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Ficha de Apoio - Aula 23

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SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ 1
2 SOCIOLOGIA COM VIVIANE CATOLÉ
ESTADO E DESVIOS 
INSTITUCIONAIS
O QUE SÃO DESVIOS 
INSTITUCIONAIS?
O que define Estado é o conjunto de suas regras 
jurídicas. O fundamental é que essas normas são 
postas para controlar o exercício do poder no Estado 
Democrático de Direito, fazendo que governantes, 
políticos e qualquer cidadão estejam submetidos ao 
império da lei.
Mas essa submissão dos agentes políticos não significa 
que não seja possível qualquer tipo de desvio. A noção 
de desvio implica a ideia de que um agente saiu de um 
certo caminho traçado. É como a água que transborda 
dos rios. Os rios são fluxos de água que seguem em 
uma direção específica. Quando transbordam, a água 
sai de seu fluxo normal e provocam estragos os mais 
variados. O desvio do fluxo da água também pode 
ser feito por intervenção humana, quando alguém 
muda a rota normal pela qual a água seguia. A norma 
jurídica posta pelo Estado tem a pretensão de ser algo 
semelhante a um rio, porque determina um fluxo da 
ação praticada por agentes humanos.
Essa é a noção que a ideia de desvio produz. Mas 
precisamos pensar. Quando é possível falar que um 
desvio ocorreu? De acordo com essa analogia com o 
fluxo da água de um rio, o desvio ocorre sempre que 
o fluxo de nossa ação social sai de sua normalidade. 
E onde essa normalidade da ação está posta? O 
que diz o que é normal e patológico? O normal está 
instituído no Direito, o qual diz o que é proibido e o 
que é permitido. Não por acaso a palavra normal tem 
a raiz etimológica da palavra norma. A norma institui 
aquilo que é normal. Só podemos pensar o desvio 
se houver uma norma que institui o que é normal, 
porque o desvio é, por definição, uma patologia.
Essa distinção entre o normal e o patológico foi criada 
pelo sociólogo francês Émile Durkheim, em seu livro 
As regras do método sociológico. A diferença entre 
o normal e o patológico para Durkheim é sublime 
e precisa de bastante reflexão, pois ela nos ajuda a 
entender o que dá coesão aos sistemas sociais.
A noção de desvio é devida ao pensamento de 
Durkheim, para o qual só é possível pensar em 
um comportamento desviante se houver uma 
normalidade instituída. Por isso, Durkheim afirmou 
que o crime como um tipo de desvio, é normal na 
vida social, porque não é possível ¬dizer o que vem 
primeiro, se o normal ou o patológico. O crime é 
normal na vida social porque não é possível pensar a 
existência de regras se não houver sua transgressão. 
Do mesmo modo que não é possível dizer que haja 
uma transgressão se não houver uma norma que diga 
o que é normal.
Como a Sociologia é a ciência que estuda as 
instituições sociais, segundo Durkheim, podemos 
pensar que ocorrem desvios nessas instituições. 
Como instituições, de acordo com o pensador 
francês, são artifícios humanos, trata-se dos 
desvios proporcionados pelos homens dentro das 
instituições. Vamos falar, essencialmente, dos desvios 
produzidos nas instituições do Estado, tendo em vista 
a política e a luta pelo poder. Mas quais são os desvios 
institucionais do Estado?
QUAIS SÃO OS DESVIOS 
INSTITUCIONAIS?
Vimos que para pensar a ideia de desvios 
institucionais, é fundamental ter em vista a noção de 
Direito: o império da lei institui aquilo que é normal 
e define, por sua vez, aquilo que é patológico, ou 
seja, o desviante da normalidade. A característica 
fundamental do Estado de Direito é o fato de o império 
da lei não permitir qualquer tipo de privilégio ou uso 
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indevido do poder. A lei está a serviço da sociedade 
para controlar o poder do Estado e não permitir seus 
desvios.
Como a lei tem a pretensão de dar uma direção à 
nossa ação, os desvios institucionais apenas podem 
ocorrer em função dela. E como o império da lei, de 
acordo com Max Weber, na modernidade, vem para 
controlar o poder e acabar com os privilégios, os 
desvios institucionais devem ser pensados a partir 
do Direito e da razão de Estado, e não dos interesses 
pessoais. Do ponto de vista dos elementos centrais 
para pensar os desvios institucionais, é fundamental 
ter a noção de que esses desvios são oriundos da luta 
pelo poder e dos privilégios de certos grupos sociais.
