Prévia do material em texto
SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 1 2 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ ESTADO E DESVIOS INSTITUCIONAIS O QUE SÃO DESVIOS INSTITUCIONAIS? O que define Estado é o conjunto de suas regras jurídicas. O fundamental é que essas normas são postas para controlar o exercício do poder no Estado Democrático de Direito, fazendo que governantes, políticos e qualquer cidadão estejam submetidos ao império da lei. Mas essa submissão dos agentes políticos não significa que não seja possível qualquer tipo de desvio. A noção de desvio implica a ideia de que um agente saiu de um certo caminho traçado. É como a água que transborda dos rios. Os rios são fluxos de água que seguem em uma direção específica. Quando transbordam, a água sai de seu fluxo normal e provocam estragos os mais variados. O desvio do fluxo da água também pode ser feito por intervenção humana, quando alguém muda a rota normal pela qual a água seguia. A norma jurídica posta pelo Estado tem a pretensão de ser algo semelhante a um rio, porque determina um fluxo da ação praticada por agentes humanos. Essa é a noção que a ideia de desvio produz. Mas precisamos pensar. Quando é possível falar que um desvio ocorreu? De acordo com essa analogia com o fluxo da água de um rio, o desvio ocorre sempre que o fluxo de nossa ação social sai de sua normalidade. E onde essa normalidade da ação está posta? O que diz o que é normal e patológico? O normal está instituído no Direito, o qual diz o que é proibido e o que é permitido. Não por acaso a palavra normal tem a raiz etimológica da palavra norma. A norma institui aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio se houver uma norma que institui o que é normal, porque o desvio é, por definição, uma patologia. Essa distinção entre o normal e o patológico foi criada pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro As regras do método sociológico. A diferença entre o normal e o patológico para Durkheim é sublime e precisa de bastante reflexão, pois ela nos ajuda a entender o que dá coesão aos sistemas sociais. A noção de desvio é devida ao pensamento de Durkheim, para o qual só é possível pensar em um comportamento desviante se houver uma normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou que o crime como um tipo de desvio, é normal na vida social, porque não é possível ¬dizer o que vem primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é normal na vida social porque não é possível pensar a existência de regras se não houver sua transgressão. Do mesmo modo que não é possível dizer que haja uma transgressão se não houver uma norma que diga o que é normal. Como a Sociologia é a ciência que estuda as instituições sociais, segundo Durkheim, podemos pensar que ocorrem desvios nessas instituições. Como instituições, de acordo com o pensador francês, são artifícios humanos, trata-se dos desvios proporcionados pelos homens dentro das instituições. Vamos falar, essencialmente, dos desvios produzidos nas instituições do Estado, tendo em vista a política e a luta pelo poder. Mas quais são os desvios institucionais do Estado? QUAIS SÃO OS DESVIOS INSTITUCIONAIS? Vimos que para pensar a ideia de desvios institucionais, é fundamental ter em vista a noção de Direito: o império da lei institui aquilo que é normal e define, por sua vez, aquilo que é patológico, ou seja, o desviante da normalidade. A característica fundamental do Estado de Direito é o fato de o império da lei não permitir qualquer tipo de privilégio ou uso SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 3 indevido do poder. A lei está a serviço da sociedade para controlar o poder do Estado e não permitir seus desvios. Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à nossa ação, os desvios institucionais apenas podem ocorrer em função dela. E como o império da lei, de acordo com Max Weber, na modernidade, vem para controlar o poder e acabar com os privilégios, os desvios institucionais devem ser pensados a partir do Direito e da razão de Estado, e não dos interesses pessoais. Do ponto de vista dos elementos centrais para pensar os desvios institucionais, é fundamental ter a noção de que esses desvios são oriundos da luta pelo poder e dos privilégios de certos grupos sociais. Poder e prestígio são os fatores centrais para a existência dos desvios institucionais. Eles são derivados do abuso do poder, seja político seja econômico, e dos privilégios de certos grupos sociais na sociedade. Entre os principais desvios institucionais estão o clientelismo, o nepotismo, a patronagem e a corrupção. São