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HISTÓRIA Capítulo 3 A Antiguidade Clássica: o mundo greco-romano160 em Roma foi uma instituição exclusivamente patrícia, como atestam os mecanismos de governo e controle social im- plementados logo depois do seu estabelecimento. A eliminação do cargo de rei efetivamente acabou com a concentração de poderes, gerando o aparecimento de vários cargos administrativos que marcaram a República, as magistraturas. A mais alta magistratura eram os cônsules, em número de dois e com mandatos anuais. Eles controla- vam o exército e a administração, participavam das reuniões do Senado e propunham leis. Abaixo deles estavam os pretores, que se encarregavam da justiça; os questores, que cuidavam das finanças do Estado e da arrecadação de impostos; os edis, responsáveis pela conservação da cidade; e os censores, escolhidos a cada cinco anos, que deviam fazer o censo dos cidadãos segundo sua renda pecuniária e vigiar sua conduta. O fim da concentração de poderes fez com que ne- nhum cargo administrativo em Roma fosse mais importante que o Senado, o órgão máximo da República O fato de ele ser formado exclusivamente por patrícios, em caráter vitalício, garantia a eles o absoluto controle do poder. Era o Senado quem controlava a administração, as finanças, os assuntos militares e exercia os poderes Legislativo e Judiciário. Ademais, elegia os magistrados e, em casos de calamidade pública, indicava um ditador, que por um pe- ríodo máximo de seis meses, prorrogáveis por mais seis, governava com plenos poderes. A Assembleia Centurial foi mantida, mas seu papel passou a ser o de mero ratificador das decisões do Se- nado. Mesmo assim, os patrícios mantinham o controle da maioria das Centúrias e, consequentemente, das decisões da Assembleia. Esses elementos são suficientes para que se com- preenda que a instalação da República significou a definitiva marginalização da plebe de qualquer decisão política. Inevi- tavelmente, a reação plebeia não demorou, levando Roma, desde o início da República, a um clima de intensas lutas sociais entre patrícios e plebeus. As lutas sociais No ano de 493 a.C., apenas dezesseis anos depois de instalada a República, os plebeus iniciavam a primeira de uma série de intensas lutas sociais do período, objeti- vando ampliar sua margem de participação nas decisões políticas. Após três anos de conflito, eles descobriram a forma certa de pressionar a elite patrícia: retiraram-se para os pés do Monte Sagrado, nas cercanias de Roma, amea- çando fundar ali uma nova cidade. Essa atitude, a primeira greve social que se conhece, foi bem-sucedida por razões ligadas à estrutura interna de Roma e ao seu relacionamento com os povos vizinhos Em primeiro lugar, a mão de obra romana ainda era es- sencialmente representada por plebeus. Mais que isso, as centúrias plebeias (pessimamente armadas, mas extrema- mente numerosas quanto ao contingente de homens) eram usadas como instrumento de primeiro combate, servindo para desorganizar o adversário para só então sobrevir o ataque das centúrias patrícias Ante as ameaças externas e suas necessidades econômicas, os patrícios jamais po- deriam abrir mão da massa plebeia, acabando por ceder parcialmente às suas reivindicações Assim, em 490 a.C., os plebeus obtinham os tribunos da plebe, representantes políticos da plebe com poderes de vetar as decisões do Senado. Em 471 a.C., era criada a Concilia Plebis, ou As- sembleia da Plebe, composta exclusivamente de plebeus e com a função de eleger seus magistrados Outra importante conquista da plebe foi quando, em 450 a.C., aprovou-se a Lei das Doze Tábuas. Tratava-se de uma compilação escrita das leis até então orais de Roma, redigidas em doze placas de bronze e afixadas nas paredes do Fórum, um local público ao qual qualquer cidadão teria acesso. Logo a seguir, em 445 a.C , a Lei Canuleia suspen deu a proibição de casamentos entre patrícios e plebeus. Outras conquistas seguiram-se a essas. Em 367 a.C., a Lei Licínia Sêxtia aboliu a escravidão por dívida, franqueou aos plebeus a posse das terras do Estado (ager publicus) e