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A prática médica no Sistema Único de Saúde

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Estudos de Psicologia I Campinas I 34(1) I 63-73 I janeiro - março 2017
http://dx.doi.org/10.1590/1982-02752017000100007
1 Universidade Federal de São João Del-Rei, Departamento de Psicologia. Praça Dom Helvécio, 74, Dom Bosco, 36301-160, São João
Del-Rei, MG, Brasil. E-mail: <lgcfilho@ufsj.edu.br>.
Artigo elaborado a partir da tese de L.G. CHIAVEGATO FILHO, intitulada “Trabalho e saúde: estudo com médicos do Sistema Único
de Saúde de Jaguariúna (SP) na perspectiva da Clínica da Atividade”. Universidade de São Paulo, 2011.
Agradecimentos: à Prof.ª Dr.ª Vera Lúcia Navarro.
▼ ▼ ▼ ▼ ▼
A prática médica no Sistema Único de Saúde: quando
uma atividade de trabalho pede socorro
Medical practice at the Unified Health System: When
a professional activity calls for help
Luiz Gonzaga CHIAVEGATO FILHO1
Resumo
As mudanças ocorridas no universo do trabalho na contemporaneidade atingiram diferentes categorias de trabalhadores,
assalariados ou não. Isso alterou de forma marcante a organização e as condições de trabalho, tornando-as mais
precárias. O trabalho do médico não escapou a essa lógica. Este artigo é fruto de uma pesquisa qualitativa que
objetivou investigar a prática médica no Sistema Único de Saúde de Jaguariúna, São Paulo. Os dados levantados
revelam a degradação da atividade de trabalho desses profissionais, motivada pela ausência de um coletivo de trabalho,
pelo empobrecimento da identidade profissional e pela vivência de uma atividade contrariada, condições derivadas
das mudanças apontadas acima. Entre os principais problemas de saúde associados estão a hipertensão e os transtornos
mentais comuns.
Palavras-chave: Médicos; Saúde do trabalhador; Sistema único de saúde.
Abstract
Changes in the contemporary professional world have affected different category of workers, including salaried
employees and self-employed persons. This fact has led to major transformations in work organization and working
conditions, making them even more precarious. Medical profession is not an exception and has been equally affected.
The present study is based on a qualitative study that investigated the medical practice at the Unified Health System
in Jaguariúna, a city in São Paulo state, Brazil. The data gathered show a marked decline of this professional activity
due to the lack of work collective, professional identity weakness, and frustrated activity. These conditions result from
the changes mentioned above. Among the major health problems associated with the aforementioned conditions are
hypertension and common mental disorders.
Keywords: Physicians; Occupational health; Unified health system.
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Não há dúvidas de que as mudanças tecno-
lógicas e organizacionais ocorridas nas últimas
décadas no mundo do trabalho afetaram de alguma
forma os diversos setores de atividade produtiva.
Essa condição, marcada especialmente pela flexi-
bilidade e intensificação dos ritmos de produção,
modificou os motivos de adoecimento e morte da
classe trabalhadora e insertou novos desafios,
exigências e constrangimentos ao trabalhador,
muitas vezes insuperáveis, que impactaram em sua
performance e saúde. Com a prática médica não
foi diferente. No entanto, ainda é preciso compreen-
der melhor os reflexos dessa modernização para-
doxal nas condições de vida e saúde dos trabalha-
dores, visando estruturar políticas públicas e estra-
tégias de enfrentamento.
Para Campos (2010), a prática médica, mes-
mo sendo caracterizada pela geração de produtos
não materiais e por ser uma atividade ao mesmo
tempo dinâmica, manual, reflexiva e, portanto, me-
nos suscetível à racionalização técnica e organiza-
cional, também foi afetada por esse cenário laboral.
Alguns estudos, como os de Barbosa, Andrade, Car-
neiro e Gouveia (2007), Brooks, Gerada e Chalder
(2011), Miller (2009), Schraiber (2008), Shen et al.
(2012), Wesley e Gerada (2013), demonstraram que
essas mudanças, ainda em curso, repercutiram na
autonomia profissional, na remuneração (assala-
riamento crescente), nos múltiplos vínculos empre-
gatícios, na rotinização e precarização do trabalho,
na relação médico-paciente, no comportamento
ético e, finalmente, na saúde desses profissionais,
sobretudo, na saúde mental, acarretando o uso abu-
sivo de drogas e o suicídio.
Diante disso, percebeu-se a necessidade de
desenvolver um estudo que procurasse descrever o
processo de trabalho médico e seus efeitos na saúde
do profissional, bem como identificar aspectos os
quais poderiam contrariar ou até mesmo impedir o
desenvolvimento individual e coletivo dos trabalha-
dores no sentido de ampliar a capacidade de ação
sobre suas próprias atividades e, consequente-
mente, superar situações de trabalho desgastantes
e degradantes. Esse foi, portanto, o objetivo desta
pesquisa qualitativa, feita por meio de um estudo
de caso (Yin, 2005) com médicos de Unidades Bá-
sicas de Saúde (UBS) do Sistema Único de Saúde
(SUS) do município de Jaguariúna, São Paulo.
O referencial teórico adotado fundamentou-
-se nos estudos da Clínica da Atividade (Clot, 2006,
2007, 2010, 2011, 2013), os quais indicam ser pos-
sível compreender o sentido das ações do sujeito
em situações de trabalho e as implicações de sua
subjetividade em sua atividade real. Buscou-se iden-
tificar como o sujeito articula seus recursos pessoais,
técnicos, sociais e psíquicos frente à imprevisibi-
lidade das situações de trabalho e como elabora
suas estratégias de preservação da saúde. Influen-
ciada pela Ergonomia da Atividade e pela Psicopa-
tologia do Trabalho, a Clínica da Atividade entende
o trabalho como uma categoria central para o de-
senvolvimento do ser humano, podendo, ao mes-
mo tempo, ser fonte de sofrimento, prazer e criati-
vidade (Lhuilier, 2013; Lima, 2007).
Método
Nesta pesquisa foram entrevistados 15 mé-
dicos das UBS de Jaguariúna, sendo 10 homens e 5
mulheres, de diferentes especialidades: oito clínicos
gerais, um geriatra, três pediatras e três gineco-
logistas. Além destes, participaram o Secretário Mu-
nicipal de Saúde e a Diretora Administrativa, médico
e técnica de enfermagem, respectivamente. Na
época da pesquisa, os médicos das UBS cumpriam
uma jornada de, no mínimo, 20 horas semanais con-
troladas pelo cartão de ponto. Alguns deles distri-
buíam a sua carga horária por mais de uma UBS.
Havia 33 médicos efetivamente contratados no
período da pesquisa, trabalhando não só nas UBS,
mas em outros setores da Secretaria de Saúde.
Os critérios para a inclusão dos entrevistados
foram definidos visando garantir a presença de pelo
menos um médico de cada UBS e cada especialidade
médica oferecida por esses serviços. Os seguintes
critérios também foram observados: ser do quadro
efetivo e estável da Prefeitura Municipal de Jagua-
riúna; ter mais de um ano de atuação no emprego;
estar no desempenho de atividades profissionais no
período da coleta de dados; e aceitar que as entre-
vistas fossem gravadas e, posteriormente, transcritas
na íntegra.
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O número de profissionais entrevistados foi
estabelecido pelo critério de saturação, conforme
apresentado por Fontanella, Ricas e Turato (2008).
Isso acontece quando os dados obtidos passam a
apresentar, na avaliação do pesquisador, certa
redundância ou repetição, considerando-se ainda
os “limites empíricos dos dados, a integração de
tais dados com a teoria e a sensibilidade teórica de
quem analisa os dados” (Fontanella et al., 2008,
p.18).
O estudo contou com duas etapas de entre-
vistas, todas realizadas nas dependências da UBS
do município. A duração das mesmas variou de 30
a 60 minutos, dependendo da disponibilidade dos
médicos, pois todos possuíam múltiplos vínculos
empregatícios. O fato do pesquisador, à época, tra-
balhar como psicólogo na Secretaria Municipal de
Jaguariúna facilitou o contatoinicial e a recepti-
vidade dos sujeitos para colaborar com a pesquisa.
Na primeira etapa, foram feitas entrevistas
individuais e abertas com os 15 médicos e os dois
gestores. Estas eram guiadas por um roteiro semies-
truturado que abordava a percepção sobre a pro-
fissão médica nos dias de hoje, as condições e a
organização do trabalho e os respectivos efeitos na
saúde física e mental do profissional, o médico en-
quanto trabalhador assalariado e as relações com
pacientes, colegas, hierarquia e com sua própria
atividade no interior das UBS.
 Na segunda etapa, cinco médicos que já
haviam participado da primeira etapa do estudo,
sendo um de cada UBS, foram novamente entre-
vistados. Entretanto, dessa vez o processo aconte-
ceu de forma diferente. Inicialmente, estava prevista
a formação de um grupo para autoconfrontação e
uso da técnica de instrução ao sósia, propostas pela
Clínica da Atividade (Batista & Rabelo, 2013; Fer-
nández & Clot, 2010). No entanto, diante da dificul-
dade em encontrar horários para reunir os médicos
fora do ambiente de trabalho e da ausência de apoio
da Secretaria de Saúde do município para a reali-
zação dos encontros durante a jornada de trabalho,
optou-se por uma adaptação através da realização
de entrevistas individuais baseadas nessas técnicas.
Entende-se que a autoconfrontação é possível mes-
mo quando realizada sobre a transcrição de um
depoimento, pois, de acordo com Lima (2001,
p.140), “trata-se de uma verbalização produzida
pelo trabalhador quando se confronta com os dados
coletados sobre seu comportamento e quando
responde a perguntas que incidem diretamente
sobre estes dados”.
Dessa forma, a segunda etapa foi realizada
com o pesquisador apresentando a transcrição do
material coletado nas entrevistas da primeira, a fim
de confirmar opiniões, esclarecer dúvidas ou apro-
fundar determinado tema, além de algumas inter-
pretações iniciais do pesquisador sobre os dados
obtidos. Nesse momento, foi possível confirmar, de
forma conjunta, um aspecto presente na situação
de trabalho que era comum a todos os entrevis-
tados. Tratava-se da dificuldade relacionada à orga-
nização das consultas, mais precisamente a difi-
culdade de adaptar-se à regra elaborada pelos ges-
tores de que cada consulta deveria durar apenas
quinze minutos.
Na sequência, fez-se a cada médico a per-
gunta regra da técnica do sósia: suponha que eu
seja o seu sósia e que amanhã irei substituí-lo, quais
seriam as instruções, relativas à consulta médica e
à dificuldade identificada acima, que eu deveria se-
guir para que ninguém percebesse a substituição?
A ideia é que cada sujeito entrevistado pudesse
orientar e instruir o pesquisador em como proceder
em uma situação real de trabalho, indicando o que
é feito habitualmente, o que deve ser evitado e os
procedimentos adequados, de forma a revelar,
como indicam Batista e Rabelo (2013, p.5), “os
subentendidos e os implícitos que sua atividade
comporta. O resultado dessa fase é, sobretudo, a
descrição das escolhas feitas pelo sujeito na reali-
zação de sua atividade”.
Na apresentação dos dados, optou-se por
substituir o nome dos participantes por letras do
alfabeto, visando garantir o sigilo dos depoimentos.
A análise foi construída por meio de um processo
contínuo em busca da identificação de dimensões,
categorias, tendências, padrões e relações, desven-
dando-lhes o significado. Trata-se de um processo
complexo, não linear, que implica um trabalho con-
tínuo de redução, organização e interpretação dos
dados obtidos.
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A presente pesquisa foi aprovada pelo Co-
mitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Faculdade de
Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto (Pro-
cesso CEP-FFCLRP nº 387/2008). Tanto na primeira
quanto na segunda etapa os médicos foram escla-
recidos sobre os procedimentos da pesquisa e, em
seguida, assinaram o Termo de Consentimento Livre
e Esclarecido.
Resultados e Discussão
A prática médica no Sistema Único
de Saúde de Jaguariúna
De acordo com os dados levantados, é pos-
sível afirmar que a prática médica nas UBS de Ja-
guariúna passava, à época do estudo, por um
momento de fragilização do ofício, ou seja, fragili-
zação das trocas intersubjetivas estabelecidas pelo
coletivo de trabalho. Isso representa um desgaste
nos recursos técnico e psicológicos para execução
das atividades previstas (Clot, 2010, 2013).
Essa degradação, como será possível obser-
var, aparece quando se analisa a dinâmica interna
do ofício em suas quatro dimensões, conforme pro-
posto por Clot (2010). Tem-se, portanto, as dimen-
sões impessoal, interpessoal, transpessoal e pessoal,
sendo que cada uma delas é o meio do desenvolvi-
mento da outra e, dessa forma, não devem ser vistas
isoladamente.
Na perspectiva da Clínica da Atividade, ofício
não é apenas um conjunto de ações, práticas e ativi-
dades partilhadas por uma dada categoria pro-
fissional em ambiente de trabalho. Nesse caso, ele
assume uma função psicológica importante na
medida em que é definido como um instrumento
de ligação fundamental para o desenvolvimento de
um conjunto de instâncias ou dimensões estabele-
cidas nas relações entre os sujeitos e a organização
de trabalho, que será detalhado mais adiante (Clot,
2010, 2013).
A dimensão impessoal está presente na pres-
crição das tarefas e é o primeiro e fundamental
recurso que um indivíduo deve possuir quando
começa a trabalhar em um novo local. Trata-se do
ponto de partida de uma ação. A ausência da pres-
crição oficial, ou sua ineficiência, podem compro-
meter a execução das atividades (Clot, 2010).
Em relação a essa dimensão, na época da
pesquisa todos os médicos estavam submetidos a
contratos regidos pela Consolidação das Leis do
Trabalho, cumprindo uma jornada de, no mínimo,
20 horas semanais e atendendo quatro pacientes
por hora, agendados de quinze em quinze minutos.
Essa regra formal foi a mais comentada e questiona-
da nos depoimentos e já evidencia a presença da
ideologia gerencialista no sentido de que exige o
cumprimento de uma meta e a racionalização da
produção. Os clínicos gerais foram os que mais se
queixaram a esse respeito, como pode ser observado
nos relatos a seguir:
Eu gosto de trabalhar com tranquilidade, o
meu tempo, o tempo que eu preciso para o
meu paciente, não o tempo que o serviço
quer me dar. Atender um paciente [na clínica
médica] a cada 15 minutos para mim é uma
tortura (Médico F).
Um dos problemas daqui é a questão do
tempo [a regra dos 15 minutos]. Principal-
mente se você faz clínica médica, pois
aborda-se muitas coisas para chegar ao
diagnóstico e acaba sendo muito estressante
ter que fazer rápido. É preciso correr e você
não consegue ser tão atencioso quanto
gostaria. Se fosse uma consulta de 10 mi-
nutos a mais, tipo meia hora ao invés de 15
minutos, o estresse seria muito menor
(Médica C).
Embora a autonomia profissional dos mé-
dicos, de acordo Schraiber (2008), tenha, historica-
mente, se configurado como um elemento funda-
mental para o exercício da profissão, garantindo
liberdade para se colocar no processo de trabalho,
nota-se uma progressiva perda dessa autonomia nos
serviços de saúde pública. Estes são cada vez mais
administrados com base em práticas e referências
de mercado, ou seja, na ideologia gerencialista
(Campos, 2010; Melo, Assunção, & Ferreira, 2007).