modulações dos desvios institucionais que estão relacionadas ao abuso do poder por certos agentes políticos ou aos privilégios que certos grupos sociais têm no exercício de seu poder. Na modernidade, a separação entre o público e o privado é o elemento central de constituição do Direito do Estado. O anormal, portanto, o que representa o desvio, é tudo aquilo que faz que o mundo privado não se diferencie do mundo público. Todos os desvios institucionais estão relacionados a essa diferenciação entre o público e o privado. O clientelismo é uma das práticas mais antigas da política. Pressupõe uma relação interativa entre o cliente e o patrão. Fundamentalmente, o clientelismo é uma forma de vincular os homens livres a seus patronos, caracterizada pela troca de favores e de presentes, tendo em vista o apoio político. A relação entre patronos e clientes sustenta-se, por conseguinte, em um sistema de trocas que, enquanto prática, tolera certa prevaricação do patrono em relação à respublicae (coisa pública). Ou seja, o sistema de trocas do clientelismo permite uma tolerância sobre o fato de o chefe político elevar seu mundo privado sobre o mundo público. O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, é um tipo de prática antiga, datada do domínio dos papas sobre o império romano. A palavra nepotismo vem do latim nepos, que quer dizer sobrinho. O nepotismo se referia ao poder dos sobrinhos do papa em Roma. Na acepção moderna, o nepotismo se refere a qualquer pessoa que exerça um poder ou tenha certo privilégio porquanto tenha um parente em uma posição de comando. O nepotismo institui certos privilégios na administração do Estado e ineficiência da ordem burocrática. O nepotismo permite a apropriação de cargos públicos em virtude de laços exclusivamente pessoais, relacionados ao parentesco. A patronagem é um sistema entre patrão e clientes, mas que ocorre exclusivamente no plano das instituições. A patronagem está relacionada aos sistemas partidários e ao modo como governantes exercem cooptação sobre os partidos. O governante dá aos partidos políticos recursos e poder em troca de apoio nas arenas legislativas. Com isso, os partidos apadrinhados pelo sistema de patronagem podem participar dos despojos, ou seja, da distribuição dos cargos públicos para atender aos interesses privados de políticos e burocratas. A corrupção, por outro lado, ocorre quando um funcionário público recebe vantagens em troca do não cumprimento de um dever oficial, seja para atender ao interesse privado de outro funcionário público, seja para atender ao interesse de um agente privado. A corrupção se dá, fundamentalmente, em razão do dinheiro e do poder. OS DONOS DO PODER A política será ocupação dos poucos, poucos e esclarecidos, para o comando das maiorias analfabetas, sem voz nas urnas. [...] (Raymundo Faoro) Nos primeiros arrancos republicanos, com o Exército na chefia do governo e nomeados os governadores [...], a estrutura não sofre alterações. A dinâmica do regime, eletivos os cargos, sobretudo o cargo de governador leva a deslocar o eixo decisório para os Estados, incólumes os grandes, cada dia mais, à interferência do centro, garantindo-se e fortalecendo-se este com o aliciamento dos pequenos, num movimento que culmina na política dos governadores. Dentro de tal sequência é que se afirma o coronelismo, num 4 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ casamento, cujo regime de bense relações pessoais será necessário disseminar, com as oligarquias estaduais. [...] O coronel, antes de ser um líder político, é um líder econômico, não necessariamente, como se diz, o fazendeiro que manda nos seus agregados, empregados ou dependentes. O vínculo não obedece a linhas tão simples que se traduziram no mero prolongamento do poder privado na ordem pública. [...] Ocorre que o coronel não manda porque tem riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder num pacto não escrito. Ele recebe — recebe ou conquista — uma fiuida delegação, de origem central do Império, de fonte estadual na República, graças à qual sua autoridade ficará sobranceira ao vizinho, guloso de suas dragonas simbólicas, e das armas mais poderosas que o governador lhe confia. O vínculo que lhe outorga poderes públicos virá, essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleições, notando- se que o coronel se avigora com o sistema da ampla eletividade dos cargos, por semântica e vazia que seja essa operação. REFERÊNCIA FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação do patronato político brasileiro. Porto Alegre; Rio de Janeiro. Globo, 1985 v 2 p 621 2 Anotações: