Prévia do material em texto
Psicologia Comunitária - Unidade 1 PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: HISTÓRICO E EXPERIÊNCIAS Definição “Fazer psicologia comunitária é estudar as condições (internas e externas) ao homem que o impedem de ser sujeito e as condições que o fazem sujeito numa comunidade, ao mesmo tempo que, no ato de compreender, trabalhar com esse homem a partir dessas condições, na construção de sua personalidade, de sua individualidade crítica, da consciência de si (identidade) e de uma nova realidade social” (GOIS, 1990). Histórico e fundamento da Psicologia Comunitária no Brasil (Silvia Lane) Contexto → Estados Unidos: “Psicologia Comunitária” (assistencialismo). No Brasil: Psicologia Social Comunitária (encontros de 1981 e 1988). Golpe Militar. Desafios: Qual o lugar dos profissionais de psicologia na organização e na conscientização da população? Qual a formação necessária para esses profissionais? Encontro de 1981 (São Paulo) Centros Comunitários de Saúde Mental – Hélio Figueiredo (1977): Centro de Saúde Mental Comunitária do Jardim Santo Antonio; do atendimento individual ao debate sobre a identidade cultural. Educação Popular (Paulo Freire) – Pedro Pontual e Paulo Moldes (1981): Centro de Educação Popular do Instituto Sedes Sapientae. - organização dos trabalhadores por eles mesmos; - controle pela base dos movimentos populares; - aspecto organizativo como conscientizador dos movimentos; - o profissional como dinamizador, animador e não como liderança (educador popular); - definição dos problemas/demandas junto à população; - criação de estratégias de mobilização (quadrinhos, filme, assembleias). Em comum: equipe interdisciplinar; formação de grupos; conscientização; o encontro como lugar para “descobrir” a realidade; problemas: técnicas x natureza do psiquismo (sujeito/grupo/sociedade). O que é próprio do psicólogo: dinâmica de grupos; questões metodológicas e de avaliação; tensões e problemas de relacionamento. Psicodrama pedagógico com mulheres na periferia – Maria Alice Vassimon (1981): discussão de problemas do cotidiano; diferentes ações, como clube de mães, aproximação da escola, feira de arte; trabalhos com gestantes no posto de saúde. PSC na Paraíba – Bruhl e Medeiros (1981): formação de grupos para solução de problemas e assessoria para os grupos já existentes; conscientização. Encontro de 1988 (Minas Gerais) Ênfase nas técnicas de dinâmica de grupo. Do conhecimento de grupos e instituições à organização popular. Experiências: Formação de estudantes; Treinamento de moradores para auto-organização; Desenvolvimento grupal; autocontrole de situações por meio de atividades cooperativas; Resgate da subjetividade, de emoções e afetos; Presença de práticas terapêuticas (autoestima); Ação do psicólogo: na direção da autonomia (saúde); Avaliação: a subjetividade negada no poder/capitalismo. Histórico: Brasil e nos EUA Década de 1940 (Brasil): trabalhos comunitários na zona rural; centros comunitários; equipes interdisciplinares; organização de grupos. Após 2a Guerra Mundial (EUA): consolidação do capitalismo; centros para fomentar a solidariedade; “acríticos e aclassistas”; combate ao analfabetismo e ensino de tecnologias agrícolas; paternalismo e desenvolvimentismo; práticas assistenciais; nesse cenário, o psicólogo é o profissional clínico sem participação em ações comunitárias. Histórico Existem também trabalhos no campo nos quais a ação da psicologia é voltada para a construção da autonomia [ver os trabalhos de Cezar Góis e Verônica Ximenes]. Hoje Universidade Federal do Ceará (NUCON); Universidade Federal do Rio Grande do Sul (Grupo de Pesquisa em Psicologia Comunitária – Jorge Sarriera); UNIP (Grupos e Comunidades na Favela da Funerária). Conceitos -Grupos [e sujeitos]. -Consciência e atividade. -Identidade. -Linguagem (e pensamento). -Afetos (e vínculos). -Comunidade. PSICOLOGIA COMUNITÁRIA: CONCEITO DE COMUNIDADE Relação-relações ● Algo que para ser, precisa de um outro. ● Dialética. ● Exemplo: Maria (mãe) precisa de um outro (o filho). ● Somos por meio dos outros. ● Grupos: conjuntos de pessoas que estão relacionadas. ● Diferente dos grupos, quando “não há relações”: massa, multidão, público. Relações de dominação Modelo hegemônico das relações. Apropriação do poder (potencialidade) do outro (dominado). Tipos de dominação: -Dominação econômica. -Dominação cultural: étnica, de gênero, religiosa. -Dominação institucional. -Dominação e sofrimento. Relações comunitárias Oposição às relações de dominação. Horizontalidade. Quando o outro é tão importante para você quanto você mesmo. Relações nas quais: ● Os sujeitos possuem identidade, são reconhecidos pelo nome. ● Os sujeitos podem falar e ser ouvidos. Ou seja: os sujeitos podem ser (não são impedidos pela dominação). Comunidades Comunidades: grupos nos quais estão presentes relações comunitárias. Democracia. Ideia que contraria o senso comum (grupos pobres e vulneráveis que vivem em determinado local: favela). Prática do psicólogo comunitário: fomentar a instalação e a manutenção de relações comunitárias. INSERÇÃO NA COMUNIDADE Relação entre o psicológico e a comunidade: diferenças. Intervenção. Histórico. Década de 1970: ● Militância e participação política com pouca preocupação técnica. ● Caridade, filantropia e preocupação com desfavorecidos, atendimento psicológico gratuito. ● Curiosidade. ● Demanda: colaborar com a mudança, construção de conhecimento na área. Objetivos na intervenção Definidos a priori: sem discussão com a população. Definidos a posteriori: com a participação da população. Consequências da definição a priori: as identidades da população e do psicólogo não são questionadas; processo decisório não é participativo. Por outro lado, a posteriori, com participação: construção de condições nas quais as pessoas se sintam capazes [potentes] de mudar suas vidas em benefício próprio e dos outros (que não são vistos como ameaças). Processo de intervenção A partir de três aspectos: ● As necessidades da população devem indicar os caminhos para a prática do psicólogo em comunidade, significando, portanto, que os objetivos devam ser definidos a posteriori; ● O trabalho implica na construção conjunta de canais e alternativas para que a população assuma seu cotidiano, fomentando relações mais solidárias e éticas e desenvolvendo uma consciência crítica; ● Apesar das incertezas e das delimitações que vão acontecendo durante o processo de inserção, o psicólogo tem, sim, um domínio específico para sua ação, ligado aos chamados processos psicossociais que perpassam os cotidianos das pessoas [contexto e relações]. Inserção e participação Novos modos de relação. Instalação de redes de relação comunitária. Ações que possibilitem que as pessoas se percebam habilitadas a intervir nas suas vidas, incluindo os outros (que deixam de ser ameaças). Na ação: a população tem mais potência/poder do que pensa. Como se dá a ação Conhecer: história, gentes, dinâmicas/relações. Atuar (x intervir): grupos (trabalhos coletivos), avaliação científica, ação interdisciplinar. Tempo: variável e dependente [paciência e insistência]. Entrevista e observação Entrevista: ● Conhecer. ● Utilização da linguagem. ● Implicação da subjetividade do profissional. ● Promover conhecimento. ● Condição para planejar e atuar. Observação: ● Perceber (imagens, cheiros, gostos, sons...). ● Refletir. ● Relacionar. ● Condição para planejar e atuar. Unidade 2 PRÁTICAS LIBERTADORAS DA AMÉRICA LATINA Preocupações que vão direcionar o trabalho dos psicólogos