As propostas dessa ideologia caracterizam-
-se pela busca em descrever, explicar, interpretar e
analisar o mundo e a realidade circundante a partir
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de conceitos e categorias tidos como naturais e
oriundos da gestão privada, o que oculta a realidade
do poder subjacente. Nas últimas décadas, essa
configuração ideológica presente nas relações de
trabalho tem influenciado a sociedade e vem
ganhando espaço no setor público brasileiro, consi-
derado demasiadamente arcaico e burocrático
(Chanlat, 2002; Gaulejac,2007; Wood Junior &
Paula, 2010).
No depoimento dos gestores, foi possível
identificar claramente os elementos da ideologia
gerencialista, como as cobranças por mais flexibi-
lidade, trabalho em equipe, comprometimento e
vontade para o trabalho etc. A fala a seguir, de um
dos gestores, foi emblemática:
O dia que isso aqui for gerenciado como
uma empresa, para fazer bem feito,
entendeu... . O dia que a gente aprender a
fazer isso, todo mundo, você tem que
participar! Você tem que fazer mudar! Tem
que ser profissional! Acima de qualquer
coisa, acima de vontade política, amiga etc.!
(Gestor A).
Ao final das entrevistas com os gestores, fica
claro que os problemas no desenvolvimento de
políticas públicas de saúde estão mais relacionados
às estratégias de gestão do que ao debate episte-
mológico sobre o assunto. Isso se refletia no modelo
de atenção primária adotado pelo município na
época da pesquisa: o convencional ou hegemônico.
Esse modelo, de acordo com Paim (2008), é cen-
trado no atendimento de doentes e orientado pela
demanda espontânea da população ou induzida
pela oferta. Trata-se da promoção de uma assistên-
cia médica curativa e centrada na figura do pro-
fissional médico, como atestam os depoimentos a
seguir:
Aqui a gente trabalha muito na cura, a gente
não faz uma prevenção antes (Gestor A).
Entendo que as UBS teriam que trabalhar
na prevenção e na promoção da saúde. Mas
isso eu nunca fiz. Só atendo a demanda,
atendo a pessoa que já vem com um pro-
blema (Médico B).
Além da ausência de uma discussão acerca
da política assistencial de saúde a ser adotada no
município, notou-se a ausência de uma “prescrição
técnica” de como proceder antes, durante e depois
das consultas. Confirmando os achados de Clot
(2010), essa condição comprometia a execução das
atividades e gerava insegurança quanto ao que e
como as coisas deveriam ser feitas, notadamente
nos médicos com menos tempo de atividade no
município.
Até agora não foi feita se quer uma reunião
comigo, nada! Fui lá e pronto! [um ano e
meio de trabalho na UBS] (Médico B).
Eu fui jogado lá no posto de saúde, não re-
cebi nenhum treinamento! Nem pra preen-
cher os formulários. Eu era recém-formado,
primeiro emprego. Fui lá e tive que atender
32 pacientes por dia, com o que tinha lá.
Isso desgasta [um ano de trabalho na UBS]
(Médico I).
A ausência ou a insuficiência das prescrições
e, como se verá adiante, a impossibilidade da re-
novação individual ou coletiva da dimensão
impessoal por parte dos profissionais médicos foram
os primeiros sinais de que a dinâmica da função
psicológica do ofício poderia estar enfraquecida,
proporcionando desgastes e riscos à saúde dos mé-
dicos das UBS. No entanto, as dificuldades encon-
tradas na dimensão impessoal poderiam ser supe-
radas pelos profissionais através do acesso aos recur-
sos interpessoais construídos através de trocas e
diálogos entre os pares sobre as situações de tra-
balho vivenciadas nas UBS. Trata-se da dimensão
interpessoal, momento em que ofício se mostra en-
tre os profissionais e em cada um deles à medida
que dialogam sobre o real do trabalho, como um
apoio social (Clot, 2010).
Porém, os recursos interpessoais também
não estavam suficientemente disponíveis na ativi-
dade de trabalho dos médicos das UBS. A maioria
dos entrevistados reconheceu não só a ausência dos
mesmos, como também sua importância para
melhorar o desempenho da própria ação:
Ter uma melhor integração com os colegas
[sobre o que está faltando para melhorar o
trabalho]. Os médicos precisam ser mais
ligados, mais próximos, acho que é muito
individualista (Médica J).
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Aqui [Jaguariúna] cada um faz a sua parte.
Cada um no seu quadrado, mas eu acho
que esses quadrados deviam ser integrados,
porque um profissional precisa do outro
(Médico I).
Um negócio que eu percebi também é que
a medicina é uma profissão solitária. Você
tem que, às vezes, tomar a decisão sozinho.
Como aqui [Jaguariúna], que você está em
contato com muita gente, mas está soli-
tário... . É uma profissão muito isolada (Mé-
dico M).
Está-se diante, portanto, da segunda evidên-
cia da fragilização da função psicológica do ofício.
Essa troca coletiva para realizar a tarefa e repensá-
-la, quando bem-sucedida, produz a dimensão
transpessoal do ofício, que representa a história e a
memória profissional de uma atividade de trabalho,
a qual não pertence a ninguém e deve estar à dispo-
sição de todos os pares. Trata-se do gênero pro-
fissional (Clot, 2010).
