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Crise Febril Profª. Juliana Martins Definição Crise Febril ou Convulsão febril refere-se a crise convulsiva associada a: · Febre > ou igual a 38oC. · Sem evidência de infecção ou inflamação do SNC ou alteração metabólica. ➺ Critérios de exclusão de crise febril: • História prévia de crise convulsiva sem febre • Período neonatal: mesmo associado a febre, são investigados problemas de desenvolvimento ou outros Fisiopatologia ❤ Genético História familiar positiva aumenta o risco em, pelo menos, 4x. Obs: se a mãe apresenta, o risco aumenta para 8x ❤ Imaturidade cerebral A imaturidade cerebral está associada a idade do paciente (6 a 60 meses), diminuindo com o aumento dela, podendo estar relacionado a: ➺ Aumento de susceptibilidade por falta de mielina, diferença de permeabilidade e atividade elétrica e período de excitação maior que de inibição ➺ Aumento de temperatura desencadeia produção de interleucinas pró-convulsivantes, tendo ação em canais iônicos, podendo causar alcalose respiratória -> excitabilidade neuronal. ➺ Diminuição do limiar convulsivo de acordo com grau de temperatura e a velocidade de aumento: o que influencia na instalação da crise não é a temperatura por si só, e sim a velocidade de instalação da febre, ou seja, uma criança que sai do 36,5º direto para o 38,5º tem maior chance de ter crise febril do que a criança que sai de horas de 37,5º para 38ºc. ❤ Etiopatogenia ➺ Vírus: mais prevalentes na comunidade, principalmente em doenças respiratórias. • Exantema súbito (roséola infantum) - 10-15% podem evoluir com crise febril ➺ Outras infecções comuns: pulmonar; urinária; gastrointestinal ➺ Vacinação • DPT - componente da pertussis • Tríplice viral - componente do sarampo ➺ Em epiléticos, a febre diminui o limiar convulsivo, tornando a criança mais propensa a convulsionar. E nesse caso, não é crise febril Classificação ❤ Crise Febril Simples Para ser classificada como simples, deve apresentar as 4 características: ➺ Convulsão tônico-clônico generalizadas ➺ Curta duração ( < 15 min) ➺ Não recorre nas primeiras 24h, ou seja, não apresentará outra crise ➺ Exame neurológico após a crise (pós-ictal): normal ❤ Crise Febril Complexa (atípica) Apenas uma das características abaixo, já classifica como complexa ➺ Convulsão focal ou parcial Obs: pode iniciar focal e generalizar ➺ Longa duração (> 15 minutos) ➺ Ocorrem 2 ou mais crises nas primeiras 24h (1 ou + recorrências) ➺ Exame neurológico pós-ictal: alterado · Paralisia de Todd ❤ Orientações ➺ Não espera-se o tempo da convulsão para intervir - o limite para intervenção terapêutica ativa leva cerca de 5 minutos, caso contrário há maior potencial de induzir lesão neuronal permanente e/ou resistência a drogas. Obs: diazepam ou midazolam, a via depende da situação da criança, sendo que o diazepam só pode ser EV ou retal, o único IM é o midazolam ➺ Em 5% dos caso a crise febril pode se manifestar como estado de mal epilético Gravidade e Recorrência ❤ Crise Febril Benigna ➺ A crise febril benigna, está associada sempre a crise febril simples, tendo como característica: • Idade: 6 meses a 5 anos • Crise convulsiva: tônico-clônico generalizada • Duração: até 15 minutos • Retorno do nível normal de consciência após término da convulsão • Documentação da febre (> ou igual a 38oC) • Única crise convulsiva em 24 horas • Ausência de doença neurológica prévia ➺ Ocorre nas primeiras 24 horas da doença, e em alguns casos essa é a primeira manifestação que a criança está doente, ou seja, a criança só chega no hospital após a convulsão ➺ Retorna gradualmente ao nível normal de consciência dentro de uma hora. ❤ Maior probabilidade de recorrência ➺ Crianças < de 18 meses ➺ Crise com temperatura < 39ºC ➺ Intervalo < de 1 hora entre início da febre e convulsão ➺ Parentes de 1o grau com história de crise febril ❤ Risco de desenvolver epilepsia ➺ O risco de desenvolvimento de epilepsia na população geral é de 2%, independente de ter ou não crise febril ➺ O risco de epilepsia em crianças com crise febril varia de 2 a 10%, chegando mais perto do 10% se: • Anormalidades do desenvolvimento neurológico • História familiar de epilepsia • Crises febris complexas Diagnóstico O diagnóstico da crise febril é clínico, composto de anamnese e exame físico, sendo solicitados exames complementares se surgirem outros diagnósticos. ➺ Anamnese: · Caracterizar a crise: simples ou complexa? · Antecedentes familiares de crise febril ou de epilepsia · Antecedentes pessoais ➺ Exame físico detalhado · Sinais meníngeos, se presente, colher LCR ➺ Identificar possível foco da febre Obs: é possível que a criança apresente febre sem sinais localizatórios com crise febril ❤ Líquor (LCR) A punção lombar pra coleta de líquor, é para excluir meningite e encefalite ➺ Indicações • Todas as crianças < 6 meses com crise febril. Obs: lembrar que em período neonatal não se fala em crise febril • 6-12 meses: avaliar presença de sinais meníngeos e se negativo considerar em: · Não vacinadas para S. pneumoniae/ H. influenzae tipo b/ Neisseria meningitidis · Crianças em uso de antibiótico ❤ Eletroencefalograma (EEG) O eletroencefalograma