comunitários a partir dos anos 90 ● Vida ● Libertação ● Cidadania, condição de cidadão ● Realidade latino-americana Temas norteadores das práticas comunitárias ● Sujeito (relação com o outro, relação com a história, a construção da subjetividade como processo coletivo e não individualizado) ● Consciência e conscientização ● Interdisciplinaridade ● Grupos (a partir de Rogers) ● Não caracterizar nossa prática como clínica, especificamente clínica social ● Opção: ao lado dos grupos oprimidos● Vivência (biodança) Recursos próprios da psicologia comunitária na américa latina ● Diálogo ● Organização comunitária ● Luta reivindicatória ● Círculo de encontro A educação popular ● Psicologia Comunitária + Educação Popular (Paulo Freire) ● Caminho para a mudança ● Formação de autores de processos emancipadores ● Conscientização ● Método Dialógico → Vivencial / Círculos de Cultura e ações ● Problematização (aprofundamento) Libertação na América Latina ● Libertação da opressão (versus liberdade dos indivíduos). ● Versus fatalismo/opressão. ● Perspectiva histórico-cultural: atividade comunitária (sujeito + coletivo). ● Psicologia da Libertação (Martin-Baró). Fortalecimento ● Potenciação - Empowerment - Empoderamento “Por fortalecimento, entende-se o processo mediante o qual os membros de uma comunidade (indivíduos interessados e grupos organizados) desenvolvem, conjuntamente, capacidades e recursos para controlar sua situação de vida, atuando de maneira comprometida, consciente e crítica para alcançar a transformação de seu entorno segundo suas necessidades e aspirações, transformando, ao mesmo tempo, a si mesmos” (MONTERO, 2010). ● Não é recebimento, mas apropriação das potencialidades para obter e administrar recursos destinados a transformar e superar relações de opressão, submissão ou exploração. ● Fazer uma vida “boa”. ● Caráter político: ocupação do espaço público. Objetivos ● Adquirir controle sobre o entorno e transformar para obter bem-estar coletivo e pessoal. ● Para superar as relações de opressão, submissão e exploração. ● Promover ações libertadoras dessas condições de opressão. Condutas essenciais para conquistar as transformações desejadas: ● Atividades e controle. ● Participação e decisão. ● Não é processo individual, mas coletivo. Processo Centra o controle e o poder na comunidade. Processos tomados da educação popular: problematização, desideologização, conscientização, problematização. Acrescidos de desenvolvimento ou aumento de: capacidade e atividade organizadora; formas participativas de ação, intervenção e pesquisa; poder político e sentimento de eficácia política; validade psicopolítica dos interessados em aumentar o controle sobre suas vidas e ambiente. Libertação pelo fortalecimento Processo em três etapas simultâneas: ● Ruptura do isolamento: desenvolvimento crescente do sentimento de ser-em-relação com o mundo (busca de sentido para o coletivo). ● Construção de uma compreensão cada vez mais crítica das forças sociais e políticas que atuam no (nosso) mundo de vida. ● Participação na vida pública: cultivar estratégias e recursos funcionais para a conquista de papéis sociopolíticos pessoais ou coletivos. PSICOLOGIA DA LIBERTAÇÃO Libertação Concepção que reconhece a liberdade do outro, deixando de ser um sujeito “sujeitado”, para ocupar um lugar de igualdade, ativo como ator social fundamental, proprietário de habilidades e conhecimentos específicos, de uma índole particular. Ignácio Martin-Baró (1942 – 1989) ● Escritor, professor universitário, padre. ● A psicologia deveria enfrentar os problemas nacionais e ser desenvolvida desde as condições sociais e as aspirações históricas das maiorias populares. Epistemologia ● Produção sócio-histórica do conhecimento. ● Crítica à assepsia. ● Rechaço