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Transformações econômicas e sociais
trazidas pela expansão
Naturalmente, uma expansão do porte da romana traria
profundas transformações sociais e econômicas, as quais
acabariam por modificar toda a estrutura interna de Roma.
Em primeiro lugar, as riquezas geradas pela expansão
quase aniquilaram a pequena agricultura plebeia, voltada
essencialmente para a produção de gêneros de consu-
mo interno. Ao mesmo tempo, o vasto comércio que se
desenvolvia ocupava o lugar antes pertencente à ativida-
de agrícola. A ampla camada de pequenos proprietários
tendeu a desaparecer, em função da concorrência dos
gêneros advindos das províncias e do latifúndio patrício,
o qual tinha seu crescimento fortemente apoiado na mão
de obra escrava
O próprio crescimento da escravidão, um efeito direto
da expansão, esteve ligado à miséria da plebe, visto que
muitos escravos eram prisioneiros de guerra Mesmo que,
desde 367 a.C., a escravidão por dívida tivesse sido abolida,
ao plebeu endividado só restava entregar a terra ao patrício
em troca da dívida. Com isso, verificou-se em Roma um
processo de concentração fundiária, com as grandes pro-
priedades patrícias transformadas em grandes latifúndios
voltados a uma produção extensiva de exportação, à qual
o trabalho escravo adaptava-se perfeitamente.
A miséria da plebe, sem terra e sem trabalho no
campo, conduziu a um amplo processo de êxodo rural,
concentrando em Roma toda uma massa miserável, fato
que trouxe sérios desdobramentos em termos de tensão
social e política.
O crescimento do comércio abriu possibilidades de
enriquecimento a uma camada de plebeus urbanos, dan-
do origem a um novo setor social: os homens novos, ou
cavaleiros. Ao mesmo tempo que sua condição plebeia
lhes impunha uma situação de marginalização política, sua
riqueza tornava-os naturais adversários do Estado patrício,
o que também representou um elemento a conspirar contra
a ordem republicana.
A expansão trouxe ainda um forte componente mili
tar No rastro das conquistas romanas, e da necessidade
de uma força militar mais eficiente, o exército romano
passara por um processo de profissionalização a partir
do século II a.C. A antiga estrutura centurial, baseada nos
cidadãos recrutados em época de guerra, cedeu lugar a
uma força permanente, na qual os guerreiros recebiam
o soldo para combater (daí a designação de soldados),
submetidos a uma hierarquia rígida, no topo da qual se
achavam os generais. Com isso, cada general romano
passou a significar um poder extraordinário, o que alimen-
tava suas ambições políticas e fazia do exército uma força
política à margem da estrutura republicana.
O conjunto dessas transformações teve por efeito en-
fraquecer o poder patrício como este fora concebido em
509 a.C. A luta de plebeus miseráveis e escravos por me-
lhores condições de vida e de generais e homens novos
pelo poder fez com que os últimos dois séculos da Repúbli-
ca fossem caracterizados por lutas internas e guerras civis,
que acabaram, em última análise, resultando na queda do
regime republicano. Não por acaso, esse período é conhe-
cido como a crise da República.
A crise da República
Um dos principais elementos de tensão política da Re-
pública era a situação de miséria que atingia a plebe ociosa
e concentrada em Roma. Em 133 a.C., Tibério Graco, eleito
tribuno da plebe, embora fosse de origem patrícia, propôs
uma lei de reforma agrária, que limitava a posse das terras do
Estado (ager publicus) em 500 juggera, cerca de 310 hectares,
por indivíduo Todas as terras que excedessem a esse limite
seriam revertidas ao Estado, que as redistribuiria em peque-
nos lotes aos cidadãos sem terra. A reação do Senado e da
elite patrícia fez com que Tibério Graco fosse assassinado,
junto com seus seguidores, em 132 a C.
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Fig. 13 Escultura de bronze dos irmãos Graco, feita por Eugène Guillaume,
século XIX.
Dez anos mais tarde, seu irmão, Caio, também tribuno
da plebe, tentou executar um programa mais ambicioso.
Aplicou a lei de reforma agrária em Cápua e Tarento, per-
mitiu aos cavaleiros o acesso aos tribunais que julgavam
as finanças provinciais, prometeu a cidadania romana aos
aliados itálicos e decretou a Lei Frumentária, que deter
minava a venda de trigo a preços baixos aos plebeus.
