencitabina é bastante e�caz. Câncer de Orofaringe não relacionado ao HPV e de Hipofaringe A radioterapia primária é considerada a primeira opção de tratamento. Em seguida, em tumor de estágio III ou superior, a administração de cisplatina ou cetuximabe por quimioterapia é válida ao optar por terapia sistêmica. Câncer de Orofaringe relacionado ao HPV É importante considerar que o prognóstico de Câncer de Orofaringe HPV + é melhor em comparação ao HPV-. Sendo assim, as opções de tratamento consistem em: cirurgia primária minimamente invasiva ou radioterapia, por vezes associada à quimioterapia. Câncer de Laringe Visando a manutenção da estrutura anatômica, os métodos mais utilizados,em casos iniciais, são radioterapia isolada ou cirurgia. Para os casos localmente avançados, é recomendado radioterapia associada à quimioterapia com cisplatina. A laringectomia, apesar de bastante invasiva, é opção para os tumores de estágio IV. Câncer de Glândulas Salivares O tratamento cirúrgico seguido de reconstrução é curativo. Em estádios avançados, a radioterapia é associada. Fonte: O Autor, 2023. Seguimento Deve-se certificar que o tratamento está sendo seguido nos métodos, limites e períodos adequados. Radiografias de tórax podem ser solicitadas a fim de manter um controle para a presença de evoluções metastáticas, em especial nos pacientes com histórico de tabagismo. Também devem ser acompanhados os níveis séricos de TSH (hormônio estimulante tireoidiano) a cada ano, bem como rastreamento de lesões e displasias esofágicas. Uma vez curado, o paciente deve seguir acompanhamento uma vez ao ano por 5 anos. Tendo em vista o impacto dos CCP em situações básicas do dia a dia, como a alimentação e a fala, é válido o acompanhamento por parte de uma equipe multiprofissional, contendo, se possível: nutricionista, odontologista, fisioterapeuta e fonoaudiólogo, a fim de promover a qualidade de vida do paciente. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Cirurgião de Cabeça e Pescoço e Cirurgião Oncológico. REFERÊNCIAS 1. SOUZA DE OLIVEIRA, N.; RECH, N. Biological aspects of Head and Neck Cancer. Interdisciplinary Journal of Applied Science, [S. l.], v. 7, n. 12, 2023. DOI: 10.18226/25253824.v7.n12.01. Disponível em: https://sou.ucs.br/revistas/index.php/ricaucs/article/view/139. 2. CECIL, R. L. et al. Goldman-Cecil Medicina- 1 vol. 26. ed. Editora Gen, 2022. 3. BESEN, E.; MOREIRA, E.; GONÇALVES, L. F.; MITUUTI, C. T.; HAAS, P. Impacto do HPV sobre a deglutição no câncer de cabeça e pescoço: Uma revisão sistemática. Brazilian Journal of Development, [S. l.], v. 6, n. 9, p. 69775–69794, 2020. DOI: 10.34117/bjdv6n9-430. Disponível em: https://ojs.brazilianjournals.com.br/ojs/index.php/BRJD/article/view/16856. 4. INTERNATIONAL AGENCY FOR RESEARCH ON CANCER. Global Cancer Observatory. Online Analysis Table, 2020. Disponível em: https://gco.iarc.fr/today/online-analysis-table? v=2020&mode=cancer&mode_population=continents&population=900&populat ions=900&key=asr&sex=0&cancer=39&type=0&statistic=5&prevalence=0&po pulation_group=0&ages_group%5B%5D=0&ages_group%5B%5D=17&group_ cancer=1&include_nmsc=0&include_nmsc_other=1. 5. ABELOFF, M. D. et al. Abeloff ‘s Clinical Oncology. 6. ed. Philadelphia: Elsevier, 2019. 6. BARSOUK, A. et al. Epidemiology, Risk Factors, and Prevention of Head and Neck Squamous Cell Carcinoma. Medical Sciences, [S.l.], v. 11, n. 2, p. 42, 2023. Disponível em: https://doi.org/10.3390/medsci11020042. 7. DA SILVA, F. A.; ROUSSENQ, S. C.; GONÇALVES DE SOUZA TAVARES, M.; PEZZI FRANCO DE SOUZA, C.; BARRETO MOZZINI, C.; BENETTI, M.; DIAS, M. Perfil Epidemiológico dos Pacientes com Câncer de Cabeça e Pescoço em um Centro Oncológico no Sul do Brasil. Revista Brasileira de Cancerologia, [S. l.], v. 66, n. 1, p. e–08455, 2020. DOI: 10.32635/2176- 9745.RBC.2020v66n1.455. Disponível em: https://rbc.inca.gov.br/index.php/revista/article/view/455. Acesso em: 28 ago. 2023. 8. CUNHA, A. L, LENA T, GIACHERO V. Atualização do estadiamento de carcinomas cutâneos: Revisão bibliográfica. Rev. Bras. Cir. Plást.2019;34(0):107-111 9. MSD MANUAL. Estadiamento Patológico do Câncer Orofaríngeo Não Associado a HPV. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt- br/profissional/multimedia/table/estadiamento-patol%C3%B3gico-do- c%C3%A2ncer-orofar%C3%ADngeo-n%C3%A3o-associado-a-hpv. 10. ONCOGUIA. Tratamento do câncer de cavidade nasal e seios paranasais por estágios. Disponível em: http://www.oncoguia.org.br/conteudo/tratamento- do-cancer-de-cavidade-nasal-e-seios-paranasais-por-estagio/8444/506/. Acesso em: 28 ago. 2023. 11. CLÍNICA KOWALSKI. Câncer de Glândulas Salivares. Disponível em: https://www.clinicakowalski.com.br/cancer-de-glandulas-salivares. Acesso em: 28 ago. 2023. 12. CLÍNICA KOWALSKI. Câncer de Boca. Disponível em: https://www.clinicakowalski.com.br/cancer-de-boca. Acesso em: 28 ago. 2023. 13. DEVITA, HELLMAN, AND ROSEMBERG’S. Cancer principles & Practice os Oncology. 11. ed. Wolters Kluwer, 2019. CÂNCER DA TIREOIDE Júlia Riedel Dereti1 Beatriz Climeck2 Luana Naomi Miyawaki3 Profa. Dra. Maria Augusta Karas Zella4 O câncer de tireoide é a neoplasia endocrinológica mais comum, cuja incidência no Brasil tem aumentado desde a década de 1980, em virtude da disseminação da ultrassonografia. Ele é dividido em três tipos principais: • Carcinoma diferenciado da tireoide (CDT), o tipo mais frequente. Seus subtipos incluem o carcinoma papilífero, folicular, oncocítico (previamente denominado carcinoma de células Hürthle) e o carcinoma pobremente diferenciado; • Carcinoma anaplásico, pode surgir de novo ou a partir da desdiferenciação de CDTs; • Carcinoma medular da tireoide (CMT), originado das células C (parafoliculares) da tireoide. Fatores de risco para o desenvolvimento do câncer de tireoide incluem: exposição à radiação ionizante, histórico familiar da neoplasia, obesidade e síndromes genéticas (incluindo as síndromes de neoplasia endócrina múltipla tipos 2A e 2B), relacionadas ao carcinoma medular da tireoide. A deficiência de iodo está associada ao desenvolvimento de carcinoma folicular ou anaplásico. Epidemiologia O câncer de tireoide foi a 9ª neoplasia mais diagnosticada no mundo em 2020, segundo a Organização Mundial da Saúde. Os registros apontam 586.202 novos casos e 43.646 óbitos, indicando uma incidência mundial de 6,6 casos a cada 100.000 e uma taxa de mortalidade de 0,46 a cada 100.000 pessoas. No Brasil, ocupa a 7ª posição entre os tipos de câncer mais frequentes (excluindo os tumores de pele não melanoma). A incidência dos tipos de carcinoma de tireoide varia de acordo com a faixa etária, sendo o carcinoma diferenciado mais diagnosticado entre os 45-55 anos, o medular, entre os 50 e 70 anos, e o anaplásico em pacientes com em média 71 anos de idade ao diagnóstico. Neoplasias de tireoide são mais prevalentes no sexo feminino, sendo que, para cada ano do triênio de 2023 a 2025, o INCA estima que 14.160 dos 16.660 novos casos previstos no Brasil acometerão mulheres. Em 2020, o Atlas de Mortalidade por Câncer registrou o óbito de 288 homens e 549 mulheres por câncer de tireoide, totalizando 837 mortes. Anatomia A tireoide é a maior glândula endócrina do corpo, localizada na porção anterior do pescoço, entre a quinta e sétima vértebra cervical. Sua forma é semelhante à letra H, constituída por dois lobos ântero-laterais à traqueia unidos pelo istmo, que contém o lobo piramidal em aproximadamente 50% das pessoas. Histologicamente, a glândula é circundada por uma fina cápsula de tecido conjuntivo frouxo e é organizada em folículos tireoidianos, formados por um epitélio cubóide simples de formato circular preenchido por coloide, precursor dos hormônios T3 e T4, liberados na corrente sanguínea mediante estímulo de TSH. Entre os folículos, há uma extensa rede de capilares e vasos linfáticos, além de grupos de células C ou parafoliculares, responsáveis pela síntese e secreção de calcitonina. Apesar de sua inervação ser proveniente dos gânglios simpáticos cervicais superior, médio e inferior, a proximidade da tireoide ao nervo laríngeo recorrente possui importância clínica, pelo risco de lesão cirúrgica ou infiltração por neoplasias, o que implicaria disfonia por paresia ou paralisia da prega vocal. Clínica A maioria dos pacientes é assintomática, e o câncer de tireoide é detectado a partir de um nódulo palpado durante o exame físico, descoberto pelo próprio paciente ou incidentalmente descoberto durante exames de imagem solicitados por outro médico. A maioria dos nódulos são benignos, contudo, a distinção dos que apresentam caráter maligno demanda uma avaliação mais detalhada. Alguns fatores apontam para um maior risco de malignidadedo nódulo e devem ser avaliados durante a investigação de câncer de tireoide, são eles: idade menor que 20 anos, histórico de irradiação na cabeça e pescoço durante a infância, histórico familiar de câncer de tireoide, nódulo duro e fixo a estruturas adjacentes, presença de linfadenopatia cervical, crescimento rápido do nódulo e rouquidão (indicativa de invasão do nervo laríngeo recorrente). Em casos de nódulos com maior volume, podem aparecer sintomas compressivos como disfagia, tosse constante, dor no pescoço e dispneia. A presença de hemoptise é indicativa de invasão da luz traqueal pelo tumor. Em pacientes com nódulos, níveis elevados de TSH estão associados a maior risco de malignidade, no entanto, o diagnóstico não deve ser feito com base nessa informação. Diagnóstico A ultrassonografia permite a estratificação inicial com relação ao risco de câncer e auxilia na decisão quanto à solicitação da punção aspirativa por agulha fina (PAAF). As diretrizes do American College of Radiology Thyroid Imaging Reporting and Data System (ACR TI-RADS) são um dos sistemas de estratificação utilizados para caracterizar o nódulo, que é avaliado quanto à sua composição, tamanho, forma, margem e focos ecogênicos (microcalcificações, calcificações periféricas). É possível também distinguir os nódulos sólidos, que apresentam maior risco de malignidade, e os nódulos císticos e mistos. A presença de bordas irregulares, microcalcificações e de um centro hipervascularizado na lesão, apontam para um padrão maligno. Os nódulos classificados como suspeitos são investigados por meio da ultrassonografia de tireoide com punção aspirativa por agulha fina (PAAF) e análise citopatológica, que estratifica o risco de malignidade de acordo com o sistema BETHESDA: I. Amostra não diagnóstica; II. Benigno; III . Atipias de significado indeterminado/lesão folicular de significado indeterminado; IV.Suspeito de neoplasia folicular; V. Suspeito de malignidade; VI . Maligno. Lesões classificadas como indeterminadas (BETHESDA III e IV) podem ser submetidas a testes para caracterização molecular ou detecção de mutações (ex: BRAF V600E, fusão de NTRK1-3, fusão de RET), a fim de auxiliar na definição do manejo dos pacientes. Uma vez diagnosticado, exames complementares podem ser realizados para o estadiamento do tumor. A calcitonina e o antígeno carcinoembrionário (CEA) devem ser monitorados no paciente com CMT e exames de imagem (RM, TC, PET/CT e cintilografia óssea) devem ser realizados em pacientes com CDT avançado, com suspeita de invasão de estruturas locais e em virtualmente todos os pacientes com carcinoma anaplásico e medular. Estadiamento Tabela 1 – Sistema TNM T TX: Tumor primário não pode ser avaliado. T0: Não há evidência de tumor primário. T1a: Tumor com diâmetro ≤1 cm em sua maior dimensão e limitado à tireoide. T2: Tumor com diâmetro >2 cm e ≤4cm em sua maior dimensão e limitado à tireoide. T3a: Tumor com mais de 4 cm restrito à tireoide. T3b: Tumor de qualquer tamanho com extensão extratireoidiana macroscópica que invade apenas músculos (esterno-hioideo, esterno tireóideo, tireo-hioideo ou omo-hioideo). T4a: Tumor com extensão extratireoidiana, que invade tecidos moles subcutâneos, laringe, traqueia, esôfago ou nervo laríngeo recorrente. T1b: Tumor com diâmetro >1 cm e ≤2 cm em sua maior dimensão e limitado à tireoide. T4b*:Tumor com invasão de fáscia pré-vertebral ou envolvendo vasos mediastinais ou a artéria carótida. N NX: Linfonodos regionais não podem ser avaliados. N0a: Um ou mais linfonodos benignos comprovados por citologia ou histologia. N0b: Sem evidência clínica ou radiológica de metástases em linfonodos regionais. N1a: Metástases linfáticas unilaterais ou bilaterais em nível VI ou VII (pré- traqueal, paratraqueal, pré-laríngeo ou mediastino superior). N1b: Metástases unilaterais, bilaterais ou contralaterais em linfonodos laterais cervicais (níveis I, II, III, IV ou V) ou em linfonodos retrofaríngeos. M M0: Sem evidências de metástase. M1: Presença de metástases à distância. *no CMT, a classificação T4b inclui também: tumor de qualquer tamanho com crescimento em direção à coluna ou grandes vasos do pescoço. Fonte: O Autor, 2023 Tabela 2 – Carcinoma Diferenciado de Tireoide – pacientes com menos de 55 anos Estádio T N M I Qualquer T Qualquer N M0 II M1 Fonte: O Autor, 2023 Tabela 3 – Carcinoma Diferenciado de Tireoide – pacientes com 55 anos ou mais Estádio T N M I T1 T2 N0/NX N0/NX M0II T1 T2 T3a/T3b N1 N1 Qualquer N III T4a Qualquer NIVA T4b IVB Qualquer T M1 Fonte: O Autor, 2023 Tabela 4 – Carcinoma Anaplásico Estádio T N M IVa T1-T3a N0/NX M0IVb T1-T3a T3b T4 N1 Qualquer N Qualquer N IVc Qualquer T Qualquer N Fonte: O Autor, 2023 Tabela 5 – Carcinoma Medular de Tireoide Estádio T N M I T1 N0 M0 II T2 T3 III T1-T3 N1a IVA T4a T1-T3 Qualquer N N1b IVB T4b Qualquer N IVC Qualquer T M1 Fonte: O Autor, 2023 Após o tratamento do tumor primário, o risco de persistência do CDT é estratificado pela American Thyroid Association. Nesse contexto, são considerados de baixo risco: neoplasia tireoidiana folicular não invasiva com núcleo papilífero-like, os carcinomas papilíferos sem histologia agressiva, confinados à tireóide, sem presença de tecido tumoral macroscópico após a ressecção, linfonodos negativos ou com até 5 micrometástases em linfonodos (< 0,2cm), sem indícios de foco de avidez radioativa fora do leito tireoidiano na primeira pesquisa de corpo inteiro (PCI), os carcinomas foliculares bem diferenciados com invasão capsular, com invasão vascular mínima (< 4 focos) ou ausente e carcinomas menores de 1 cm com a mutação V600E do gene BRAF. Lesões foliculares e papilares são classificadas como risco intermediário se apresentarem pelo menos uma das seguintes características: focos metastáticos visíveis na PCI pós-tratamento ou mais de 5 linfonodos atingidos (<3 cm). O carcinoma papilífero com invasões microscópicas para os tecidos moles para- tireoidianos, sintomático e/ou com histologia agressiva (células altas, colunares, diferenciação escamosa, variante esclerosante difusa, variante sólida/trabecular, carcinomas insulares) também se encaixa nessa categoria. São característicos: carcinoma papilífero com invasão angiolinfática e microcarcinoma papilífero multifocal com extensão extratireoidiana e mutação V600E do gene BRAF. Por fim, o paciente com carcinoma papilífero é classificado como alto risco se algum dos seguintes itens estiver presente: larga extensão extratireoidiana, metástase à distância, tireoglobulina (TG) sérica pós-operatória (sugestiva de metástases à distância), um ou mais linfonodos metastáticos medindo >3 cm, ressecção incompleta do tumor e mutações BRAF V600E e TERT concomitantes. O carcinoma folicular com invasão vascular extensa (mais de 4 focos de invasão vascular), com metástase a distância, dosagem de TG pós-operatória e ressecção incompleta do tumor é também considerado de alto risco. Tratamento e Prognóstico: Carcinoma diferenciado: geralmente, o prognóstico é positivo e o tratamento indicado é cirúrgico, com tireoidectomia total ou lobectomia. O esvaziamento cervical seletivo é considerado profilaticamente em casos com características agressivas e realizado na presença de metástases cervicais. A literatura indica tratamento adjuvante com iodo radioativo I-131 em pacientes de alto risco e de risco intermediário. Em um subgrupo de pacientes com microcarcinoma (tumores < 1cm, T1aN0M0) de baixo risco, a vigilância ativa (active surveillance) tem sido proposta, respeitando a vontade do paciente e a capacidade/disponibilidade de manter seguimento clínico com realização de ecografia. A terapia de reposição, ou terapia supressiva com levotiroxina, está indicada em todos os casos de CDT submetidos à cirurgia, independente do tratamento com iodoterapia. Nos casos de baixo risco, o alvo de TSH com a reposição da levotiroxina é 0,5-2 mUI/L, nos casos de risco intermediárioe alto risco os alvos são TSH 0,5-0,1 e TSH<0,1mUI/L. Em caso de doença iodorrefratária indolente, a supressão do TSH (<0,1 mUi/ml) com Levotiroxina é recomendada em conjunto com o seguimento clínico. O tratamento de primeira linha para doenças progressivas sem mutação dirigida é realizado com Sorafenibe e Lenvatinibe. Carcinoma anaplásico: apenas 20% dos pacientes encontram-se vivos um ano após o diagnóstico. O controle da doença é feito por ressecção cirúrgica seguida por radioterapia e quimioterapia (Cisplatina, Doxorrubicina e Paclitaxel) concomitantes. Se a mutação V600E em BRAF estiver presente, pode-se considerar o uso neoadjuvante de inibidor de BRAF/MEK. Carcinoma medular: tratamento cirúrgico, com tireoidectomia total e esvaziamento cervical seletivo a ser definido de acordo com a extensão da doença. A RT adjuvante é utilizada em pacientes com margens positivas ou doença avançada, com possível reabordagem cirúrgica se a primeira intervenção tiver sido incompleta ou se houver recidiva local da doença. Doenças irressecáveis ou metastáticas podem ser abordadas por meio de terapias alvo, QT citotóxica ou terapia com radioisótopos. Seguimento Após o tratamento inicial de carcinomas diferenciados, o paciente é acompanhado com exame físico trimestral e dosagem semestral de TSH, tireoglobulina, (quando presente, pode significar persistência ou recidiva da doença) e anti-tireoglobulina, que, se elevada, pode interferir na dosagem de TG. Ultrassonografia de pescoço deve ser realizada a cada 6-12 meses ou quando houver alterações nos níveis séricos de TG. Se a alteração persistir, exames de imagem adicionais para investigação são necessários. Pacientes com carcinoma medular são monitorados por meio da dosagem de calcitonina e CEA a cada 3-6 meses e ultrassonografia de pescoço a cada 6-12 meses. Exames adicionais, como TC de pescoço, tórax e abdômen e cintilografia óssea devem ser solicitados caso o nível sérico de calcitonina seja maior que 500 pg/ml ou se houver suspeita de metástase à distância. Em vista do caráter agressivo do carcinoma anaplásico (com sobrevida global mediana de 4 meses), o acompanhamento é majoritariamente paliativo. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Endocrinologista e Metabologista. REFERÊNCIAS 1. CHAVES, A. L. F. et al. Diretrizes de tratamentos oncológicos: Carcinoma de Tireoide: diferenciado (CDT) e anaplásico. Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, 2023. Disponível em: https://sboc.org.br/images/diretrizes/diretrizes_pdfs/2023/finalizadas/Diretrizes- SBOC-2023---Tireoide-CDT-e-anaplsico-v5-FINAL.pdf. Acesso em: 27 ago. 2023. 2. CHAVES, A. L. F. et al. Diretrizes de tratamentos oncológicos: Carcinoma Medular Da Tireoide. Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica, 2023. Disponível em: https://sboc.org.br/images/diretrizes/diretrizes_pdfs/2023/finalizadas/Diretrizes- SBOC-2023---Tireoide-Medular-v3-FINAL.pdf. Acesso em: 28 ago. 2023. 3. FILETTI, S et al., Thyroid cancer: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Annals of Oncology, 2019. DOI: https://doi.org/10.1093/annonc/mdz400. 4. GLOBAL CANCER OBSERVATORY. Thyroid. World Health Organization, 2022. Disponível em: https://gco.iarc.fr/today/data/factsheets/cancers/32- Thyroid-fact-sheet.pdf. Acesso em: 28 ago. 2023. 5. HADDAD, Robert L. et al., NCCN Clinical Practice Guidelines in Oncology: Thyroid Carcinoma. NCCN, 2023. Disponível em: https://www.nccn.org/professionals/physician_gls/pdf/thyroid.pdf. Acesso em 17 ago. 2023. 6. HAUGEN, B. R. et al. 2015 American Thyroid Association Management Guidelines for Adult Patients with Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer: The American Thyroid Association Guidelines Task Force on Thyroid Nodules and Differentiated Thyroid Cancer. Thyroid, v. 26, n. 1, p. 1–133, jan. 2016 7. JUNQUEIRA, L. C.; CARNEIRO, J. Histologia básica. 12. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2013. 401-403 p. 8. KANTARJIAN, Hagop M.; WOLFF, Robert A.; RIEBER, Alyssa G.. The MD Anderson Manual of Medical Oncology. 4. ed. Estados Unidos: McGraw Hill, 2022. 1189-1203 p. 9. MINISTÉRIO DA SAÚDE, Instituto Nacional De Câncer. Estimativa 2023: Incidência de Câncer no Brasil. Rio de Janeiro: INCA, 2022. 46 p. 10. MOORE, K. L.; DALLEY, A. F.; AGUR, A. M. R. Anatomia orientada para a clínica. 8. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2018. 