a verdades absolutas e naturais. ● Negação das leis e princípios psicossociais universalmente válidos. ● Denúncia da forte carga ideológica favorecedora de interesses criados pela elite. Principais conceitos ● Regime político ○ Família (dependência), escola (passividade e individualismo) e moral (hipocrisia). ● Libertação ○ Emancipação dos grupos que sofrem opressão. ○ Satisfação digna das necessidades mínimas. ○ Desenvolvimento das necessidades e da autodeterminação. ○ Abarca também os grupos opressores. ○ Processo. ● Fatalismo ○ Inevitável. ○ Conformismo e resignação ○ Efeitos: dependência, exploração e opressão. ○ Interiorização da dominação social ○ Princípios: ■ A vida está predefinida. ■ A própria ação não pode mudar esse destino fatal. ■ Um Deus distante e todo poderoso decide o destino de cada pessoa. Prática psicológica e processo de libertação ● Propiciar uma forma de buscar a verdade desde as massas populares. ● Criação de uma nova práxis psicológica para transformar as pessoas e a comunidade, reconhecendo suas potencialidades negadas. Conscientização ● O opressor também se “desumaniza”. ● A grande tarefa: “E aí está a grande tarefa humanista e histórica dos oprimidos – libertar-se a si e aos opressores”. ● Falsa generosidade (Filantropia) é tentativa de amenizar a opressão: “a ordem social injusta é a fonte geradora permanente desta generosidade que se nutre da morte, do desalento e da miséria”. ● Os oprimidos estariam mais preparados para a libertação. ● “O grande problema está em como poderão os oprimidos, que ‘hospedam’ o opressor em si, participar da elaboração, como serem seres duplos, inautênticos, da pedagogia da sua libertação” (p. 34). ● Tarefa: superar a semelhança (identidade) com o opressor. ● Dificuldade: medo de deixar de ser oprimido: ser o que? (temor da autonomia). ● Libertação é dolorosa. ● “Este é um dos problemas mais graves que se põem à libertação. É que a realidade opressora, ao constituir-se como um quase-mecanismo de absorção dos que nela se encontram, funciona como uma força de imersão das consciências. ● Neste sentido, em si mesma esta realidade é funcionalmente domesticadora. Libertar-se de sua força, exige, indiscutivelmente, a emersão dela, a volta sobre ela. É por isso que só através da práxis autêntica que não sendo ‘blábláblá’, nem ativismo, mas ação e reflexão, é possível fazê-lo” (p. 42). A DESIGUALDADE SOCIAL BRASILEIRA Desigualdade ● Fatores objetivos e subjetivos. ● Existenciais. ● Relações sociais. ● Expressão política. ● Crescimento econômico e desigualdade (“primeiro fazer o bolo crescer e então dividir”). ● Naturalização da desigualdade: “invisibilidade”. ● “Histórico acesso diferenciado a recursos materiais e simbólicos, sustentado por relações sociais moldadas a partir deste processo” (p. 28). Segundo Jessé de Souza ● Humilhação, dor, desrespeito (UNS) X legitimação, prazer, saúde (OUTROS). ● Construção da miséria pessoal/emocional/existencial/política. ● Quem é gente/cidadão? = subcidadania. ● Habitus (persuasão invisível) = visão de mundo instituída no corpo, nos gestos. ● Subcidadania: justifica e naturaliza a desigualdade instalada no sujeito. ● Ralé (p. 37): segregada e classificada, sem acesso (diferenciado). A PSICOLOGIA SOCIAL-COMUNITÁRIA NA ASSISTÊNCIA SOCIAL ● Política Nacional de Assistência Social – Sistema Único de Assistência Social (2005). ● Política pública voltada para a garantia de direitos (versus modelo assistencialista e beneficente). ● Proteção Social Básica e Proteção Social Especial. ● Contexto: vulnerabilidade – atendimento a crianças, mulheres, idosos, famílias, população em situação de rua. ● Trabalho: planejamento, execução e avaliação. ● Prática interdisciplinar. ● Atuação em/com grupos. ● Vínculo. ● Compromisso social.