Reeleito em 122 a.C., mas derrotado no ano seguinte, Caio
tentou um golpe de Estado, que resultou no massacre de
seus seguidores; no final, Caio ordenou que um escravo
o matasse.
A reação à morte de Caio levou a uma ampla revolta
popular que agravou ainda mais a tensão política em Roma.
A vida política passou a ser dividida em dois agrupamen
tos, o partido aristocrático, composto de patrícios membros
das elites tradicionais e que desejava manter seu poder e
a ordem vigente, e o popular, que lutava pela realização
de reformas. A própria instabilidade política abriu espaço
à ação dos generais, que usavam seu prestígio e poderio
militar para fazer carreira política em um dos partidos.
Um deles, chamado Caio Mário, conseguiu chegar ao
poder entre 105 e 100 a.C. De origem plebeia, Mário era o
homem mais rico de Roma, um homem novo que, graças a
HISTÓRIA Capítulo 3 A Antiguidade Clássica: o mundo greco-romano164
sua riqueza, foi galgando postos dentro do exército romano.
Chegando a general, conquistou a Numídia, em 106 a.C.,
derrotando também povos germânicos que ameaçavam os
domínios romanos Seu prestígio fez com que se impusesse
como ditador por seis vezes seguidas, em um flagrante ato
inconstitucional, mas com apoio do partido popular. A Caio
Mário deve-se a formação do exército proletário e profis-
sional, no qual os legionários se alistavam por 25 anos,
recebendo soldo, parcelas do espólio de guerra e um lote
de terra quando tinham baixa. Mário permitiu aos homens
livres pobres o acesso a uma ocupação remunerada; seu
exército, contudo, era um instrumento político.
Entre 99 a.C. e 82 a.C., o partido popular dominou
Roma, especialmente por meio de Mário (morto em 86 a C.),
salvo breves intervalos. Foi somente com sua morte que
o partido aristocrático logrou recuperar o poder, através
de Sila, um general cujo prestígio vinha também no rastro
de conquistas militares. Sila tomou o poder em Roma, es-
tabelecendo uma ditadura militar (82 79 a C ) Restaurou
o poder do Senado em sua plenitude, revogou as prerro-
gativas legislativas do Tribunato da Plebe e restringiu os
direitos jurídicos dos cavaleiros. Baniu numerosos sena-
dores e cavaleiros, suspeitos de serem simpatizantes do
partido popular, lhes confiscando os bens e excluindo seus
descendentes da vida pública.
Esse conjunto de ações deixa claro que o Senado
não reconhecia em si condições de manter o poder,
mesmo quando o partido aristocrático recuperava o con-
trole da vida pública Assim, optava por delegá-lo a uma
ditadura.
Sila cria um vácuo político em Roma quando, ao se
encerrar seu período ditatorial, se recusou a dar um golpe;
gesto inesperado.
Em 70 a C., Crasso, que se notabilizou por esmagar
a rebelião de escravos liderada por Espártaco (73 a.C.),
e Pompeu, vencedor da revolta nacionalista de Sertório,
na Ibéria (78-72 a.C.), elegeram-se cônsules. Contra eles
ergueu-se uma conspiração patrícia, chefiada por Catilina.
A necessidade de ampliar sua base de apoio levou os dois
cônsules a se aliarem a um sobrinho de Mário, Caio Júlio
(mais tarde conhecido como Júlio César), principal líder do
partido popular e herdeiro da incalculável fortuna deixada
por Mário Essa aliança, firmada em 60 a C., totalmente ile-
gal, segundo a composição institucional da República, ficou
conhecida como Primeiro Triunvirato.
Os três líderes dividiram entre si a jurisdição do Império,
cabendo, a Crasso, o Oriente; a Pompeu, a Ibéria; e a Júlio,
a Gália, território ainda independente de Roma A morte de
Crasso, em 53 a C., inevitavelmente colocou Júlio e Pompeu
frente a frente. O fortalecimento militar de Júlio, que con-
quistara a Gália e ampliara intensamente seu poder,fez com
que o Senado passasse a temer suas ambições políticas.
Por isso, numa tentativa de detê lo, em 49 a.C. Pompeu foi
nomeado cônsul único pelo Senado Ao mesmo tempo,
chamava Júlio de volta a Roma, numa clara manobra para
esvaziar seu poder militar.
