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MONKEYPOX | FICHA CATALOGRÁFICA 2 23-158283 CDD-616.24 NLM-WF-140 Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP) (Câmara Brasileira do Livro, SP, Brasil) Monkeypox [livro eletrônico] : uma abordagem geral para profissionais de saúde / [organização Marilia Santini de Oliveira, Débora Dupas Gonçalves do Nascimento ; coordenação Sílvia Helena Mendonça de Moraes, Marilia Santini de Oliveira, Ana Paula da Costa Marques. -- 1. ed. -- Campo Grande, MS : Fiocruz Pantanal, 2023. PDF Vários autores. Bibliografia. ISBN 978-85-66909-46-3 1. Infecções 2. Infecções - Prevenção 3. Infecções respiratórias 4. Profissionais da saúde 5. Saúde pública 6. Serviços de saúde 7. Vírus I. Oliveira, Marilia Santini de. II. Nascimento, Débora Dupas Gonçalves do. III. Moraes, Sílvia Helena Mendonça de. IV. Oliveira, Marilia Santini de. V. Marques, Ana Paula da Costa. Índices para catálogo sistemático: 1. Vírus respiratórios : Infecções respiratórias : Medicina 616.24 Aline Graziele Benitez - Bibliotecária - CRB-1/3129 MONKEYPOX | FICHA TÉCNICA 3 © 2023. Ministério da Saúde. Sistema Universidade Aberta do SUS. Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul. Alguns direitos reservados. É permitida a reprodução, disseminação e utilização dessa obra, em parte ou em sua totalidade, nos Termos de uso do ARES. Deve ser citada a fonte e é vedada sua utilização comercial. Ministério da Saúde Nísia Trindade Lima Ministra da Saúde Secretaria de Vigilância em Saúde e Ambiente Ethel Leonor Noia Maciel Secretária Departamento de Doenças Transmissíveis Alda Maria da Cruz Diretora Fundação Oswaldo Cruz – Fiocruz Mário Santos Moreira Presidente Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul – Fiocruz MS Jislaine de Fátima Guilhermino Coordenadora Coordenação de Educação da Fiocruz MS Débora Dupas Gonçalves do Nascimento Vice-coordenadora de Educação Secretaria-Executiva da Universidade Aberta do SUS – UNA-SUS Maria Fabiana Damásio Passos Secretária-executiva Fundação Oswaldo Cruz Mato Grosso do Sul (Fiocruz MS) Rua Gabriel Abrão, 92 – Jardim das Nações, Campo Grande/MS CEP 79081-746 Telefone: (67) 3346-7220 E-mail: educacao.ms@fiocruz.br Site: www.matogrossodosul.fiocruz.br CRÉDITOS Coordenação Geral Débora Dupas Gonçalves do Nascimento Marilia Santini de Oliveira Coordenadoras Acadêmicas Ana Paula da Costa Marques Marilia Santini de Oliveira Coordenadora Pedagógica Geral Sílvia Helena Mendonça de Moraes Autores Ana Paula da Costa Marques Antonio Luiz Dal Bello Gasparoto Carlos Henrique Michiles Frank Douglas Oliveira Carmo Lima Helena Lima da Silva Neta James Venturini Lucimeire Neris Sevilha da Silva Campos Magda Machado Saraiva Marcio Irita Haro Maria de Lourdes Aguiar Oliveira Marilia Santini de Oliveira Mayara Secco Torres da Silva Nathalie Alves Agripino Olavo de Moura Fontoura Rivaldo Venâncio da Cunha Autores das questões de avaliação Everton Ferreira Lemos Zoraida del Carmen Fernandez Grillo Revisoras técnico-científicas Carolina Vaccari Simaan Daniela Buosi Rohlfs Débora Dutra Emanuelle Carvalho Brasil de Albuquerque Jackeline Leite Pereira Pavin Josiane Graziele Costa Laíza Foizer Filgueira Rosany Ferreira Rios Fonseca Sabrina Silva Lima Apoio técnico-administrativo Adriana Carvalho dos Santos Davyd Darlan Gomes de Oliveiria Coordenador de Produção e Designer Instrucional Marcos Paulo dos Santos de Souza Gerenciamento de redes e 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Brasil __________________________________ 17 1.2.3 Interface humanos-animais-meio ambiente _______________ 19 1.2.4 Grupos vulneráveis e população-chave ___________________ 21 REFERÊNCIAS __________________________________________ 23 UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA ____________________ 25 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE _____________________ 26 2.1 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA MPOX _______________________ 28 2.2 DIAGNÓSTICO CLÍNICO DIFERENCIAL DAS LESÕES ______________ 34 2.3 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À INFECÇÃO PELO MPXV _________ 36 2.4 TRATAMENTO E ABORDAGEM TERAPÊUTICA __________________ 37 2.4.1 Manejo sintomático ________________________________ 37 2.4.2 Terapias antivirais_________________________________ 37 2.5 CONTROLE DE TRANSMISSÃO DO MPXV _____________________40 2.6 VACINAS E ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO NÃO FARMACOLÓGICAS ____ 41 REFERÊNCIAS __________________________________________ 43 SUMÁRIO MONKEYPOX | SUMÁRIO 5 UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA _______________________________________________ 45 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE ___________________________________________________ 46 3.1 IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO ESPECÍFICO PARA ASSISTÊNCIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE __________________ 47 3.2 AMOSTRAS PARA DIAGNÓSTICO LABORATORIAL DE MPOX _______________________________________ 48 3.2.1 Coleta de amostras _______________________________________________________________ 48 3.2.2 Armazenamento de amostras ________________________________________________________ 49 3.2.3 Embalagem, acondicionamento e transporte de amostras ____________________________________ 49 3.3 MÉTODOS PARA DIAGNÓSTICO LABORATORIAL _______________________________________________ 50 3.3.1 Métodos utilizados para diagnóstico específico ____________________________________________ 50 3.3.2 Fluxo para diagnóstico laboratorial e laboratórios de referência no Brasil __________________________ 50 3.3.3 Kits e insumos laboratoriais _________________________________________________________ 52 REFERÊNCIAS _________________________________________________________________________ 53 UNIDADE 4: VIGILÂNCIA EPIDEMIOLÓGICA DOS CASOS _____________________________________________ 54 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE ___________________________________________________ 55 4.1 NOTIFICAÇÃO DOS CASOS DE MPOX _______________________________________________________ 57 4.1.1 Definições de caso ________________________________________________________________ 57 4.1.2 Algoritmo de classificação e orientações para preenchimento da ficha de notificação __________________ 59 4.1.2.1 Algoritmo de classificação __________________________________________________________ 59 4.1.2.2 Ficha de notificação _____________________________________________________________ 60 4.1.2.3 Classificação dos casos e orientação da vigilância _________________________________________ 61 4.2 RASTREAMENTO DE CONTATOS __________________________________________________________ 62 4.3 MONITORAMENTO DE CASOS E CONTATOS __________________________________________________ 64 MONKEYPOX | SUMÁRIO 6 4.4 BLOQUEIO NA CADEIA DE TRANSMISSÃO ____________________________________________________ 65 4.5 VACINAÇÃO E PRIORIDADES: EVIDÊNCIAS NO MUNDO ___________________________________________ 66 REFERÊNCIAS _________________________________________________________________________ 70 UNIDADE 5: ORIENTAÇÕES PARA A POPULAÇÃO E GRUPOS ESPECÍFICOS_________________________________ 72 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE ___________________________________________________ 73 5.1 MEDIDAS DE PREVENÇÃO E CUIDADO CONTRA A MPOX PARA A POPULAÇÃO GERAL ______________________ 74 5.2 ORIENTAÇÕES PARA PESSOAS COM SUSPEITA DA DOENÇA – DIRECIONAMENTO PARA PROCURA DOS SERVIÇOS DE SAÚDE ______________________________________________________________ 76 5.3 CONTENÇÃO DA DOENÇA EM SERVIÇOS DE SAÚDE E ORIENTAÇÕES E CUIDADO PARA A SAÚDE DO TRABALHADOR DA SAÚDE ______________________________________________________________ 78 5.3.1 Situações e fatores de risco à saúde dos trabalhadores da saúde ________________________________ 78 5.3.2 Medidas de Controle, Prevenção e Proteção à Saúde dos Trabalhadores da Saúde ____________________ 79 5.3.2.1 Equipamentos de Proteção Individual (EPIs) ______________________________________________ 79 5.3.2.2.Medidas de Controle de Engenharia __________________________________________________ 80 5.3.2.3 Medidas de Controle Administrativo __________________________________________________ 81 5.3.2.4 Afastamento de trabalhadores de serviços de saúde e retorno às atividades _______________________ 82 5.4 ORIENTAÇÕES PARA PROFISSIONAIS DO SEXO ________________________________________________ 83 5.5 ORIENTAÇÕES PARA EVENTOS DE MASSA (EM) ________________________________________________ 84 5.5.1 Planejamento e responsabilidades na Organização de EM _____________________________________ 85 5.6 ORIENTAÇÕES PARA TRANSPORTE PÚBLICO __________________________________________________ 87 REFERÊNCIAS _________________________________________________________________________ 89 MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 7 MONKEYPOX UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: Mpox, MONKEYPOX/ VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 88 OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE OBJETIVO GERAL: Esta Unidade tem como objetivo apresentar um breve histórico e panorama da doença no mundo e no Brasil, descrevendo o agente etiológico, as características do vírus e as formas de transmissão. Ressalta a importância da utilização de dados epidemiológicos para as ações de assistência e vigilância em saúde e o reconhe- cimento da interface humanos-animais-meio ambiente. Discute ainda os grupos vulneráveis e população-chave. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM: Compreender o histórico da doença e seu surgimento no mundo e no Brasil; Descrever as características do vírus e as formas de transmissão; Utilizar dados epidemiológicos no mundo e no Brasil; Compreender o agente etiológico e suas características gerais; Reconhecer a interface humanos-animais-meio ambiente; Identificar os grupos vulneráveis e população-chave. CARGA HORÁRIA DE ESTUDO: 10 horas MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 99 1.1 HISTÓRICO DA DOENÇA NO MUNDO E NO BRASIL 1.1.1 DEFINIÇÃO DA DO- ENÇA E FORMAS DE TRANSMISSÃO A mpox é uma zoonose viral causada pelo Monkeypox virus (MPXV), da fa- mília Poxviridae, capaz de infectar di- ferentes espécies de mamíferos. É uma doença transmissível, autolimitada e caracterizada pelo surgimento de pús- tulas na pele dos indivíduos infectados (LUNA et al., 2022). Você já deve ter ouvido comentários associando a mpox à varíola humana. Isso se deve ao fato de o agente etio- lógico das duas doenças, Monkeypox virus e Variola vírus (VARV – do inglês smallpox), pertencerem à mesma fa- mília, Poxviridae, causando doenças que se manifestam de forma seme- lhante clinicamente, embora a mpox seja menos grave. Nas regiões endêmicas, a taxa de le- talidade (TL) varia de 3,6% a 10,6% e, em geral, tanto as manifestações da doença quanto a TL são piores nos pa- cientes imunossuprimidos, como os pa- cientes que vivem com o vírus da imu- nodeficiência humana (HIV) (BUNGE et al., 2022). O vírus pode ser transmitido: • Entre seres humanos, por: . Contato próximo com lesões cutâ- neas, secreções respiratórias ou obje- tos recentemente contaminados; . Contato prolongado, face a face, com secreções respiratórias; . Via vertical (transplacentária ou con- tato próximo entre a mãe e o bebê durante e após o parto); • De animais infectados para outras espécies, incluindo humanos (contato direto com sangue, outros fluidos cor- porais e/ou lesões do animal infecta- do), e de humanos para animais. Outras formas de transmissão entre seres humanos, incluindo por contato sexual, estão sendo estudadas. O MPXV foi identificado na década de 50, entretanto o primeiro caso em se- res humanos foi observado em 1970. Vale ressaltar que, embora a descober- ta do vírus tenha ocorrido em macacos em um laboratório dinamarquês em 1958, a Organização Mundial da Saú- de (OMS) considera inadequada a no- meação dada à doença, esclarecendo que a maioria dos animais suscetíveis a esse tipo de varíola são roedores, como ratos e cães-da-pradaria. 10 Em 28 de novembro de 2022, a OMS recomendou a mudança do nome da doença para mpox, devido aos fortes estigmas e preconceitos observados durante a sua expansão no mundo. A substituição do nome acontecerá de forma gradual. No primeiro ano, ambos os nomes foram aceitos para que houvesse tempo para finalizar o processo de atualização da Classificação Internacional de Doenças (CID). O termo monkeypox deixará de ser utilizado, mas continuará sendo pesquisável no CID para fins históricos. Até 30 de novembro de 2022, o Comitê Internacional de Taxonomia de Vírus ainda não havia decidido pela mudança na nomenclatura do Monkeypox vírus. Nesse curso adotamos o novo nome (mpox), mantendo o nome monkeypox e suas traduções para o português apenas no título para facilitar a busca e nos documentos incluídos na íntegra que foram produzidos antes da mudança de nomenclatura. Em 11 de maio de 2023, a Mpox deixou de ser considerada, pela OMS, uma Emergência em Saúde Pública Internacional. Contudo, é importante ressaltar que a doença ainda representa um desafio significativo a saúde pública que necessita de respostas enérgicas e robustas. Em 23 de junho de 2022, o Comitê de Emergência do Regulamento Sanitário Internacional (2005) (RSI) da OMS se reuniu em Genebra para tratar sobre o surto multipaís de varíola. O Comitê recomendou ao Diretor-Geral da OMS que não declarasse esse surto como uma Emergência de Saúde Pública de Interesse Internacional (ESPII), embora reconhecesse, por unanimidade, a natureza emergencial do evento e que controlar a propagação do surto iria requerer intensos esforços de resposta. Reforçou ainda que “o evento deve ser monitorado de perto e revisado após algumas semanas, assim que mais informações sobre as incógnitas atuais estiverem disponíveis, para determinar se ocorreram mudanças significativas que podem justificar uma reconsideração de seu conselho”. Apesar da opinião do Comitê, o diretor da OMS decidiu, em 23 de julho de 2022, declarar a monkeypox uma Emergência de Saúde Pública de Preocupação Internacional (ESPII). 