921-924 p. CÂNCER DE PULMÃO Sofia Daczuk Scalzo1 Luisa Miqueloto Santos2 João Rafael do Prado Martins3 Dr. Lucas Fernando Uratani4 Epidemiologia O câncer de traqueia, brônquios e pulmão é o terceiro mais incidente no Brasil entre os homens (18.020 novos casos) e o quarto entre as mulheres (14.540 novos casos) em 2023. Ainda, é o segundo com maior mortalidade tanto para homens (15.987 óbitos) quanto mulheres (12.977 óbitos), estando atrás de câncer de próstata e mama, respectivamente. A respeito dos fatores de risco, o tabagismo está presente em 90% dos casos de câncer de pulmão. Sendo assim, apesar da alta prevalência relacionada ao tabagismo, o número de casos em pacientes não tabagistas está em crescimento. Entre as neoplasias da traqueia, brônquios e pulmões, lesões que acometem o último são mais prevalentes e comuns (embora a etiologia seja similar). O câncer de pulmão é uma neoplasia evitável com altos níveis de mortalidade. Ele pode ser classificado, baseado em seus tipos histológicos, como: • Carcinoma de pulmão de pequenas células (CPPC), ou small cell (SCLC) • Carcinoma de células neuroendócrinas. • Carcinoma de pulmão não-pequenas células (CPNPC), ou non-small cell (NSCLC) • Inclui tipos como adenocarcinoma, carcinoma de células escamosas e carcinoma de grandes células. Classificação O sistema respiratório inferior consiste em órgãos localizados na cavidade torácica e abrange a porção inferior da traqueia, pulmão direito e esquerdo, brônquios, bronquíolos e alvéolos, além das pleuras e os músculos que compõem a cavidade torácica. O câncer de pulmão, de acordo com as características histológicas/anatomopatológicas, é classificado como câncer de pequenas células e câncer de não pequenas células. Os dois tipos se diferenciam pela histologia do tumor e a célula de origem. CPPC: consiste em células pequenas com citoplasma escasso, bordas celulares mal definidas, cromatina nuclear finamente granular, ausência de nucléolos e alta contagem mitótica. Há presença de marcadores neuroendócrinos. CPNCP: há ausência de marcadores neuroendócrinos. Responsáveis por 80% dos cânceres de pulmão. 1. Adenocarcinoma: possui diferenciação glandular ou produção de mucina e pode apresentar características acinares, papilares, lipídicas, sólidas ou uma mistura desses padrões. É o mais prevalente. 2. Carcinoma de células escamosas: origem em células epiteliais escamosas. Morfologicamente iguais aos carcinomas eespinocelulares extrapulmonares e apresentam ceratinização e/ou pontos intercelulares que surgem do epitélio brônquico. 3. Carcinoma de grandes células: tumor indiferenciado, com células grandes, citoplasma abundante e nucléolos grandes. É responsável por menos de 10% dos cânceres de pulmão. Todos os tipos histológicos podem se desenvolver tanto em tabagistas e ex- tabagistas, todavia, CPPCs e carcinomas de células espinhosas são mais comuns em tabagistas de longa data. Patogênese Molecular As características moleculares do tumor são de grande valia para orientar o tratamento e melhorar a qualidade de vida do paciente e as taxas de sobrevida. Uma das primeiras alterações cromossômicas identificadas é a da família MYC de fatores de transcrição: ativado pela amplificação gênica ou pela desregulação transcricional em ambos os tipos CPPC e CPNPC e ainda não existem fármacos específicos para esse oncogene. Adenocarcinoma: Possuem mutações condutoras (mutações drivers), que são as mutações em genes que codificam proteínas de sinalização. Isso pode levar à iniciação e manutenção de células tumorais. As mutações mais estudadas são do EGFR (receptor do fator de crescimentoepidérmico), um receptor tirosino- quinase (TK). Esses genes codificam receptores da superfície celular, quando mutados geram aumento da proliferação celular. Outros exemplos de mutações condutoras no adenocarcinoma são KRAS, BRAF e a PIK3CA. Além dessas, recentemente encontrou-se novos rearranjos cromossômicos que levam a ativação da TK, são elas: ALK, ROS1, NTRK e RET. Carcinomas escamoso de pulmão: São frequentemente encontradas as seguintes alterações: amplificação de FGFR1, mutações de DDR2, PIK3CA e perda de PTEN. Além destes oncogenes, existe o PD-L1 que quando se expressa na superfície das células tumorais ele inibe a resposta imune e está presente em um pouco mais de 50% dos casos de CPNPC não escamoso. Clínica A maioria dos pacientes diagnosticados com câncer de pulmão se encontram em estágio localmente avançado ou metastático. Esse paciente costuma ser preferencialmente tabagista de qualquer sexo na faixa etária dos 65-75 anos. Os sinais e sintomas incluem tosse, emagrecimento, dispnéia, dor torácica, hemoptise, dor óssea, baqueteamento, febre, obstrução da veia cava superior, disfagia, sibilo e estridor. Existem, ainda, sintomas que sugerem doença metastática. Nesses casos, durante a anamnese, pode-se observar perda de peso maior que 10% do peso corporal em um curto intervalo de tempo, dor óssea, cefaléia, síncope, convulsões, perda de força muscular e alterações do estado mental. Já no exame físico, pode ser encontrado linfadenopatia cervical supraclavicular, rouquidão, síndrome da veia cava superior, sensibilidade óssea, déficits neurológicos focais e papiledema. Os exames laboratoriais podem apresentar diminuição de hematócrito (diminuição de 40% em homens e 35% para mulheres); níveis elevados de CEA, fosfatase alcalina, GGT, TGO e cálcio sérico. Diagnóstico A maioria dos diagnósticos é iniciado a partir da radiografia de tórax que, apesar de ter sensibilidade de apenas 70%, auxilia numa suspeita inicial para a detecção do câncer de pulmão em pacientes assintomáticos ou naqueles com sintomas sugestivos (emagrecimento, tosse persistente, padrão de tosse diferente do habitual). A TC é utilizada para a definição do estadiamento e complementação da radiografia, sendo o melhor método de imagem inicial. Também pode ser realizada a citologia do escarro, um método não invasivo e de baixo custo (no entanto, recomenda-se a análise de pelo menos 3 amostras para melhor acurácia), porém não utilizado na prática clínica. Já a broncoscopia, quando realizada, além de permitir o diagnóstico, permite a realização de biópsia a qual é indicada para todos os pacientes com lesão suspeita de câncer de pulmão. Esta pode ser feita através de uma biópsia brônquica ou transbrônquica durante a broncoscopia por fibra óptica, por uma aspiração por agulha fina, através de uma biópsia percutânea com orientação por imagem, ou ainda por uma biópsia guiada por ultrassonografia endoscópica (EBUS). Após o diagnóstico histológico ou pela suspeita de neoplasia de pulmão, o ideal é realizar PET-TC e ressonância de crânio para o estadiamento da doença. Pacientes com linfonodo mediastinal apresentados pela TC ou PET-TC se faz necessário a obtenção da comprovação histológica através da EBUS com biópsia ou mediastinoscopia. Estadiamento – 8ª edição do TNM Tabela 1 – Classificação TNM T Tx: Sem acesso histopatológico, radiológico ou por broncoscopia ao tumor T0: Sem evidência de tumor primário Tis: Tumor in situ T1: < 3 cm Invasão de brônquios lobares ou distais a eles mi: adenocarcinoma minimamente invasivo < 3 cm na maior dimensão e < 5mm de invasão a: < 1cm b: 1 a 2 cm c: 2 a 3 cm T2: Entre 3 a 5 cm Invasão do brônquio principal ou presença de atelectasia ou obstrução Invasão local da pleura visceral (PL1 ou PL2) a: 3 a 4 cm b: 4 a 5 cm T3: Entre 5 a 7 cm Invasão direta da parede torácica, invasão da pleura parietal (PL3), invasão do nervo frênico ou do pericárdio parietal Mais nódulos tumorais distantes no mesmo lobo do tumor primário T4: > 7 cm Invasão da carina ou da traqueia Invasão do diafragma, mediastino, coração, grandes vasos, nervo laríngeo recorrente, esôfago ou corpos vertebrais Mais nódulos tumorais ipsilaterais mas em diferente lobos do tumor primário N Nx: Linfonodos regionais não podem ser acessados N0: Sem acometimento de linfonodos regionais N1 Envolvimento de linfonodos ipsilaterais peribronquiais e/ou ipsilaterais hilares N2: Envolvimento de linfonodos ipsilaterais mediastinais e/ou subcarinais N3: Envolvimento de linfonodos contralaterais mediastinais e/ou hilares. Envolvimento de linfonodos ipsilaterais ou contralaterais escalênicos ou supraclaviculares M M0: Sem evidências de metástase M1: Presença de metástases à distância a: nódulos tumorais >1cm em lobo contralateral ao do tumor primário ou metástase ou derrame pleural ou pericárdica. b: metástase única extratorácica c: múltiplas metástases extratorácicas em um ou mais órgãos Fonte: O Autor, 2023. Tabela 2 – Estadiamento T N M Carcinoma oculto X N0 M0 Estágio 0 Tis Estágio IA1 T1a T1mi Estágio IA2 T1b Estágio IA3 T1c Estágio IB T2a Estágio IIA T2 Estágio IIB T1/T2 T3 1 0 Estágio IIIA T1/T2 T3 T4 2 1 0/1 Estágio IIIB T1/T2 T3/T4 3 2 Estágio IIIC T3/T4 3 Estágio IVA Qualquer T Qualquer N M1a ou M1b Estágio IVB M1c Fonte: O Autor, 2023. Tratamento Estima-se que 40% dos pacientes com CPNPC são diagnosticados no estágio IV - mais avançado - da doença e que aqueles que se apresentam no estágio inicial da doença, irão recidivar com metástase a distância. Na doença localizada o tratamento cirúrgico pode ser utilizado, sendo complementado por quimioterapia adjuvante com ou sem imunoterapia. Pode também ser realizado a quimioterapia e imunoterapia neoadjuvante dependendo do caso. O tratamento cirúrgico pode ocorrer de três maneiras: lobectomia, segmentectomia ou ressecção em cunha e pneumectomia. Os tumores considerados ressecáveis são T1-3, N1 ou N2 não volumosos ou T4, N0 ou N1. Na doença localmente avançada ou em pacientes incapacitados para serem submetidos a cirurgia o tratamento indicado é a quimiorradioterapia concomitante seguida por imunoterapia neoadjuvante. Já na doença avançada, principalmente na não escamosa, idealmente se pesquisa mutações drivers com possibilidade de terapia alvo, nas demais indicações de imunoterapia com ou sem quimioterapia em primeira linha, a depender da expressão de PD-L1. Os esquemas padrão de quimioterapia citotóxica em neoplasia de pulmão se baseia em regimes de combinação de dupla platina (doublet de platina) com cisplatina ou carboplatina mais outro tipo de quimioterápico como Paclitaxel, Docetaxel ou Gencitabina. Em casos avançados, pode-se reexpor a quimioterapia, porém deve-se lembrar da possibilidade de pesquisa clínica. A imunoterapia é o tipo de droga mais indicado para o tratamento de CPNPC avançado. O Nivolumabe e o Atezozilumabe são recomendados para terapia de segunda linha em pacientes que progrediram após quimioterapia à base de platina e independente da presença de PD-L1 e o Pembrozilumabe é indicado para pacientes com tumores positivos para a expressão do PD-L1 em mais de 1 % das células tumorais. Este também possui eficácia superior quando comparado à quimioterapia de primeira linha à base de platina em pacientes com tumores que expressam PD-L1 em mais de 50% das células tumorais. Seguimento Deve ser feito exame clínico a cada 1-2 meses. Além de tomografia de tórax, abdome e pelve a cada 6-9 meses (2-3 meses em caso de terapia sistêmica). Ainda, é fundamental a realização de ressonância magnética de crânio caso o paciente apresente sintomas neurológicos. Câncer de traqueia As neoplasias primárias de traqueia são muito raras, correspondendo a apenas 0,2% de todas neoplasias do trato respiratório, e sendo sua incidência de apenas 0,1 a cada 100.000 pessoas. As neoplasias primárias de traqueia mais comuns são o carcinoma escamocelular e o carcinoma adenóidecístico. Carcinoma escamocelular de traqueia O carcinoma escamocelular de traqueia é proveniente das células epiteliais da traquéia. Os fatores de risco para o carcinoma escamocelular de traqueia incluem principalmente tabagismo e infecção pelo papilomavírus humano (HPV). Ele pode ser identificado precocemente através da observação de lesões pré- malignas na broncoscopia pela alteração do epitélio. Sendo assim, as lesões pré- malignas podem ser classificadas em hiperplasia escamocelular, displasia de baixo, moderado e alto grau. A apresentação macroscópica do CEC de traqueia costuma ser em forma de pólipo ou úlcera na região traqueal se projetando em direção ao lúmen. Carcinoma adenóide cístico de traqueia O carcinoma adenóide cístico de traqueia é proveniente das glândulas submucosas da traqueia, responsável por 10 a 20% de todos os tumores malignos de traqueia. Sua etiologia é desconhecida, mas sabe-se que não está relacionada ao tabagismo. Ele pode ser classificado em ductal ou mioepitelial dependendo da sua origem histológica e pode ter apresentação na forma tubular, cribiforme ou sólida. Sua apresentação macroscópica é exofítica que com a evolução causa diminuição no lúmen traqueal. Dessa forma os sintomas são relacionados a diminuição do lúmen traqueal: como dispneia, tosse hemoptise e chiado. Apesar de ter um crescimento lento, essa neoplasia costuma cursar com metástase a distância. O exame diagnóstico para o carcinoma adenóide cístico de traqueia é a broncoscopia e tomografia computadorizada. O tratamento é feito com ressecção cirúrgica podendo ou não ser seguido por radioterapia. Carcinóide brônquico As neoplasias primárias de brônquio são provenientes de células neuroendócrinas da mucosa brônquica, responsável apenas de 1 a 2% de todas as neoplasias de trato respiratório. Os sintomas podem variar desde assintomático até graus variados de obstrução de vias aéreas como dispneia, tosse, sibilos, hemoptise, pneumonias de repetição e dor torácica. Caso o carcinóide seja produtor de algum hormônio o paciente pode desenvolver a síndrome carcinóide que consiste em rubor cutâneo, cólicas abdominais e broncoespasmo, sindrome de Cushing, acromegalia e síndrome de Zollinger-Ellison. Na investigação inicial pode ser feita TC de tórax, a qual em 1/3 dos casos irá indicar calcificações tumorais. O diagnóstico é feito através da biópsia broncoscópica. Para determinar disseminação regional ou metástase é feito cintilografia. O tratamento padrão-ouro é a remoção cirúrgica. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Oncologista Clínico. REFERÊNCIAS: 1. AMERICAN CANCER SOCIETY. About lung cancer. 2020. Disponível em: https://www.cancer.org/cancer/lung-cancer/about.html. Acesso em: 7 jan. 2021. 2. ARAUJO, L. H. et al. Lung cancer in Brazil. J bras pneumol, v. 44, n. 1, p. 55-64, 2018. 3. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional De Câncer (INCA). A situação do câncer no Brasil. 2006. Disponível em https://www.inca.gov.br/sites/ufu.sti.inca.local/files//media/document//situacao- cancer-brasi l.pdf. Acesso em: 7 jan. 2021. 4. KENFIELD, S. A. et al. Comparison of aspects of smoking among the four histological types of lung cancer. Tobacco control, v. 17, n. 3, p. 198-204, 2008. 5. GROSS, J. L. et al. Bronchial carcinoid tumors: second primary neoplasms and outcomes of surgical treatment. Jornal Brasileiro de Pneumologia, v. 45, n. 5, p. e20180140, 2019. 6. JAMESON, J.L. et al. Medicina Interna de Harrison. 20. ed. Porto Alegre: AMGH, 2020. 7. MERCK&CO. Versão para Profissionais da Saúde. KEITH, R. L. Carcinoide brônquico. Disponível em: https://www.msdmanuals.com/pt- br/profissional/dist%C3%BArbios-pulmonares/tumores-dos- pulm%C3%B5es/carcinoide-br%C3%B4nquico. Acesso em: 12 set. 2023. 8. NCCN. National Comprehensive Cancer Network. Evidence-Based Cancer Guidelines, Oncology Drug Compendium, Oncology Continuing Medical Education. Disponível em: https://www.nccn.org. Acesso em: 18 ago. 2023 9. PULMÃO. Kenhub, 2020. Disponível em https://www.kenhub.com/pt/library/anatomia/pulmoes. Acesso em: 8 jan. 2021. 10. SANROS, R.S. et al. Rastreamento de câncer de pulmão por meio de TC de baixa dosagem no Brasil: protocolo de pesquisa. J Bras Pneumol, v. 40, n. 2, 2014. 11. SIMÕES, J. C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2. ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 12. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ONCOLOGIA. Diretrizes SBOC 2021. Disponível em: https://sboc.org.br/diretrizes-publicas/2021. Acesso em: 2 maio 2021. 13. UPDATED. Fleischner Society Guidelines for Managing Incidental Pulmonary Nodules: Common Questions and Challenging Scenarios. RadioGraphics, 2018. Disponível em: https://pubs.rsna.org/doi/10.1148/rg.2018180017. Acesso em: 4 jun. 2021. CÂNCER DE MAMA Gabriel Dziurkovski Machado1 Fernanda Arissa Takii2 João Pedro Greca de Macedo Biasi3 Prof. Dr. Jan Pawel Pachnicki4 Epidemiologia Segundo o INCA (Instituto Nacional de Câncer), o câncer de mama é a neoplasia mais prevalente em mulheres no Brasil (exceto câncer de pele não- melanoma). Para 2023 o INCA estima 73.610 novos casos de câncer de mama no Brasil. O câncer de mama também representa a neoplasia de maiores taxas de mortalidade entre as mulheres brasileiras, com uma estimativa de 17.825 óbitos em 2023. No Brasil, as regiões mais afetadas são o Sul e o Sudeste (INCA, 2022). Segundo o relatório de pesquisadores da Agência Internacional de Pesquisa em Câncer (IARC), foram realizados mais de 2.3 milhões de diagnósticos da doença em 2020, representando 24,5% de todas as neoplasias diagnosticadas em mulheres e 11,6% de todos os novos casos de câncer no mundo em ambos os sexos. Clínica Inicialmente, o quadro clínico geralmente é assintomático, sendo os sintomas percebidos quando o tumor já possui um tamanho maior. À palpação pode ser identificado o aparecimento de nódulo na mama ou na região axilar, sendo este único ou múltiplo, duro ou macio, irregular ou redondo, doloroso ou indolor. Além disso, pode ocorrer dor ou inversão mamilar, descarga papilar com secreção sanguinolenta ou purulenta, edema, assimetria, eritema ou retração da pele com aparecimento de rugosidades em “casca de laranja”, vermelhidão ou descamação da pele. Casos mais avançados podem cursar com presença de odor fétido, necrose, infecções ou ulceração da pele. Diagnóstico O diagnóstico pode ser precoce ou tardio. O diagnóstico precoce é buscado através de medidas de rastreamento. Segundo a Sociedade Brasileira de Mastologia, a campanha deve ser realizada anualmente a partir dos 40 anos em mulheres com risco habitual e a partir de 21 anos individualizando mulheres com alto risco de surgimento de lesões. Já o Ministério da Saúde indica a realização do exame a partir dos 50 anos em pacientes com risco habitual e 35 anos em pacientes com alto risco. Muitas mulheres iniciam a investigação de um câncer de mama devido ao autoexame, mas ele não substitui a mamografia, visto que não consegue identificar lesões pré-malignas ou muito pequenas. Apenas a avaliação radiológica é capaz de detectar lesões pré-malignas muito pequenas, oferecendo diagnósticos precoces. O incentivo ao autoexame de mama sem reforçar a importância das mamografias anuais pode, em algumas pacientes, diminuir a importância de realizar os exames de rastreio O diagnóstico tardio está associado ao desconhecimento aos sinais clínicos dermatológicos e mamilares ou ao aparecimento súbito de alterações mamárias mais intensas, com ou sem associação a outros sinais e sintomas sistêmicos. A investigação diagnóstica é iniciada através da mamografia (a fim de avaliar a extensão, comprometimento e características dos nódulos), sendo a ultrassonografia mamária e a ressonância nuclear magnética complementares à mamografia quando necessário. O diagnóstico só é confirmado por meio da biópsia e estudo anatomopatológico da lesão para identificar o tipo histológico do tumor e suas características moleculares. O tipo de coleta indicada é a biópsia de fragmento (core) poragulha grossa. Sabe-se que mutações nos genes BRCA1 e BRCA2 estão relacionadas a um risco elevado de desenvolver certos tipos de câncer – o Câncer de Mama e Ovário Hereditário é uma condição de herança autossômica dominante que aumenta a probabilidade de carcinogênese em mama e ovários de mulheres e de mama e próstata de homens. Enquanto o risco de desenvolvimento de neoplasias na mama em mulheres na população geral gira em torno de 12%, nas portadoras de mutação em BRCA1 esse risco sobe para 55-72%, e nas portadoras de BRCA2, para 45-69%. A identificação precoce da condição por meio de análise do painel genético em indivíduos com histórico familiar dessas neoplasias pode proporcionar intervenções precoces, que são capazes de aumentar significativamente a sobrevida dos pacientes (ou até mesmo evitar o desenvolvimento da doença através de medidas de rastreio intensivo ou até mastectomias e/ou salpingo- ooforectomias profiláticas). O aconselhamento do indivíduo baseado em análises genéticas além de auxiliar na compreensão do risco associado à condição também pode propiciar orientações a seus familiares. O câncer de mama masculino é uma ocorrência rara na população geral, com uma frequência em torno de apenas 0,1% ao longo de sua vida. Entretanto, a possibilidade aumenta bastante quando há mutação em BRCA1/2. Homens com variante em BRCA1 possuem um risco de 1%, enquanto em comparação com o BRCA2 possuem risco de 7 a 8%. Estadiamento e tipos de tumor Tabela 1 – Estadiamento TNM do Câncer de Mama T T0: Sem tumor Tis: Tumor in situ T1: Tumor ≤ 2cm T2: Tumor entre 2 - 5cm T3: Tumor > 5cm T4: Tumor com extensão até a parede torácica ou pele N N0: Sem linfonodos acometidos N1: 1-3 linfonodos axilares N2: 4-9 linfonodos axilares N3: ≥ 10 linfonodos axilares OU linfonodos infra/supraclaviculares acometidos M M0: Sem evidências de metástase M1: Presença de metástases à distância Fonte: O Autor, 2023. Tabela 2 – Agrupamento anatômico do estadiamento do câncer de mama Estádio T N M 0 Tis N0 M0 IA T1 IB T0-T1 N1 com micrometástases IIA T0-T1 N1 T2 N0 IIB T2 N1 T3 N0 IIIA T0-T3 N2 T3 N1 IIIB T4 N0-N2 IIIC Qualquer T N3 IV Qualquer T e N M1 Fonte: O Autor, 2023. Existem diferentes tipos histológicos de tumores de mama, o tipo mais frequente é o carcinoma ductal, que representa 70% dos tumores mamários. Eles são originados nas células dos ductos mamários e podem ter apresentação in situ (correspondendo a 20% dos cânceres de mama recém-diagnosticados) ou invasivos. Já o carcinoma lobular representa cerca de 15% dos tumores mamários e surge em células dos lóbulos mamários (glândulas produtoras de leite). A doença de Paget mamária é uma apresentação rara que representa 1-3% dos tumores de mama, ela se inicia nos ductos mamários e se prolifera até a pele do mamilo e da aréola, comumente sendo confundido com eczema. Já os tumores inflamatórios são outra apresentação pouco usual, que representa 1-5% dos tumores mamários, e se caracterizam por serem tumores agressivos que surgem na pele da mama, sendo comumente diagnosticados em estágio III (T4) e possui prognóstico pior que os demais tipos. O diagnóstico desse tipo é mais difícil, já que o tumor nem sempre surge como uma massa tumoral, mas sim com sinais flogísticos de avanço rápido na derme (um dos diagnósticos diferenciais sendo a mastite). Além dos subtipos histológicos, é muito relevante a divisão molecular desses tumores, uma vez que diferentes perfis moleculares estão associados a diferentes linhas de tratamento