Pronunciando a famosa frase Alea jacta est (“A sor-
te está lançada”), Júlio entrou em Roma à frente de seus
exércitos, configurando um inegável golpe de Estado. Aba-
lado com o prestígio popular de Júlio, Pompeu fugiu para
a Grécia, onde foi derrotado em 48 a.C.
Em 46 a.C, senhor absoluto de Roma, Júlio fez-se
proclamar ditador por dez anos, de onde vem o título
de César atribuído a outros governantes Seu período
de ditadura foi curto, sofrendo forte oposição do Sena
do, que via nele uma clara ameaça, por sua ambição de
instaurar uma monarquia hereditária de tipo helenístico.
Em 44 a.C., César foi assassinado a punhaladas na saída
de uma reunião do Senado Esse assassinato foi fruto de
uma conspiração que reuniu senadores, republicanos
idealistas, partidários de Pompeu e elementos de seu
próprio círculo.
Fig. 14 Lionel-Noël Royer. Vercingetorix joga suas armas aos pés de Júlio César,
1899. Museu Crozatier de Puy-en-Velay, França. As conquistas de Júlio César prati-
camente deram contorno final ao Império Romano. Na reprodução, Vercingetorix,
líder gaulês, rende-se a Júlio César.
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O projeto do Senado de recuperar o poder não se
realizou, contudo, com a morte de Júlio César, em ra-
zão de dois fatores. O primeiro foi a violenta reação da
plebe, a quem César mimara com a distribuição do trigo
das regiões conquistadas e com a doação de parte da
sua fortuna pessoal. O segundo, e mais importante, foi a
reação do exército.
César: título que se originou do nome de família de Júlio César, que
governou Roma como monarca sem coroa de 49 a.C. a 44a.C. Otávio,
sobrinho e filho adotivo de César, tomou o nome do tio e também
o título de Augusto. Os quatro imperadores romanos seguintes, por
intermédio de família ou adoção, tiveram todos direito ao nome de
César, que se tornou tão estreitamente associado à ideia de imperador
que era uma espécie de título. Ao escolher uma pessoa para sucedê-lo
como governante supremo, o imperador conferia a seu herdeiro o título
de césar. Na época do Império Bizantino, qualquer pessoa escolhida
como governante de um país que fizesse parte do Império podia ser
chamada de césar Na língua russa, esse título tornou-se czar; em
alemão, césar passou a ser kaiser.
Durante os anos de seu governo, César trouxera o
exército cada vez mais para o centro das decisões, em
sua política de neutralizar o poder do Senado. A morte
de César foi, assim, tomada pelo exército como um golpe
contra ele, motivando uma reação que o tornaria o centro
da vida política em Roma Não por acaso, foi, na prática, o
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exército quem tomou o poder, o que pode ser facilmente
observado na composição do governo que ascendeu logo
após a morte de César: composto de Otávio, sobrinho e
herdeiro de César; Lépido, antigo comandante das suas
forças de cavalaria, e Marco Antônio, seu mais hábil gene-
ral. Em 43a.C., esses três homens formaram o Segundo
Triunvirato.
A ascensão do Segundo Triunvirato deu origem a uma
violenta repressão sobre os conspiradores que haviam par
ticipado do assassinato de César. Instalou se um clima de
perseguições e mortes, impondo o terror sobre o Senado.
Claramente, é o exército quem detém o poder, e toda a luta
política resume-se agora à busca de sua plena aceitação.
Foi nesse contexto que, em 33 a C , Marco Antônio con-
trolava as províncias orientais e Lépido foi derrotado por
Otávio, que já dominava a Itália e as províncias ocidentais.
Restando só Marco Antônio e Otávio, o conflito entre ambos
tornou-se inevitável.