1958 1970 1970 - 1979 O vírus foi identificado em 1958, em duas colônias de macacos provenientes da África, e mantido para pesquisa na Dinamarca. 2018 - 2021 13 e 15/mai - 2022 23/jun - 2022 28/nov - 2022 11/mai - 2023 Entre 2018 e 2021, casos relacionados a viagens para países endêmicos foram relatados em Israel (2018), Reino Unido (2018, 2019 e 2021), Singapura (2019) e EUA (2021). Praticamente todos os casos fora da África nesses anos foram relacionados a viagens para países africanos endêmicos ou à importação de animais silvestres capturados nas florestas africanas para venda como pets exóticos em outros países. Entre 13 e 15 de maio de 2022, o Reino Unido notificou 7 casos confirmados de monkeypox, sem vínculo com viagens a áreas endêmicas ou com contato com animais silvestres importados. Desde então, outros casos começaram a ser notificados em diversos países. A forma de entrada do vírus nesses países e os meios de disseminaçãoainda não estão identificados. O primeiro caso humano foi identificado em 1970 na República Democrática do Congo, na África. Desde então, apresenta-se como doença endêmica no continente africano, com poucos casos e baixa letalidade. Entre 1970 e 1979, foram descritos casos humanos nas regiões Central e Ocidental da África. 2003 Em 2003, ocorreu um surto nos EUA. Foram registrados cerca de 47 casos humanos devido à importação de roedores infectados capturados nas florestas de Gana. Acompanhe a seguir a linha do tempo: https://www.who.int/news/item/28-11-2022-who-recommends-new-name-for-monkeypox-disease 11 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA Entre 1981 e maio de 2022, a maior parte dos casos no mundo ocorreu na África Central, com mortalidade de 10% em indivíduos não vacinados contra varíola. SAIBA MAIS! Leia o editorial do periódi- co The Lancet sobre a de- claração da OMS (em inglês). SAIBA MAIS! Veja mais detalhes sobre os casos de mpox rela- tados antes de maio de 2022, apresentados por Estevão Portela Nunes, médico in- fectologista e vice-diretor de servi- ços clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fiocruz, assistindo ao vídeo. 1.1.2 DADOS EPIDEMIO- LÓGICOS NO MUNDO E NO BRASIL O surto de mpox atingiu muitos paí- ses em todo o mundo. A partir de maio de 2022, houve uma transmissão mais abrangente do vírus, com uma distri- buição geográfica mais ampla e casos com sinais e sintomas diferentes dos casos endêmicos da África. O primeiro caso identificado de mpox foi em 6 de maio de 2022 no Reino Unido e até 28 de dezembro de 2022 foram confirmados no mundo – em 110 países – 83.539 casos de mpox, com 74 mortes distribuídas em 18 países (CDC, 2022a). Acompanhe na Figura 1 os locais com maior número de casos de mpox no mundo, que estão mar- cados no mapa com círculos de maior diâmetro. Figura 1 – Mapa global com a localização dos casos de mpox até 28 de dezembro de 2022. Círculos alaranjados indicam os países sem histórico de mpox, e os azuis os países com histórico de mpox Fonte: Centers for Disease Control and Prevention (2022a). https://fiocruzbr-my.sharepoint.com/:v:/g/personal/cursosarquivo_ms_fiocruz_br/Eae9fSVjjF5BmVvmd7bGHtgBp_mLM7ZkazTr65lu8qKwQw?e=8hOPa4 https://fiocruzbr-my.sharepoint.com/:b:/g/personal/cursosarquivo_ms_fiocruz_br/EZCeQ2tVTs9GqkQyLv2_aXQBvkGu6BOTJ0plA051inFT9A?e=pOoSrF 12 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA SAIBA MAIS! Você pode acessar os dados e mapas atualiza- dos na página do Centro de Controle e Prevenção de Doen- ças (do inglês: Centers for Disease Control and Prevention - CDC). O número de casos no mundo aumen- tou progressivamente até agosto de 2022, com predomínio de casos na Europa até início de junho, mas de- pois desse período esse cenário mudou para as Américas. A partir de agosto de 2022, observa-se uma queda na “média móvel dos últimos 7 dias” no mundo, como demonstra a Figura 2. SAIBA MAIS! Para saber mais sobre os números atualiza- dos da Mpox no mun- do, consulte também: Figura 2 – Casos confirmados de mpox no mundo, segundo média móvel, conside- rando os últimos sete dias - Maio a Dezembro de 2022 Fonte: Our World Data (2022). A distribuição de casos no Brasil segue a mesma curva observada no mundo e em outros países com grande número de casos, como os Estados Unidos da América. Podemos observar a similari- dade nas curvas de distribuição da do- ença no país e no mundo na Figura 3. https://www.cdc.gov/poxvirus/mpox/response/2022/world-map.html https://www.who.int/emergencies/disease-outbreak-news/item/2022-DON393 13 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA Até o dia 30 de dezembro de 2022 - Semana Epidemiológica 52 (SE 52), 10.511 casos de mpox foram confirma- dos no Brasil, a grande maioria dos casos se concentram nos estados da região sudeste, como pode ser obser- vado na Figura 4. Figura 3 – Casos confirmados de Mpox no Brasil e no Mundo segundo média mó- vel, considerando os últimos sete dias – Maio a Dezembro de 2022 Fonte: Our World Data (2022). MPOX – SITUAÇÃO EPIDEMIOLÓGICA NO BRASIL 30 de Dezembro de 2022 | SE 52 INFORME Nº139 Figura 4 – Distribuição dos casos con- firmados de mpox por unidade federa- da – SE 52 Fonte: Brasil (2022). 14 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA SAIBA MAIS! Se você quiser saber a atualização dos ca- sos no seu estado e no Brasil, acesse o link. https://www.gov.br/saude/pt-br/composicao/svsa/resposta-a-emergencias/coes/monkeypox/atualizacao-dos-casos MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 1515 1.2 AGENTE ETIOLÓGICO Sabemos que os vírus são estrutu- ras microscópicas, mas você já parou para pensar em como é essa estrutu- ra capaz de causar tanto impacto na saúde pública? 1.2.1 CARACTERÍSTICAS GERAIS DO VÍRUS O Monkeypox virus, assim como os ou- tros membros da família Poxviridae, tem genoma composto por DNA de fita dupla, que é replicado no citoplasma da célula hospedeira. O material ge- nético tem aproximadamente 197 ki- lobases (kb) com 190 genes. Eles têm morfologia ovoide ou semelhante a tijolos e são envolvidos por envelope lipoproteico. Apesar de serem obser- vados apenas por microscopia eletrô- nica, são considerados de grande por- te, uma vez que seu tamanho pode variar de 200 a 250 nanômetros (nm) (ALAKUNLE et al., 2022). Uma característica interessante do MPXV é que ele apresenta duas formas infecciosas: vírion maduro (VM) e vírion envelopado (VE). A diferença é base- ada na quantidade de camadas de membranas que o envolvem. As par- tículas VMs são caracterizadas pela presença de apenas uma membrana externa, enquanto os VEs têm a mem- brana externa e mais uma membrana também chamada de envelope, que é derivada da célula hospedeira (Figura 5). As proteínas da membrana externa dos VMs desempenham importantes funções relacionadas à entrada na cé- lula hospedeira e subsequente pato- gênese. De forma simplificada, o VM é aquele vírus sem o envelope externo e o VE é um VM que tem o envelope viral (CHADHA