e, principalmente, prognóstico e valores de sobrevida global. Esses subtipos podem ser diagnosticados a partir de estudos imunohistoquímicos no material obtido através de biópsias. Os fatores analisados são: • Presença de receptores hormonais (RH): Sejam eles receptores de estrógeno (RE) ou progesterona (RP), tumores ricos em receptores hormonais são mais comuns, podem ser tratados com inibidores de aromatase e possuem melhor prognóstico. • Presença de HER2: Esse é um receptor de fator de crescimento epidermal. Os tumores de mama tiveram seu tratamento revolucionado com o advento de Trastuzumab e Pertuzumab. O estudo imunohistoquímico de HER2 pode ser positivo, negativo ou inconclusivo – nos casos inconclusivos recomenda-se o teste FISH (hibridização in situ por fluorescência), um técnica molecular citogenética que determina a amplificação/superexpressão do oncogene HER2/neu. • Valor de Ki-67: É um marcador encontrado durante a divisão celular durante estudos imunohistoquímicos, mostrando ser um bom indicador da atividade proliferativa de células tumorais. O Ki-67 também é um indicador confiável da agressividade do tumor, e tumores que apresentam altos valores possuem associação com risco de óbito e recidiva maiores. Os tumores RE-, RP- e HER2- são denominados triplo-negativos, possuem caráter agressivo, tratamento complexo e prognóstico reservado. Pacientes portadoras de mutações em BRCA1/2 são mais propensas a desenvolver tumores de mama triplo-negativos, além de apresentarem menores taxas de sobrevida global se comparadas a mulheres com câncer de mama sem mutações nesses genes. Tabela 3 – Marcadores pesquisados em estudos histológicos de câncer de mama Receptores Hormonais (RH) de Estrógeno (RE) e de Progesterona (RP) HER2 Ki-67 Luminal A RE+ e/ou RP+ - < 14% Luminal B RE+ e/ou RP+ - ≥ 14% HER2 + RE- E RP- + Alto Triplo Negativo (TN) ou Basal-like RE- E RP- - Alto Fonte: O Autor, 2023 Tratamento A conduta só é definida após as análises anatomopatológicas e imunohistoquímicas e do devido estadiamento da lesão. O tipo da cirurgia vai depender de inúmeros fatores, incluindo a extensão tumoral e o status-performance do paciente. As técnicas cirúrgicas podem ser: • Conservadora/Quadrantectomia: Realiza-se a retirada de tumores mamários com a preservação da mama. • Mastectomia: Faz-se a retirada cirúrgica de toda a mama, podendo ser unilateral ou bilateral. • Oncoplástica: Ressecção de uma área maior de tecido e reconstrução da mama seguindo critérios da cirurgia plástica e simetria da mama contralateral. • Profilática: Retirada preventiva da mama antes do surgimento de tumores. Utilizada, principalmente, em pacientes com histórico familiar e mutações nos genes BRCA1/2. Entretanto, as evidências quanto ao ganho em sobrevida global ainda são limitadas. Nos casos de cirurgia conservadora ou oncoplástica normalmente será necessária radioterapia adjuvante devido à preservação do parênquima mamário. A dissecção de linfonodo axilar na maioria das vezes é necessária em pacientes com diagnóstico de câncer de mama. Tratamentos clínicos se valem do uso de diversas classes de drogas como Taxanos, Platinas e Capecitabina. Tumores RH+ se valem do uso de hormonioterapia com tamoxifeno (modulador seletivo do receptor de estrogênio) ou anastrozol (inibidores da aromatase) bem como terapias-alvo como inibidores de CDK4/6 (Palbociclibe, Abemaciclibe e Ribociclibe). Outra escolha é o uso de terapias-alvo com anticorpos monoclonais como Trastuzumab ou Pertuzumab para tumores superexpressores de HER2. Uma classe de medicamentos que está ganhando propulsão no tratamento do câncer de mama são os anticorpos-droga conjugados como o Trastuzumabe- deruxtecan e Sacituzumab-govitecan, que oferecem uma alternativa viável para o tratamento de com tumores TN (embora também haja evidência de benefício para pacientes com tumores HER2+ avançados ou até mesmo RH+/HER2-). Seguimento O objetivo do seguimento é promover comportamentos saudáveis ao paciente, visto que pacientes com histórico prévio de câncer possuem uma qualidade de vida e hábitos alimentares inferiores, além do agravante de serem mais suscetíveis ao desenvolvimento de doenças crônicas. O acompanhamento com consultas clínicas (acompanhados de exames laboratoriais e de imagem) deve ser realizado durante toda a vida do paciente – recomendam-se consultas semestrais nos primeiros cinco anos e anuais a partir do sexto ano. 1 Acadêmico da FEMPAR. 2Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Ginecologista e Obstetra. REFERÊNCIAS 1. INSTITUTO NACIONAL DE CANCER. Estimativa 2023: incidência de câncer no Brasil. Rio de Janeiro, 2022. 2. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Atlas de mortalidade por câncer. Rio de Janeiro, 2020. Disponível em: < App: Atlas de Mortalidade por Câncer | INCA - Instituto Nacional de Câncer > Acesso em: 05 fev. 2021. 3. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Estimativa 2020. Disponível em: < Estimativa 2020 - Apresentação | INCA - Instituto Nacional de Câncer > Acesso em: 5 fev. 2021. 4. ARNOLD, Melina et al. Current and future burden of breast cancer: Global statistics for 2020 and 2040. The Breast, v. 66, p. 15-23, 2022. 5. AMERICAN CANCER SOCIETY. Breast Cancer Stages. 8 nov. 2021. Disponível em: https://www.cancer.org/cancer/types/breast- cancer/understanding-a-breast-cancer-diagnosis/stages-of-breast-cancer.html. Acesso em 01 ago. 2023. 6. ORRANTIA-BORUNDA, E. et al. Subtypes of breast cancer. Breast Cancer [Internet], 2022. 7. HSU, J. L.; HUNG, Mien-Chie. The role of HER2, EGFR, and other receptor tyrosine kinases in breast cancer. Cancer and Metastasis Reviews, v. 35, p. 575-588, 2016. 8. PETRUCELLI, N.; DALY, M. B.; PAL, T. BRCA1-and BRCA2-associated hereditary breast and ovarian cancer. GeneReviews®[Internet], 2022. 9. IBRAHIM, Mohammed et al. Male BRCA mutation carriers: clinical characteristics and cancer spectrum. BMC cancer, v. 18, n. 1, p. 1-9, 2018. 10. LIU, J. et al. Clinical characteristics and outcomes of BRCA-associated ovarian cancer: genotype and survival. Cancer genetics, v. 205, n. 1-2, p. 34-41, 2012. 11. BOLTON, K. L. et al. EMBRACE; kConFab Investigators; Cancer Genome Atlas Research Network. Association between BRCA1 and BRCA2 mutations and survival in women with invasive epithelial ovarian cancer. JAMA, v. 307, n. 4, p. 382-390, 2012. 12. ARNOLD, M. et al. Current and future burden of breast cancer: Global statistics for 2020 and 2040. The Breast, v. 66, p. 15-23, 2022. 13. BRAZILIAN MEDICAL ASSOCIATION, et al. Contralateral prophylactic mastectomy. Revista da Associacao Medica Brasileira, v. l. 64, n.1, p. 3-8, 2018. 14. MERINO BONILLA, J. et al. Breast cancer in the 21st century: from early detection to new therapies. El cáncer de mama en el siglo XXI: de la detección precoz a los nuevos tratamientos. Radiologia, v. 59, n. 5, p. 368-379, 2017. 15. GARCÍA CHILOECHES, A., et al. Intraoperative sentinel node biopsy, is it worth the wait?. Cirugia espanola, v. 101, n. 5, p. 325-332, 2023. 16. RAICK, M., et al. Incentivo ao seguimento das recomendações da World Cancer Research Fund (WCRF) e American Institute for Cancer Research (AICR): palestras interdisciplinares online e materiais informativos para sobreviventes do câncer. 2021. CÂNCER DO OVÁRIO Daniela Natsumi Hamasaki Ueda1 Leticia Cristine Furghieri2 Leticia Midori Michalawiski Yamaoka3 Prof. Dr. Jan Pawel Pachnicki4 Anatomia Os ovários são glândulas que medem cerca de 3 cm de comprimento que ficam localizados atrás do ligamento largo do útero e logo abaixo da trompa uterina. Durante a fase fértil, a função dos ovários é exercida pelas células germinativas e do estroma revestidas por células epiteliais, e compreende a maturação dos folículos e dos óvulos, a ovulação e a produção dos hormônios sexuais. Os tumores epiteliais são a variante histológica mais comum, sendo representados pelos tumores serosos, mucinosos, endometrióides e de células claras. Figura 1 – Anatomia do sistema reprodutor feminino Fonte: Adaptado de SmartServier, 2023. Epidemiologia: O câncer de ovário é a segunda neoplasia ginecológica mais comum, sendo precedida apenas do câncer de colo de útero. A idade de apresentação varia entre os 30 e os 100 anos, porém atinge principalmente mulheres acima dos 50 anos. É associado a interação entre os fatores de risco genéticos e epigenéticos, podendo ser subdividido em câncer esporádico e de origem familiar. Segundo o INCA, a estimativa de novos casos para 2020 foi de 6.650, com número de óbitos estimado em 3.984. Em 95% dos casos o câncer de ovário deriva das células epiteliais, enquanto os 5% restantes derivam de células germinativas ou células estromais. Também é possível associar o aumento de sua incidência à obesidade, nuliparidade e dieta ocidental. Dessa forma, entre os fatores protetivos configuram mecanismos que promovam menor inflamação e supressão da ovulação, como o uso de contraceptivos hormonais, multiparidade, ligadura das tubas uterinas e aleitamento. Clínica O câncer de ovário é dividido em 2 variantes: • Tipo 1: Caracterizado por uma natureza mais indolente, compreendendo nesse grupo as neoplasias com histologia de baixo grau e potencial maligno reduzido, como o endometrial, mucinoso e de células claras. Os genes mutados nessa subdivisão são o KRAS, BRAF, PTEN e PIK3CA. • Tipo 2: Compreendem os cânceres epiteliais serosos, são mais agressivos e associados a mutações que provocam a perda de genes de reparo do DNA como o p53, BRCA1 e BRCA2, sendo responsáveis também por cânceres mais precoces. Não obstante, os cânceres de ovário tipo 2 também possuem maior potencial metastático. As neoplasias ovarianas por si costumam ser indolores, apresentando sintomas a partir do momento que comprimem outros órgãos abdominais ou a sintomas pela doença metastática. Sintomas relacionados à doença avançada muitas vezes não são associados a investigação de neoplasia por sua inespecificidade, tais quais o desconforto pélvico, distensão abdominal por ascite e alterações urinárias e intestinais. O rápido aumento da cintura abdominal em função da ascite é um sinal importante da natureza maligna da doença, e normalmente é associada a queixas como a indigestão, constipação, saciedade precoce e dor abdominal. Tumores ovarianos bilaterais secretores de mucina, provavelmente são oriundos de metástases de cânceres gastrointestinais, sendo denominados Tumores de Krukenberg. Considerando as linhagens de câncer hereditário, a lesão dos genes de reparo de genes como BRCA1 e BRCA2 são comuns nesses tumores, sendo indicada a testagem para mutações em todas as pacientes de câncer de ovário de acordo com as guidelines europeia e americana. Diagnóstico O diagnóstico precoce é difícil, uma vez que os sintomas surgem na doença mais avançada. Contudo, sinais de inchaço abdominal, dor abdominal, anorexia e perda ponderal, fadiga e mudanças de hábito intestinal e/ou urinário podem ser investigados. Para a identificação do tumor são realizados exames ginecológico, laboratoriais e de imagem. A USG é utilizada na investigação inicial para identificar a massa tumoral. Também pode ser feita a dosagem de CA-125 sérico, elevado em cerca de 80% das pacientes com câncer de ovário; deve-se ressaltar que essa glicoproteína não é específica para o câncer de ovário e pode estar elevada em casos de endometriose, DIP e gravidez. Para identificar a extensão da doença são usados TC e RM. O estadiamento do tumor é cirúrgico e feito conforme os critérios da FIGO. Tabela 1 – Critérios da FIGO Estádio I - Tumor limitado aos ovários Ia - Tumor limitado a um ovário, cápsula interna, sem tumor na superfície externa. Ib - Tumor limitado aos dois ovários, cápsula intacta, sem tumor na superfície externa. Ic - Tumor de ovário com estádio Ia ou Ib mas com tumor na superfície ou cápsula. Estádio II - Tumor com extensão à pelvis IIa - Extensão e/ou metástases para o útero e/ou trompa. IIb - Extensão para outros tecidos pélvicos. IIc - Tumor no Estádio IIa ou IIb, mas com tumor na superfície de um ou ambos os ovários ou com cápsula rota, ou com ascite ou lavado peritoneal com células neoplásicas presentes. Estádio III - Tumor com implantes além da pélvis e/ou linfonodos inguinais, pélvicos e/ou retroperitoneais positivos. A ocorrência de metástases na superfície hepática corresponde ao Estádio III. Também considerar tumor limitado à pelvis verdadeiraaqueles com extensão ao intestino delgado ou omento. IIIa - Tumor macroscopicamente limitado à pélvis verdadeira com linfonodos negativos mas com disseminação peritoneal comprovada histologicamente. IIIb - Tumor em um ou ambos os ovários com con�rmação histológica de implante peritoneal e este não excedendo 2 cm de diâmetro. Linfonodos negativos. IIIc - Implantes peritoneais maiores que 2cm de diâmetro e/ou linfonodos inguinais ou pélvicos/retroperitoneais positivos. Estádio IV - Tumor com metástases à distância. Havendo derrame pleural deve ser pesquisada a presença de células neoplásicas. Metástases parenquimatosas hepáticas correspondem ao Estádio IV. Fonte: O Autor, 2023 Rastreamento e prevenção O rastreamento do câncer de ovário na população geral é contraindicado fora de ensaios clínicos, apesar de sua alta letalidade e maior possibilidade de cura nos estágios iniciais. Ainda não foi desenvolvido um método com sensibilidade e especificidade efetivas a fim de reduzir o número de falsos positivos, sendo associado a um agravamento da mortalidade na população submetida ao rastreamento segundo estudos de grande porte. Desse modo, é essencial a identificação dos grupos de risco através da anamnese, sendo o rastreio nessa população realizado por meio da dosagem de CA-125 e ecografia associada ao doppler. A prevenção da neoplasia ovariana se dá por meio da dieta equilibrada e prática regular de exercícios físicos, visto sua associação com o sobrepeso e síndrome metabólica. Não obstante, a salpingectomia oportuna bilateral tem sido considerada uma medida profilática contra o câncer de ovário, sendo indicada para pacientes com fatores de risco. Realizada durante procedimentos abdominais ou pélvicos eletivos motivados por doenças benignas como miomectomias, histerectomias, colecistectomia ou terceira cesariana. As evidências até o momento sugerem redução da incidência de neoplasias ovarianas com essa técnica, tratando-se de um procedimento seguro sem aumento do número de complicações como a necessidade de hemotransfusões ou readmissões quando comparados com a histerectomia isolada. Estadiamento O sistema de estadiamento do câncer de ovário da Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia (FIGO) foi publicado pela primeira vez em 1973. Progressos recentes na compreensão da origem, patogênese e prognóstico dos diferentes subtipos de câncer de ovário motivaram a revisão de 2021. Embora as tomografias computadorizadas de tórax, abdome e pelve possam delinear a disseminação intra-abdominal da doença até certo ponto, os cânceres de ovário, trompa de Falópio e peritoneal devem ser estadiados cirurgicamente. O estadiamento cirúrgico consiste em laparotomia xifo-púbica ou eventualmente em videocirurgia para avaliação da citorredução ótima: coleta do líquido peritoneal ou lavado, inventário de todo o abdome e pelve, histerectomia total, salpingo-ooforectomia bilateral, omentectomia, apendicectomia, remoção de áreas suspeitas incluindo diafragma e goteiras parieto-cólicas. Linfadenectomia pélvica e para-aórtica apenas em doença avançada e linfonodos suspeitos. Tumores mucinosos incluem o rastreamento com endoscopia alta e colonoscopia e CEA. Incluir pesquisa de mutação BRCA1 e BRCA2 em câncer epitelial de ovário de alto grau. Os achados operatórios determinam o diagnóstico histológico preciso, o estágio e, portanto, o prognóstico do paciente. A dosagem de CA-125 pode ser levada em consideração na decisão da citorredução primária (debulking) ou neoadjuvância. Em estágios mais avançados solicitar PET-TC se disponível. Tratamento A cirurgia constitui a base do tratamento inicial para o câncer de ovário, sendo parte importante do estadiamento, posto que a quantidade de câncer residual, associada a histologia do tumor e o grau de invasão são determinantes para a escolha do esquema terapêutico. É importante salientar a contraindicação da biópsia por agulha, que visa evitar a contaminação peritoneal por células neoplásicas. Dado que 30% dos tumores que aparentam estar confinados ao ovário já apresentam metástases peritoneais, o procedimento padrão consiste em histerectomia total, com retirada da tuba uterina e ovários, com omentectomia, linfadenectomia e amostras do diafragma e cavidade peritoneal, sendo objetivada uma ressecção R0, sem câncer residual visível. Após o procedimento cirúrgico, a quimioterapia adjuvante combina paclitaxel e carboplatina é indicada para o câncer avançado, compreendendo os estádios de II a IV, que pode ser administrada por via endovenosa ou por meio de um cateter de demora na cavidade peritoneal. Esse tratamento é sensível e efetivo para cerca de 70% das pacientes, sendo que 40% atinge a remissão completa com normalização dos exames radiográficos e dos níveis séricos de CA-125. Vale mencionar que tumores de ovário em portadores de mutação BRCA1 ou BRCA2 se mostram mais sensíveis a platinas. A administração adjuvante de Bevacizumabe pode aumentar a sobrevida livre de doença, mas não a sobrevida global. Apesar disso, as taxas de recidivas nos primeiros 4 anos após o tratamento são expressivas, e a maioria das acometidas desenvolve doença refratária à quimioterapia, com complicações tais quais a ascite refratária e obstrução intestinal. Seguimento São realizadas consultas de a cada 3-4 meses durante 2 anos, e depois a cada 4-6 meses por 3 anos. Após esse período as consultas passam a ser anuais. Atualmente a dosagem de CA-125 é questionada quando não há disponibilidade de exames de imagem; considera-se que deve ser realizada apenas quando inicialmente os níveis já se mostram elevados. A TC só é indicada quando a paciente exibe sinais clínicos de recidiva. 1 Acadêmica da FPP. 2 Acadêmica da FPP. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Ginecologista e Obstetra. REFERÊNCIAS 1. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional De Câncer (INCA). Câncer de ovário. Disponível em: https://www.inca.gov.br/tipos-de-cancer/cancer-de- ovario. Acesso em 5 fev. 2021. 2. FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Manual de orientação: ginecologia oncológica. FEBRASGO, 2010. Disponível em: https://www.febrasgo.org.br/images/arquivos/manuais/Manuais_Novos/ Manual_Ginecologia_Oncologica.pdf. Acesso em: 5 fev. 2021. 3. HOFF, P. M. G. Tratado de oncologia. São Paulo: Atheneu, 2013. 4. JOHN WAYNE CANCER INSTITUTE. Ovarian cancer. Disponível em: https://www.saintjohnscancer.org/gynecology/conditions-we-treat/ovarian- cancer/. Acesso em 5 fev. 2021. 5. SIMÕES, J. C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2. ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 6. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ONCOLOGIA CLÍNICA. Diretrizes de câncer de ovário. SBOC, 2017. Disponível em: https://www.sboc.org.br/images/diretrizes/diretrizes_ pdfs/Cancer_de_ovario_vf_2017.pdf. Acesso em: 5 fev. 2021. 7. Instituto Nacional de Excelência em Saúde e Cuidados (NICE). Câncer de ovário: o reconhecimento e manejo inicial do câncer de ovário. NICE, 2011, Abril. 8. LEDERMANN, J. A.; RAJA, F. A.; FOTOPOULOU, C.; GONZALEZ- MARTIN, A.; COLOMBO, N, SESSA, C. European Society for Medical Oncology (ESMO) Guidelines Working Group. Newly diagnosed and relapsed epithelial ovarian carcinoma: ESMO Clinical Practice Guidelines for diagnosis, treatment and follow-up. Ann Oncol. n. 24, Suppl. 