Poder e prestígio são os fatores centrais para a 
existência dos desvios institucionais. Eles são 
derivados do abuso do poder, seja político seja 
econômico, e dos privilégios de certos grupos sociais na 
sociedade. Entre os principais desvios institucionais 
estão o clientelismo, o nepotismo, a patronagem e a 
corrupção. São modulações dos desvios institucionais 
que estão relacionadas ao abuso do poder por certos 
agentes políticos ou aos privilégios que certos 
grupos sociais têm no exercício de seu poder. Na 
modernidade, a separação entre o público e o privado 
é o elemento central de constituição do Direito do 
Estado. O anormal, portanto, o que representa o 
desvio, é tudo aquilo que faz que o mundo privado 
não se diferencie do mundo público. Todos os desvios 
institucionais estão relacionados a essa diferenciação 
entre o público e o privado.
O clientelismo é uma das práticas mais antigas da 
política. Pressupõe uma relação interativa entre o 
cliente e o patrão. Fundamentalmente, o clientelismo 
é uma forma de vincular os homens livres a seus 
patronos, caracterizada pela troca de favores e de 
presentes, tendo em vista o apoio político. A relação 
entre patronos e clientes sustenta-se, por conseguinte, 
em um sistema de trocas que, enquanto prática, 
tolera certa prevaricação do patrono em relação à 
respublicae (coisa pública). Ou seja, o sistema de 
trocas do clientelismo permite uma tolerância sobre 
o fato de o chefe político elevar seu mundo privado 
sobre o mundo público.
O nepotismo, do mesmo modo que o clientelismo, é 
um tipo de prática antiga, datada do domínio dos papas 
sobre o império romano. A palavra nepotismo vem do 
latim nepos, que quer dizer sobrinho. O nepotismo se 
referia ao poder dos sobrinhos do papa em Roma. Na 
acepção moderna, o nepotismo se refere a qualquer 
pessoa que exerça um poder ou tenha certo privilégio 
porquanto tenha um parente em uma posição de 
comando. O nepotismo institui certos privilégios 
na administração do Estado e ineficiência da ordem 
burocrática. O nepotismo permite a apropriação de 
cargos públicos em virtude de laços exclusivamente 
pessoais, relacionados ao parentesco.
A patronagem é um sistema entre patrão e clientes, 
mas que ocorre exclusivamente no plano das 
instituições. A patronagem está relacionada aos 
sistemas partidários e ao modo como governantes 
exercem cooptação sobre os partidos. O governante 
dá aos partidos políticos recursos e poder em troca 
de apoio nas arenas legislativas. Com isso, os partidos 
apadrinhados pelo sistema de patronagem podem 
participar dos despojos, ou seja, da distribuição dos 
cargos públicos para atender aos interesses privados 
de políticos e burocratas.
A corrupção, por outro lado, ocorre quando um 
funcionário público recebe vantagens em troca do não 
cumprimento de um dever oficial, seja para atender 
ao interesse privado de outro funcionário público, 
seja para atender ao interesse de um agente privado. 
A corrupção se dá, fundamentalmente, em razão do 
dinheiro e do poder.
OS DONOS DO PODER
A política será ocupação dos poucos, 
poucos e esclarecidos, para o 
comando das maiorias analfabetas, 
sem voz nas urnas. [...]
(Raymundo Faoro)
Nos primeiros arrancos republicanos, com o Exército 
na chefia do governo e nomeados os governadores [...], 
a estrutura não sofre alterações. A dinâmica do regime, 
eletivos os cargos, sobretudo o cargo de governador 
leva a deslocar o eixo decisório para os Estados, 
incólumes os grandes, cada dia mais, à interferência 
do centro, garantindo-se e fortalecendo-se este com 
o aliciamento dos pequenos, num movimento que 
culmina na política dos governadores. Dentro de tal 
sequência é que se afirma o coronelismo, num 
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casamento, cujo regime de bense relações pessoais 
será necessário disseminar, com as oligarquias 
estaduais. [...]
O coronel, antes de ser um líder político, é um 
líder econômico, não necessariamente, como se 
diz, o fazendeiro que manda nos seus agregados, 
empregados ou dependentes. O vínculo não obedece 
a linhas tão simples que se traduziram no mero 
prolongamento do poder privado na ordem pública. 
[...] Ocorre que o coronel não manda porque tem 
riqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse 
poder num pacto não escrito. Ele recebe — recebe ou 
conquista — uma fiuida delegação, de origem central 
do Império, de fonte estadual na República, graças 
à qual sua autoridade ficará sobranceira ao vizinho, 
guloso de suas dragonas simbólicas, e das armas mais 
poderosas que o governador lhe confia. O vínculo que 
lhe outorga poderes públicos virá, essencialmente, 
do aliciamento e do preparo das eleições, notando-
se que o coronel se avigora com o sistema da ampla 
eletividade dos cargos, por semântica e vazia que seja 
essa operação.
REFERÊNCIA
FAORO, Raymundo. Os donos do poder: formação 
do patronato político brasileiro. Porto Alegre; Rio de 
Janeiro. Globo, 1985 v 2 p 621 2
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