et al., 2022). Diferentemente dos vírus com genoma de RNA, os vírus de DNA geralmente apresentam poucas mutações. No en- tanto, as amostras de MPXV isoladas do surto de 2022 parecem ter muitas mutações. Foram identificadas cerca de 40 mutações que os diferem da li- nhagem mais próxima, que é de 2017, sugerindo um processo evolutivo que pode estar associado à disseminação com maior eficiência, o que explica a maior transmissibilidade (KUMAR et al., 2022). Acredita-se que a habilidade dos pox- vírus de se tornarem restritos aos hos- pedeiros seja devido tanto à transfe- rência e acúmulo de genes de escape do sistema imunológico do hospedeiro https://sfamjournals.onlinelibrary.wiley.com/action/doSearch?ContribAuthorRaw=Chadha%2C+Jatin 16 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA como à coevolução dos vírus e de seus hospedeiros ao longo dos anos. Além disso, o tropismo tecidual afeta a distri- buição e a propagação do vírus em hos- pedeiros infectados e entre os hospedei- ros saudáveis (ALAKUNLE et al., 2022). Com relação às propriedades físicas e químicas, o MPXV é resistente à seca- gem e pode ser facilmente inativado por formol, clorofórmio, metanol, fe- Figura 5 – Estrutura do MPXV. As duas formas infecciosas: vírion maduro (VM) e vírion envelopado (VE) Fonte: Chadha et al., 2022. nol e outros reagentes químicos, além de perder sua infecciosidade após 20 minutos de aquecimento em torno de 55oC. Por outro lado, pode permane- cer estável por um longo tempo quan- do armazenado de 4oC a -70oC (LUO, HAN, 2022). SAIBA MAIS! Leia a reportagem so- bre o isolamento do vírus da mpox pela FIOCRUZ e conheça sua estrutura por imagens de microscopiaele- trônica no endereço eletrônico. SAIBA MAIS! Veja mais detalhes so- bre as características do MPXV e da mpox no vídeo da pesquisado- ra da UFRJ Clarissa Damaso. https://fiocruzbr-my.sharepoint.com/:v:/g/personal/cursosarquivo_ms_fiocruz_br/EQJ5WuTHLJpKr8ADRKA6TYsBKLjFC1wqm9jl10hqJPPOdg?e=EnJrMt https://www.ioc.fiocruz.br//noticias/fiocruz-isola-o-virus-monkeypox-e-registra-em-imagens-sua-estrutura-detalhada https://sfamjournals.onlinelibrary.wiley.com/action/doSearch?ContribAuthorRaw=Chadha%2C+Jatin 17 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA 1.2.2 SUBTIPOS E CLA- DOS EXISTENTES NO MUNDO E LINHAGENS ENCONTRADAS NO BRASIL De acordo com sua estrutura genô- mica, historicamente o MPXV foi clas- sificado em dois clados, ou seja, dois vírus diferentes com um ancestral em comum, denominados clados “África Ocidental” e “África Central”, também conhecido por “Bacia do Congo”, que convivem na região entre Camarões e República Democrática do Congo (FORNI et al., 2022). Devido à necessidade de alterar tan- to o nome da doença quanto do vírus, que já foi citada anteriormente, o gru- po de especialistas convocados pela OMS concordou em alterar o nome das variantes do ortopoxvirus que causam a mpox tanto para minimizar ofensas a grupos sociais, culturais, nacionais, re- gionais, profissionais ou étnicos como para mitigar as repercussões negativas desses nomes no comércio, viagens, tu- rismo e bem-estar animal. Sendo assim, os clados Bacia do Con- go e África Ocidental passariam a ser denominados clado um (I) e clado dois (II), respectivamente. O clado II ainda tem dois subclados, clado IIa e clado IIb. Esses clados representam a diver- sidade genética acumulada ao longo de muitos anos de evolução no reser- vatório animal e incluem a maioria dos isolados ligados a surtos na República Democrática do Congo. Esses clados, que são responsáveis pela maioria dos ciclos naturais de transmissão e das manifestações endêmicas na África, têm transmissão diferente e padrões patobiológicos e manifestações clíni- cas distintas, evidenciando as diferen- ças entre eles (LUNA et al., 2022). Os clados I e II têm diferenças de 0,5% na sequência genômica e estão as- sociados a apresentações clínicas di- ferentes da doença. O clado I é clini- camente mais grave, portanto está associado a maiores taxas de mortali- dade e maior transmissibilidade, quan- do comparado ao clado II (KUMAR et al., 2022). Foi proposto também nomear um sub- clado IIb (hMPXV1) referente aos iso- lados presentes nos surtos de 2017 a 2019 e nos surtos de 2022, uma vez que esses isolados têm sido transmi- tidos pessoa-pessoa em dezenas de países e demonstrado uma rota de transmissão diferente da dos casos an- teriores da doença (HAPPI et al., 2022). Apesar do número ainda limitado de estudos disponíveis, é possível obser- var uma enorme diversidade dentro desse subclado (Figura 6). A linhagem B.1, responsável pelo surto de 2022, é descendente da linhagem A.1.1 (Figura 7). Alguns pesquisadores sugerem no- mear o subclado IIb de clado III, porém a nomenclatura ainda não está total- mente definida. 18 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA No Brasil, o padrão genético do vírus também é semelhante ao observado em outras partes do mundo? Sim. O sequenciamento genético dos primeiros casos confirmados de mpox no Brasil, assim como vem acontecen- do nos outros países que tiveram surto da doença no ano de 2022, identificou que o vírus pertencia ao subclado IIb, linhagem B.1 (Figura 7). Além disso, as amostras identificadas estavam inti- mamente relacionadas com as amos- tras sequenciadas em Portugal, Ale- manha, Espanha e EUA (CLARO et al., 2022). As principais diferenças entre os clados Figura 6 – Análise filogenética de infecções humanas e não humanas por MPXV nos anos de 1970 a 2022. A: Distribuição dos isolados dos vírus em dois diferentes clados (I e II) e subcla- dos (IIa e IIb); B: Distribuição dos iso- lados dos vírus pertencentes ao sub- clado IIb (hMPXV1) e suas diferentes linhagens (A, A.1, A.2, A.1.1 e B.1) Figura 7 – Epidemiologia Genômica do MPXV: círculos azuis referentes ao clado I; círculo verde referente ao subclado IIa; e círculos alaranjados referentes ao sub- clado IIb e suas linhagens Fonte: Happi et al. (2022). Fonte: Nextsrtain (2022) 19 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA pode ocorrer por arranhões, morde- dura, preparo da caça como alimento ou contato direto/indireto com fluidos corporais ou material da lesão. Já a transmissão entre humanos ocorre, de acordo com a descrição clássica, por meio de gotículas respiratórias que são principalmente eliminadas duran- te espirros, tosse e fala, e, para tal, é necessário um tempo de contato prolongado (KUMAR et al., 2022). O MPXV pode atravessar a placenta, ou seja, a transmissão da mãe infectada para o feto também deve ser considerada. Ou- tras formas de contágio são pelo contato direto com a lesão e com flui- dos corporais ou pelo contato indireto com objetos contaminados, como roupas e lençóis. Ainda não está confir- mada a transmissão sexual. Embora o vírus já tenha sido encontra- do no sêmen, são ne- cessários mais estudos confirmatórios. parecem estar associadas a determi- nantes antigênicos imunomoduladores e de reconhecimento do hospedeiro. A divergência acentuada e os sinais de subagrupamento