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História - Livro 4-088-090

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A Revolução Russa
A Revolução Russa é um dos principais eventos do
século XX e foi, até há bem pouco tempo, um dos principais
condicionantes da ordem política mundial. Seu principal
significado reside no fato de ter sido a primeira revolução
a colocar no poder um regime comunista, baseado nas
ideias do socialismo científico de Marx e Engels. Embora
tenha havido um desvirtua mento do processo revolucioná-
rio que levou a Rússia (e, posteriormente, a União Soviética)
a um modelo social, político e econômico bem distante da
proposta de Marx, a simples existência de um regime não
capitalista na Europa representou uma ameaça aos países
que adotavam o capitalismo. Estes tentaram, sem medir
esforços, destruir o regime soviético. Ao constatar que não
seria possível, trataram de impedir o crescimento internacio-
nal russo e, portanto, o crescimento das ideias socialistas.
Esses elementos condicionaram vários dos principais
aspectos das relações internacionais ao longo do século XX
e foram, até a década de 1990, responsáveis pela grande
divisão internacional vivida pelo mundo, particularmente
após a Segunda Guerra Mundial.
As constatações são suficientes para demonstrar a
importância de um estudo detalhado sobre a Revolução
e seu significado, partindo-se da compreensão do que era a
Rússia antes de outubro de 1917 e de como foi possível
a revolução naquele país.
Devemos fazer, inicialmente, uma ressalva cronológi-
ca. Até 1918, a Rússia utilizava o calendário Juliano, 13 dias
atrasado em relação ao calendário Gregoriano utilizado no
Ocidente. Assim, a Revolução de 28 de fevereiro, segundo
nosso calendário, é na verdade a Revolução de 8 de março;
do mesmo modo, a Revolução Bolchevique de outubro ocor-
reu em novembro. Para os estudos, adotaremos a tendência
mais atual, que é a de considerar o calendário ocidental.
A Rússia antes da Revolução
No início do século XX, a Rússia era um território com
diversas contradições. Do ponto de vista político, o país
ainda era governado despoticamente pelos czares da
Dinastia Romanov, no poder desde 1613. A pessoa do czar
confundia se com o Estado, personificando uma autocracia
de caráter absolutista.
Fig. 1 Nicolau II, o czar derrubado na Revolução de 1917, e sua família (da esquerda
para a direita): Olga, Maria, Nicolau, Alexandra, Anastásia, Alexei e Tatiana.
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A Igreja Ortodoxa, religião oficial do Estado, exercia
enorme poder sobre a massa da população, ignorante e
analfabeta em sua maioria formada por camponeses, os mu-
jiques Sobre uma população de 150 milhões de habitantes,
dos quais 80% estavam concentrados no campo, havia uma
estrita elite de grandes proprietários de terras, de origem
nobre, formando a camada privilegiada da sociedade
Os membros do alto clero e da aristocracia agrária,
aliados ao alto oficialato do Exército geralmente de as
cendência nobre exerciam um poder econômico-político
praticamente sem limites, constituindo-se no tripé que sus
tentava o trono.
Paralelamente a isso, a Segunda Revolução Industrial,
no século XIX, e a busca incessante dos países industrializa-
dos pela ampliação de mercados e fontes de barateamento
da produção trouxeram alguns novos elementos à estrutura
social e econômica russa, com uma série de decorrências
políticas
Fig. 2 Camponeses russos no início do século XX. A utilização de técnicas e instru-
mentos primitivos é um símbolo do atraso vivido pela Rússia no período.
As reservas naturais do país, bem como uma população
pobre, habituada a baixíssimos salários se comparados
aos padrões dos países mais avançados da Europa sub
metida a um regime violento e autoritário, o qual reduzia as
possibilidades de reivindicação, foram um enorme atrativo
para industriais da Europa e dos Estados Unidos. A partir de
meados do século XIX, iniciou-se a instalação de fábricas
no país.
Especialmente nos setores têxtil e petrolífero, a Rús-
sia passava por amplo processo de industrialização. Os
principais centros dessa mudança eram São Petersburgo,
Odessa e Moscou, mas a burguesia que começava a se
firmar economicamente era estrangeira ou dependia do
Estado, o que a tornava fraca e pouco articulada.
Essa aparente modernização econômica criava
uma dicotomia sensível em um país essencialmente
agrário, em que nenhuma das conquistas populares (re-
forma agrária, abolição da servidão) havia sido obtida.