Não se pode, então, tratar da atividade de
trabalho sem colocar a questão do lugar que os
outros (parceiros da atividade ou gestores) ocupam
nesse contexto. Como lembra Lhuilier (2013, p.484),
“a atividade é sempre o encontro singular de um
sujeito e de uma situação concreta, encontro onde
o outro é sempre convocado”. Nesse sentido, toda
atividade é endereçada, possuindo um ou vários
interlocutores e também é destinatária da atividade
dos outros. Mesmo o trabalhador estando só pode-
-se falar da presença de um coletivo invisível inva-
dindo e compondo o real de sua atividade.
O gênero profissional deve ser considerado
como um “prescrito coletivo”, ou seja, um conjunto
de regras não escritas, de caráter histórico e tran-
sitório, que um coletivo de trabalhadores partilha
em um determinado momento. Trata-se de um re-
curso coletivo o qual intercede na atividade pessoal
e opera de maneira tácita, contribuindo para que
os constrangimentos e imprevistos surgidos e vividos
nos ambientes de trabalho sejam categorizados e
administrados para a obtenção de bons resultados
e para a preservação da saúde, fundamental no
desenvolvimento da capacidade de ação individual
e coletiva sobre as situações de trabalho (Clot, 2006,
2010).
Porém, de acordo com Clot (2010), sem con-
tato com esse recurso genérico ou sem o respaldo
do coletivo de trabalho, a atividade individual fica
abandonada e insegura. Nota-se a ausência de
disponibilidade técnica e psicológica do coletivo de
trabalho, que não constrói uma linguagem comum
ou uma estratégia coletiva em relação às condutas
adotadas pelos trabalhadores em certas situações.
Como não há coletivo de trabalho e sim uma
reunião de indivíduos, cada profissional utiliza uma
tática diferente para enfrentar o real. Isso foi perce-
bido na maioria dos relatos sobre os procedimentos
de uma consulta médica:
Por dia você vai atender 16 pacientes! Ok,
você tem um esquema já definido de tra-
balho... isso acho que já é de personalidade,
cada um faz de um jeito (Médica M).
E é engraçado porque eu tento chegar bem
próximo mesmo deles [pacientes]. Explicar
de uma maneira simples, com palavras que
os leigos usam. Mas eu sinto que eu faço
parte da minoria, principalmente aqui [UBS]
(Médica L).
Essa é uma questão muito pessoal, tem
gente que usa “corticoide” ou “Melhoral”,
por qualquer coisa. Eu não discuto isso, é
uma questão pessoal e não acho que estou
nem certo nem errado (Médico O).
Tem-se, então, a terceira evidência da fragi-
lização da função psicológica do ofício. A maioria
dos médicos concorda que a forma como procedem
nas consultas está mais ligada a uma questão pes-
soal ou de personalidade, o que indica a ausência
do recurso transpessoal comentado acima.
A construção de um espaço para análise e
transformação das atividades de trabalho, tentativa
realizada na segunda etapa desta pesquisa com o
uso de entrevistas baseadas no método de Instrução
ao Sósia, apesar de facilitar a compreensão dos pro-
cedimentos de uma consulta médica nas UBS, não
foi suficiente para restaurar as qualidades do gênero
profissional e revitalizar o ofício enfraquecido.
Assim como Clot (2010), entende-se que o re-
conhecimento da dinâmica e da função psicológica
do ofício pela hierarquia é imprescindível para sua
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construção ou reabilitação. Entretanto,os médicos
que participaram dessa etapa reconheceram a im-
portância da confrontação como estratégia para o
desenvolvimento de suas atividades:
É uma coisa interessante de você ver [a
descrição da própria atividade para o su-
posto sósia substituto]. Eu gostaria de ver...
assistir você sendo representado, como você
é fielmente... não seria bom? Do que a
gente teria medo? De ver defeito, não é?
(Médica M).
Foi bom fazer isso, eu tentei imaginar assim,
será que eu estou falhando em alguma
coisa? É uma coisa meio... acho que lá
dentro da sua cabeça tem uma coisinha
assim pensando, não tem? Tem! (Médica L).
Imaginar alguém te representando? Foi
como você se ver de fora de você mesma.
Se eu pudesse sair mais e me ver de fora.
Seria ótimo para a gente melhorar. Será que
eu estou fazendo alguma coisa que eu estou
dando mancada? É interessante porque
pode ter coisa que eu vou gostar e pode ter
coisa que eu não vou gostar (Médica M).
No entanto, em tempos de avanço e conso-
lidação da ideologia gerencialista, os gestores das
UBS do município centralizavam as decisões sobre
a organização do trabalho, não permitindo que os
profissionais médicos, nas palavras de Clot (2010),
tivessem o “prazer de cuidar” de sua atividade.
Nesse caso, foi possível evidenciar os constran-
gimentos relatados pelos médicos em sua capaci-
dade de ação sobre o próprio fazer que, por sua
vez, restringiam as margens de manobra e as pos-
sibilidades de regulação da atividade, como os rela-
tos abaixo parecem indicar:
Não tem jeito, é isso mesmo. É passado pra
gente que deve funcionar no sistema de
convênio, tudo normatizado e que é isso
mesmo. O entendimento é esse (Médica L).