podem estar asso- ciados a diferentes panoramas epide- miológicos entre os surtos, que podem estar impulsionando microeventos evolutivos, redesenhando a arquitetu- ra genômica do MPXV. 1.2.3 INTERFACE HUMA- NOS-ANIMAIS-MEIO AMBIENTE Embora o reservatório definitivo do MPXV ainda não tenha sido com- pletamente identificado, infecções es- pontâneas foram descritas em diversas espécies de mamíferos, e vírions viáveis foram encontrados em diferentes teci- dos de animais que morreram em de- corrência da infecção. Suspeita-se ain- da que roedores que vivem na África desempenham um papel fundamental na transmissão da infecção (Figura 8). A transmissão do vírus entre os animais pode ocorrer pelo contato com lesões cutâneas de animais infectados, fluídos corporais ou gotículas respiratórias. A transmissão do animal para o homem Figura 8 – Ciclo de transmissão do MPXV (1) de roedores a macacos; (2) de macacos a humanos; (3) de roedo- res a humanos; (4) de pessoa infecta- da a pessoas saudáveis por meio de gotículas respiratórias; (5) de pessoa infectada a pessoas saudáveis pelo contato direto com a lesão Fonte: Kumar et al. (2022). 20 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA as rurais e associadas aos reservató- rios animais (FORNI et al., 2022). Dessa forma, a epidemiologia da doença su- gere que o reservatório do vírus esteja associado à floresta tropical africana, região endêmica da doença (Figura 9). Com o surto de 2017 na Nigéria, os casos alcançaram áreas de savana e áreas urbanas. Nessa mesma época, além do aumento de casos em huma- nos na África Ocidental, foi observado um aumento no número de infecções em chimpanzés, embora não tenham sido observadas alterações compor- tamentais ou de hábitos no grupo de animais que explicasse o aumento de casos. Os pesquisadores sugeriram que o aumento nos casos de mpox tanto em humanos quanto nos animais esta- va associado à mudança na demogra- fia e na distribuição do reservatório do vírus (PATRONO et al., 2022). É importante lembrar que o MPXV já foi identificado em uma grande va- riedade de animais diferentes. Muitos desses animais infectados são caçados para alimentação, tornando-os fonte de infecção para os humanos. Alguns animais têm distribuição restrita a al- gumas regiões, enquanto outros são amplamente distribuídos. Dessa for- ma, é possível que, nas regiões onde existam os dois clados do vírus(I, IIa e IIb), as barreiras geográficas podem ser oportunidades ecológicas de infecção e de adaptação a diferentes hospedei- ros para o vírus (FORNI et al., 2022). Por ser um vírus zoonótico (termo uti- lizado para classificar as doenças que são transmitidas de maneira natural entre os animais e os seres humanos), a maior parte das infecções humanas em áreas endêmicas acontece em áre- Figura 9 – Típica floresta tropical na região do Zaire, atual República Democráti- ca do Congo (África Ocidental), onde casos de mpox ocorreram entre 1970-1984. Fonte: Fenner et al. (1988). 21 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA É possível também que alterações cli- máticas e ecológicas tenham causado epizootias (ocorrência de um determi- nado evento em um número de ani- mais ao mesmo tempo e na mesma região, podendo levar ou não à mor- te) em roedores na África Ocidental e Central nos últimos anos, com conse- quente aumento da transmissão do MPXV a humanos e primatas não hu- manos. A invasão de habitats selva- gens pode favorecer a interação entre animal e homem, criando oportunida- des de transbordamento da cadeia de transmissão, e a variabilidade genéti- ca encontrada nos isolados do surto de 2022 demonstra que também ocorreu uma grande mudança biológica do ví- rus (FORNI, et al., 2022). Muito ainda precisa ser estudado sobre as estratégias evolutivas e adaptati- vas do vírus, além do desenvolvimento e implementação de estratégias para um diagnóstico precoce, prevenção e tratamento da doença. Estudos de vi- gilância genômica também devem ser implementados para esclarecer a dis- tribuição e natureza dos reservatórios e hospedeiros do vírus tanto na África quanto nos outros países pelos quais o vírus está se espalhando. 1.2.4 GRUPOS VULNE- RÁVEIS E POPULAÇÃO- -CHAVE Você já deve ter ouvido falar na mídia sobre o perfil das pessoas que mais se infectam pelo MPXV, mas será que é isso mesmo? Quais os motivos? Será que sempre foi assim? Os casos de mpox descritos em paí- ses africanos antes de 2022 afetavam igualmente homens e mulheres, sen- do mais frequentes em menores de 40 a 50 anos e não vacinados contra a varíola. Desde o início do atual surto, observa- -se que a população mais afetada são os homens, que respondem por 97,5% dos casos relatados nos EUA entre maio e setembro de 2022, com idade média de 34 anos (CDC, 2022b). Um levantamento dos casos em 16 países realizado de abril a junho de 2022 identificou 528 casos confirmados, dos quais 527 eram homens, com idade média de 28 anos (THORNHILL, et al., 2022). O mesmo perfil demográfico é observado em outros países, inclusive no Brasil. No estado do Rio de Janeiro, por exemplo, dos 1.153 casos confirma- dos até 24 de outubro do mesmo ano, 837 tinham entre 20 e 29 anos e 92,5% tiveram o sexo masculino atribuído ao nascimento (CIEVS, 2022). Observou-se ainda que a maior par- te desses pacientes eram homens que faziam sexo com homens (HSH): 82,5% no estado do Rio de Janeiro, 95% na análise de casos de 16 países e 75% na série de casos dos EUA. A mpox, nessa população, é mais frequente nos HSHs com maior número de parceiros e com parceiros desconhecidos. Acredita-se que a transmissão do vírus nesse con- texto seja decorrente do contato ínti- mo e prolongado durante as relações sexuais e não por meio de secreções genitais, que caracterizariam trans- missão sexual. Considerando que a disseminação glo- bal da mpox no surto atual pode es- tar associada a atividade sexual, ou- tra população vulnerável nesse cenário são os profissionais do sexo, que, assim como os demais grupos vulneráveis, devem ser priorizados quanto ao aces- so à informação e educação para pre- venção e demais cuidados. 