estabeleceu a obrigatoriedade de um dos cônsules ser sempre plebeu. Em 286 a.C., as leis votadas pela Assem bleia da Plebe passaram a ter validade em todo o Estado romano, originando a palavra plebiscito Vistas assim em sequência, essas leis podem causar a impressão de uma plena igualdade obtida pela plebe e de uma sensível melhora nas suas condições de vida Entretanto, elas foram sendo obtidas ao longo de um pe- ríodo no qual Roma viu-se às voltas com outro processo de consequências decisivas para sua história e cujo efeito foi o de condenar a imensa maioria da plebe a uma situação de total marginalização, senão política, certamente econômica Esse processo está ligado à expansão romana, que já no início da República dava seus primeiros passos. As origens da expansão Pode-se considerar como marco inicial da expansão ro mana a vitória sobre os etruscos, em 395 a.C., e a anexação da Etrúria aos domínios romanos. Nesse momento, é possível perceber que as ações expansionistas de Roma têm um cará ter mais defensivo, dado pela necessidade de eliminar inimigos potencialmente perigosos. O mesmo raciocínio aplica-se à luta contra Pirro, rei do Épiro, entre 281 e 75 a.C , que ha via enviado tropas à península em apoio às cidades da Mag- na Grécia. Entretanto, a vitória sobre os etruscos teve o efeito de provocar uma reação em cadeia. Fortalecidos por essa con- quista e pela vitória sobre os gauleses, um povo que vivia ao norte da Península Itálica e que, em 387 a.C., havia chegado a invadir Roma, os romanos viram-se livres dos principais adversários que tinham em toda a península Mais que isso, cada conquista exigia outras novas conquistas para garantir sua posse e segurança. Dessa forma, em um período muito curto, Roma viu-se no controle de toda a península, impondo seu domínio do norte da Itália até as regiões da Sicília. Foi a posse dessa região pelos romanos que estabe- leceu a rivalidade com a cidade de Cartago, relação que assinalaria um dos marcos mais importantes da República Romana F R E N T E 2 161 Expansão de Roma na Península Itálica T ib re Rio Pó R io Mar Adriático Mar Tirreno Mar Jônico Mar Mediterrâneo Gália Cisalpina Córsega Sardenha Roma Messina Sicília Siracusa Agrigento Tarento Reggio Nápoles Lig úri a Crotona ÁFRICA Ilírios Eleia Cartago Conquistas da primeira metade do século IV a C Conquistas do século III a.C. Ocupação grega Ocupação cartaginesa Sentido da expansão Conquistas da segunda metade do século IV a.C. 0 ESCALA 150 km As Guerras Púnicas e a conquista do Mediterrâneo Vimos que a cidade de Cartago origina-se de uma co- lônia fundada pelos fenícios no extremo norte da África, a sudoeste da Sicília. Desde tempos muito remotos, os romanos chamavam essa região de Punis, daí chamar de Guerras Púnicas o conflito que envolveu Roma e Cartago entre 264 e 146 a.C. Entre 264 e 202 a.C., Roma confrontou-se duas vezes com Cartago, sendo vitoriosa, e, em 146 a.C., arrasou to- talmente sua rival. A Primeira Guerra (264-241 a.C.) foi fruto direto da extensão dos domínios romanos à Sicília, onde herdou a rivalidade entre Cartago e as cidades da Magna Grécia. No decorrer do conflito, Roma transformou-se em potência terrestre e potência naval, obtendo o domínio sobre as ilhas da Sicília, Córsega e Sardenha, com a vitória. A Segunda Guerra (219-202 a.C.) representou o mais sério desafio à sobrevivência do Estado romano. O general cartaginês Aníbal, considerado um dos maiores estrate- gistas de todos os tempos, conseguiu neutralizar toda a estrutura de defesa romana, invertendo a lógica do ata- que. Naturalmente, as defesas romanas concentravam-se no Mediterrâneo, esperando um ataque óbvio de Carta- go vindo do mar. Aníbal optou por uma ataque por terra, conduzindo seus exércitos pela Península Ibérica e sul da França, penetrando na Itália com um grande exército, pelos Alpes, ao norte. Nessa operação, Aníbal mostrou, ao lado da sua genia-lidade tática, uma visão política da guerra. Sua passagem por regiões já incorporadas ao domínio romano fez com que fosse visto como libertador, obtendo aliados que o fortaleceram na luta contra Roma. Com isso, ele