Hoje em dia a gente tenta desenvolver as
coisas, mas... na verdade, acaba tendo que
se adaptar mesmo (Médica B).
Isso aí é a parte que eu não me importo
[regra dos 15 minutos]. Acho que faz parte
da realidade, você acostuma com isso
realmente... mas nunca é do jeito que a
gente quer mesmo (Médica C).
Na proposta de Clot (2010), a dimensão
pessoal do ofício só é alcançada com o domínio
das dimensões impessoal e transpessoal por inter-
médio das trocas intersubjetivas do coletivo de
trabalho, ou seja, não é algo possível de se realizar
sozinho. Nesse instante, o trabalhador está pronto
para assumir as responsabilidades do desenvolvi-
mento da função psicológica do ofício diante dos
imprevistos de uma dada situação de trabalho. Para
tanto, é preciso legitimar e dar tempo para que essa
dinâmica, cujo desenvolvimento é imprevisível, se
consolide e renove sua vitalidade social.
No caso do enfraquecimento desse percurso
intersubjetivo, como é o caso entre os médicos da
UBS, diante das dificuldades encontradas para o
desenvolvimento de suas atividades, resta ao profis-
sional optar por uma transgressão individual, ou
seja, tomar uma decisão sem o apoio e respaldo
dos colegas. Esse fato, observado em alguns relatos,
pode acarretar problemas com hierarquia, pacien-
tes, os próprios colegas ou até consigo mesmo, em
um processo de “autoculpabilização” pelos proble-
mas da suposta ineficiência da atividade de trabalho,
sem estabelecer qualquer relação com suas condi-
ções e organização.
A gente deveria ter mais tempo para atender
cada paciente. Mas eu sou mais lenta mes-
mo (Médica L).
Acho que... culpa nossa, dos médicos
mesmo [de ter que se submeter às regras
administrativas], que começaram, talvez por
ganância, a se vender, vamos falar nesses
termos, a se vender muito barato (Médi-
co I).
A ausência dos recursos coletivos para ação
também pode ser evidenciada nos relatos sobre as
estratégias ou tentativas de enfrentamento dos
imprevistos de uma dada situação de trabalho, na
medida em que se mostraram pessoais e parti-
culares. Sem acesso ao coletivo de trabalho para
enfrentar o real, há duas possibilidades mais reco-
rrentes, ambas ineficientes: esconder-se atrás da
tarefa prescrita, da prescrição oficial, ou transgredir
individualmente aquilo que era para ser feito. Nesses
casos, o dado genérico necrosado se opõe à criação
coletiva e individual, suspendendo ou colocando
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obstáculos ao desenvolvimento da atividade. Para
evitar essa degeneração do gênero profissional, a
confrontação e a controvérsia são indispensáveis,
buscando estimular intercâmbios coletivos e conser-
var na atividade individual e na tarefa prescrita um
devir.
No entanto, sabe-se que atualmente, em
tempos de predomínio da ideologia gerencialista,
a função do trabalho de dar sustentação ao desen-
volvimento social dos sujeitos (função psicológica),
por ser fonte de iniciativa e criatividade, é pouco
explorada (Clot, 2007, 2010; Gaulejac, 2007).
Cada cruz no meu estetoscópio é uma cruz
que pesa [falando sobre a morte de pacien-
tes]... talvez eu precisasse de um psicólogo,
mas a minha esposa é muito companheira,
a gente vai conversando (Médico B).
Acho que é levar na boa mesmo. Procurar
não se carregar demais e resolver o que você
pode. Isso você aprende com o tempo mes-
mo. Ter um paciente que teve uma doença
muito ruim dá uma angústia na gente. Pra
mim demora dias pra digerir (Médico N).
Eu tenho que chorar um pouco e passa, vou
fazer alguma coisa que eu gosto, como ver
vitrine, por exemplo, passear num lugar em
que você possa não ser médico (Médico M).
De forma surpreendente, ainda sobre as es-
tratégias de enfrentamento, alguns médicos recor-
rem ao apoio religioso. Um dos entrevistados afirma,
inclusive, que a ausência da religião é um dos mo-
tivos que levam os demais colegas a adoecerem.
Depende muito de, vamos dizer, pessoal-
mente como é que eu estou começando o
meu dia, sabe? Se eu me proponho a estar
melhor e se eu falo: Deus, eu estou indo
trabalhar, eu não estou com paciência hoje,
mas eu espero que o Senhor me dê essa
paciência... . Acaba sendo uma estratégia
que funciona (Médica A).
Ficam doentes [os colegas], porque não
conhecem a Deus, não é? Claro que é! Você
conhece alguma pessoa que tenha proble-
ma de saúde e que está espiritualmente
bem?... . Eu creio assim: se estiver dentro
dos planos de Deus para minha vida, não
tem erro! Tem pessoas que dizem assim:
“Ah, mas está tudo ótimo na minha vida,
mas meu trabalho não tá legal”. Isso acon-
tece porque não é o trabalho que Deus
escolheu para ele. É falta de ouvir Deus!
(Médica H).
Eu rezo todo dia antes do trabalho. Eu
acordo, eu já falo: olha Deus, faz hoje o meu
dia ser bom. Se eu fizer alguma coisa errada
você me mostra na hora! Por favor, você
mostra ou você dá uma chance de eu con-
certar (Médica M).