22 MONKEYPOX | UNIDADE 1: INTRODUÇÃO AO TEMA: MONKEYPOX/VARÍOLA DOS MACACOS/VARÍOLA SÍMIA Por que é importante co- nhecer as características da população afetada? O conhecimento das características da população afetada é importante para auxiliar os profissionais de saúde na suspeita do diagnóstico e para o de- senvolvimento das ações de comuni- cação em saúde, que permitem que as pessoas sob maior risco adotem ações preventivas. É muito importante evi- tar a estigmatização dos HSHs, como vimos acontecer com a pandemia de HIV/Aids na década de 80 do século XX. A estigmatização, além de suas consequências sociais e humanas de- letérias, pode implicar diagnóstico tar- dio ou mesmo ausência de diagnósti- co, seja por receio de procurar serviços de saúde, seja por falta de suspeição diagnóstica em pessoas não HSH, per- dendo-se a oportunidade de prevenir a transmissão por meio de isolamento. Cabe ressaltar que a transmissão do MPXV se dá por contato íntimo e pro- longado com um paciente com lesões e pode acontecer em diversas circuns- tâncias não ligadas ao ato sexual. Também precisamos considerar que há casos notificados em mulheres e crian- ças, embora em menor proporção. SAIBA MAIS! Veja entrevista da histo- riadora Dilene Raimundo do Nascimento, profes- sora do Programa de Pós-Graduação em História das Ciências e da Saúde da Casa de Oswaldo Cruz (COC/Fiocruz), so- bre os riscos da estigmatização. SAIBA MAIS! Assita a vídeo-aula do Dr. Rivaldo Venâncio da Cunha, coordenador de Vigilância em Saúde e Laboratórios de Referência da FIOCRUZ sobre a MPOX e o impacto da doença no Brasil. https://portal.fiocruz.br/noticia/corremos-o-risco-de-repetir-com-monkeypox-o-estigma-da-aids-alerta-historiadora https://fiocruzbr-my.sharepoint.com/:v:/g/personal/cursosarquivo_ms_fiocruz_br/EYshiqQmWNJOor5e7o9hPOgBSzamapf3o64_NeCnkvRyjA?e=Ne5Nz5 MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 2323 ALAKUNLE, E. et al. Monkeypox Virus in Nigeria: Infection Biology, Epidemiol- ogy, and Evolution. Viruses, v. 12, nov. 2022. DOI: 10.3390/v12111257. BRASIL. Ministério da Saúde. Card Situ- ação Epidemiológica de Monkeypox no Brasil no130. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/com- posicao/svs/resposta-a-emergencias/ coes/monkeypox/atualizacao-dos- -casos/card-situacao-epidemiologi- ca-de-monkeypox-no-brasil-no130/ view. Acesso em: 20 dez. 2022. BUNGE, E. M. et al. 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Urgent need for a non-discriminatory and non-stigma- tizing nomenclature for monkeypox virus. 2022. Disponível em: https:// virological.org/t/urgent-need-for-a- -non-discriminatory-and-non-stigma- tizing-nomenclature-for-monkeypox- -virus/853. Acesso em: 19 dez. 2022. KUMAR, N. et al. The 2022 outbreak and the pathobiology of the mon- keypox virus. J. Autoimmun., v. 131, jul. 2022. DOI: 10.1016/j.jaut.2022.102855. LUNA, N. et al. Phylogenomic analysis of the monkeypox virus (MPXV) 2022 outbreak: Emergence of a novel viral lineage? Travel Medicine and Infec- tious Disease, v. 49, set. 2022. DOI: 10.1016/j.tmaid.2022.102402. LUO, Q; HAN, J. Preparedness for a monkeypox outbreak. Infectious Med- icine. v. 1. Jun. 2022. DOI: 10.1016/j. imj.2022.07.001. NEXTSTRAIN. Genomic epidemiology of monkeypox virus. 2022. Disponí- vel em: https://nextstrain.org/monke- ypox/mpx. Acesso em: 31 dez. 2022. OUR WORLD DATA. Monkeypox. 2022. Disponível em: https://ourworldindata. org/monkeypox. 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Busca ainda discutir a abordagem terapêutica e os tratamentos adotados, bem como medidas de prevenção e controle, vacinas e estratégias de prevenção não farmacológicas. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM: - Descrever sinais e sintomas da mpox/varíola dos macacos; - Diferenciar clinicamente mpox/varíola dos macacos de outros quadros que cau- sam lesões cutâneas; - Compreender os fatores de risco; - Discutir a abordagem terapêutica e os tratamentos adotados; - Realizar medidas de prevenção e controle; - Discutir vacinas e estratégias de prevenção não farmacológicas. CARGA HORÁRIA DE ESTUDO: 10 horas 27 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA Em geral, a mpox é classicamente des- crita como uma doença benigna que causa sinais e sintomas que duram de 2 a 4 semanas. Vimos na unidade 1 que ela é parecida com a varíola, embora seja clinicamente mais branda. Mas como se apresenta a mpox? Será que o paciente manifesta apenas as lesões típicas da doença? Você já pensou nisso? MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 2828 2.1 MANIFESTAÇÕES CLÍNICAS DA MPOX Até o surto atual de mpox, as manifes- tações clínicas da doença eram des- critas com base nos casos humanos observados na África e relatados em artigos científicos e capítulos de livros, que eram escassos. A principal forma de transmissão identificada até então era o contato de uma pessoa com go- tículas respiratórias de alguém infec- tado com o vírus da mpox (MPXV), que era seguido por um período de incu- bação de 5 a 21 dias e depois por um período prodrômico, isto é, um período de 0 a 3 dias de duração da doença, caracterizado pelo aparecimento sú- bito de febre, mal-estar geral, mialgia, cefaleia e fadiga decorrente da repli- cação e disseminação e circulação do vírus pelo organismo. Logo após os sin- tomas prodrômicos, apareciam as le- sões cutâneas, todas na mesma fase evolutiva, de distribuição centrífuga, atingindo principalmente face e mem- bros, acompanhadas de aumento de linfonodos especialmente nas cadeias cervicais e submandibulares. Essa fase correspondia à instalação e multipli- cação do vírus nas células da pele e das mucosas. A patogenia e os sinais e sintomas descritos da doença são bas- tante semelhantes aos da varíola hu- mana. A taxa de mortalidade descrita era de 0% a 11% nos diferentes surtos, sendo maior nos que ocorreram na África Central. No atual surto, que acometeu pessoas em regiões mais ricas e mais desenvol- vidas cientificamente no planeta, inú- meras sériesde casos foram analisadas e publicadas, relatando-se patogenia e manifestações clínicas diferentes das descritas anteriormente. A transmissão por contato direto com secreção das lesões cutâneas parece ser a mais fre- quente. Depois do contato, aparecem as lesões no local de inoculação. Na maior parte dos casos, elas surgem em região genital e anal após contato se- xual, sem a ocorrência de período pro- drômico com sintomas sistêmicos. Além disso, observam-se casos com poucas lesões localizadas, sem a distribuição centrífuga e com lesões simultâneas em diferentes fases evolutivas. A taxa de mortalidade descrita no surto atual varia de 3% a 6%. Um estudo com 528 casos de mpox ocorridos entre 27 de abril e 24 de ju- nho de 2022, distribuídos em 16 países, observou que 527 pacientes eram ho- mens, com idade média de 28 anos. Em 95% dos casos, a suspeita é de que a transmissão tenha ocorrido duran- 29 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA te atividade sexual. Desses pacientes, 95% tinham lesões cutâneas, 64% me- nos de 10 lesões, 73% com lesões ano- genitais e 41% com lesões mucosas. Por outro lado, 54 pacientes apresentaram uma lesão única genital. Os sintomas sistêmicos mais frequentes foram febre (62%), letargia (41%), mialgia (31%) e cefaleia (27%). Linfoadenopatia foi ob- servada em 56% dos pacientes. Nessa coorte, o período de incubação foi, em média, de 7 dias, e 70 pacientes (13%) foram hospitalizados para analgesia, tratamento de infecção bacteriana secundária, observação de lesão ocu- lar, insuficiência renal aguda e/ou por dificuldade de isolamento domiciliar. Observou-se ainda que 29% dos pa- cientes tinham uma infecção sexual- mente transmissível (IST) concomitan- te (THORNHILL et al, 2022 ). No Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI/Fiocruz), entre 12 de junho e 19 agosto de 2022, 208 pacientes com mpox foram atendidos, dos quais 200 eram do sexo masculino (96,2%). Desse