6, p. 24-32, out. 2013 CÂNCER DO COLO DE ÚTERO Isabela Morgado de Moraes1 Isadora Ramos2 Gabriel Dziurkovski Machado3 Prof. Dr. Jan Pawel Pachnicki4 Consiste em uma alteração nas células do colo uterino decorrente da infecção pelos tipos oncogênicos do Papilomavírus Humano (HPV). É uma doença transmitida principalmente por contato sexual que apresenta desenvolvimento lento e progressivo, porém que coloca em risco a vida de milhares de mulheres (especialmente as dos países subdesenvolvidos). Epidemiologia Em 2023, houve mais de 17 mil novos casos no Brasil. O câncer de colo de útero é o terceiro tumor maligno mais frequente na população feminina brasileira. A infecção pelo HPV é o principal fator para desencadear a doença.Entre seus vários tipos oncogênicos, o HPV-16 e o HPV-18 são os mais relacionados com o desenvolvimento do tumor. Países com um programa de rastreamento citológico organizado, e cronograma vacinal otimizado, alcançam diminuição na incidência e mortalidade pela doença. No entanto, a desigualdade no acesso, principalmente da população de classe social mais baixa, a falha na educação sexual e a dificuldade no programa vacinal contribuem para o aumento de risco. No SUS, é disponibilizada para meninos e meninas de 9-14 anos e grupos imunossuprimidos a vacina quadrivalente, capaz de proteger contra os subtipos 6, 11 (relacionados ao condiloma acuminado), 16 e 18 (relacionados ao câncer). Também há a vacina nonavalente, ainda indisponível na rede pública. Além dos subtipos anteriores, ela também protege contra os subtipos 31, 33, 45, 52 e 58 do HPV. Vale citar que o HPV também está relacionado ao câncer de vulva, vagina, pênis, ânus e orofaringe. Alguns dos fatores de risco incluem: antecedentes de IST, múltiplos parceiros, multiparidade, idade superior a 50 anos, tabagismo, etilismo, falta de vacinação contra HPV, imunossupressão, sexarca precoce e uso prolongado de anticoncepcional oral. Anatomia patológica O colo de útero está localizado inferiormente ao istmo do útero e superiormente a vagina. Além disso, ele é dividido na porção vaginal externa, chamada ectocérvice, e o canal endocervical. Enquanto a região interna é revestida por epitélio colunar simples mucossecretor, a região externa é recoberta por um epitélio escamoso. Esses epitélios se comunicam em uma região denominada junção escamocolunar (JEC). Essa localidade pode sofrer um processo adaptativo denominado metaplasia escamosa, em que a endocérvice transforma seu epitélio em escamoso para, por exemplo, se proteger do pH vaginal, caracterizando a zona de transformação (ZT). O HPV apresenta tropismo pelo epitélio escamoso, deixando as mulheres que sofreram o processo de metaplasia mais suscetíveis a desencadear a doença, se adquirirem o vírus. Clínica Por ter uma evolução lenta, o estadio inicial da doença é frequentemente assintomático, podendo levar de 5 a 20 anos para aparecerem os primeiros sintomas. Quando se manifesta clinicamente, os sintomas mais comuns são sangramento vaginal anormal, dispareunia, sangramento após relação sexual e secreção vaginal – líquida, mucosa, fétida ou purulenta. Além disso, em casos mais avançados, pode ocorrer dor lombar com irradiação para os membros inferiores ou dor na pelve. Diagnóstico Até em casos assintomáticos, a colpocitologia oncótica (também conhecida como Exame de Papanicolaou) é fundamental no rastreamento do câncer de colo de útero, permitindo a detecção de lesões precursoras de carcinomas cervicais. Esse teste ocorre por meio da identificação de alterações das células no epitélio escamoso, o que promove diagnóstico de lesões precursoras de tumor ou identificação precoce do carcinoma cérvico-uterino, oferecendo melhor prognóstico para as pacientes. Esse exame é ofertado pelo SUS à população feminina a partir de 25 anos até os 65 anos, desde que já tenham iniciado a vida sexual. A depender do resultado citopatológico, a conduta pode ser expectante ou investigativa, através de colposcopia e biópsia. Pacientes com resultados normais (achados dentro dos limites da normalidade ou que apresentem alterações benignas reativas ou reparativas) devem realizar o exame anualmente — após 2 exames anuais dentro da normalidade, elas devem repetir o exame a cada três anos (até que surjam alterações citopatológicas). A literatura atual divide as alterações citopatológicas em lesões intraepiteliais de baixo grau e de alto grau. Atualmente, a classificação NIC é utilizada apenas para achados de biópsia. As possíveis alterações encontradas no exame colpocitológico e as condutas adequadas estão indicadas na tabela abaixo: Tabela 1 – Conduta aconselhada conforme alteração encontrada no Papanicolaou ALTERAÇÃO CITOPATOLÓGICA CONDUTA ASC-US Células escamosas atípicas de signi�cado indeterminado, provavelmente não neoplásicas ≥ 30 anos: Repetir citologia em 6 meses 25 - 29 anos: Repetir citologia em 1 ano < 25 anos: Repetir citologia em 3 anos Se mantiver atipia, realizar colposcopia. ASC-H Células escamosas atípicas de signi�cado indeterminado, quando não se pode descartar lesão intraepitelial de alto grau Realizar colposcopia. Se houver alteração colposcópica, coletar biópsia. LSIL Lesão intraepitelial de baixo grau ≥ 25 anos: Repetir exame em 6 meses < 25 anos: Repetir exame em 3 anos Se mantiver atipia, realizar colposcopia. HSIL Lesão intraepitelial de alto grau Realizar colposcopia e considerar biópsia ou excisão de ZT. AIS Adenocarcinoma in situ Realizar colposcopia e biópsia, considerar excisão de ZT. Fonte: O Autor, 2023 A colposcopia consiste em uma análise do tecido do colo uterino com o uso de espéculo, um feixe de luz e uma lente de aumento. Durante o exame são aplicados, no colo uterino, o ácido acético, para identificar áreas com células atípicas (aceto-reagentes), e o lugol, que cora o glicogênio, consumido em células tumorais com intenso metabolismo. A depender do achado colposcópico, o médico pode decidir entre apenas coletar biópsia ou realizar intervenção imediata (excisão de ZT). A biópsia é capaz de encontrar não apenas neoplasias instaladas, mas também lesões displásicas com risco de malignização (pré-malignas). As análises são capazes de graduar o achado entre lesões com baixo, médio e alto risco de malignização através do espectro NIC (Neoplasias Intraepiteliais Cervicais). Essas lesões podem, em sua maioria, regredir ou se manterem estáveis sem que haja intervenções terapêuticas. Entretanto, elas também podem progredir de grau em direção a um carcinoma epidermóide (a depender da idade da paciente e do subtipo do HPV causador). • Lesões NIC I: Apresentam displasia leve e são, em sua maioria, capazes de regredir espontaneamente (49%) ou permanecer estáveis (35%). Apenas 7% são capazes de progredir para NIC II ou III. • Lesões NIC II: Apresentam displasia moderada e também regridem espontaneamente (50%) ou estabilizam (32%). Cerca de 18% dessas lesões progridem para NIC III. • Lesões NIC III: Incluem displasias severas e carcinomas in situ. Estima-se que 32-47% dessas lesões regridem espontaneamente e que 12-40% evoluem para câncer, caso não sejam tratadas. Estadiamento: O estadiamento do câncer do colo de útero é baseado no exame clínico, com ênfase na palpação e inspeção de órgãos pélvicos, com exame bi-manual e retovaginal, além de exames de imagem, como RM da pelve para avaliar a dimensão tumoral, acometimento de linfonodos e a relação do tumor com as estruturas adjacentes. A partir do estádio IB, é necessário considerar RM ou TC de abdome para avaliar ureteres e linfonodos pélvicos e retroperitoneais. Se disponível, indicar PET/CT para lesões ≥ IB1, sendo o exame de escolha para a detecção de metástases linfonodais. Caso haja suspeita de invasão da bexiga é indicado realizar cistoscopia e caso a suspeita seja de invasão do reto realizar retossigmoidoscopia. Tabela 2 – Estadiamento TNM do Câncer de Colo do Útero T N M T0: Sem tumor N0: Sem evidências de acometimento linfonodal regional M0: Sem evidências de metástase Tis: Tumor in situ T1: Tumor con�nado ao útero T1a: Invasão estromal < 5mm T1b: Invasão estromal > 5mm T2: Tumor invade além do útero mas não atinge parede pélvica ou terço inferior da vagina T2a: Envolvimento limitado aos ⅔ superiores da vagina T2b: Tumor com invasão parametrial mas não até invasão da parede pélvica T3: Tumor invade parede pélvica, envolve terço inferior da vagina ou causa hidronefrose T3a: Envolve ⅓ inferior da vagina, sem extensão para parede pélvica N1: Acometimento linfonodal regional M1: Presença de metástases à distância T3b: Estende-se à parede pélvica e/ou causa hidronefrose T3c: Envolve linfonodos pélvicos e/ou para-aórticos T4: Tumor invade mucosa da bexiga ou intestino ou se estende para alémda pelve Fonte: AJCC, 2018 Tabela 3 – Agrupamento TNM/FIGO Estádio T N M 0 Tis N0 M0 IA T1a IB T1b IIA T2a IIB T2b IIIA T3a IIIB T3b IIIC T1-3 N0-N1 IVA T4 IVB Qualquer T e N M1 Fonte: AJCC, 2018 Tratamento O tratamento do tumor dependerá do estadio de evolução da doença e de características individuais de cada paciente, como a idade e o desejo de manter ou não a fertilidade. No estadio IA1, se houver o desejo de ter filhos, ocorre a exérese da zona de transformação – anteriormente conhecida como conização – por CAF (cirurgia de alta frequência) ou a traquelectomia. Já no estadio IA2, tem-se a associação da traquelectomia com a pesquisa de linfonodo sentinela ou linfadenectomia. Por outro lado, se a prole já for constituída ou indesejada pela paciente, a histerectomia simples é realizada em casos iniciais (IA1) e a histerectomia radical em situações mais avançadas, (IA2 e IB1), associada à linfadenectomia pélvica bilateral; a pesquisa de linfonodo sentinela pode ser realizada em todos os estadios até aqui mencionados. Com o agravamento da doença, nos estadios IB2 e IIA1, além dos procedimentos citados, faz-se radioterapia. Já em estadios mais avançados, a quimioterapia associada a radioterapia de forma exclusiva (sem tratamento cirúrgico) deve ser considerada. É importante destacar que a primeira linha para câncer de colo uterino persistente, recorrente ou metastático é Cisplatina e Paclitaxel, com ou sem Bevacizumabe (dependendo do caso). Um estudo clínico recente demonstrou que a associação dessa terapêutica com Pembrolizumabe evidenciou ganho de sobrevida global. Além disso, os marcadores tumorais são úteis para acompanhar a doença durante a terapia ou seguimento. Os principais marcadores são o SCC (antígeno associado aos carcinomas escamosos) presente em carcinomas de células escamosas, e os marcadores CA 125, CA 19.9 e CYFRA, encontrados nos adenocarcinomas. Por fim, é interessante destacar a relevância da quimioterapia neoadjuvante em colo de útero nos casos localmente alcançáveis. O perfil das pacientes submetidas a esse tipo de tratamento costuma ser característico dos estadios IIB e IIIB. Ademais, a quimioterapia neoadjuvante é realizada com doxorrubicina- bleomicina-cisplatina e os resultados são seguros, com índice de complicação reduzido e taxa de operabilidade elevada. Seguimento: O INCA indica, após o término do tratamento, que a paciente tenha um estilo de vida mais saudável, com uma alimentação balanceada, prática de atividades físicas e interrupção do tabagismo. Além disso, o acompanhamento médico é essencial, uma vez que existe o risco de recorrência. O seguimento varia conforme o estadio do tumor. Nos estadios IA a IB1 deve ser realizado o exame clínico e a citologia a cada 3-6 meses por 2 anos, 6-12 meses até 5 anos e depois anualmente. Nos estadios IB2 a II1 o exame clínico é repetido tal qual o estadio anteriormente citado, com a única diferença sendo que a citologia é feita anualmente e os exames laboratoriais e de imagem realizados conforme a necessidade indicada por sintomas. Nos estadios IIB a IVA o exame clínico é feito a cada 3 meses por 2 anos e então a cada 6 meses até 5 anos, depois disso é feito anualmente Já os exames de imagem e laboratoriais são guiados pela sintomatologia. No estadio IVB o seguimento é feito com exames físico e laboratorial, enquanto TC de tórax, abdome e pelve são feitas a cada 2-3 meses. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Ginecologista e Obstetra. REFERÊNCIAS: 1. INSTITUTO NACIONAL DE CÂNCER JOSÉ ALENCAR GOMES DA SILVA. Divisão de Detecção Precoce e Apoio à Organização de Rede. Diretrizes brasileiras para o rastreamento do câncer do colo do útero. 2. ed. Rio de Janeiro, 2016. 2. CANCER RESEARCH UK. Symptoms of cervical cancer, 2023. Disponível em https://www.cancerresearchuk.org/about-cancer/cervical-cancer/symptoms. Acesso em 25 de agosto, 2023. 3. CHAN, C. K. et al. Human papillomavirus infection and cervical cancer: epidemiology, screening, and vaccination—review of current perspectives. Journal of oncology, v. 2019, 2019. 4. CIBULA, David et al. The European Society of Gynaecological Oncology/European Society for Radiotherapy and Oncology/European Society of Pathology guidelines for the management of patients with cervical cancer. Virchows Archiv, v. 472, p. 919-936, 2018. 5. COLOMBO, Nicoletta et al. Pembrolizumab for persistent, recurrent, or metastatic cervical cancer. New England Journal of Medicine, v. 385, n. 20, p. 1856-1867, 2021. 6. INCA. Estatísticas de câncer. Rio de Janeiro, 24 nov. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros. Acesso em: 25 de agosto, 2023. 7. SOCIEDADE BRASILEIRA DE ONCOLOGIA CLÍNICA. Diretrizes de tratamentos oncológicos da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica: Colo de útero. Disponível em: https://sboc.org.br/images/diretrizes/diretrizes_pdfs/2023/finalizadas/Diretrizes- SBOC-2023---Colo-do-tero-v20-FINAL.pdf. Acesso em: 26 ago. 2023. 8. SCHÜNEMANN, J. R. E.; URBAN, C. de A.; BUDEL, V. M. Quimioterapia neoadjuvante em câncer localmente avançado do colo do útero. Revista Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia, v. 24, p. 675-680, 2002. 9. FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Cirurgia minimamente invasiva no câncer ginecológico. São Paulo: FEBRASGO; 2021. (Protocolo FEBRASGO-Ginecologia, n. 98/Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Oncológica). 10. FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Colpocitologia oncológica no rastreamento do câncer de colo uterino. São Paulo: Febrasgo; 2021. (Protocolo FEBRASGO-Ginecologia, no 34/Comissão Nacional Especializada em Trato Genital Inferior). 11. FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Lesões pré-invasivas da vulva, da vagina e do colo uterino. São Paulo: FEBRASGO; 2021. (Protocolo FEBRASGO - Ginecologia, n. 7/ Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Oncológica). 12. FEDERAÇÃO BRASILEIRA DAS ASSOCIAÇÕES DE GINECOLOGIA E OBSTETRÍCIA. Preservação da fertilidade em mulheres com câncer ginecológico. São Paulo: FEBRASGO; 2021. (Protocolo FEBRASGO- Ginecologia, n. 95/Comissão Nacional Especializada em Ginecologia Oncológica). CÂNCER DE ENDOMÉTRIO João Pedro Greca de Macedo Biasi1 Gabriel Dziurkovski Machado2 Prof. Dr. Eurico Cleto Ribeiro de Campos3 A divisão primária dos cânceres entre sarcomas, que se originam de tecido mesenquimal, e carcinomas, que se originam de tecido epitelial, também se aplica aos cânceres uterinos. Entretanto, como o útero apresenta diferença entre o epitélio da cérvix e do corpo, os carcinomas de suas duas regiões do útero são estudados separadamente. Por isso, o enfoque deste capítulo será os cânceres do endométrio, tecido epitelial que reveste o corpo do útero. Anatomia Patológica O útero delimita-se entre as tubas uterinas, que desembocam nos ovários pelas fímbrias até o canal vaginal. A porção mais superior do útero é o fundo, enquanto sua porção mais inferior e limítrofe a região vaginal é o colo. Entre ambas as porções já citadas encontra-se o corpo do útero, o qual é constituído principalmente pelo tecido de revestimento, o endométrio, e pelo tecido muscular, o miométrio. O endométrio diferencia-se do epitélio escamoso pluriestratificado não queratinizado da cérvix por ser um epitélio de revestimento colunar simples com glândulas na camada submucosa, sendo o local de mudança entre esses epitélios a JEC (Junção escamocolunar). Figura 1 – Anatomia do sistema reprodutor feminino Fonte: Adaptado do SmartServier, 2023 Epidemiologia O INCA estima que, entre 2023 e 2025, haverá cada ano 7.840 novos casos do corpo de útero. Dentre esses, 90% são por câncer de endométrio, que tem mostrado um aumento de casos constante nos últimos anos. Esse aumento é coligado ao aumento dos índices de obesidade globalmente, especialmente nos países desenvolvidos, já que as neoplasias endometriais são consideradas o tipo de câncer com maiorassociação à obesidade e níveis altos de percentual de gordura. Devido também a obesidade, é correlacionado o aumento dos casos de cânceres endometriais em jovens, embora a maioria dos casos continue ocorrendo na população entre 55 a 64 anos. Até 2023, a etnia mais afetada foi a de mulheres caucasianas. Contudo, a morbimortalidade é maior na etnia negra devido a fatores socioeconômicos de desigualdade, mas também por apresentarem tipos de cânceres endometriais mais agressivos e raros, os quais, baseado em dados epidemiológicos da população americana, estão aumentando também nessa demografia sem haver uma explicação. Ademais, as etnias asiáticas demonstram ter uma taxa de sobrevida maior que da etnia caucasiana, embora manifestem o câncer em idades mais jovens que a média dos descendentes de europeus. Fatores de Risco e Proteção Os principais fatores de risco para câncer de endométrio envolvem a prolongada exposição ao estrogênio, os quais estão relacionados a anovulação, ciclos menstruais desregulados, nuliparidade, menarca precoce e menopausa tardia. Algumas causas para os níveis anormais desse hormônio são: 1. Síndromes metabólicas, como a obesidade, hipertensão e as diabetes mellitus tipo I e II, os quais desregulam a ação de hormônios e os níveis de estrogênio livre. 2. O uso de Tamoxifeno no tratamento de cânceres de mama com receptores de estrogênio, que têm efeito inibitório do hormônio na mama, mas estimulante no endométrio. 3. Tumores secretores de estrogênio, como tumores ovarianos, e a síndrome do ovário policístico, que desregulam a menstruação e ovulação normal, elevando os níveis de estrogênio livre. 4. Reposição hormonal de estrogênio sem progesterona, a qual contra regula os efeitos mitóticos do estrogênio. Além dos fatores já citados, fatores hereditários, como casos de endométrio em parentes de primeiro grau, e genéticos, como as mutações nos genes MMR (MLH1; MSH2; MSH6; e PMS2) da Síndrome de Lynch, também aumentam a probabilidade de desenvolvimento dessa neoplasia. Em contrapartida, os fatores protetivos estão relacionados aos níveis e ação do estrogênio, por isso, alguns fatores de proteção são o uso de contraceptivos com liberação de progesterona e a multiparidade. Assim, por não haver protocolos de prevenção com exames de imagem, as medidas preventivas envolvem os fatores protetivos, além de evitar contato com oncogênicos, a prática de exercícios físicos regulares, controle da gordura corporal e histerectomia profilática para portadores da Síndrome de Lynch. Clínica O sintoma mais comum é o sangramento uterino anormal ou irregular, especialmente nas mulheres pós menopausa, sendo presente em 75% a 90% dos casos. Outros sintomas incluem: dor durante o ato sexual; aumento ou massa na região vaginal; corrimento vaginal; dor e distensão abdominal; constipação ou diarreia. A grande similaridade de sintomas com o câncer de ovário em estágio avançado torna importante salientar que pacientes com tumores ovarianos secretores de estrogênio são mais suscetíveis a terem câncer endometrial, havendo necessidade de exames para descartar diagnóstico em alguns casos. Diagnóstico Já que não há rastreamento para essa neoplasia, sua detecção começa com o caso clínico sugestivo e a avaliação dos sintomas e fatores de risco. O diagnóstico de câncer endometrial é feito pelo ultrassom transvaginal, onde é identificado a espessura do endométrio. O resultado de espessura endometrial menor que 5mm indica exame com espéculo, que se não apresentar nenhum outro indicativo de malignidade deve se descartar a hipótese diagnóstica. Caso o resultado seja maior que 5mm, avalie-se durante o ultrassom a regularidade da superfície do endométrio e é indicado a biópsia para confirmação diagnóstica. Se houver irregularidades, ainda é indicado a histeroscopia junto da biópsia, que é o exame padrão ouro. Tipos e classificações Os cânceres do endométrio podem ser divididos pela sua origem celular em: adenocarcinoma endometrioide; carcinoma papilar seroso; carcinoma de células claras; e carcinossarcoma. Este último, embora manifeste características morfológicas tanto do tecido epitelial quanto do tecido mesenquimal, seu comportamento patológico e clínico é mais similar às neoplasias epiteliais do corpo uterino, por isso, se considera que sua origem seja endometrial e se classifica como tal. Foi utilizada uma classificação genômica com base na divisão pela origem celular do tumor, a qual demonstrou que adenocarcinomas endometrióides são mais propensos a serem hipermutados que outros tipos e terem mutações POLE, KRAS e CTNNB1. Mutações do gene TP53 são típicas de carcinomas papilares serosos com baixa frequência de mutação e frequentes alterações numéricas. Já os carcinomas de células claras e carcinossarcomas têm ampla heterogeneidade e mais estudos são necessários para entendimento de suas mutações. Uma mutação comum a todos os tipos foram alterações na via de sinalização PI3K-At, embora seja mais constante em adenocarcinomas endometrióides. Outra classificação muito utilizada é a graduação demonstrada a seguir feita pela FIGO, na qual o câncer de endométrio é classificado de acordo com a quantidade de tecido glandular no tumor: Grau 1: Mais ou igual a 95% do tumor é constituído por tecido glandular. Grau 2: Entre 94% a 50% do tumor é constituido por tecido glandular. Grau 3: Menos de 50% do tumor é constituido por tecido glandular. Além disso, existe o sistema de divisão binário entre os tipos 1 e 2 por fatores histológicos e moleculares. O tipo 1 são adenocarcinomas endometrióides de grau 1 e 2 com receptores positivos para estrogênio. Enquanto o tipo 2, que são mais agressivos e com pior prognóstico, são adenocarcinomas endometrióides de Grau 3, além de carcinomas papilares serosos; carcinomas de células claras; e carcinossarcomas de qualquer grau. O tipo 2 também são tumores que contém aneuploidias, mutações em TP53 e sem hormônios receptores para estrogênio. Embora, os tipos 2 não sejam influenciados pelo estrogênio na sua formação e crescimento como o tipo 1, níveis elevados desse hormônio permanecem sendo um fator de risco para ambos os tipos de neoplasia. Estadiamento O estadiamento do câncer de endométrio é baseado no exame clínico e diagnóstico por ultrassom transvaginal e biópsia, além de exames de imagem, como RM da pelve para avaliar a dimensão tumoral, acometimento de linfonodos e a relação do tumor com as estruturas adjacentes. Caso haja suspeita de tumor do tipo III ou IV, é necessário considerar RM ou TC de abdome para avaliar bexiga, intestinos e linfonodos pélvicos e para-aórticos. Além dos tradicionais FIGO e TNM, é utilizado a classificação de 2014 do ESGO-ESMO-ESTRO. Tabela 1 – Classificação TNM T T0: Sem tumor Tis: Tumor in situ T1: Tumor con�nado ao corpo uterino, incluindo envolvimento glandular endocervical T1a: Tumor limitado ao endométrio ou invade menos da metade do miométrio T1b: Tumor invade metade ou mais do miométrio T2: Tumor invade a camada de tecido conectivo da cérvix T3a: Tumor invade a serosa uterina ou/e ovários ou/e vasos ou/e ligamentos ao redor do útero T3b: Tumor invade a vagina e o paramétrio T4: Tumor invade a mucosa da bexiga ou/e do intestino. N N0: N1mi: N2mi: Metástase entre 0.2 mm até 2.0 mm em diâmetro em 1 linfonodo para-aórtico, com ou sem metástase em linfonodo pélvico. Sem acometimento de linfonodos regionais Metástase entre 0.2 mm até 2.0 mm em diâmetro em 1 linfonodo pélvico N1: Metástase maior que 20mm de diâmetro em 1 linfonodo pélvico. N2: Metástase maior que 2.0 mm em diâmetro em 1 linfonodo para-aórtico, com ou sem metástase em linfonodo pélvico. M M0: Sem evidências de metástase