Para Clot (2006, 2010), quando o trabalho
não exerce mais sua função psicológica, quando
ele se confunde com execução de procedimentos,
constatam-se vivências de impotência, ressenti-
mento e melancolia ou o contrário, euforia pro-
fissional. Com o avanço da ideologia gerencialista,
exige-se do trabalhador uma disponibilidade
psicológica que é, ao mesmo tempo, sufocada pela
gestão na imposição dos “jeitos de ser”. Para-
doxalmente, pela prescrição ou reordenamento da
subjetividade, a gestão não fornece a sustentação
necessária para o desenvolvimento dos coletivos de
trabalho, o que finda por contrariar, suspender ou
impedir o desenvolvimento da própria atividade exe-
cutada nos respectivos locais de trabalho. Trata-se
da amputação do poder de agir dos trabalhadores
sobre as situações de trabalho, o que, conforme
apontaram os depoimentos acima, parece afetar o
cotidiano dos médicos das UBS de Jaguariúna.
Esses casos onde se constata a ausência de
um coletivo e a vivência de uma atividade contra-
riada, são desgastantes e geram sofrimentos tanto
físico quanto mental. Assim, os trabalhadores pre-
cisam desenvolver uma ampla gama de mecanis-
mos de regulação, os quais geralmente asseguram
os resultados, mas eventualmente fazem fracassar.
As dificuldades, a impossibilidade de criar e gerir
as regras da própria atividade ou, como afirma
Canguilhem (1978), a impossibilidade de criar e
instaurar normas vitais,de produzir, transformar e
interagir com o meio e com os outros provavelmente
explicam os principais problemas de saúde relatados
pelos médicos, como a hipertensão e os transtornos
mentais menores.
Sempre tem [impacto na saúde]. Outro dia
a pressão subiu. Descompensou (Médico B).
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Agora só a pressão que começou a subir
novamente. Eu acho que, depois que eu
comecei a fazer esse posto [UBS], começou
a mexer na minha pressão de novo (Médica
C).
Lógico que faz mal trabalhar num serviço
que te exige atenção total e mental. No meu
caso, sou hipertenso. Por exemplo, eu tomo
três diferentes tipos de anti-hipertensivo e
tomo ansiolítico também (Médico I).
Os transtornos mentais comuns podem ser
indicadores de que o trabalho não exerce mais a
sua função psicológica. Alguns estudos eviden-
ciaram a relação entre a atividade profissional em
saúde, incluindo os médicos, e a incidência de trans-
tornos mentais menores (Braga, Carvalho, & Binder,
2010; Cabana, Ludermir, Silva, Ferreira, & Pinto,
2007; England, 2008). Alguns relatos dos médicos
das UBS confirmam essa relação:
A gente tem um desgaste emocional, que
eu acho alto, porque você se envolve emo-
cionalmente com o paciente o dia inteiro e
esse é um aspecto que eu acho difícil admi-
nistrar (Médico O).
O estresse é um problema. Falar que você
não chega estressada, cansada, desanimada,
é mentira. Ao ponto de eu falar: preciso de
férias, senão eu vou chutar a parede (Médico
E).
Estresse [quando perguntado se teve proble-
mas de saúde]. Eu já tive um episódio de
depressão há sete anos, por aí. Mas era uma
depressão com um componente de ansieda-
de tão grande que se eu parasse era pior,
então eu vinha trabalhar. Eu precisava tra-
balhar (Médica A).
Nas entrevistas, também foi comum os médi-
cos se recordarem de episódios envolvendo proble-
mas de saúde ocorridos com os colegas. Casos de
alcoolismo e depressão foram os mais relatados:
Eu já vi desde reação aguda ao estresse, em
que o indivíduo tem que tomar os antide-
pressivos, até conflito com paciente, com
equipe. Já vi muitos colegas com problema
de alcoolismo e até extremos de suicídio,
em número bem pequeno. Mas, basica-
mente, depressão e alcoolismo (Médico D).
Poucos médicos que trabalham comigo não
tomam remédio para alguma coisa do tipo
diabetes, hipertensão e ansiedade. Não es-
tou me lembrando de ninguém agora. Talvez
algum jovenzinho que acabou de chegar.
Mas se já trabalham a quinze anos, dez,
quinze anos, ninguém escapa. Quem vive
nessa rotina toma remédio para ansiedade,
depressão e pressão alta. Quase todo
mundo (Médico I).
Entretanto, os dados revelam o descaso e o
pouco cuidado dos médicos com a própria saúde.
Estes acabam não reconhecendo ou ignorando a
qualidade dos sintomas que apresentam, fruto tal-
vez da incerteza sobre com quem se pode contar
no ambiente de trabalho.
Eu percebo assim: bom, agora eu não posso
desacelerar, agora eu não posso segurar
minha agenda, agora eu não posso diminuir
o atendimento, eu tenho uma demanda pro-
gramada para isso daí... . Dá pra perceber
quando o trabalho afeta? Dá, mas você meio
que descarta isso logo. Por que não tem
jeito, é esse o esquema. Então tudo bem
(Médica L).