Czar: designação utilizada pelos imperadores russos Seu uso remonta
ao Império Romano, sendo uma tradução de César, da mesma forma
que o título de kaiser, no Império Alemão.
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HISTÓRIA Capítulo 10 O período entreguerras88
Por outro lado, o nascente proletariado urbano enfrentava
uma situação de miséria, agravada pelo caráter policial do
Estado, que impedia toda e qualquer forma de reivindica
ção e organização dos trabalhadores. Assim começavam a
surgir organizações clandestinas como sindicatos e partidos
políticos. Estes últimos poderiam ser marxistas, socialistas
ou liberais, sendo em grande parte liderados por pessoas
que se exilavam para fugir da polícia czarista.
Dentre esses partidos, merece destaque, pelo papel
que desempenhou no processo revolucionário, o Partido
Operário Social-Democrata dos Trabalhadores Russos. Esse
partido, fundado no final do século XIX por alguns militantes
exilados, sofreu uma cisão em 1903 A ala menchevique (mi
noritária), liderada por Martov e Plekhanov, propunha uma
aliança com a burguesia para desencadear uma revolução
que acelerasse o desenvolvimento capitalista russo, para só
então passar à construção do socialismo A ala bolchevique
(majoritária), sob o comando de Lenin, defendia uma revo
lução imediata, que, por meio da ditadura do proletariado,
implantaria o socialismo.
Em 1904, a Rússia entrou em guerra contra o Japão
para disputar áreas no Extremo Oriente. Em menos de um
ano de guerra, as condições internas na Rússia já se ha-
viam deteriorado em todos os níveis. Além disso, o Japão
conseguiu o que parecia impossível: derrotar o até então
orgulhoso Império Russo, cem vezes maior e mais de três
vezes mais populoso que o pequeno arquipélago japonês
A derrota russa serviu para evidenciar as fragilidades do
regime e a necessidade de reformas, além de ter agravado
em muito as condições de vida dos trabalhadores tanto no
campo quanto nas cidades. Foram esses elementos que
levaram à Revolução de 1905.
A Revolução de 1905
Persistia entre a população russa uma visão, em gran
de parte disseminada pela Igreja Ortodoxa, de que o czar
era um homem bem-intencionado, apenas pessimamente
informado por seus assessores da real situação de penúria
do povo e dos problemas do país. Assim, o movimento
procurou, inicialmente, apenas um caminho de diálogo com
o czar.
Em 22 de janeiro de 1905 ocorreria uma manifestação
popular pacífica em frente ao palácio de Nicolau II, em São
Petersburgo. Essa manifestação foi convocada com o in-
tuito de levar ao czar uma carta de súplica, lavrada no tom
mais respeitoso possível. A maior demonstração do caráter
pacífico da manifestação são as fotos que mostram pais de
família, muitas vezes empunhando crucifixos e carregando
seus filhos no colo Nicolau II, entretanto, ao ser informado
da manifestação, deixou São Petersburgo e ordenou à tropa
de elite, os cossacos, que reprimisse violentamente a mani
festação. A ação violenta e desproporcional dos cossacos
deixou centenas de mortos, no que foi conhecido como o
Domingo Sangrento.
Fig. 3 Civis e o exército czarista no Domingo Sangrento.
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A demonstração da intransigência do regime, bem
como o fim da ilusão sobre as boas intenções de Nico-
lau II, surtiu um efeito imediato. Uma onda de agitações e
protestos espalhou-se pela Rússia. Greves operárias ocor-reram nas principais cidades do país e a própria população
camponesa voltava se contra os aristocratas. Na marinha
russa, os marinheiros do encouraçado Potemkin reclama-
vam melhores condições de trabalho, e a guarnição da base
naval de Kronstadt rebelou-se.
Fig. 4 O encouraçado Potemkin, que se tornou famoso durante a Revolução
de 1905 e mais tarde no filme de Sergei Eisenstein, de 1925.
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Pressionado, o czar foi obrigado a ceder e convocou
eleições para uma Assembleia Legislativa, a Duma (1906).
Paralelamente a isso, decretava a liberdade de organização
partidária, embora as lideranças operárias continuassem
banidas do país.