cM1: Presença de metástases à distância, incluindo em linfonodos regionais, vagina e serosa uterina. pM1: Presença de metástases à distância com con�rmação patológica e não incluindo metástases em linfonodos regionais, vagina e serosa uterina. Fonte: O Autor (2023). Tabela 2 – ClassificaçãoFIGO Estádio Características I Tumor con�nado ao corpo uterino e ovário IA Tumor con�nado ao endométrio ou de tipo histológico não agressivo com invasão miometrial menor que 50% de bom prognóstico, podendo haver envolvimento focal do espaço linfovascular. IA1 Tumor con�nado à um pólipo ou ao corpo uterino IA2 Tumor de tipo histológico não agressivo invade menos que metade do miométrio IA3 Tumor endometrioide de baixo grau limitado ao útero com envolvimento simultâneo de neoplasia do mesmo tipo no ovário IB Tumor de tipo histológico não agressivo invade metade ou mais do miométrio IC Tumor de tipos histológicos agressivos sem invasão miometrial II Tumor é de tipo agressivo com invasão miometrial ou de tipo não agressivo com invasão substancial do espaço linfovascular ou do estroma cervical sem extensão extrauterina IIA Tumor não agressivo invade o estroma da cervical IIB Tumor não agressivo com alta invasão do espaço linfovascular IIC Tumor de tipos histológicos agressivos com invasão miometrial III Invasões ou Metástases locais ou regionais do tumor de qualquer tipo histológico IIIA Tumor invade a serosa uterina ou/e os ovários ou/e os vasos ou/e os ligamentos ao redor do útero IIIB Invasão vaginal ou parametrial e metástase pélvica peritoneal IIIC Metástase para linfonodos pélvicos ou/e para-aórticos, incluindo micrometástases e macrometástases IIIC1 Metástase em linfonodos pélvicos IIIC1i Micrometástases IIIC1ii Macrometástases IIIC2 Metástase em linfonodos para-aórticos, com ou sem metástase em linfonodos pélvicos IIIC2i Micrometástases IIIC2ii Macrometástases IV Invasão da mucosa do intestino ou/e da bexiga ou metástases distantes Estádio Características IVA Tumor invade a mucosa do intestino ou/e da bexiga IVB Metástase em peritônio além da pelve IVC Metástase distantes, incluindo em linfonodos abdominais ou/e inguinais Fonte: O Autor (2023) Tabela 3 – Correlação entre TNM e FIGO Estádio T N M I T1 N0 M0 IA T1a IB T1b IC T1 II T1a, T1b, T2 IIA T2 IIB T1a, T1b IIC T1a, T1b III T3 IIIA T3a IIIB T3b IIIC Qualquer T N1mi, N1N2mi, N2 IIIC1 Qualquer T N1mi, N1 IIIC2 Qualquer T N2mi, N2 IVA T4 Qualquer N IVB Qualquer T cM1, pM1 Fonte: O Autor (2023) Tabela 4 – Classificação EGO-ESMO-ESTRO para prognóstico com base molecular Nível de Risco/ Tipo de Mutação Mutação POLE MMR de�ciente Sem per�l molecular especí�co p53 anormal Baixo Estágio I e II Adenocarcinoma endometrioide de Estágio IA de grau baixo - Intermediário - Adenocarcinoma endometrioide de Estágio IB de grau baixo Adenocarcinoma endometrioide de Estágio IA de grau alto Carcinoma papilar seroso; carcinoma de células claras; e carcinossarcoma de Estágio IA sem invasão do miométrio Estágio IA sem invasão miometrial Alto-Intermediário - Adenocarcinoma endometrioide de qualquer estágio com invasão profunda Adenocarcinoma endometrioide de Estágio IB de grau alto Adenocarcinoma endometrioide de Estágio II - Alto - Adenocarcinoma endometrioide de Estágio III-IVA Carcinoma papilar seroso; carcinoma de células claras; e carcinossarcoma de Estágio I-IVA com invasão do miométrio Estágio I a IV com invasão miometrial e sem doença residual Nível de Risco/ Tipo de Mutação Mutação POLE MMR de�ciente Sem per�l molecular especí�co p53 anormal Avançado ou Metastático Estágio II a IVA com presença de doença residual ou Estágio IVB Fonte: O Autor (2023). Tratamento O tratamento cirúrgico se vale de histerectomia total, salpingo-ooforectomia e avaliação linfonodal. Pacientes com subtipos agressivos podem requerer omentectomia. Pacientes jovens (< 45 anos) podem ser candidatas à preservação ovariana. Cirurgias videolaparoscópicas e robóticas demonstram melhor desempenho. Pacientes com neoplasia endometrial intraepitelial ou carcinoma endométrioide G1 sem invasão miometrial e p53 selvagem podem ser candidatas a tratamentos de preservação de fertilidade, que consiste em tratamento com progestágenos como Megestrol com avaliações histopatológicas seriadas, seguido de histerectomia e salpingo-ooforectomia após a gravidez. Pacientes com estadio I-II podem se beneficiar de Braquiterapia e/ou RT pélvica adjuvante, bem como de QT Esquema Portec-3 (Cisplatina seguido de Carboplatina + Paclitaxel). Também pode ser utilizado em pacientes com doenças de baixo grau, RH+ o uso de hormonioterapia com progestágenos (como Megestrol) e Tamoxifeno. Pacientes com estadio III são consideradas de alto risco, e recebem tratamento cirúrgico seguido de QT adjuvante com ou sem adição de RT. Em pacientes com doença metastática ou recorrente (estadio IV) a cirurgia só é indicada em casos em que o plano cirúrgico não comprometa muito o estado geral da paciente e consiga remover toda a doença macroscópica ou objetive interromper complicações como sangramento e/ou obstrução intestinal. Para a definição do tratamento sistêmico, é fundamental a análise de enzimas de reparo por IHQ. A QT se baseia em Carboplatina + Paclitaxel seguida de Cisplatina + Doxorrubicina + Paclitaxel + Filgrastima. Pacientes que apresentarem progressão da doença após tratamento com platinas se beneficiam de imunoterapia (a depender do status molecular do tumor). Tumores com MSI-H/dMMR podem se beneficiar de Pembrolizumabe e Dostarlimabe (uma droga anti-PD-1). Pacientes com MSS/pMMR se beneficiam de Pembrolizumabe + Lenvatinibe (uma terapia-alvo que inibe receptores TK de fatores de crescimento endotelial vascular). Seguimento As pacientes devem passar por avaliação clínica e ginecológica a cada 3-6 meses nos primeiros 2-3 anos, e então a cada 6 meses até completar 5 anos de tratamento. Pacientes com Síndrome de Lynch e outras variantes patogênicas se beneficiam de aconselhamento genético com especialista na área. É de fundamental importância a avaliação constante de doenças de base como síndromes metabólicas e a discussão de tópicos como saúde sexual, auto-estima e estilo de vida saudável durante as consultas antes, durante e depois do tratamento. 1 Acadêmico da FEMPAR. 2 Acadêmico da FEMPAR. 3 Cirurgião Oncológico. REFERÊNCIAS 1. LU, K. H.; BROADDUS, R. R. Endometrial cancer. New England Journal of Medicine, v. 383, n. 21, p. 2053-2064, 2020. 2. MAKKER, V; et al. Endometrial cancer. Nat Rev Dis Primers, vol. 9, cap. 7, 2021. 3. MAHDY, Heba; CASEY, Murray J.; CROTZER, David. Endometrial cancer. 2018. 4. LU, K. H.; BROADDUS, R. R. Endometrial cancer. New England Journal of Medicine, v. 383, n. 21, p. 2053-2064, 2020. 5. MAKKER, V. et al. Endometrial cancer. Nature Reviews Disease Primers, v. 7, n. 1, p. 88, 2021. 6. CROSBIE, E. J. et al. Endometrial cancer. The Lancet, v. 399, n. 10333, p. 1412-1428, 2022. 7. CONCIN, N. et al. ESGO/ESTRO/ESP guidelines for the management of patients with endometrial carcinoma. International Journal of Gynecologic Cancer, v. 31, n. 1, 2021. 8. PRAKASAN, A. M. et al. 22P A comparison of new ESGO-ESTRO-ESP endometrial risk classification with previous classification in predicting outcome. Annals of Oncology, v. 33, p. S392-S393, 2022. 9. BULUN, S. E. Physiology and pathology of the female reproductive axis. Williams textbook of endocrinology, p. 589-663, 2016. 10. BITENCOURT, L. M. P. et al. Câncer de Endométrio: Mortalidade Populacional e Sobrevida de uma coorte Hospitalar no Rio de Janeiro, Brasil. 2011. Tese de Doutorado. 11. INCA. Estatísticas de câncer. Rio de Janeiro, 24 nov. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt-br/assuntos/cancer/numeros. Acesso em: 25 ago. 2023. 12. SIMÕES, J. C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2. ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 13. BEREK, J. S. et al. FIGO staging of endometrial cancer: 2023. International Journal of Gynecology & Obstetrics , v. 162, n. 2, 20 jun. 2023. CÂNCER DA PRÓSTATA Helena Gomes1 Vitor Dias Gonçalves2 Luísa Miqueloto Santos3 Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna4 O câncer de próstata é uma neoplasia maligna que se desenvolve nas células do parênquima prostático, majoritariamente nos ácinos destaglândula do sistema reprodutor masculino. Nos tipos histológicos, os adenocarcinomas acinares correspondem a 95% dos tumores malignos de próstata e podem ser classificados de acordo com sua agressividade através dos critérios da International Society of Urological Pathology (ISUP), variando de grau 1 até 5. Os outros 5% incluem casos mais raros, como carcinomas de pequenas células, sarcomas e linfomas. Dentre os fatores de risco para o câncer de próstata (CaP) temos: tabagismo, histórico familiar de câncer de próstata, mama ou ovário, afrodescendência, idade e sobrepeso, mutações genéticas, pontos estes que são levados em consideração para o rastreio dos pacientes. Anatomia A próstata é uma glândula localizada logo abaixo da bexiga e anteriormente ao reto, envolvendo a porção inicial da uretra e com íntima relação com o colo vesical. As dimensões de uma próstata normal giram em torno de 3 cm de comprimento crânio-caudal, 4 cm de largura e 2 cm de profundidade anteroposterior, totalizando um volume de 15 a 20 cm3 (ou 15 a 20g) no adulto jovem. A glândula está envolta de uma cápsula de colágeno e tecido fibromuscular (que possui consistência fibro-elástica) e é dividida em três zonas: zona central, de transição e periférica (além da região do estroma fibromuscular anterior). Na zona periférica é onde há maior prevalência de desenvolvimento do tumor, em função disso atribui-se importância ao toque retal, o qual possibilita o contato digital com esta região. Epidemiologia No Brasil, é o segundo tipo de câncer mais comum entre homens (atrás apenas do câncer de pele não-melanoma) e é considerado a neoplasia da terceira idade, uma vez que cerca de 75% dos casos no mundo ocorrem a partir dos 65 anos. Países desenvolvidos têm uma taxa seis vezes maior de incidência em comparação aos países em desenvolvimento. Quanto a etnia, os negros possuem 1,6 vezes mais chances de ter câncer de próstata e 2,4 vezes mais chances de morrer por esse tipo de câncer se comparados com indivíduos brancos. Além disso, a história familiar de pai ou irmão com câncer da próstata antes dos 60 anos pode aumentar o risco de 3 a 10 vezes em relação à população em geral. Clínica Na fase inicial, o câncer da próstata tem evolução silenciosa. Muitos pacientes não apresentam nenhum sintoma ou, quando apresentam, são semelhantes à hiperplasia prostática benigna, necessitando de uma avaliação pelo urologista. Os sintomas, via de regra, começam a aparecer apenas em estágios mais avançados e podem provocar dor óssea, sintomas urinários (urinar pequeno volume e muitas vezes ao dia, dificuldade para urinar, dor para urinar e/ou ejacular e presença de sangue na urina ou sêmen) ou, quando mais grave, infecção generalizada ou insuficiência renal. Rastreio O rastreamento populacional tem sido alvo de debates crescentes. Entidades voltadas à formulação de políticas de saúde e diretrizes preventivas – como o United States Preventive Services Task Force (USPSTF), o United Kingdom National Screening Committee, o Instituto Nacional do Câncer (INCA) e o Ministério da Saúde (MS) – têm estudado as pesquisas sobre o assunto e questionado esta estratégia, considerando que os potenciais malefícios podem superar os benefícios. Alinhada com estas entidades e comprometida com a prevenção quaternária, a Sociedade Brasileira de Medicina de Família e Comunidade (SBMFC) vem assumindo a mesma postura e, em outubro de 2015, publicou um posicionamento oficial questionando a campanha Novembro Azul como estratégia de saúde para a população masculina. Entretanto, a Sociedade Brasileira de Urologia (SBU) e a European Association of Urology (EAU) recomendam oferecer o rastreamento do antígeno prostático específico (PSA) para homens acima de 50 anos, acima de 45 anos com história familiar de CaP, negros acima de 45 anos de idade, ou ainda estratégias adaptadas como em homens com PSA > 1 ng/ml aos 40 anos de idade ou PSA > 2 ng/ml aos 60 anos de idade, fazer exames bianualmente. Durante o Congresso Americano de Urologia de 2023 foi lançada a orientação de reduzir a idade de rastreio em 5 anos, comparada às diretrizes citadas anteriormente. Assim, o rastreio seria a partir de 45 anos e, para pacientes de risco elevado, a partir dos 40 anos. Sendo o limite para seguir o rastreamento homens com expectativa de vida menor que 10 anos ou com idade acima de 75 anos. O rastreamento universal de toda população masculina (sem considerar idade, raça e história familiar) não parece ser a abordagem indicada pela literatura. Apesar de permitir diagnóstico precoce do câncer de próstata e redução da mortalidade, o rastreio em massa pode trazer efeitos colaterais aos homens, devendo então haver abordagem individualizada neste sentido. A identificação de pacientes com alto risco de desenvolverem a doença de uma forma mais agressiva, através de parâmetros clínicos ou laboratoriais, pode ajudar a personalizar a indicação e frequência do rastreamento. Entre diversos fatores, a idade, raça e história familiar apresentam-se como os mais importantes. Como dito, o câncer de próstata é uma das neoplasias mais prevalentes no homem e esta incidência aumenta com a idade. No entanto, muitas vezes a evolução da doença não é lenta, de forma que uma intervenção em extremos de idade pode não resultar em aumento significativo de sobrevida, além de poder causar complicações indesejáveis, impactando negativamente na qualidade de vida do paciente. Embora sejam claros os benefícios de um diagnóstico precoce do câncer de próstata, a possibilidade de iatrogenias causadas por resultados falsos positivos, bem como a instituição de abordagens terapêuticas em pacientes idosos sem que haja benefícios para tal, assinala a necessidade de que a decisão sobre o rastreio seja individualizada e compartilhada com o paciente. Nos últimos anos, o desenvolvimento de novas tecnologias genéticas permitiu, pela primeira vez, uma análise abrangente das alterações genéticas e epigenéticas no câncer da próstata humano. Esta informação, combinada com estudos funcionais direcionados, ajudou a identificar vias de sinalização críticas que estão casualmente envolvidas na iniciação e progressão do câncer da próstata. Esta informação proporcionará uma oportunidade para o desenvolvimento de novas abordagens direcionadas para intervenções terapêuticas. Mais pesquisas para identificar genes associados a um risco aumentado de câncer de próstata, como o BRCA1 e BRCA2, estão em andamento e os pesquisadores estão coletando mais informações sobre o impacto que alterações genéticas específicas têm no desenvolvimento do câncer de próstata. Diagnóstico O diagnóstico pode ser realizado por meio da combinação de dois exames: dosagem de PSA (exame laboratorial que mensura o nível do antígeno prostático específico no sangue) e toque retal para a palpação da glândula, o qual possibilita ao médico identificar a presença de nódulos ou tecidos endurecidos, além de avaliar sua consistência. Sempre que houver anormalidades nesses dois exames, deve-se considerar a biópsia guiada pelo ultrassom transretal, o método mais utilizado no Brasil, na qual é feita a retirada de amostras de tecido glandular através de uma agulha, e o material é enviado para análise histopatológica, que propicia o caráter confirmatório do câncer. Caso sejam identificados sinais de malignidade, o médico patologista expressa o laudo de Adenocarcinoma e realizada a chamada Graduação Histológica do Sistema de Gleason, além do novo sistema determinado pela The International Society of Urological Pathology (ISUP), o qual determina a provável taxa de crescimento da neoplasia e sua respectiva tendência à disseminação, ou seja, a agressividade tumoral. Antes do início do tratamento, alguns exames devem ser solicitados para detecção de metástases ósseas e planejamento do tratamento: fosfatase alcalina, cintilografia óssea e ressonância magnética multiparamétrica (RNM MP) que inclusive, pode ser utilizada como estratégia complementar de rastreamento de tumores prostáticos,evitando-se biópsias desnecessárias. A partir da identificação de lesão suspeita, parte-se para a biópsia de fusão de imagem, a qual sobrepõe a imagem identificada às da ultrassonografia durante a própria realização da biópsia. O exame do PET-CT PSMA pode ser utilizado em pacientes de alto risco, sendo também útil em recidiva bioquímica e doença metastática. Tratamento É importante ressaltar que o tratamento do câncer de próstata é individualizado, de acordo com cada paciente, baseado em uma avaliação de risco-benefício. Dessa forma, ele é estabelecido de acordo com o estágio e disseminação da doença, considerando-se também outros fatores como idade e estado geral do paciente. No estágio I, tumores T1 ou T2a sem invasão de outras estruturas, com Gleason ≤ 6 e PSA < 10, a vigilância ativa, radioterapia e prostatectomia radical são opções indicadas, sendo a primeira adequada para homens idosos assintomáticos ou com comorbidades. No estágio II em tumores maiores, além das opções anteriores, também é possível a associação de hormonioterapia ou braquiterapia/radioterapia, braquiterapia isolada, e a participação em estudos clínicos. É, muitas vezes, realizada na prostatectomia radical a linfadenectomia (linfonodos pélvicos) - considerada a estratégia terapêutica padrão-ouro, seguida de radioterapia adjuvante ou após, como resgate, conforme parâmetros específicos, incluindo a pontuação de Gleason. Para o estágio III, com crescimento extra-prostático, contudo sem disseminação linfonodal ou para outros órgãos, as opções podem incluir radioterapia - associada ou não a hormônio e/ou braquiterapia -, e estudos clínicos ou prostatectomia radical em casos selecionados, também seguida ou não dessas terapias. Já no estágio IV da doença, disseminado, o objetivo do tratamento é contenção da progressão e melhoria na qualidade de vida do paciente. A quimio e hormonioterapias podem ser utilizadas nesse caso, associadas ou isoladas, além dessa última associada a radioterapia. Uma opção cirúrgica seria com o objetivo de alívio de sintomatologia obstrutiva ou hemorragia. Para as metástases ósseas podem ser utilizados Denosumabe, bifosfonatos (ácido zoledrônico), radioterapia ou radiofármaco (estrôncio-89, samário-153 ou o rádio-223). Neste contexto, a presença de metástases em um paciente ainda não tratado com qualquer terapia sistêmica ou na vigência do tratamento com resposta adequada à TPA (terapia de privação androgênica), caracteriza o CaP metastático sensível à castração (CPSCm). Em médio a longo prazo, invariavelmente, perde- se a resposta a essa terapia, caracterizando o CaP metastático resistente à castração (CPRCm). Em casos específicos da doença metastática, apresentam-se as seguintes possibilidades de tratamento: Tabela 1 – Indicações terapêuticas conforme condição do paciente Condição Opções terapêuticas Doença metastática sensível à castração. 1. Agonista ou antagonista de hormônio liberador do hormônio luteinizante (LHRH); 2. Orquiectomia; 3. LHRH + quimioterapia (docetaxel); 4. LHRH + apalutamide; 5. Abiraterona; 6. Apalutamida (bloqueadores receptor de andrógeno). A doença metastática resistente à castração. 1. LHRH + abiraterona associada a prednisona; 2. Enzalutamida + LHRH; 3. Quimioterapia com cabazitaxel + LHRH. Alterações genéticas em genes de reparo de DNA como Breast Cancer gene 1 ou 2 (BRCA1 e BRCA2). 1. Olaparibe; 2. Rucaparibe. Pacientes com metástases ósseas exclusivas, sintomática. Rádio 223 Outras terapias. 1. Lutécio 177-PSMA; 2. Quimioterapia com Cabazitaxel. Fonte: O Autor, 2023 Seguimento Após prostatectomia radical ou radioterapia, recomenda-se seguir com anamnese e exame físico, dosagem de PSA total a cada três meses no primeiro ano e, semestralmente, a partir do segundo ano. Pacientes em privação androgênica deverão ser monitorados com densitometria óssea pelo menos a cada dois anos para diagnóstico de osteoporose durante todo o período de privação. Existem alguns efeitos colaterais decorrentes do tratamento que prejudicam a qualidade de vida do paciente, dentre eles: fogachos, impotência, diarreia, ginecomastia, ganho de peso, dislipidemias e aumento do risco de eventos coronarianos e mortalidade cardiovascular. Paciente com Gleason 6 em vigilância ativa, deve fazer toque retal a cada 6 meses, RNM a cada 12 meses e biópsia a cada 12 meses. Recorrência Bioquímica A recorrência bioquímica pode ser definida como a elevação dos níveis de PSA em pacientes submetidos a tratamento com finalidade curativa para a doença localizada. Pacientes com recorrência bioquímica após cirurgia radical apresentam PSA > 0,21 em três mensurações. O estadiamento da doença, para determinar seu nível de crescimento e invasão, é feito pelo exame PET-TC com Gálio G8-PSMA e ressonância magnética multiparamétrica Tesla 3. O tratamento neste caso será por radioterapia externa de salvamento para leito prostático e pelve combinada com agonista de LHRH por 6 meses ou bicalutamida 150 mg/dia por 24 meses. Já os pacientes com recorrência bioquímica pós radioterápica apresentam PSA > 2 ou 3 ng/mL acima do nadir (após radioterapia) ou 2 aumentos de PSA > 0,5 mg/mL comparados ao menor valor do PSA após radioterapia. O estadiamento é feito com PET-PSMA e o tratamento é feito com agonistas ou antagonistas LHRH (zoladex ou degarelix, respectivamente), bicalutamida 150 mg/dia. Outros tratamentos incluem prostatectomia radical, RT, HIFU (US focada de alta intensidade), crioterapia, e observação se o tempo de duplicação de PSA é maior ou igual a 10 meses. 1 Acadêmica da FPP. 2 Acadêmico da FEMPAR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Médica Patologista. REFERÊNCIAS 1. American Cancer Society. Initial Treatment of Prostate Cancer, by Stage and Risk Group. Disponível em: https://www.cancer.org/cancer/types/prostate- cancer/treating/by-stage.html. Acesso em: 17 ago 2023. 2. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Câncer de próstata. Disponível em: http://inca.gov.br. Acesso em: 18 nov. 2020. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Programa nacional de controle do câncer de próstata: documento de consenso. INCA, 2002. Disponível em: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/cancer_da_prostata.pdf. Acesso em: 18 nov. 2020. 4. FONSECA, Roberto Porto et al. Recidiva bioquímica em câncer de próstata: artigo de revisão. Revista brasileira de cancerologia, v. 53, n. 2, p. 167-172, 2007. 5. HOSPITAL DE CLÍNICAS DA UNICAMP. Série de manuais do Hospital de Clínicas da UNICAMP: manual de processos de trabalho da oncologia clínica. Campinas, 2013. 6. LUZ, M. de A.; SANTIAGO, J. H. D. ABORDAGEM CONTEMPORÂNEA DOS PACIENTES COM CÂNCER DE PRÓSTATA METASTÁTICO AO DIAGNÓSTICO. Portal Secad Artmed. Disponível em: https://portal.secad.artmed.com.br/artigo/abordagem-contemporanea-dos- pacientes-com-cancer-de-prostata-metastatico-ao-diagnostico. Acesso em: 17 ago 2023. 7. NETTER, F. H. Atlas de anatomia humana. 4. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2008. 8. SARRIS, A. B. et al. Câncer de próstata: uma breve revisão atualizada. Visão Acadêmica, v. 19, n. 1. 2018. 9. SIMÕES, J. C. et al. Manual acadêmico da liga de câncer, dor e cuidados paliativos. Curitiba: FEPAR, 2012. 10. SIMÕES, J. C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. CÂNCER DE TESTÍCULO Giulia Brunner Scutti1 Luisa Miqueloto Santos2 Prof. Dra. Samya Hamad Mehanna3 É uma neoplasia maligna caracterizada pelo crescimento anormal de células testiculares, com alto índice de duplicação das células tumorais. Há dois tipos de câncer de testículo: tumores de células germinativas, que correspondem a 95% dos casos, e os tumores de estroma/ cordões sexuais. Dentro dos tumores de células germinativas existem os seminomas puros (de histologia puramente seminomatosa), que costumam aparecer entre os 25 e 45 anos e representam 40% dos casos, e os não-seminomas de células mistas, que correspondem a 60% de todos os tumores de testículo e geralmente surgem antes dos 30 anos de idade.Já os tumores de estroma englobam os tumores da célula de Sertoli e os tumores da célula de Leydig. Anatomia Os testículos são as gônadas masculinas e estão situados no interior da bolsa escrotal, localizada na região anterior do períneo, logo atrás do pênis. São cobertos por túnicas e ficam suspensos pelos funículos espermáticos. A drenagem linfática do testículo segue a artéria e a veia testiculares até os linfonodos lombares direitos e esquerdos. Esse órgão é a maior fonte de testosterona produzida pelos homens, e ainda é responsável pela manutenção da libido e produção dos espermatozoides. Epidemiologia O tumor de testículo corresponde a 5% do total de casos de câncer entre os homens e atinge principalmente homens entre 15 e 50 anos de idade, com incidência de cerca de cinco casos para cada grupo de 100 mil indivíduos. É facilmente curado quando detectado precocemente e apresenta baixo índice de mortalidade. Fatores de risco para desenvolvimento de câncer de testículo são: criptorquidia (afeta cerca de 3% dos homens, e aumenta de 3 a 5 vezes a chance de desenvolver câncer de testículo), antecedente de tumor testicular contralateral, história familiar e infertilidade ou subfertilidade, trabalhadores expostos a agrotóxicos também podem apresentar risco aumentado de desenvolver a doença. Outros fatores, como microlitíase testicular, vasectomia, trauma escrotal e/ou testicular, hérnia inguinal, tabagismo e HIV são apontados como de risco. Clínica A maioria dos pacientes apresenta uma massa escrotal, geralmente indolor. No entanto, deve-se ficar atento a outras alterações: aumento ou diminuição no tamanho do testículo, endurecimento, hidrocele, dor imprecisa na parte baixa do abdômen, sangue na urina, ginecomastia, aumento ou sensibilidade dos mamilos e puberdade precoce. Diagnóstico Ao descobrir uma massa testicular de caráter suspeito, além de uma boa anamnese e exame físico, as seguintes condutas devem ser tomadas: Solicitar exames laboratoriais: Hemograma, Lactato Desidrogenase (LDH), Painel Metabólico Básico e os marcadores tumorais - Alfa-fetoproteína (AFP) e Gonadotrofina coriônica humana (beta-hCG). Solicitar exames de imagem: Ultrassom testicular (que evidencia lesões homogêneas - mais preditivo de tumores seminomatosos; ou heterogêneas - mais preditivo de tumores não seminomatosos) e realizar uma orquiectomia inguinal radical. Quando sugestivo de tumores não seminomatosos deve-se considerar uma TC de abdômen e pelve com contraste. Em pacientes com anormalidades testiculares bilaterais, é indicado biópsia inguinal do testículo contralateral. No caso dos seminomas puros, a histologia do testículo removido vai apontar apenas tumores do tipo seminoma, a AFP estará normal, e o beta-hCG pode estar elevado. Já nos não seminomatosos de células germinativas, a histologia vai apontar tumores mistos, incluindo seminomas e não-seminomas, e a AFP vai estar elevada. Para o correto estadiamento do tumor e definição da conduta terapêutica pós- orquiectomia, a tomografia computadorizada do tórax, abdômen e pelve é de extrema importância. É necessário discutir com o paciente sobre a possibilidade de prótese testicular e, se indicado, sobre congelamento de esperma. Estadiamento O estadiamento dos tumores de testículo deve ser feito com base na classificação TNM de tumores malignos, e ajuda a definir prognóstico e, muitas vezes, curso de tratamento. Tabelas 1 e 2 – Classificação TNM e Estadiamento Clínico Estádio T N M S 0 Tis N0 M0 S0IA T1 IB T2, T3, T4 IS Qualquer T S1, S2, S3 IIA N1 S0, S1 IIB N2 IIIA Qualquer N M1a S0, S1 IIIB M0, M1a S2 IIIC M0 - S3, M1a - S3, M1b - Qualquer S T T0: Sem tumor Tis: Tumor in situ T1: Tumor limitado ao testículo e epidídimo sem invasão vascular/linfática. Invade túnica albugínea mas não vaginalis. T1a: Tumor < 3cm T1b: Tumor > 3cm T2: Tumor limitado ao testículo e epidídimo com invasão vascular/linfática. Tumor invade a túnica albugínea e a túnica vaginalis. T3: Tumor invade o cordão espermático com ou sem invasão vascular/linfática. T4: Invade o escroto com ou sem invasão vascular/linfática N N0: sem acometimento de linfonodos regionais. N1: Metástase com no máximo 5 linfonodos acometidos de no máximo 2cm. N2: Metástase com mais de 5 linfonodos entre 2 e 5cm. N3: Metástase em massa linfonodal maior que 5 cm. M M0: Sem evidências de metástase. M1a: Metástase para linfonodos não regionais ou para pulmão. M1b: Outras metástases à distância. S S0: Marcadores dentro dos níveis normais. S1: LDH <1,5xN e ꞵ-hCG <5.000mUI/ml e AFP <1.000ng/ml S2: LDH 1,5-10xN ou ꞵ- hCG 5.000- 50.000mUI/ml ou AFP 1.000- 10.000ng/ml S3: LDH >10xN ou ꞵ-hCG >50.000mUI/ml ou AFP >10.000ng/ml Fonte: O Autor, 2023 Tratamento O tratamento inicial consiste na extração cirúrgica da totalidade do testículo afetado (orquiectomia radical por inguinotomia). O tratamento posterior pode ser radioterápico, quimioterápico ou de controle clínico, dependendo do tipo histológico e estadiamento, que irá avaliar a presença ou possibilidade de disseminação metastática. Se houver linfonodos para-aórticos metastáticos em seminomas, o tratamento se dá por quimioterapia e radioterapia. Já em tumores não seminomas de estágio I deve ser feita vigilância com imagem, enquanto que os de estágios II e III são tratados por meio de quimioterapia. Os esquemas quimioterápicos mais utilizados no caso de câncer testicular são o BEP (Bleomicina + Etoposide + Cisplatina), EP (Etoposide + Cisplatina) e VIP (Etoposide ou Vinblastina + Ifosfamida + Cisplatina). Seguimento Pacientes com seminoma, após orquiectomia mais quimioterapia ou radioterapia devem, no primeiro e segundo anos após o fim do tratamento, ser acompanhados com consulta e marcadores séricos a cada 2 meses + TC de abdômen e RX (ou TC) de tórax a cada 4 meses. Já no terceiro ano, as consultas e marcadores séricos devem ser feitos a cada 3 meses + TC de abdômen e RX (ou TC) de tórax a cada 6 meses. Nos anos 4 e 5 de seguimento, consultas e dosagens de marcadores séricos devem ser feitas a cada 6 meses + TC de abdômen e RX (ou TC) de tórax devem ser anuais. As orientações gerais de seguimento para pacientes que tiveram tumores de testículo são: evitar tabagismo, controle de peso, monitoramento da PA, glicemia e perfil lipídico e realização de atividade física regular. 1 Acadêmica da FPP. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Médica Patologista. REFERÊNCIAS 1. BRASIL. Ministério Da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Câncer de testículo. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt- br/assuntos/cancer/tipos/testiculo/. Acesso em: 24 ago. 2023. 2. ACS. American Cancer Society. Testicular Cancer - Types of Treatment. Disponível em: https://www.cancer.net/cancer-types/testicular-cancer/types- treatment. Acesso em: 10 set. 2023 3. ACS. American Cancer Society. Testicular Cancer. Disponível em: https://www.cancer.org/cancer/types/testicular-cancer.html. Acesso em: 10 set. 2023 4. KUMAR, V. et al. Robbins Basic Pathology. 10. ed. [s.l.] Philadelphia, Pennsylvania Elsevier, 2018. 5. MOORE, K. L.; F, A.; A M R AGUR. Clinically oriented anatomy. 8. ed. Philadelphia: London: Wolters Kluwer, 2018. 6. NCCN. National Comprehensive Cancer Network. Evidence-Based Cancer Guidelines, Oncology Drug Compendium, Oncology Continuing Medical Education. Disponível em: https://www.nccn.org. 7. SBCO. Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncologia. Disponível em: https://sbco.org.br. Acesso em: 24 ago. 2023. 8. BRIERLEY, J.; GOSPODAROWICZ, M. K. WITTEKIND, C. TNM classification of malignant tumours. Chichester, West Sussex, Uk ; Hoboken, Nj: John Wiley & Sons, Inc, 2017. CÂNCER DO RIM João Rafael do Prado Martins1 Ricardo Abbud Torres Xavier2 Fernanda Arissa Takii3 Prof. Dra. Samya Hamad Mehanna4 O câncer de rim, também conhecido como carcinoma de células renais (CCR) ou hipernefroma, é definido como uma lesão expansiva sólida nos rins. Sua origem, na maioria dos casos (90-95%), é nos túbuloscontorcidos proximais que se localizam no córtex renal. As demais neoplasias renais, menos frequentes, são o carcinoma urotelial, proveniente da pelve renal ou ureter, o tumor de Wilms (TW), lesão maligna renal mais comum na infância e os linfomas renais, esses últimos mais raros. Anatomia O rim é um órgão par, retroperitoneal e responsável pela filtração sanguínea. Estendem-se do nível de T12 a L3, lateralmente à coluna vertebral e anteriormente à parede posterior do abdome. Topograficamente, os rins ocupam os flancos direito e esquerdo. É válido ressaltar que, devido a sua relação com o fígado, o rim direito se encontra um pouco mais inferior que o esquerdo. Os rins têm a forma de um grão de feijão e apresenta duas faces, anterior e posterior. Possui também dois bordos, lateral e medial, e dois polos ou extremidades, superior e inferior. O bordo medial é interrompido pelo hilo renal, abertura pela qual transitam, de anterior para posterior: veia renal, artéria renal e pelve renal/ureter, além de nervos do plexo renal. Partindo do hilo, encontra-se mais internamente um espaço limitado pelo próprio parênquima, o seio renal, que é preenchido por tecido adiposo e que contém as divisões dos vasos renais e dos cálices renais. Figura 1 - Anatomia renal externa Fonte: Adaptado de SmartServier.com, 2023 Os rins apresentam complexas relações anatômicas com diversos outros órgãos tanto retroperitoneais quanto intraperitoneais, sendo o conhecimento de tais relações amplamente importante na abordagem cirúrgica desse órgão. Figura 2 - Relações anatômicas renais Fonte: Adaptado de SmartServier.com, 2023 Epidemiologia O CCR é responsável por aproximadamente 2% dos cânceres em adultos com predomínio em homens, na proporção de 3:1. A faixa etária mais comum é dos 50 aos 70 anos. No Brasil, a incidência está em torno de 1:75.000 habitantes. Corresponde a terceira neoplasia mais comum do trato geniturinário, depois dos tumores de próstata e bexiga. No momento do diagnóstico, um terço dos pacientes apresenta metástases a distância, sendo pulmões (50%), ossos (33%), pele (11%), fígado (8%) e cérebro (3%) os locais mais frequentes. Os fatores de risco relacionados à neoplasia são síndromes genéticas, tabagismo, obesidade, exposição ocupacional (ex:cádmio, gasolina e chumbo), hipertensão arterial, doença renal cística adquirida (relacionado a diálise renal), uso prolongado de AINEs e utilização de estrogênios. Tipos histológicos A classificação histológica dos CCRs é fundamental, uma vez que determinar os subtipos histológicos têm significativas implicações no prognóstico do paciente e na terapêutica adotada. A determinação de cada subtipo deve-se principalmente à imuno-histoquímica, exame de grande acurácia. A variante mais comum do câncer renal é o Carcinoma de Células Claras, que representa 70% a 75% de todos os tipos, sendo a maioria do tipo esporádico (95%) e os restantes relacionados a síndromes hereditárias (von Hippel-Lindau e esclerose tuberosa). Tabela 1 – Subtipos histológicos de neoplasia renal Subtipo Inci- dência Néfron Proximal, Epitélio Tubular Idade Padrão de Sinal/ Densidade Comportamento Biológico Padrão Hemodinâmico após contraste Associações e Predisposições Células Claras 75% Néfron distal epitélio tubular >50 anos Densidade/ sinal heterogêneos Agressivo, de acordo com o estádio, grau de Fuhrman e alterações sarcomatoides Hipervascular Von Hippel- Lindau (25-45%) Esclerose Tuberosa (2%) Papilífero 10% Néfron Distal, Epitélio Tubular >50 anos Baixo sinal T2, hipodenso Agressivo, de acordo com o estádio, grau de Fuhrman e alterações sarcomatoides Hipovascular CCR papilífero hereditário Cromófobo 5% Néfron Distal, Células intercaladas dos túbulos distais >50 anos Hipodenso, sinal intermediário Baixa mortalidade (10%) Hipovascular Síndrome de Birt-Hogg-Dubé (associação com oncocitomas) Subtipo Inci- dência Néfron Proximal, Epitélio Tubular Idade Padrão de Sinal/ Densidade Comportamento Biológico Padrão Hemodinâmico após contraste Associações e Predisposições Cístico - Sólido 1-4% Semelhante ao de células claras, sem nódulos sólidos 4ª e 5ª década de vida Alto sinal T2, densidade líquida Indolente, sem metástases Realce de porções sólidas e septos Predomínio no Gênero Masculino Ductos Coletores 1% Túbulos Coletores >50 anos Baixo sinal T2, heterogêneo Muito agressivo, mortalidade de 70% em 2 anos Hipovascular Discreto predomínio no Gênero Masculino Medular 1% Néfron Distal 2ª e 3ª década de vida heterogêneo, in�ltrativo Extremamente agressivo Hipovascular Associado à anemia falciforme Translocação Xp11 Raro Néfron Distal/Proximal, pode se assemelhar ao papilífero ou células claras Crianças (primeira infância) Hipodenso, sinal intermediário T2 Indolente Hipovascular Gene FTE3 envolvido em sua gênese Tubulomucinoso Raro e de Células Fusiformes Raro Néfron Distal, Células Tubulares 4ª e 5ª década de vida Discreto hipersinal T2, pode ser cicatriz central Crescimento lento, metástases raras Hipovascular Predomínio no Gênero Feminino Associado a Neuroblastoma Raro Epitélio Tubular Proximal Adoles- cência (média 13 anos) Hipodenso, sinal intermediário T2 Indolente Hipovascular História pregressa de neuroblastoma Não Classi�cado 4-0% Variável Variável Variável High mortality Variável — Fonte: O Autor, 2023 É válido ressaltar a existência de cistos renais, que em sua maioria são achados de exames, assintomáticos, indolentes e que não merecem preocupações. Esses são classificados de acordo com Bosniak. Tabela 2 – Classificação de Bosniak Classi�cação de Bosniak Percentual de malignidade Signi�cado Conduta Tipo I: paredes �nas e regulares, sem septos ou calci�cações, densidade 0-20 UH, não realça com contraste 0 Com certeza um cisto simples Observação Tipo II: paredes com septações �nas <1mm, calci�cações lineares, regulares, cisto hiperdenso <3cm (densidade >20UH), sem realce de contraste. 0 Provavelmente um cisto simples Observação Tipo IIF: similares ao tipo II, mas sem características bem de�nidas, cisto hiperdensos >3cm. <10 Cisto simples complicado Seguimento constante Tipo III: paredes espessadas, septações espessas, irregulares ou múltiplas, calci�cações periféricas ou difusas, septos realçam com contraste. 40-60 Cisto complexo - pode ser cisto ou tumor Exploração cirúrgica Tipo IV: paredes espessas, septos espessos, calci�cações grosseiras, realce com contraste, massa sólida junto às paredes ou aos septos. 80-100 Provavelmente tumor Nefrectomia Fonte: O Autor, 2023 Clínica Apesar dos cânceres de rim poderem não apresentar sintomas em seus estágios iniciais, à medida que o tumor cresce e se desenvolve, várias manifestações clínicas podem ocorrer. É importante observar que a presença de sintomas não é exclusiva do câncer de rim, e muitos desses sinais podem ser causados por outras condições médicas. Dentre as principais apresentações clínicas temos: • Dor Lombar (presente em 40% dos casos): A dor na região lombar, abaixo das costelas, é um sintoma comum do câncer de rim. Pode ser intermitente ou constante e muitas vezes é unilateral. • Massa Abdominal (presente em 40% dos casos): Às vezes, um tumor renal pode ser palpável como uma massa abdominal. No entanto, isso geralmente ocorre em estágios avançados. • Hematúria (presente em 60% dos casos): A presença de sangue na urina é um sintoma característico do câncer de rim. A hematúria pode ser macro ou microscópica (detectada apenas em exames de laboratório). Esses 3 sintomas compõem a tríade clássica da doença, a qual manifesta-se de forma completa em apenas 10 % dos casos. Ainda podem aparecer outras manifestações clínicas ao longo da evolução da doença, tais como fadiga, perda ponderal inexplicada, febre, hipertensão arterial (o câncer de rim pode levar a um aumento na pressão arterial devido a substâncias produzidas pelo tumorque afetam o sistema circulatório), anemia e inchaço abdominal (pode ser tanto pelo crescimento tumoral quanto por ascite). Diagnóstico Pacientes com câncer no rim geralmente apresentam uma massa suspeita envolvendo o rim, detectada através de exame de imagem, como a ultrassonografia (USG) ou tomografia computadorizada (TC). Na atualidade, a realização mais frequente desses exames fez com que mais da metade desses tumores fossem diagnosticados de forma incidental numa fase mais precoce, assintomática e de melhor prognóstico. Todavia, cerca de 25% dos pacientes já apresentam metástases no diagnóstico. Após o achado radiológico, a investigação para se obter um diagnóstico definitivo consiste no estudo histopatológico do fragmento tumoral obtido por biópsia de parte da lesão ou estudo anatomopatológico da peça ressecada. Deve- se realizar exames complementares como hemograma, função renal, enzimas hepáticas, desidrogenase lática, cálcio total e análise de urina. Para pacientes com alterações da fosfatase alcalina, recomenda-se prosseguir o estadiamento com realização de cintilografia óssea. Para pacientes com sintomas pulmonares ou com radiografia de tórax anormal deve-se realizar TC de tórax. Estadiamento O estadiamento se dá através da classificação TNM, a qual está representada na figura Tabela 3 - Estadiamento do câncer renal T0 – Ausência de indício de tumor primário T1 – Maior diâmetro do Tumor medindo ≤ 7 cm e limitado ao rim T2 – Tumor maior que 7 cm e limitado ao rim T3 – Vasos maiores ou tecido perinéfrico atingido pelo tumor, tumor não atinge a supra renal e nem avança além da fáscia de Gerota. T4 – Extensão do tumor vai para além da fáscia de Gerota Estádio T N M 0 Tis N0 M0 I T1 N0 M0 II T0 N1 M0 III T2 N1 M0 T3 N0 M0 IV T4 QUALQUER N M0 QUALQUER T QUALQUER N M1 Fonte: AJCC/TNM 2018 (8° edição), adaptado • Estratificação de risco do Estadio IV: Critérios MSKCC NY: intervalo de tempo entre o diagnóstico e tratamento menor que 1 anos; Índice de desempenho (Karnofsky) < 80%; DHL > 1,5 vezes o limite superior de normalidade; Presença de anemia. Ainda, o IMDC adicionou neutrofilia e trombocitose. Assim temos: Risco baixo (prognóstico favorável): nenhum fator prognóstico adverso presente. Risco intermediário: 1 ou 2 fatores prognósticos adversos presentes; Sobrevida global de 22,5 meses. Risco Alto: 3 ou mais fatores prognósticos adversos presentes; Sobrevida global mediana de 7,8 meses. Tratamento Para doença localizada (estadios I-III) o tratamento isolado de escolha é a nefrectomia radical, essa com potencial efeito curativo. As possibilidades cirúrgicas incluem nefrectomia parcial (em tumores menores que 7 cm) ou radical por técnica convencional aberta, minimamente invasiva ou robótica e deve ser escolhido de acordo com fatores relacionados à doença e as características do paciente. Recentemente, a nefrectomia parcial é preferível sempre que viável pois estudos apontam menor risco de doença renal crônica, menor mortalidade e eventos cardiovasculares adversos. Condutas expectantes e vigilância ativa ficam reservadas para casos isolados de pacientes idosos sem condições cirúrgicas e ou portadores de comorbidades importantes com limitada expectativa de vida. Nos casos de doença localmente avançada e inoperável, metastática ao diagnóstico, ou recidivas pós tratamento curativo cirúrgico as opções são nefrectomia citorredutora, metastasectomia e terapias sistêmicas. A nefrectomia citorredutora deve ser considerada em casos de pacientes com boa performance clínica e baixo volume de metástases ou boa resposta ao tratamento sistêmico inicial. Já a ressecção cirúrgica de metástases deve ser realizada em pacientes que desenvolvam recidiva sistêmica de doença após tratamento cirúrgico inicial ou naqueles que apresentam doença residual apesar de terapia sistêmica. A opção terapêutica farmacológica de primeira linha é a imunoterapia que deve ser usada de maneira complementar após a remoção prévia das células neoplásicas por cirurgia. Quanto à quimioterapia, mostra-se ineficaz no CCR. Por fim, a radioterapia pode ser usada em casos de metástase em Sistema Nervoso Central e controle de dor óssea. Para Estádio IV (doença metastática), nos pacientes com prognóstico favorável, usar Pembrolizumabe associado a Axitinibe, ou Avelumabe + Axitinibe. Nos casos de risco intermediário e desfavorável tratar com Ipilimumabe + Nivolumabe ou Pembrolizumabe + Axitinibe ou Avelumabe + Axitinibe. Se a imunoterapia não for possível pode-se tratar com Pazopanibe, Sunitinibe ou Cabozantinibe. Seguimento O seguimento do câncer renal muda de acordo com o estágio da doença e fatores como a possibilidade de tratamento e qual tratamento foi seguido. A seguir estão os diferentes segmentos: Para estágio I: Acompanhamento durante vigilância ativa: TC ou RM de abdômen (com ou sem contraste) no período inicial de 6 meses e, após esse período, TC, RM ou Ultrassom ao menos uma vez por ano. Além disso, para a pesquisa de metástase pulmonar deve-se realizar anualmente Raio X ou RM de tórax Acompanhamento após ablação: TC ou RM de abdômen (com ou sem contraste), ou Ultrassom com contraste nos períodos de 1 a 3 meses, 6 meses, e 12 meses após a ablação, sendo que após esses períodos o acompanhamento se torna anual. Para a pesquisa na área torácica, de pacientes cuja amostra patológica demonstrou baixo risco, é indicado Raio X ou TC anualmente por 5 anos. Acompanhamento após nefrectomia radical ou parcial: TC ou RM de abdômen entre 3 a 12 meses após a cirurgia, após esses período fazer exames anualmente por 5 anos. Na área torácica, é indicado realizar, por pelo menos 5 anos, anualmente Raio X ou TC. Para estágio II: Acompanhamento após nefrectomia radical ou parcial: TC ou RM de abdômen, por 2 anos, a cada 6 meses, e até 5 anos realizar anualmente. Para acompanhamento torácico deve ser feito Raio X ou TX, por pelo menos 5 anos, anualmente. Para estágio III: Acompanhamento após nefrectomia radical ou parcial: TC ou RM de abdômen nos períodos de 3 a 6 meses, e TC ou RM, or US, a cada 3 a 6 meses durante um período de 3 anos, e partir de então deve ser realizado anualmente até 5 anos. Para segmento torácico, TC de tórax entre 3 a 6 meses, com TC a cada 3 a 6 meses por pelo menos 3 anos e depois anualmente até 5 anos. Para doença recidiva, em estágio IV ou irressecável: TC ou RM de abdômen para avaliar o pré-tratamento inicial ou antes da observação. Realizar acompanhamento com imagens a cada 6 a 16 semanas. Além disso, realizar RM da coluna e fazer escaneamento ósseo (de acordo com o médico). 