não é realizado como avaliação de crise febril, pois não altera diagnóstico ou conduta ➺ É realizado apenas em casos com grande suspeita de epilepsia (crise complexa ou história familiar +), e só deve ser realizado após 2 semanas da crise ❤ Neuroimagem Não é necessário realizar exame de imagem pois não haverá nenhuma alteração cerebral e não mudará a conduta ➺ Realizar em suspeita de alterações cerebrais ou violência ❤ Laboratoriais Não é recomendado realizar hemograma ou eletrólitos de rotina, pois não auxilia no diagnóstico. Principalmente, se a criança apresenta sinais claros de infecção. Obs: com exceção se for uma crise febril por febre sem sinal localizatório ➺ Realizar glicemia em jejum em crianças com jejum prolongado ou período pós-crise prolongado Tratamento ❤ Durante a crise ➺ Se crise > 5 min: diazepam ou midazolam ➺ Se febre, antitérmico Obs: se não tiver sido administrado anteriormente pelos responsáveis ❤ Prevenção Após a criança apresentar crise febril, realiza-se prevenção de novos episódios, se ela for suscetível a recorrência: ➺ Diazepam oral ou retal durante doenças febris de maneira intermitente, APENAS em casos indicados. Obs: não realiza-se terapia com anticonvulsivantes pois os riscos são maiores que os benefícios, e o uso de antitérmicos não reduz o risco. ❤ Orientações durante a crise ➺ Proteção contra traumas. ➺ Não introduzir nada na boca. ➺ Manter em decúbito lateral Obs: evitar broncoaspiração por sialorréia ou vômito ➺ Não há necessidade de compressão torácica ou respiração boca a boca. ➺ Se crise > 5 minutos, dirigir-se ao serviço de emergência. ➺ Não administrar líquidos ou alimentos logo após a crise. ➺ Crise Febril recorrente: orientação quanto a administração de benzodiazepínico retal. Casos Clínicos ❤ Caso clínico 1 Lactente 8 meses , masculino. Mãe refere tosse seca e coriza há 2 dias. Hoje apresentou um pico febril de 39,2 ◦C tendo administrado 9 gotas de paracetamol mas após 10 minutos iniciou com movimentos tônico-clônicos de membros superiores e inferiores com perda de consciência. Durou cerca de 3 minutos. Ficou um pouco sonolento mas em aproximadamente 10 minutos ficou mais alerta. Exame físico: BEG, sem sinais meníngeos, fontanela normotensa, corado, hidratado, acianótico, anictérico. FC=110 FR=34 T=38,3 ◦C TEC<3seg saturação=97% • Orofaringe: com discreta hiperemia de pilares/tonsilas. • Restante do Exame físico: sem alterações. Após 3 dias de febre evoluiu com este quadro exantemático e ficou afebril. Qual o diagnóstico ? ➺ Crise febril simples, por roseola ❤ Caso clínico 2 GHO, 7meses , masculino. Mãe refere tosse seca e coriza há 2 dias. Hoje apresentou um pico febril de 39,5 ◦C tendo administrado 9 gotas de dipirona mas após 10 minutos iniciou com movimentos tonico-clônicos de membros com perda de consciência, cianose, e perda urinária. Durou cerca de 20 minutos. Ficou um pouco sonolento mas em aproximadamente10 minutos ficou mais alerta. Exame físico: BEG, sem rigidez de nuca, fontanela normotensa, corado, hidratado, acianótico, anictérico. FC=110 FR=34 T=38,3 ◦C TEC<3seg saturação=97% . Restante do Exame físico: sem alterações. Antecedente familiar: mãe teve um episódio de convulsão associado a febre com 2 anos de idade ➺ HD: crise febril complexa ➺ Dados que justifiquem: crise convulsiva associada a febre em lactente, com duração maior que 15 min ➺ Dados faltante: vacina e uso de antibiótico, para saber se coleta-se ou não o líquor ➺ Risco de recorrência: mãe com história de crise febril ❤ Caso clínico 3 LPO, 3 anos e 4 meses, feminina. Saudável sem antecedentes patológicos. Mãe refere que repentinamente apresentou perda de consciência seguida de movimentos tônico-clônicos de membros, perda urinária, cianose e trouxe ao hospital tendo demorado aproximadamente 5 minutos. Ao EF de entrada: Inconsciente, apresentando crise convulsiva tônico-clônico generalizada, febril (38,7◦C ), sem sinais meníngeos, TEC<3 seg, FC=120, saturação 92%. Sem outras alterações ao exame físico. Administrado Midazolam IM com melhora da crise e após 20 minutos estava vigil, Glasgow 15 sem déficit motores aparentes. Sem outras alterações ao exame físico. Assinale a alternativa correta: a). Até 15 minutos de crise convulsiva não necessita de medicação ( benzodiazepínico). b) Não necessita coleta de líquor c) Geralmente o fator desencadeante da febre é uma infecção bacteriana d) Como necessitou do uso de benzodiazepínico é necessário encaminhar para realização de eletroencefalograma. ➺ Não necessita coletar líquor pois é > 3 anos e não tem sinais meníngeos Referências Bibliográficas 1. Beatriz Marcondes Machado, Alfredo Elias Gilio. Febre sem sinais localizatórios. In: Sociedade Brasileira de Pediatria. Tratado de Pediatria. 5a ed. Manole, 2022. Volume 1. p.1512-17. 2. Eduardo Jorge Custodio da Silva. Crise febril. In: Sociedade Brasileira de Pediatria. Tratado de Pediatria. 5a ed. Manole, 2022. Volume 2. p.218-20. 3. Hany Simon Junior, Michelle Marcovici. Febre sem sinais localizatórios. In: Claudio Schvartsman, Amélia Gorete Reis, Sylvia Costa Lima Farhat. Pronto-Socorro. Coleção pediatria do Instituto da Criança do HCFMUSP. 4. ed. Manole, 2023. p. 498-508.