O estopim para o conflito foi representado pela questão
do Egito, a qual vinha se arrastando desde o governo de
Júlio César. Este, para ampliar seu poder contra o Senado,
inclusive o militar, havia feito um acordo com a herdeira
do trono egípcio, Cleópatra, colocando-a no trono contra
seu irmão, PtolomeuXIII No confronto com Otávio, Marco
Antônio buscou uma aproximação com o Egito, vista como
perigosa aos interesses romanos, uma vez que Cleópatra
tinha um filho com Júlio César. Otávio usou essa aproxi-
mação para aglutinar o exército romano em torno de seu
nome, contra Marco Antônio
A última guerra civil da República terminou em 31a.C.,
com o suicídio de Marco Antônio e de Cleópatra após a
grande derrota de Ácio, na Grécia, e com a vitória defini-
tiva de Otávio, que transformou o Egito em sua província
pessoal
Cristalizou-se, assim, um poder pessoal, fortemente
apoiado no exército. Mais que isso, usando métodos se-
melhantes aos de seu tio, Júlio César, Otávio apoderou-se
das abundantes colheitas do Egito, passando a abastecer
a plebe romana com trigo gratuito Além disso, o gigan
tesco tesouro egípcio, acumulado ao longo de milênios,
permitiu a ele formar um grande exército diretamente sob
sua autoridade. Submetido pela força e pelo apoio popu-
lar a Otávio, o Senado viu-se obrigado a referendar esse
poder, concedendo lhe uma série de títulos O primeiro
deles foi o de princeps senatus, ou primeiro senador, o
que lhe permitia presidir o Senado. A simples concessão
desse título já representa uma clara inversão na própria
estrutura da República A existência de um poder acima
do Senado significava um passo decisivo no caminho da
centralização do poder. Esse período, inclusive, já é co-
nhecido como Principado, dando a entender que não é
exatamente a forma republicana de governo que tem o
poder em Roma
Os demais títulos recebidos por Otávio apenas confir
maram essa tendência: imperator, ou comandante e chefe
do exército; tribuno da plebe, que lhe dava o direito de falar
em nome da plebe nas reuniões do Senado, e pontífice
máximo, que lhe concedia a chefia da religião oficial
O corolário desse processo foi a concessão a ele do
título de Augusto (o escolhido dos deuses), título que o
colocava acima dos mortais comuns, dando-lhe o direito
de indicar seus sucessores. Era a constatação definitiva
do fim da República e do retorno à forma monárquica de
governo, caracterizando a fase do Império.
O Alto Império (27a.C.-235d.C.)
Tradicionalmente, o período do Império em Roma é
dividido em duas fases distintas. O Alto Império estende-
se da sagração de Otávio em 27a.C. até por volta do
 séculoIIId.C. e constitui o período de consolidação e
apogeu do Império. O Baixo Império, do séculoIII aoV,
representa o momento de crise e decadência do Império,
até o seu final em 476.
Em termos políticos, o Império teve por base a cen
tralização do poder nas mãos do imperador, fortemente
apoiado no exército. As prerrogativas do Senado, embora
formalmente mantidas, foram drasticamente reduzidas na
prática, restando-lhe apenas a administração da Itália e das
províncias sem guarnições militares (províncias senatoriais).
O imperador controlava a religião, o exército, as funções
legislativa e judiciária, as finanças do Estado, a política ex-
terna e as províncias mais importantes
A redução do poder do Senado causou choques entre
este e o poder imperial, os quais sempre foram resolvidos
pelo uso da força militar na qual se apoiava o imperador
Lembramos que o poder efetivo estava nas mãos do exér-
cito, sendo o imperador apenas aquele a quem o exército
aceitava como governante As seguidas crises sucessórias,
golpes, assassinatos e conspirações mostram exatamente
essa característica. O exército, com um efetivo de mais
de 300mil homens, foi estacionado ao longo das fron
teiras do Império, o limes, para resguardá-lo dos ataques
bárbaros Formava uma força profissional, composta de
legiões, de recrutamento obrigatório entre os cidadãos
romanos; e de forças auxiliares, de recrutamento provincial.
Augusto criou também uma força militar de elite, a Guarda
Pretoriana, aquartelada em Roma, para a proteção pessoal
do imperador.
A sociedadefoi dividida em três ordens, segundo um
critério censitário, formando-se a Senatorial, que possuía
privilégios políticos; a Equestre, que permitia o acesso
aos cargos públicos; a Inferior, que abrangia a maioria
dos cidadãos. Com isso, Otávio ganhava o apoio dos
comerciantes ricos Ao mesmo tempo, como forma de
compensar a perda de poder do Senado, ele cumulava
os senadores com regalias que os tornavam dependentes
do poder imperial
O controle sobre a plebe era efetuado através da po-
lítica de concessão de alimentos, iniciada por Júlio César
e ampliada por Otávio Também foram criados grandes
espaços públicos para a realização de jogos, corridas
de bigas e combates de gladiadores, de modo a dar à
plebe uma forma de diversão que permitisse manter a
revolta social em um nível controlável. Era a política do
“pão e circo”

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