1 Acadêmico da FEMPAR. 2 Acadêmico da PUCPR. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Médica Patologista. REFERÊNCIAS 1. BRASIL, Governo do Distrito Federal. Secretaria de Estado de Saúde. Protocolo de atenção à saúde: câncer renal, 2019. Disponível em: http://www.saude.df.gov.br/wp- conteudo/uploads/2018/04/Protocolo_de_Atencao_a_Saud e_Cancer_Renal Copia.pdf. Acesso em: 10 abr 2021. 2. CÂNCER de Rim. INCA Rio Preto. Disponível em: https://incariopreto.com.br/cancer-de-rim/. Acesso em: 10 set. 2023. 3. DENARDI, F. Tumores renais. FCM Unicamp, 2015. Disponível em: https://www.fcm.unicamp.br/fcm/sites/default/files/paganex/tumores_renal.pdf. Acesso em: 8 abr 2021. 4. FERREIRA, U.; ZANI, E. L. Câncer de Rim. Saúde direta, 2010. Disponível em: https://www.saudedireta.com.br/docsupload/1331413614Urologia_cap15.pdf. Acesso em: 8 abr 2021. 5. LJUNGBERG, B. et al. Diretrizes para o carcinoma de célula renal. Portal da Urologia, 2010. Disponível em: https://portaldaurologia.org.br/medicos/academia/assets/pdf/Dire trizes_para_o_carcinoma_de_celula_renal.pdf. Acesso em: 10 abr 2021. 6. MUGLIA, V. F.; PRANDO, A. Carcinoma de células renais: classificação histológica e correlação com métodos de imagem. Radiol Bras, v. 48, n. 3, p. 166-174, mai./jun. 2015. 7. PADUA, F. V.; WANCE, B. Diretrizes oncológicas, 2018. Disponível em: <https://diretrizesoncologicas.com.br/wp-content/uploads/2018/10/Diretrizes- oncol%C3%B3gicas-2_Parte24.pdf>.Acesso em: 10 abr 2021. 8. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2.ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 9. TORTORA, Gerald J.. Princípios de anatomia e fisiologia. 14 ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2016, 1201 p. 10. MOTZER, Robert J. et al. Kidney cancer, version 1.2024, NCCN clinical practice guidelines in oncology. Journal of the National Comprehensive Cancer Network. 11. NETTER, Frank H. Atlas de anatomia humana. 7. Rio de Janeiro: Elsevier, 2019, 602 p CÂNCER DA BEXIGA Vitor Dias Gonçalves1 Wagner Zacalusny2 Luana Naomi Miyawaki3 Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna4 A classificação anátomo-patológica do câncer de bexiga se baseia tanto nas características de arquitetura quanto nas citológicas, e são agrupadas em grandes grupos: carcinomas uroteliais (aproximadamente 90% dos casos), carcinoma de células escamosas, adenocarcinoma, tumores neuroendocrinos, tumores hematopoiéticos e linfóides, neoplasias mesenquimais e miscelânia. O carcinoma urotelial (células transicionais) é o subtipo histológico mais comum de câncer de bexiga e pode se originar em qualquer lugar onde haja urotélio. No entanto, mais de 90% dos carcinomas uroteliais surgem na bexiga urinária. Geralmente são precedidos de lesões precursoras, tendo como as mais comuns o tumor papilar não-invasivo e o carcinoma in situ (CIS). Nos casos de tumores invasivos, em cerca de metade dos pacientes não são encontradas lesões precursoras e, presume-se, que a lesão tenha sido encoberta pelo componente invasivo de alto grau. O câncer de bexiga afeta mais comumente a população idosa, entretanto há fatores de risco evitáveis para o seu desenvolvimento incluem: tabagismo, exposições ambientais/ocupacionais (tintas, tinturas de cabelo), exposição a certos medicamentos (ciclofosfamida), radioterapia prévia na pelve, exposição à infecção por S. haematobium e predisposição genética. Anatomia A bexiga é um órgão oco e muscular, notável por sua expansibilidade, desempenhando o papel de reservatório para a urina. Em adultos, repousa na pelve menor quando vazia, mas pode se expandir para a pelve maior em plenitude. No entanto, em lactantes e crianças pequenas, a bexiga encontra-se no abdômen, migrando para a pelve menor na puberdade. As paredes da bexiga são formadas principalmente pelo músculo detrusor. Perto do colo da bexiga masculina, as fibras formam o esfíncter interno da uretra, evitando refluxo de sêmen. Além disso, algumas fibras ajudam na abertura da uretra. Nos homens, conectam-se à próstata, nas mulheres a uretra feminina. Os pontos de entrada dos ureteres e o óstio interno da uretra estão nos ângulos do trígono da bexiga. Alças do músculo detrusor envolvem os óstios dos ureteres, evitando refluxos. A úvula da bexiga, proeminente em homens idosos, fica no trígono devido à próstata aumentada. Epidemiologia e fatores de risco O câncer de bexiga é classificado como o sétimo mais prevalente entre homens em todo o mundo e o décimo quando ambos os sexos são considerados. As taxas de incidência a cada 100 mil habitantes variam, sendo 9,5 para homens e 2,4 para mulheres globalmente. A taxa de mortalidade também apresenta diferenças entre os sexos, com uma taxa global de 3,3 para homens e 0,86 para mulheres. Esses números podem variar entre países devido a diferentes condições, como características populacionais, práticas de detecção e acesso aos cuidados de saúde, além de variações na qualidade dos dados de registros de câncer. Os principais fatores de risco associados ao câncer de bexiga incluem, como destaque, o tabagismo, que é responsável por cerca de metade dos casos, mesmo que o mecanismo preciso induzido pelo tabagismo ainda não tenha sido determinado. O tabagismo está relacionado à presença de aminas aromáticas e hidrocarbonetos aromáticos policíclicos na fumaça do tabaco, que aumentam o risco de câncer de bexiga. A exposição passiva ao tabagismo também está associada a um aumento do risco. Na sequência, a exposição ocupacional a certas substâncias químicas representa cerca de 10% dos casos. Ademais, a exposição ocupacional ocorre principalmente em locais industriais que processam tintas, corantes, metais e produtos à base de petróleo. Em ambientes industriais desenvolvidos, os riscos foram reduzidos devido a medidas de segurança no trabalho. Recentemente, a exposição ocupacional à emissão de diesel foi sugerida como um fator de risco significativo para o câncer de bexiga. Clínica A principal manifestação clínica é a hematúria macroscópica assintomática, podendo a urina se apresentar na coloração vermelho vivo ou com presença de coágulos. Ainda, o sangue pode estar presente microscópicamente, sendo este detectado nos exames de Urina Tipo I (EAS) e Citologia Urinária. Estima-se que a hematúria, quando somada a macro e microscópica, está presente entre 85-90% dos pacientes. Além disso, uma pequena parcela pode apresentar também disúria, urgência miccional e polaciúria. Na doença mais avançada, são descritas dores ósseas e em flanco devido à metástase, como também hepatomegalia e linfadenopatia supraclavicular. Menos comumente o câncer de bexiga pode levar a quadros de infecção do trato urinário e obstrução da via urinária superior principalmente em pacientes com quadros mais avançados da doença. Diagnóstico O diagnóstico é feito através da clínica do paciente juntamente com o auxílio de exames de imagem como a tomografia computadorizada. Ela permite avaliar o trato urinário superior e também a profundidade de tumores infiltrativos em parede muscular, além da presença de metástases. É importante considerar PET- TC em casos selecionados de doença músculo-invasiva. Na investigação, é importante a realização da cistoscopia, que permite detectar tumores superficiais, além de possibilitar a biópsia da lesão ou a ressecção transuretral (RTU) objetivando a análise histopatológica, estadiamento e até mesmo permitindo exérese completa de lesões de baixo grau. Tabela 1 – Estadiamento pelo Sistema TNM T Tx: Tumor primário não pode ser avaliado T0: Sem evidência de tumor primário Ta: Carcinoma papilar não invasivo Tis: Tumor in situ T1: Carcinoma com invasão até a lâmina própria T2: Carcinoma com invasão da camada muscular própria T2a: Carcinoma com invasão da camada muscular própria super�cial (metade interna) T2b: Carcinoma com invasão da camada muscular própria profunda (metade externa) T3: Carcinoma com invasão de tecidos perivesicais (gordura perivesical) T3a: Invasão microscópica T3b: Invasão macroscópica T4: Carcinoma com invasão de tecidos perivesicais (gordura perivesical) T4a: Invasão da próstata, útero ou vagina. T4b: Invasão da parede pélvica ou abdominal N Nx: Linfonodos não podem ser avaliados N0: Ausência de metástases para linfonodos N1: Metástase em 1 linfonodo intrapélvico (perivesical, obturador, ilíaco externo e interno ou sacral). N2: Múltiplos linfonodos intrapélvicos (perivesical, obturador, ilíaco externo e interno ou sacral). N3: Envolvimento de linfonodos ilíacos comuns. M Mx: Metástases a distância não podem ser avaliadas M0: Sem evidências de metástase M1: Presença de metástases à distância M1a: Metástase a distância limitada a linfonodos além do ilíaco Comum M1b: Metástase a distância não linfonodais M1b – Metástase a distância não linfonodais Fonte: O Autor, 2023 Tratamentos Indiscutivelmente, o componente mais importante na decisão do tratamento é a profundidade da invasão do tumor, principalmente se atingiu ou não o músculo detrusor. Se tal invasão muscular estiver presente, em geral, o paciente necessita de tratamento definitivo com abordagem radical, dissecção bilateral de linfonodos pélvicos e derivação urinária como padrão de tratamento. Alternativamente, protocolos de quimiorradiação que poupam a bexiga também podem ser considerados. A ressecção transuretral (RTU) é o procedimento inicial para todos os cânceres da bexiga e muitas vezes são utilizados quimioterápicos intravesicais ou imunoterapias.Os tumores de baixo risco, iniciais e pequenos, podem ser tratados com RTU isolada e é indicado o acompanhamento com a cistoscopia. Já em casos T1 de alto grau ou “in situ” (de maior número e recorrentes) deve ser considerada a quimioterapia retovesical com gencitabina ou BCE ou imunoterapia (Pembrolizumabe). Em circunstâncias em que há invasão muscular (T2) e tecido perivesical (T3) pode ser feita a cistectomia parcial ou radical, quimioterapia sistêmica ou irradiação. Por vários anos houveram discussões e preocupações em relação à disponibilidade da terapia intravesical com bacilo Calmette-Guérin (BCG), uma imunoterapia em que, o mesmo bacilo administrado para a vacina da tuberculose, faz com o nosso sistema imunológico crie condições de atacar as células cancerígenas, atuando principalmente para evitar a recorrência do tumor. Portanto, de acordo com as Diretrizes de 2022 da National Comprehensive Cancer Network, os pacientes com câncer de bexiga não invasivo aos músculos de alto risco devem ser priorizados para terapia de indução com BCG, sendo considerada a terapia intravesical mais eficiente para os casos de câncer de bexiga iniciais e superficiais. A melhor opção pode incluir mais de um tipo de tratamento. A cirurgia de RTU, isoladamente ou com outros tratamentos, é usada para tratar a maioria dos cânceres de bexiga. Os tumores de bexiga em estágio inicial muitas vezes podem ser removidos, porém vale ressaltar que frequentemente as lesões são múltiplas na parede vesical. A cistectomia radical é uma forma de evitar isso, mas causa efeitos colaterais importantes. Se toda a bexiga não for removida, outros tratamentos podem ser usados para tentar reduzir o risco de novos tipos de câncer. Independentemente de outros tratamentos serem administrados ou não, é necessário um acompanhamento rigoroso para observar sinais de novos tipos de câncer na bexiga. Após a remoção da bexiga, o cirurgião enfrenta um desafio na seleção da derivação urinária. Esses procedimentos podem ser divididos em incontinentes (conduto ileal e urostomia cutânea) e derivações continentes, podem ser subdivididos em reservatórios cutâneos (nos quais o reservatório está conectado à pele abdominal necessitando cateterismo intermitente) e neobexiga (na qual o reservatório está conectado a uretra). Os condutos ilegais eram o padrão ouro para reconstrução urinária antes do advento dos desvios continentais, mas drenando continuamente estoma pode afetar a qualidade de vida de alguns pacientes. O médico deve analisar uma variedade de elementos antes de selecionar o procedimento ideal para paciente individual. Na ocorrência de metástases locais ou distantes a quimioterapia sistêmica ou irradiação deve ser empregada, adjuvante à cirurgia, se for possível. Considerar a quimioterapia neoadjuvante com protocolo M-VAC ou cisplatina e gencitabina. Para pacientes inelegíveis a cisplatina, a quimioterapia pode ser realizada com gencitabina e carboplatina seguida de avelumabe de manutenção. Pacientes com doença metastática e a presença de fusão ou mutação ou FGFR2 e FGFR3 recomenda-se Erdafitinibe, Pembrolizumabe ou Vinflunina. O Sacituzumabe-govitecan (um anticorpo anti-Trop-2 está ligado ao inibidor da topoisomerase I SN-38) tornou-se o segundo conjugado anticorpo-droga aprovado para o tratamento de câncer de bexiga. O ligante possui um local para clivagem por enzimas lisossômicas, também contém uma porção de carbonato hidrolisável. 1 Acadêmica da FEMPAR. 2 Acadêmico da UP. 3 Acadêmica da FEMPAR. 4 Médica Patologista. REFERÊNCIAS 1. AMERICAN CANCER SOCIETY. Key Statistics for Bladder Cancer, 2017. 2. BILIM, V. et al. Advanced Bladder Cancer: Changing the Treatment Landscape. Journal of Personalized Medicine, v. 12, n. 10, p. 1745, 20 out. 2022. 3. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional do Câncer (INCA). Tipos de câncer/câncer de bexiga. INCA, 2019. Disponível em: https://incariopreto.com.br/cancer-de-bexiga/. Acesso em: 28 Ago. 2023. 4. FLAIG, T. W. New Treatment Options for Patients With Bladder Cancer. Journal of the National Comprehensive Cancer Network, v. 20, n. 5.5, p. 570–572, maio 2022. 5. HARSHMAN, L. C. et al. Diagnosis of Bladder Carcinoma: A Clinician’s Perspective. Surgical Pathology Clinics, v. 8, n. 4, p. 677–685, 1 dez. 2015. 6. KUMAR, V. et al. Robbins e Cotran – Patologia – Bases Patológicas das Doenças. 8. ed. Rio de Janeiro: Elsevier, 2010. 7. LETAŠIOVÁ, S. et al. Bladder cancer, a review of the environmental risk factors. Environmental Health, v. 11, n. Suppl 1, p. S11, 2012. 8. MCANINCH, J. W.; LUE, T. F. Urologia geral. 18. ed. Porto Alegre: Amg Editora Ltda., 2014. 9. MOORE, K. L.; DALLEY, A. F. Anatomia orientada para a prática clínica. 7. ed. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan, 2014. 10. NARDOZZA JÚNIOR, A.; REIS, R. B.; CAMPOS, R. S. M. Manual de urologia. São Paulo: Planmark Editora, 2010. 11. NCCN. National Comprehensive Cancer Network. Clinical Practice Guidelines in Oncology: Bladder Cancer. v. 3.2023, 25. Mai. 2023. 12. SOCIEDADE BRASILEIRA DE UROLOGIA E SOCIEDADE BRASILEIRA DE PATOLOGIA. Câncer de bexiga: estadiamento e tratamento I. Revista da Associação Médica Brasileira, [S.L.], v. 54, n. 3, p. 196-198, 2008. 13. YOU, D.; LIM, B.; KIM, C.-S. Surgical Treatment in Urinary Bladder Cancer. 1 Jan. 2021. CÂNCER DO ESÔFAGO Geovanna Morgado de Oliveira1 Letícia Midori Michalawiski Yamaoka2 Gabriel Dziurkovski Machado3 Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna4 O câncer de esôfago engloba todas as neoplasias malignas que surgem dos tecidos esofágicos e que possuem dois principais tipos histológicos: carcinoma de células escamosas e adenocarcinoma, que diferem quanto à localização e aos fatores de risco associados. O carcinoma de células escamosas, também chamado carcinoma epidermóide, acomete principalmente o segmento médio do esôfago, sendo mais relacionado com os hábitos de vida incluindo tabagismo, etilismo e consumo de bebidas quentes. Já o adenocarcinoma, é mais incidente no segmento distal, em que tanto o esôfago de Barrett quanto a doença do refluxo gastroesofágico (DRGE) entram como fatores predisponentes. Anatomia O esôfago é um órgão tubular fibromuscular que pode ser dividido em três porções: cervical (proximal), torácica (média) e abdominal (distal). Possui papel fundamental no reflexo da deglutição, em que sua função é conduzir o alimento da faringe até o estômago. É um órgão constituído por quatro camadas histológicas sendo elas: mucosa, submucosa, camada muscular (composta por músculos longitudinais e circulares) e adventícia ou serosa. Para desempenhar sua função, no segmento proximal há o esfíncter esofágico superior, o qual se abre ao estímulo tátil para passagem do bolo alimentar. No segmento distal, há o esfíncter esofágico inferior, que se fecha com a passagem do alimento, auxiliando no controle da passagem dos produtos até o estômago. Dessa forma, impede-se que o conteúdo gástrico volte para o esôfago, o que causaria o refluxo gastroesofágico patológico. Epidemiologia O câncer de esôfago é o sétimo tumor maligno mais frequente no mundo, tendo uma incidência anual de 9,3 a cada 100.000 homens e 3,6 a cada 100.000 mulheres em 2020 (desconsiderando o câncer de pele não melanoma). Afeta com maior prevalência homens a partir dos 50 anos com pico entre os 50 e 70 anos. O carcinoma de células escamosas é mais incidente em países em desenvolvimento, enquanto o adenocarcinoma é mais frequente em países desenvolvidos, estando este último relacionado a maiores taxas de obesidade. Clínica Na fase inicial, os pacientes com neoplasias de esôfago são assintomáticos devido à progressão lenta da doença - situação a qual relaciona-se com a obstrução progressiva da luz esofágica. Essa fase inespecífica é longa, e as manifestações clínicas são tardias, o que dificulta o diagnóstico precoce. Na doença avançada, o principal sintoma é a disfagia progressiva, mas outros como regurgitação, dor torácica, dor retroesternal, náuseas e vômitos podem estar presentes. O câncer deesôfago também pode causar uma perda ponderal involuntária que pode chegar até 10% do peso corporal. Diagnóstico O diagnóstico é realizado através da endoscopia digestiva alta, em que são realizadas múltiplas biópsias das lesões suspeitas para análise histopatológica. Além disso, análises imunohistoquímicas estão indicadas para cânceres pouco diferenciados ou indiferenciados quando não é possível fazer a distinção morfológica entre o adenocarcinoma, carcinoma de células escamosas, entre outros. Os tumores localizados na junção esofagogástrica (JEG) são divididos em: Tipo I: Esôfago distal, com o centro localizado entre 1 e 5 cm acima da JGE anatômica; Tipo II: De cárdia verdadeira Tipo III: Gástrico sub-cárdico, com o centro entre 2 e 5 cm abaixo da JGE. Após ser confirmado o diagnóstico, é feito o estadiamento TNM de acordo com o proposto pela American Joint Committee on Cancer (AJCC). Esta classificação deve ser iniciada por ultrassonografia endoscópica (EUS), avaliando invasão local tumoral e linfonodomegalias mediastinais. Em seguida, a tomografia computadorizada (TC) é utilizada para detecção de linfonodos acometidos e metástases à distância. Além disso, a broncoscopia é realizada para excluir presença de infiltração traqueal ou brônquica, paralisia de cordas vocais e/ou tumores sincrônicos de vias aéreas. Estadiamento A oitava edição do American Joint Committee on Cancer (AJCC), publicada em janeiro de 2017, separa o estadiamento clínico entre os subtipos histológicos adenocarcinoma e carcinoma de células escamosas (tabela 2). Vale salientar que as metástases em linfonodos celíacos são classificadas como linfadenopatia regional. Estadiamento e Tipos de Tumor: Tabela 1 – Estadiamento TNM do Câncer de Esôfago T T0: Sem tumor Tis: Tumor in situ T1: invade a lâmina própria, muscular da mucosa OU invade a submucosa T2: Invade a muscular própria T3: Invade a camada adventícia T4: Invade estruturas adjacentes N N0: Sem linfonodos acometidos N1: 1-2 linfonodos regionais N2: 3-6 linfonodos regionais N3: ≥ 7 linfonodos regionais M M0: Sem evidências de metástase M1: Presença de metástases à distância Fonte: O Autor, 2023 Tabela 2 e 3 – Estadiamento Clínico do Câncer de Esôfago Carcinoma de Células Escamosas Estádio T N M 0 Tis N0 M0 I T1 N0-N1 II T2 T3 N0 III T3 N1 T1-T3 N2 IVA T4 N0-N2 Qualquer T N3 IVB Qualquer T e N M1 Adenocarcinoma Estádio T N M 0 Tis N0 M0 I T1 IIA N1 IIB T2 N0 III T2 N1 T3 N0-N1 T4a IVA T1-T4a N2 T4b N0-N2 Qualquer T N3 IVB Qualquer T e N M1 Fonte: O Autor, 2023 Tratamento Além de sempre considerar terapia nutricional pré-operatória, o tratamento é feito de acordo com o estágio da doença e o escore de performance do paciente. Tumores restritos à mucosa são tratados com ressecção endoscópica como primeira escolha ou com esofagectomia associado a linfadenectomia. O tratamento para tumores localmente avançados é a esofagectomia após quimioterapia neoadjuvante e radioterapia concomitante (trimodal), sendo a QT neoadjuvante mais indicada para adenocarcinomas. A técnica cirúrgica utilizada depende do estadiamento e da localização do tumor. Já em tumores avançados, ou pacientes muito debilitados, a abordagem paliativa tem protagonismo, por meio da radioterapia combinada ou não à quimioterapia. Também é possível realizar dilatação via endoscopia, colocação de próteses auto expansivas e braquiterapia, laser e terapia fotodinâmica. Os protocolos incluem Carboplatina e Paclitaxel, radioterapia (5040 CGY) ou FOLFOX + radioterapia. Nas doenças metastáticas, o tratamento se dá com Cisplatina + 5-FU + Pembrolizumabe. Pode ser usado também somente Cisplatina + 5-FU ou então Oxaliplatina e Capecitabina. Já na segunda linha de tratamento, pode ser utilizado Pembrolizumabe e Nivolumabe. Figura 1 – Fluxograma para diagnóstico e manejo do paciente com neoplasia de esôfago Fonte: O Autor, 2023 Seguimento Uma vez que mais de 90% das recorrências ocorrem nos primeiros 2 anos da terapia locorregional, o seguimento se dá por consultas de 3 a 6 meses nos primeiros 2 anos, seguidos de acompanhamento a cada 6 a 12 meses por 3 a 5 anos. São realizadas tomografia de tórax e de abdômen, exames laboratoriais e avaliação clínica periodicamente. 