total de 200 homens, 89,7% declararam que faziam sexo com homens. A mediana de idade dos 208 pacientes era de 33 anos. Com re- lação às lesões da mpox nos 208 pa- cientes atendidos, 76,1% tinham lesões disseminadas e 23,9% localizadas, 77,3% tinham lesões genitais, 33,1% anais e 4,8% apresentavam superin- fecção bacteriana. Os sinais e sinto- mas sistêmicos mais relatados foram febre (63%), adenomegalia (47,4%), cefaleia (31,7%), astenia (26,1%), dor de garganta (25,4%), mialgia (21,4%) e diarreia (10,8%). A avaliação de ISTs concomitantes mostrou que 53,2% eram portadores de HIV, 21,2% tiveram diagnóstico de sífilis, 10,6% de clamí- dia e 9,9% de gonorreia. Um total de 33% tinha alguma IST ativa no mo- mento do diagnóstico de mpox (SILVA et al. 2022). No Brasil, de 7 de junho a 1º de outu- bro de 2022, 7.992 casos de mpox fo- ram confirmados. Desse total, 91,8% eram homens, com mediana de idade de 32 anos. Os sinais e sintomas mais relatados foram febre (58,0%), ade- nomegalia (42,4%) e cefaleia (39,9%). Além disso, 27,5% declararam ser imu- nossuprimidos, 34,6% viviam com HIV e 10,5% tinham IST. Nesse período, três óbitos foram registrados (PASCOM et al. 2022) . Como já dissemos, o surgimento de lesões cutâneas é o principal sinal de suspeição diagnóstica. Essas lesões aparecem inicialmente como máculas e pápulas, mas depois progridem para vesiculação, pustulação, umbilicação, formação de crostas e descamação durante um período de 14 a 21 dias (Figura 1). As lesões, geralmente, são profundas, podendo ser pruriginosas e bastante dolorosas. Lesões em mu- cosas oral (Figura 2) e genital (Figura 3), frequentemente descritas no surto atual de mpox, estão presentes em até 70% dos casos. A despigmentação e as cicatrizes são vistas como sequelas (Figura 4) (Ali et al. 2022, Torres et al. 2022). 30 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA Figura 1 – Lesão cutânea de mpox em seus vários estágios: (a) vesícula precoce (diâmetro de 3 mm), (b) pequena pústula (2 mm), (c) pústula umbilicada (3-4 mm), (d) lesão ulcerada (5 mm), (e) crosta de uma lesão e (f) crosta parcialmen- te removida Fonte: Ali et al. (2022). Figura 2 – Ulcerações no palato e amígda- las por MPXV Fonte: Torres et al. (2022). 31 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA Figura 3 – Lesões em mucosas de mpox. A: Lesão umbilicada no pênis. B: Aglomerado de pápulas na região perianal, muitas com umbilicação Fonte: Torres et al. (2022). Figura 4 – Lesões cutâneas cicatriza- das de mpox (A, B e C) Fonte: Torres et al. (2022). O aumento dos linfonodos submandi- bulares, cervicais e inguinais pode ser observado de um a dois dias após o iní- cio da erupção cutânea. As complicações são decorrentes de infecção bacteriana secundária e da localização das lesões. A infecção bac- teriana secundária da pele é bastan- te comum (Figura 5), observada em até um quinto dos pacientes, poden- do evoluir para quadros mais graves, como pneumonia e sepse, se não for identificada e tratada adequadamen- te (TORRES et al. 2022). Complicações decorrentes da localização das lesões incluem, por exemplo, o envolvimento ocular causando conjuntivite e cera- tite, que podem evoluir para úlceras de córnea e sinéquias oculares entre a íris e a cápsula anterior do cristalino. O envolvimento de áreas anatômicas que possa resultar em sequelas gra- ves de cicatrizes ou estenoses no sítio afetado, como esófago e uretra, requer acompanhamento médico mais pro- longado (SILVA et al. 2022). 32 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA FIQUE ATENTO! Confusão mental e convulsões são raras, mas também podem acontecer como con- sequência da encefalite viral. Figura 5 – Complicações da mpox. A: Infecção secundária de lesões faciais. B: Aparência da infecção mostrada na Figura A 5 dias depois Fonte: Torres et al. (2022). Apesar de pouco frequentes, formas graves e óbito podem ocorrer, princi- palmente em pacientes com imunode- pressão severa, como descrito no surto atual. Em uma análise de 57 casos graves hospitalizados nos EUA, observou-se que 89,5% dos pacientes tinham al- gum tipo de imunocomprometimen- to (82,5% vivendo com HIV, dos quais apenas 8% estavam em tratamento antirretroviral e 72,1% tinham conta- gem de células CD4+ em sangue pe- riférico menor que 50 cels/mm3) e 5% eram gestantes. Todos os pacientes ti- nham lesões cutâneas severas (Figura 6) e 68% tinham também lesões muco- sas. Outros órgãos acometidos incluí- am pulmões (21%), olhos (21%), sistema nervoso central e medula espinhal (7%) (MILLER et al. 2022). O Center for Disease Control and Pre- vention (CDC) dos EUA lançou, em ja- neiro de 2023, um alerta sobre mpox em grávidas, relatando 23 casos, 3 dos quais próximos ao parto. Os bebês nasceram também com a doença, mas não houve casos graves (OAKLEY et al. 2023). Informações sobre mpox em grávidas ainda são muito limitadas, mas deve-se pesquisar lesões geni- tais desde o pré-natal até o momento do parto, realizar exames específicos para os casos suspeitos e avaliar indi- vidualmente o uso de antivirais e a via de parto (RAMNARAYAN et al. 2022. 33 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA Fonte: Miller et al. (2022). Você sabia que as lesões causadas pelo MPXV são muito parecidas com lesões causadas por outros microrganismos? Por isso, é de extrema importância que os profissionais da saúde estejam atentos e realizem, quando necessário, o diagnóstico diferencial das lesões. Figura 6 – Lesões disseminadas e extensas nas costas e nas mãos de paciente com caso grave de mpox MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 3434 A mpox deve ser diferenciada de ou- tras infecções virais que também po- dem causar vesículas e pústulas, como varicela, herpes-zoster e infecção pelo vírus do herpes simples. Outras infec- ções por poxvírus, como molusco con- tagioso, estomatite bovina e orf, tam- bém podem causar lesões cutâneas semelhantes à mpox, bemcomo algu- mas infecções bacterianas e virais de pele, como impetigo, antraz cutâneo, sarampo, doença mão-pé-boca e ou- tras (Figura 7) (DROGA et al., 2023). Vesicopústulas ou pseudopústulas umbilicadas podem ser confundidas com pápulas umbilicadas translúci- das de molusco contagioso (Figura 8), particularmente em pacientes que têm lesões confinadas à genitália. A apresentação da mpox como uma úl- cera genital solitária tem sido bem documentada na literatura e preci- sa ser diferenciada de outras ISTs que causam úlceras genitais, como sífilis, cancroide, condiloma acuminado e gonorreia disseminada. Foi observada a coinfecção de mpox com várias ISTs, e a evidência de uma ou mais ISTs não deve excluir o diagnóstico de infecção por mpox (DROGA et al., 2023). A história detalhada do paciente, in- 2.2 DIAGNÓSTICO CLÍNICO DIFEREN- CIAL DAS LESÕES cluindo histórico de viagens, conta- tos sexuais, informações sobre conta- to próximo com qualquer pessoa que estivesse com sintomas semelhantes, além da análise do momento dos sin- tomas prodrômicos e da formação das lesões cutâneas, pode ajudar a distin- guir as infecções. Embora a varíola tenha sido erradica- da, ela deve ser considerada como um diagnóstico diferencial devido à possi- bilidade de bioterrorismo. FIQUE ATENTO! A Covid-19 apenas ra- ramente provoca uma erupção pustulovesi- cular, mas merece consideração em virtude da atual pandemia. 