Eu, particularmente, sou uma pessoa que
não pensa muito na própria saúde. Pouco
faço exame. É só quando já estou muito ruim
mesmo. Acho que nem é arrogância, mas é
achar que está tudo bem, que você conhece,
e de repente quando vai ver não é bem
assim. A gente tem que aprender a ser
paciente também (Médica M).
Graças a Deus, eu tenho uma saúde boa.
Estou atualmente, aí com uma gripe de um
mês, que agora contaminou e virou uma
sinusite. Ontem eu estava péssimo, o an-
tibiótico começou a fazer efeito, mas nada
especial. Eu tenho uma boa saúde e me sinto
bem trabalhando (Médico F).
Conclusão
Os dados obtidos na pesquisa revelaram que
os médicos das UBS estão submetidos a um processo
de trabalho que lhes tira a autonomia para gerir as
próprias ações, lhes sobrecarregam e expõem a
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situações de muita pressão, cujos efeitos mais rela-
tados foram a hipertensão e os transtornos mentais
menores. Essa condição se agrava na medida em
que se constata a ausência de um coletivo de tra-
balho, o que enfraquece a dinâmica do ofício e fa-
vorece a vivência de uma atividade contrariada,
impedindo que o trabalho exerça plenamente a sua
função psicológica.
Como afirma Lhuilier (2012, p.23), “a ativi-
dade impedida, ‘contrariada’, ‘paralisada’, ‘suspen-
sa’ deve ser admitida, quando se quer que as rela-
ções entre saúde e trabalho sejam esclarecidas”.
Compreende-se dessa forma o desenrolar de inúme-
ras patologias no trabalho na medida em que, con-
tinuando com Lhuilier (2012, p.23),
a calibragem e a intensificação do gesto que
acompanham a organização taylorista do
trabalho tendem a reduzir a energia des-
pendida e otimizar a produtividade. Fazendo
isso, elas contribuem para um aumento da
carga física e psíquica de trabalho, forçando
o operador à inibição de toda iniciativa e
movimento espontâneo. A imposição dessa
formatação condena o operador não so-
mente à realização de gestos repetitivos, mas
também a uma contenção que é uma tensão
contínua (Lhuilier, 2012, p.23).
Nesse contexto, os estudos desenvolvidos
em situações de trabalho reais, fundamentados
pelas premissas da Clínica da Atividade, indicam
que ao invés de cuidar das pessoas é preciso cuidar
do trabalho para se obter avanços na saúde dos
trabalhadores. Para Clot (2010, p.222), cuidar do
trabalho é transformar a sua organização, ou seja,
“criar situações e encontrar técnicas nas quais se
transformem os trabalhadores em sujeitos da si-
tuação, fazendo-os protagonistas da transfor-
mação”.
As dimensões do ofício da prática médica
descritas anteriormente parecem ter um efeito
concreto na saúde desses trabalhadores. Isso se deve
ao fato de que, por meio delas, eles se reconhecem
no ofício e se transformam em sujeitos de uma ativi-
dade mediatizante no decorrer da qual é possível
recuperar o poder de agir. Portanto, a transfor-
mação coletiva do trabalho real dos sujeitos parece
ser fundamental para as construções subjetivas,
garantindo a transfiguração da organização oficial
a fim de mantê-la como instrumento diante do real.
Para tanto, é mais importante promover, durante a
jornada de trabalho, um tempo de confrontação
sobre o mesmo, com o intuito de desenhar os con-
tornos de uma configuração genérica, do que
reconhecer o sofrimento em situação de trabalho,
com vistas a criar uma forma de gerenciamento do
estresse (Clot, 2010, 2013; Lima, 2010).
Diante desse cenário profissional, devem ser
estimulados procedimentos hierárquicos nos ser-
viços de saúde, os quais não se restrinjam a questões
administrativas e burocráticas, mas que ampliem
sua atuação em direção à prescrição técnica do fazer
médico, propondo ações de saúde vinculadas aos
princípios básicos do SUS e que privilegiem a ati-
vidade real de trabalho. Além disso, esses proce-
dimentos devem reconhecer a dinâmica do ofício
em questão e as trocas intersubjetivas subjacentes
fundamentais para o desenvolvimento do cotidiano
dos profissionais médicos. Isso implica respeitar a
autonomia técnica da profissão e não reproduzir
os seus interesses corporativos.
Apesar de não ter sido possível construir e
consolidar, nesta pesquisa, um espaço para análise
e transformação das atividades laborais, espera-se
que este estudo, mais do que registrar e reconhecer
o sofrimento dos médicos, evidencie a importância
de se reconhecer a heterogeneidade da ação dos
funcionários nos ambientes de trabalho e o seu
papel ativo na organização e desenvolvimento das
atividades. Nesse caso, concordando com Clot
(2010, p.284), ao invés de favorecer o desenvolvi-
mento de “um novo campo de gestão dos recursos
humanos”, alinhadoà ideologia gerencialista, a
ideia é contribuir para o desenvolvimento de si-
tuações de trabalho mais saudáveis e estimulantes.
Finalmente, reconhecer a importância da vitalidade
do ofício talvez seja o primeiro passo para o desen-
volvimento de políticas públicas que orientem a
gestão de serviços de saúde no sentido de combater
a precarização e a degradação da atividade de
trabalho nesses locais.
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Aprovado: maio 24, 2016
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