1 Acadêmica da UFPR. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Acadêmico da FEMPAR. 4 Médica Patologista. REFERÊNCIAS 1. ABC do câncer: abordagens básicas para o controle do câncer. Instituto Nacional de Câncer José Alencar Gomes da Silva. 6. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: INCA, 2020. 2. AJANI, J. A. et al. Cânceres de esôfago e junção esofagogástrica. Versão 2.2023. In: National Comprehensive Cancer Network (NCCN) Clinical Practice Guidelines in Oncology (NCCN Guidelines). NCCN, 2023. Disponível em: https://jnccn.org/view/journals/jnccn/21/4/article-p393.xml. Acesso em: 22 ago. 2023. 3. DynaMed. Esophageal and Esophagogastric Junction Cancer. EBSCO Information Services. Disponível em: https://www.dynamed.com/condition/esophage al-and-esophagogastric- junction- cancer. Acesso em: 19 ago. 2023. 4. FARIA, L. D. B. B. et al. Câncer de esôfago. In: SANTOS, M. Diretrizes Oncológicas 2: câncer de esôfago. São Paulo: Doctor Press Ed. Científica, 2019. Cap. 10. p. 167-177. 5. GLASER, C. E. et al. Neoplasia de Esôfago. Acta Méd, v. 6, n. 38, p. 169- 177, 2017. 6. IARC (International Agency for Research on Cancer). Global Cancer Statistics 2020: GLOBOCAN Estimates of Incidence and Mortality Worldwide for 36 Cancers in 185 Countries. CA: A Cancer Journal for Clinicians, n. 71, v. 3, p. 209, 2021. 7. MATHEWA, N. TeachMe Anatomy, 2022. Disponível em https://teachmeanatomy.info/abdomen/gi-tract/oesophagus/. Acesso em: 8 set. 2023. 8. OBERMANNOVÁ, Radka et al. Oesophageal cancer: ESMO Clinical Practice Guideline for diagnosis, treatment and follow-up. Annals of Oncology, v. 33, n. 10, p. 992-1004, 2022. 9. SIMÕES, J.C. Câncer: estadiamento e tratamento. AJCC/TNM. 2. ed. São Paulo: Lemar/Goi, 2018. 10. SWANSON, S.; LOUIE, B. E.; SHAH, S. Surgical management of resectable esophageal and esophagogastric junction cancers. UpToDate, 2018. 11. ZHENG, Yi-Han; ZHAO, En-Hao. Recent advances in multidisciplinary therapy for adenocarcinoma of the esophagus and esophagogastric junction. World Journal of Gastroenterology, v. 28, n. 31, p. 4299, 2022 CÂNCER DE ESTÔMAGO Giulia Brunner Scutti1 Leticia Midori Michalawiski Yamaoka2 Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna3 Os cânceres gástricos são tumores malignos e se apresentam em diferentes tipos histológicos: adenocarcinoma (mais de 90% dos casos), linfoma (cerca de 5% dos casos), tumor estromal gastrointestinal - GIST (1%), tumor carcinoide e outros tipos mais raros (carcinoma de células escamosas, carcinoma de pequenas células e leiomiossarcoma). Anatomia O estômago é a maior dilatação do tubo digestório, localizado entre o esôfago e o duodeno. É responsável pelo acúmulo do alimento ingerido, e por fazer a digestão química e mecânica, absorção e secreção de hormônios. Ele está localizado topograficamente no epigástrio e parte do hipocôndrio esquerdo e se encontra entre o esôfago e duodeno. Quando vazio, o estômago apresenta diâmetro ligeiramente maior do que o intestino grosso, mas é capaz de se expandir consideravelmente, podendo conter de 2 a 3 litros de alimento. É dividido anatomicamente em quatro porções: cárdia, fundo, corpo e antro- piloro. Histologicamente, apresenta quatro túnicas: mucosa, submucosa, muscular própria e serosa. Os adenocarcinomas se desenvolvem a partir das células que formam a camada glandular interna do estômago (mucosa). Já os linfomas são encontrados na parede do estômago, os GISTs se iniciam nas células da parede do estômago denominadas células intersticiais de Cajal e os tumores carcinóides nas células neuroendócrinas produtoras de hormônios. Epidemiologia No Brasil, o câncer de estômago é o terceiro tipo mais frequente entre os homens e o quinto entre as mulheres. É mais frequente no sexo masculino (2:1), e tem incidênciaaumentada a partir dos 60-70 anos, em ambos os sexos. O adenocarcinoma gástrico atinge, em sua maioria, homens por volta da sétima década de vida, sendo que cerca de 65% dos pacientes diagnosticados têm mais de 50 anos. Estimativa de novos casos: 21.480; Homens: 13.340; Mulheres: 8.140 Número de mortes: 14.279; Homens: 9.007; Mulheres: 5.272 Clínica O câncer de estômago pode não apresentar sintomas específicos. No entanto, alguns sinais e sintomas como perda ponderal, hipo/anorexia, fadiga, sensação de estômago cheio, náuseas e vômitos frequentes, desconforto abdominal persistente, hematêmese e melena (fezes escurecidas, pastosas e com odor forte) podem indicar tumor gástrico. Além disso, o paciente pode sentir desconforto à palpação epigástrica durante o exame físico. Em estágios mais avançados, pode haver presença de massa palpável na parte superior do abdômen (que pode doer à palpação), hepatomegalia, linfonodomegalia supraclavicular (sinal de Virchow), nódulos periumbilicais (nódulo da irmã Maria José) e linfonodo axilar (linfonodo de Irish). Diagnóstico Não existe rastreamento para câncer gástrico. O diagnóstico é feito por endoscopia digestiva alta com biópsia à detecção de lesões pré-cancerosas ou cancerosas. A amostra coletada na biópsia é enviada para análise anatomopatológica. Eventualmente, alguns casos necessitam de imunohistoquímica para diferenciação entre adenocarcinomas pouco diferenciados e linfomas. Estadiamento Pode-se ainda, classificar o tumor no sistema TNM quanto ao nível de invasão do tumor, número de linfonodos acometidos e presença ou não de metástases à distância. Para realizar o estadiamento tumoral e planejamento terapêutico, pode- se usar a TC, o PET-TC e a videolaparoscopia. Tabela 1 – Classificação TNM T T 0: Sem tumor Tis: Tumor in situ T1a: Tumor invade lâmina própria ou camada muscular da mucosa T1b: Tumor invade a submucosa T2: Tumor invade a camada muscular própria T3: Tumor invade a camada subserosa T4a:Tumor invade a serosa (peritônio visceral) T4b: Tumor invade estruturas adjacentes. N N0: Sem acometimento de linfonodos regionais N1: Metástase em 1 ou 2 linfonodos regionais N2: Metástases em 3 a 6 linfonodos regionais N3a: Metástases em 7 a 15 linfonodos regionais N3b: Metástases em mais de 16 linfonodos regionais M M0: Sem evidências de metástase M1: Presença de metástases à distância Fonte: O Autor, 2023 Tabela 2 – Estadiamento clínico Estádio T N M I T1, T2 N0 M0 IIA T1, T2 N1, N2, N3 IIB T3, T4a N0 III T3, T4a N1, N2, N3 IVA T4b Qualquer N IVB Qualquer T M1 Fonte: O Autor, 2023 Tratamento Em caso de doença localizada, o principal tratamento é cirúrgico, com gastrectomia parcial ou total associada à linfadenectomia das cadeias de drenagem D1 e D2, retirando-se pelo menos 16 linfonodos. Pode ser realizada reconstrução do tipo Y de Roux (Figura 8). Para os estágios cT2 a cT4 e linfonodos positivos, realizar quimioterapia neoadjuvante antes da cirurgia, aumentando as chances de cura. Em alguns casos também pode ser necessário o tratamento com quimioterapia adjuvante. Quando se trata de linfoma gástrico, o tratamento depende de seu tipo e da extensão da doença, mas pode incluir erradicação de H. pylori, cirurgia, radioterapia, quimioterapia e Rituximabe. Os protocolos para adenocarcinoma gástrico incluem FLOT (Fluorouracil, Leucovorina, Oxaliplatina e Taxanos), FLOX (Fluoropirimidina e Oxaliplatina) ou um esquema de Fluorouracil e Cisplatina. Na quimioterapia paliativa, deve-se checar o status do HER2, se positivo, usar trastuzumabe ou quimioterapia. Já nos casos inoperáveis ou com metástases, o tratamento é paliativo, com objetivo de aliviar e/ou evitar sintomas, melhorando a qualidade de vida dos pacientes. Seguimento O paciente deve ser acompanhado com exame clínico trimestralmente por dois anos e depois, semestralmente, por até cinco anos. Os exames de imagem devem ser solicitados apenas na suspeita de recidiva. Pacientes com tumores de corpo ou antro devem ser acompanhados com endoscopia digestiva alta anualmente. Os marcadores tumorais CA19-9 e CEA são úteis para o seguimento. Além disso, deve haver um monitoramento para deficiência nutricional (vitamina B12 e ferro), principalmente após gastrectomia total. 1 Acadêmica da FPP. 2 Acadêmica da FEMPAR. 3 Médica Patologista. REFERÊNCIAS 1. Estatísticas de câncer. Disponível em: https://www.gov.br/inca/pt- br/assuntos/cancer/numeros. Acesso em: 24 ago. 2023. 2. MOORE, K. L.; F, A.; A M R AGUR. Clinically oriented anatomy. 8. ed. Philadelphia: London: Wolters Kluwer, 2018. 3. NCCN - Evidence-Based Cancer Guidelines, Oncology Drug Compendium, Oncology Continuing Medical Education. Disponível em: https://www.nccn.org. Acesso em 11 sep. 2023. 4. ORSO, I. R. B. Qualidade em endoscopia: como diagnosticar o câncer gástrico precoce? Endoscopia Terapêutica, 2016. Disponível em: https://endoscopiaterapeutica.com.br/ artigoscomentados/artigo-ivan/. Acesso em: 11 set. 2023. 5. SANTIAGO SALAZAR OCHOA; RODRIGO CASTAÑO LLANO. César Roux y su reconstrucción en Y de Roux: 130 años de historia. Revista colombiana de Gastroenterología, v. 37, n. 2, p. 249–251, 31 mai. 2022. 6. Sociedade Brasileira de Cirurgia Oncológica • SBCO. Disponível em: https://sbco.org.br. Acesso em: 24 ago. 2023. 7. Stomach Cancer - Types of Treatment. Disponível em: https://www.cancer.net/cancer-types/stomach-cancer/types-treatment. 8. Stomach (Gastric) Cancer—Health Professional Version - NCI. Disponível em: https://www.cancer.gov/types/stomach/hp. 9. BRIERLEY, J.; GOSPODAROWICZ, M. K.; WITTEKIND, C. TNM classification of malignant tumours. Chichester, West Sussex, Uk ; Hoboken, Nj: John Wiley & Sons, Inc, 2017. CÂNCER COLORRETAL Leandro Alencar Furtado Machoski1 Beatriz Arnaut Mendes2 Luana Naomi Miyawaki3 Profa. Dra. Samya Hamad Mehanna4 Definição O câncer colorretal (CCR) é o conjunto de todas as neoplasias malignas que acometem o intestino grosso. É desencadeado por diversas mutações, afetando principalmente as células da mucosa, podendo ser classificado molecularmente em dois subtipos: os tumores hipermutados, que apresentam mais de 12 mutações por milhão de bases, e os não-hipermutados, que têm menos de 8,24 mutações por milhão de bases. Estudos confirmam a existência de três principais mecanismos que levam a essas alterações: instabilidade microssatélite (MSI), instabilidade cromossômica e relacionada a malignização de adenomas (pólipos). A maioria destes cânceres originam-se de lesões pré-malignas a partir de adenomas tubulares, túbulo-vilosos e vilosos. Os adenomas ocorrem devido a alterações no DNA das células que realizam a renovação do epitélio intestinal, associadas ao gene APC (Adenomatous Polyposis Coli). À medida que as células mutadas avançam em direção à luz do órgão, o processo de apoptose usual não ocorre, resultando na formação do adenoma propriamente dito. Com o tempo, esses pólipos adenomatosos podem adquirir a capacidade de invadir outros tecidos, tornando-se potencialmente malignos. No CCR metastático, o principal meio de disseminação das células tumorais é o sistema venoso, por conta disso seus locais mais comuns de metástase são fígado e pulmão respectivamente. A metástase hepática é a mais comum por conta da drenagem pelo sistema porta, na qual apresenta íntima relação entre os órgãos, e geralmente apresenta um melhor prognóstico, já a metástase pulmonar é necessária a infiltração das células cancerígenas na drenagem sistêmica para que chegue ao pulmão, apresentando prognóstico mais reservado. Anatomia O intestino grosso é a parte mais distal do nosso sistema digestório, começando após a válvula íleo-cecal e terminando no ânus, tendo como principais funções a reabsorção de água e formação do bolo fecal. Podendo ser divido em sete partes: Ceco: inferior a válvula íleo-cecal, intraperitoneal e a porção mais proximal, porção mais proximal do cólon. Apêndice vermiforme: órgão linfóide conectado com o fundo do ceco e apresentamesoapêndice. Cólon ascendente: Parcialmente retroperitoneal, uma vez que apresenta contato com o peritônio ântero-lateralmente, e termina na flexura hepática. Cólon transverso: porção que apresenta o mesocólon transverso, revestida totalmente por peritônio e sua última porção é delimitada pela flexura esplênica. Cólon descendente: Parcialmente retroperitoneal uma vez que apresenta contato com o peritônio ântero-lateralmente. Cólon sigmóide: formato de “S”, o qual apresenta meso-sigmóide e sendo intraperitoneal. Reto: inicia cerca de 15 cm acima do ânus e é divido em 3 partes, reto superior, reto médio e reto inferior, apresentando 1 prega em cada região, sua porção mais distal é em contato com o ânus, sendo então chamado de junção anorretal, e a separação anatômica dessas duas regiões delimita a linha pectínea. A vascularização arterial se dá basicamente pela artéria mesentérica superior (AMS) e seus ramos, assim como pela artéria mesentérica inferior (AMI) e seus ramos. As três primeiras partes do cólon são irrigadas pelos ramos da AMS: artéria ileocólica (ceco), artéria cólica direita (cólon ascendente) e artéria cólica média (cólon transverso). Já as três últimas são pelos ramos da AMI: artéria cólica esquerda (cólon descendente), artéria sigmóideas (cólon sigmóide) e artéria retal superior (reto porção superior, às duas outras porções do reto são irrigadas por ramos da a. ilíaca interna). A vascularização venosa é feita por veias homônimas às artérias, e que drenam para o sistema porta-hepático (menos as porções média e inferior do ânus, que drenam para o sistema cava). O sistema linfático é feito por linfonodos pericólicos intimamente ligados às alças intestinais e linfonodos ileocólicos na região de transição entre intestino delgado e grosso, que drenam para os linfonodos intermediários/ mesentéricos, que acompanham os ramos das AMS e AMI, seguindo para os linfonodos centrais que acompanham a AMS e AMI, e assim por último chegam na cisterna do quilo. Epidemiologia De acordo com o INCA (2021), o câncer de cólon e reto é o 2º (segundo) tumor maligno mais prevalente na população brasileira, excluindo-se o câncer de pele não melanoma. Representando 21.970 (9,2%) dos novos casos da população masculina e 23.660 (9,7%) em mulheres. Sendo também a 2ª neoplasia primária com maior número de óbitos em toda a população, causando cerca de 10% de todas as mortalidades por câncer. Mundialmente, esses números podem variar de acordo com a localização geográfica, sendo ainda mais notório seu aparecimento em países mais desenvolvidos. O principal fator de risco é a idade, acometendo principalmente indivíduos acima dos 50 anos de idade, sendo relativamente raro acometimento abaixo dessa faixa etária. Além disso, herança familiar é um grande fator de risco, pois pacientes com alto grau de parentesco com indivíduos afetados, chegam a ter 15% a mais chance de desenvolver a doença. Outros fatores de risco contemplam: pacientes portadores de DII (Doença Inflamatória Intestinal), obesidade, consumo excessivo de carne vermelha e pacientes portadores da síndrome dos pólipos serrilhados. A Síndrome de Lynch é uma condição autossômica dominante que predispõe ao câncer colorretal hereditário sem polipose (HNPCC), sendo responsável por 2% a 3% dos casos de CCR no mundo. Além disso, os portadores da doença enfrentam um risco significativo, variando de 55% a 85%, de desenvolver câncer colorretal até os 70 anos de idade. A origem envolve mutações em genes de reparo de DNA, a análise imuno-histoquímica e o estudo molecular da instabilidade de microssatélites são procedimentos essenciais para o planejamento de tratamento. Em resumo, os portadores da síndrome devem realizar colonoscopia de vigilância a cada 1 ou 2 anos e continuar a triagem para os tipos de câncer associados a esta condição. Em um âmbito geral, no ocidente, pacientes que apresentam ao diagnóstico CCR metastático têm uma taxa de sobrevivência próxima a 35%, já pacientes CCR localizado uma taxa de 50%. Após tratamento adequado para CCR, esses pacientes representam o terceiro maior grupo de sobreviventes de câncer a longo prazo Clínica Clinicamente o paciente poderá apresentar alguns sintomas inespecíficos, sendo os mais comuns: fadiga, perda de peso, anemia e dor abdominal específica ou não. Já sinais característicos podem incluir: hematoquezia, melena, massa palpável aos exames abdominais ou retais e distúrbios intestinais. Porém, ao desenvolvimento metastático do CCR, há a possibilidade de apresentar outras condições, como por exemplo: caquexia, perda da função pulmonar, falta de apetite intensa e falência hepática. É importante ressaltar que o começo do desenvolvimento da doença geralmente é assintomático, começando a sintomatologia em estágios mais avançados. Diagnóstico A suspeita de CCR é iniciada com anamnese efetiva, a qual proporciona não só entender a sintomatologia, como também averiguar presença de fatores de risco como, por exemplo, histórico familiar e/ou obesidade. No exame físico, procura-se por eventuais achados relevantes, a exemplo de uma massa palpável abdominal ou durante o toque retal, que poderia indicar a presença do tumor. Nesse sentido, a clínica pode auxiliar na investigação mas, isolada, não é suficiente para o diagnóstico preciso de CCR. O exame adotado como padrão-ouro para o diagnóstico é a colonoscopia, que possui alta sensibilidade e especificidade para o CCR, mesmo em estágios iniciais ou pré-malignos. Sendo necessário, durante a colonoscopia, que o médico remova fragmentos (ou exérese completa) da lesão suspeita por biópsia. Vale ressaltar que a endoscopia digestiva baixa requer preparação adequada do intestino para possibilitar observação clara durante o exame. O diagnóstico histopatológico envolve a visualização microscópica, permitindo ao médico patologista definir o grau de malignidade da amostra ou até mesmo descartar o diagnóstico de CCR. Além disso, existem alguns marcadores tumorais que podem auxiliar na investigação, porém suas sensibilidades para essa etapa ainda são inferiores a 40%, como por exemplo o antígeno carcinoembriogênico (CEA) sérico que possui pequena relevância diagnóstica, porém é recomendado para identificar prognóstico nos que já possuem a doença e sensibilidade acima de 90% para recidivas pós-tratamento, sendo o principal marcador tumoral para CCR. Outros marcadores como CA-19- 9, CA 242, CA 72-4, podem ser importantes no acompanhamento de prognóstico e recidivas. Rastreamento De acordo com a National Comprehensive Cancer Network (o maior conglomerado de institutos de oncologia reconhecidos pelo Instituto Nacional do Câncer dos Estados Unidos), as diretrizes internacionais para rastreamento de câncer norte-americana são divididas entre pacientes considerados de risco médio, risco aumentado ou alto risco. Portanto, para pacientes de risco médio (45 anos ou mais, sem outro fator de risco) é recomendada a realização do rastreamento a partir dos 45 anos, realizando retossigmoidoscopia flexível, que visualiza as 3 últimas porções do sistema digestório, em intervalos de 5 a 10 anos dependendo dos achados de cada paciente. Além disso, é indicada a realização de colonoscopia quando os achados do exame da retossigmoidoscopia flexível forem considerados anormais ou suspeitos, devendo a colonoscopia ser realizada em intervalos de 10 anos. Por último, é recomendada a realização de exames de fezes para ajudar o rastreamento, como: exame para sangue oculto nas fezes e teste imunoquímico, ambos anualmente, e exames com biomarcadores de DNA modificado das células de CCR (mt-sDNA) a cada 5 anos. Já para pacientes de risco aumentado (apresentam histórico familiar de CCR ou DII), a recomendação quando um ou mais familiares de primeiro grau foi diagnosticado com CCR é começar o rastreamento 10 anos antes da idade do familiar à época do diagnóstico de CCR, ou 40 anos de idade caso o diagnóstico tenha sido mais tardio , realizando colonoscopia a cada 5 anos e exames de fezes igual aos de risco