Tratava-se de uma manobra para ganhar tempo. A Duma
nunca teve poder efetivo, sendo controlada por Nicolau II,
que instaurou um falso constitucionalismo no país. Seu po-
der, na prática, continuou absoluto e a repressão policial
foi intensificada, notadamente sobre o movimento operário
Cisão: divisão
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De qualquer forma, a Revolução de 1905 trouxe efeitos
de grande importância para a Rússia Inicialmente, ela foi
a primeira experiência de luta dos trabalhadores russos
O proletariado que em 1917 lutou pelo poder já não era
iniciante politicamente; já aprendera a se organizar, tendo
criado inclusive a forma de organização que possibilitou
a Revolução de 1917: os sovietes conselhos de traba
lhadores eleitos em locais de trabalho, distritos rurais e
destacamentos militares, gerando direções que são fruto
da própria luta dos trabalhadores e uma estrutura extrema-
mente ágil, capaz de se estender por todo o país
Além disso, a luta de 1905 forjou as principais lideran
ças políticas dos trabalhadores russos. Praticamente todos
os líderes da Revolução de 1917, como Trotsky, Kamenev e
Znoviev, tiveram em 1905 seu grande aprendizado político
Entretanto, a repressão política, ao lado de um relati
vo crescimento econômico e da aparente liberalização do
regime, geraram um refluxo do movimento popular que se
estendeu até o início da Primeira Guerra Mundial
A Primeira Guerra Mundial e a Revolução
de 1917
O Império Russo não suportou o peso da Primeira Guer-
ra Mundial. Isolada pelo controle otomano na região dos
estreitos de Bósforo e Dardanelos, o que impedia o acesso
ao Mediterrâneo, a economia russa desmoronou. A inflação
corroía os salários, as empresas paralisavam suas atividades
por falta de matérias-primas, as colheitas e a distribuição
de alimentos acabaram por se desorganizar e o sistema
ferroviário entrou em colapso. Treze milhões de homens
mobilizados na frente de batalha foi uma carga impossível
de ser sustentada.
Ao mesmo tempo, o desastre militar perante os ale-
mães foi completo. Ricas áreas foram perdidas, três milhões
de baixas fragilizaram o exército e as sucessivas derrotas
provocaram uma onda de deserção.
Greves e manifestações incendiavam o país, numa de-
monstração clara de que o regime havia perdido até seu
componente mais típico: a capacidade repressiva.
Em março de 1917, a situação escapou ao controle. A
polícia não conseguiu dispersar as multidões, o exército
recusou-se a reprimir as manifestações e o czar abdicou.
Fig 5 Tropas bolcheviques marcham na Praça Vermelha, em Moscou, em 1917.
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Instalou-se então a República da Duma, sob a presidên-
cia do príncipe Lvov, do Partido Constitucional Democrático
(cujos integrantes eram conhecidos como cadetes), repre-
sentante da burguesia liberal. O novo governo insistiu em
manter a Rússia na guerra, dependente que era do apoio
aliado para sustentar-se, e passou a reprimir os bolcheviques
Fig. 6 O soviete de Petrogrado.
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O governo de Lvov teve curta duração. A incapacidade
em dar qualquer resposta às demandas dos trabalhadores
tornava-o altamente impopular em um país onde o movi-
mento operário crescia em um ritmo alucinante Em abril
caía o governo de Lvov, assumindo o comando do Governo
Provisório o líder do Partido Social Revolucionário, Kerenski.
Além da Duma, muitas regiões da Rússia eram gover-
nadas pelos sovietes – organizações políticas democráticas
abertas aos partidos socialistas e populares e que excluíam,
de todas as formas, os burgueses. Tratava-se de conselhos
que reuniam deputados, os quais dispunham de poder le-
gislativo e judiciá rio. A estrutura soviética era um sistema
piramidal de tais conselhos: na base, estavam os sovietes de
fábricas, cidades, aldeias e campo; nas cidades, os sovietes
de bairros e cidades; e, no campo, estavam os sovietes de
distrito e província. Essas organizações políticas reuniam
os representantes reconhecidos da insurreição vitoriosa.
Muitos sovietes ligaram-se à Duma e governaram junto a ela;
outros, no entanto, consideraram os sovietes como única
autoridade legítima. Para os bolcheviques, por exemplo, os
sovietes – órgãos de poder popular – eram os embriões
do socialismo. Sendo assim, a constituição desses dois po-
deres em geral, conflitantes foi um elemento de tensão
no mundo russo ao longo de 1917.
A situação tornava-se mais grave e o exército continua-
va a se desintegrar enquanto os bolcheviques ganhavam
popularidade com as Teses de Abril, de Vladimir Ilich Lenin.
Ao divulgar slogans como “Todo poder aos sovietes”, e
“Paz, pão e terra”, o líder dos bolcheviques insistia na saída
da guerra, na regularização da distribuição de alimentos e
HISTÓRIA Capítulo 10 O período entreguerras90

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