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63 A tensão entre esta concepção, mais dimensional, e aquela visão do transtorno como uma categoria bem demarcada poderia estimular um rico debate público sobre a “natureza” do TDA/H. Entretanto, não é isso que ocorre: a categoria chega até a mídia, pais e professores de forma simplificada, subordinando uma visão qualitativa de normalidade (o normal como um valor, sempre definido por uma série de relações com o ambiente) a uma visão quantitativa (na qual o anormal é tratado como fato objetivo). [...] Na falta de um marcador biológico específico, a estratégia reducionista precisa atuar em duas etapas. Primeiro, a ação e a atenção [...] são reduzidas a “funções” que devem ser medidas e comparadas com o padrão esperado de normalidade. [...] Quase simultaneamente, reduz-se essas funções a áreas ou neurotransmissores cerebrais [...]. Atualmente o DSM-IV-TR determina o emprego do termo “Transtorno de Déficit de Atenção/Hiperatividade” utilizando dois grupos de sintomas de mesmo peso para o diagnóstico: desatenção e hiperatividade/impulsividade. Entretanto, o CID 10, que corresponde à atual edição, preserva a ênfase na hiperatividade, com a nomeação “transtorno hipercinético” (LIMA, 2005). A justificativa, incluída no texto do manual, informa que a ausência da expressão “déficit de atenção” está relacionada a não disponibilidade de estudos consistentes e sugere a inclusão de crianças ansiosas, preocupadas ou sonhadoras apáticas na sua lista classificatória (OMS, 1993). Publicações fundamentadas no CID, como é o caso de textos de autores franceses contemporâneos, referem-se ao termo “hipercinesia” para caracterizar o transtorno. Barkley (2008), por sua vez, questiona a subdivisão adotada pelo DSM-IV, propondo que o tipo ‘predominantemente desatento’, constitua uma categoria nosológica diferenciada que designaria duas formas do transtorno, duas síndromes diversas no que diz respeito à etiologia. Antony e Ribeiro (2004) defendem que a hiperatividade define o transtorno, não havendo propriamente um déficit atencional. Entretanto, a Associação Brasileira de Déficit de Atenção - ABDA (2010) considera o déficit de atenção como o sintoma mais relevante na compreensão do quadro TDAH, o mesmo ocorrendo com Silva (2003, p. 20) que eleva a alteração atencional à “[...] condição sine qua non para se efetuar o diagnóstico”. Ao acompanharmos o percurso histórico do TDAH e seu processo de legitimação em suas conexões com as modificações que se processaram no DSM, pudemos refletir sobre a indissociabilidade entre a clínica e os processos sócio-político-ideológicos que a constituem. Segundo Aguiar (2003) a análise dessas relações nos mostra que a hegemonia da Psiquiatria Biológica emerge como um efeito das transformações nos modos pelos quais o capitalismo passa a produzir a realidade social. Dessa forma, podemos afirmar que os manuais classificatórios DSM-III e DSM-IV refletem os pressupostos ideológico-teóricos que sustentam o paradigma