conseguiu aniquilar os exércitos romanos, devastando a Itália. © A s ta P le c h a v ič iU tE D re a m s ti m e .c o m Fig 16 Ruínas da cidade de Cartago, destruída nas Guerras Púnicas. HISTÓRIA Capítulo 3 A Antiguidade Clássica: o mundo greco-romano162 Entretanto, o desgaste dessa longa campanha foi gran- de demais. Tendo perdido grande parte de suas forças na difícil travessia dos Alpes, Aníbal não teve condições militares de invadir Roma, limitando-se a um longo cerco enquanto esperava reforços que nunca viriam. Isso porque, com suas tropas ociosas na Sicília e sem condições de fazer a defesa de Roma, o general romano Cipião, o Africano, atacou Cartago. Aníbal teve que retornar para defender a cidade, sofrendo a decisiva derrota na Batalha de Zama (202 a C ), que colocou fim à guerra Para Roma, a vitória sobre Cartago significou o imediato controle sobre os antigos domínios cartagineses, incorporan- do à Península Ibérica o noroeste da África e o sul da França. Meio século mais tarde, os romanos voltariam a entrar em guerra contra Cartago, que tentava reerguer-se após a derrota, fato que já havia acontecido após a Primeira Guerra Púnica. A sentença delenda est Carthago (“Cartago deve ser destruída”) era proferida no Senado romano ao final dos discursos de Catão, o Velho (234-149 a.C.), que dessa maneira chamava atenção para a urgência da aniquilação completa de Cartago. Assim, a Terceira Guerra Púnica (150-146 a.C.) teve por efeito a completa destruição de Cartago. A cidade foi devastada, seus habitantes trucidados ou vendidos como escravos, as ruínas levadas para o mar e seu território de- clarado maldito, sendo então salgado para que nada ali pudesse crescer. Paralelamente ao conflito com Cartago, Roma lançava seus olhos sobre o Mediterrâneo oriental. Após seguidas guerras, a Macedônia e a Grécia foram transformadas em províncias (146 a.C.), e o reino de Pérgamo foi incor- porado (133 a.C.). Roma tornou-se o poder dominante também na área helenística, prosseguindo em sua política expansionista durante o século I a.C., com a conquista do Ponto, da Síria e do Egito. O Mediterrâneo transformou-se, assim, num lago romano, o mare nostrum, elo entre as várias partes do gi- gantesco Império Romano. Fig 12 Aníbal contando os anéis dos cavaleiros romanos mortos na Batalha de Canas das Guerras Púnicas, Museu do Louvre, Paris, França S é b a s ti e n S lo d tz /W ik im e d ia C o m m o n s A formação do Império Romano * Por fidelidade histórica o mapa foi mantido no original * F = Flumen (Rio) Segovia Numantia Corduba Baecula Munda Ilipa Gades HISPANIA ULTERIOR 197 HIS PAN IA C ITE RIO R 197 Sagatun Valentia Carthago Nova Ilerda Tarraco Narbo Tolosa MassÌlia Aquae Sextiae CÓRSEGA E SARDENHA 238 BALEARES INSULAE (Ilhas Baleares) Gergevia VienaGALLIA NARBONENSIS 121 Bibracte Vesontio Cenabum Avaricum Alesia GALLIA 49 Mediolanum Aquileia Cremosa Genua GALLIA CISALDINA F Tiberis Roma ITÁLIA Capua Cannae ILLYRICUM Dyrrhachium Apollonia Brundisium Tarentum Actium Locri SICÕLIA 241 (212) Syracusae M ylae H im era H im eraPanormus Eryx Lilybaeum Agrigentum Camarina Utica CartagoCirta Thapsus ÁFRICA NOVA 146 NUMÕDIA Lama Leptis Magna MAU RET ANI A Cyrene CYRENE 74 RHODUS LYCIA CYPRUS 58 Tyrus Damascus CRETA 67 Sparta Corinthus Athenae Mare Internum (Mar Mediterrâneo) EphesusPharsalus Pergamum Pydna Thessalonica MACEDONIA 146 Sardes Magnésia Miletus ASIA 133 ASIA 116 PH YRI GIA Cyzicus C ha lc ed on Byzantium N ic o m ed ia BIT HY NIA 74 PO NT US Sinope Amisus Cabeira Trapezus Zela Ancyra GALATIA CIL ICI A1 02 (67 ) CA PP AD OC IA Tigranocerta CO MA - GE NE Carrhae SYRIA 64 Antioquia Palmyra ARMENIA IMPÉRIO DA PÁRTIA Seleucia Babylon Dura Europos Mare Caspium (Mar Cáspio) RE IN O D O B Ó SF O RO Pontus Euxinus (Mar Negro) OCEANUS ATLANTICUS (OCEANO ATLÂNTICO) Philippi Nisibis Nicopolis Lugdunum Limites do controle cartaginês por volta de 264 a.C. Províncias romanas estabelecidas em 133 a.C. Províncias romanas estabelecidas entre 133 e 44 a.C. Estados independentes Fronteira do Reino Selêucida por volta de 125 a.C. Fronteira do Reino Ptolomaico 0 ESCALA 345 km