35 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA Figura 7 – Imagens ilustrativas para diagnóstico diferencial das lesões de mpox: varicela, herpes-zoster, herpes simples e impetigo Fonte: Curitiba (2022). Figura 8 – Imagens ilustrativas para diagnóstico diferencial das lesões de mpox: sífilis e molusco contagioso Fonte: Curitiba (2022). MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 3636 Dadas as características de transmis- são zoonótica e inter-humana, a epi- demiologia da mpox e os fatores de risco têm sido variados ao longo do tempo. Por exemplo, entre 1981 e 1986, quase 100% dos casos registrados no Congo eram crianças, e os fatores de risco associados foram: morar em áre- as florestais, ser do sexo masculino, ter idade inferior a 15 anos e não ter va- cinação prévia contra varíola (KUMAR et al., 2022, RIMOIN et al., 2010, DI- MITRAKOFF, 2022, THORNHILL et al., 2022) Em 2003, nos EUA, ocorreu o primeiro relato de mpox fora do continente afri- cano. Identificou-se que a origem des- sa contaminação foi uma remessa de animais de estimação exóticos e sel- vagens de Gana. O surto resultou em 47 casos humanos, mas nenhum caso de transmissão inter-humana foi do- cumentado. Nessa ocasião, os fatores de risco associados foram: exposição a um animal doente, exposição a gaiolas limpas e camas de um animal doente, ou o contato por toque com um animal doente (REYNOLDS et al., 2007). No surto atual, a determinação estatís- tica dos fatores de risco ainda é escas- sa, portanto os dados epidemiológicos 2.3 FATORES DE RISCO ASSOCIADOS À INFECÇÃO PELO MPXV têm auxiliado a identificar alguns fa- tores associados, sendo a imunode- pressão o mais relatado. FIQUE ATENTO! Devido a ainda curta duração do surto atual, as informações aqui apre- sentadas são baseadas em relatos epidemiológicos descritivos, não em estudos analíticos para deter- minação de fatores de risco, sen- do, portanto, necessários estudos mais robustos sobre esses fatores. SAIBA MAIS! Veja mais detalhes sobre as manifestações clínicas e o perfil epidemiológi- co dos pacientes com mpox observados no surto de 2022 com o pesquisador Estevão Porte- la Nunes, médico infectologista e vice-diretor de serviços clínicos do Instituto Nacional de Infectologia Evandro Chagas (INI), da Fiocruz. https://fiocruzbr-my.sharepoint.com/:v:/g/personal/cursosarquivo_ms_fiocruz_br/EZMzJiBL629BnLRj26pvqwQBU82UERQn-Ope1Ec2t0Tnqw?e=gI1qPv MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 3737 2.4.1 MANEJO SINTO- MÁTICO Em casos suspeitos ou confirmados de mpox, a base do tratamento é o ma- nejo sintomático. A terapia é focada no manejo da dor oral, genital e anor- retal; na redução do prurido; no mo- nitoramento da febre; no tratamento da proctite, se presente; e na limpeza das lesões de pele. As opções de trata- mento incluem enxágues anestésicos, anestésicos tópicos, banhos de assen- to ou de aveia, laxantes, analgésicos, anti-histamínicos orais ou tópicos ou outros géis ou loções não irritantes, como calamina ou mentol. De modo geral, a maioria dos pacientes se recu- pera apenas com o controle dos sinto- mas. Nos pacientes que desenvolvem dor intensa, são necessários regimes de tratamento multimodal, que po- dem incluir opioides. (BRASIL, 2022). ATENÇÃO! Em caso de infecções bacterianas secundá- rias, deve-se introduzir antibioticoterapia apropriada. 2.4 TRATAMENTO E ABORDAGEM TERAPÊUTICA 2.4.2 TERAPIAS ANTIVIRAIS ATENÇÃO! Vários antivirais podem ser prescritos para o tratamen- to de mpox. Alguns desses medicamentos foram aprovados para o tratamento da varíola com base em modelos animais e estudos de dose e segurança em humanos saudáveis, portanto espera-se que tenham a mesma atividade contra a mpox. Nes- se momento, o tecovirimat é o trata- mento de escolha (FRENOIS-VEYRAT et al., 2022; CENTERS FOR DISEASE CONTROL AND PREVENTION, 2022) a) Tecovirimat ou TPOXX: é um inibidor potente da proteína do vírus necessá- ria para a formação de uma partícula viral infecciosa, sendo recomendado para casos em que há risco elevado de doença grave. Deve-se avaliar cada paciente quanto à elegibilidade para receber o antiviral. O TPOXX é reco- mendado para tratamento compas- sivo para pacientes com resultado la- boratorial positivo/detectável para MPXV com lesão ocular e/ou internado com a forma grave da doença, apre- sentando uma ou mais das seguintes manifestações clínicas (BRASIL, 2022): 38 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA Apesar de esse medicamento não ter registro no Brasil, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), após solicitação do Ministério da Saúde (MS), autorizou, em caráter excepcio- nal e temporário, a dispensa do regis- tro do medicamento importado pelo Ministério, considerando a emergência em saúde pública. A dose recomendada de TPOXX de- pende do peso do paciente. Por exem- plo, para pacientes com peso ≥40 kg e <120 kg, a dose indicada é de 600 mg (três cápsulas) a cada 12 horas. A for- mulação intravenosa (IV) não deve ser usada em pacientes com insuficiência renal grave (depuração de creatini- na <30mL/min) e deve ser usada com cautela em pacientes com doença re- nal moderada ou leve, bem como em crianças menores de dois anos de ida- de devido ao acúmulo do ingrediente hidroxipropil-beta-ciclodextrina na formulação IV. A formulação IV pode ser transferida para terapia oral, caso o paciente possa tomar medicamentos orais. A duração do tratamento é de 14 dias. No entanto, pacientes imunocom- prometidos podem necessitar de um tratamento mais longo. Em pessoas que vivem com o HIV, pode haver in- terações medicamentosas que afe- tam a dosagem de agentes de terapia antirretroviral. Encefalite: presença de alteração clínico-radiológica e/ou liquórica compatível com o acometimento de Sistema Nervoso Central (SNC). Lesões cutâneas com mais de 250 erupções espalhadas pelo corpo. Lesão extensa em mucosa anal/retal, evoluindo com quadro hemorrágico e/ou infeccioso secundário à ulceração. Pneumonite: presença de manifestação respiratória associada a alteração radiológica sem outra etiologia provável. Lesão extensa em mucosa oral, limitando a alimentação e hidratação via oral. 39 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA Se o TPOXX não estiver disponível, a decisão de tratar a doença com um agente alternativo, como o cidofovir (ou brincidofovir, se disponível), deve ser individualizada, pois o risco de com- plicações é maiorquando esses agen- tes são utilizados (por exemplo, o risco de insuficiência renal e anormalidades eletrolíticas é maior) (CDC, 2022). Con- tudo, esses medicamentos não pos- suem licença para uso no Brasil. b) Colírios ou pomadas de trifluridina e vidarabina: são utilizados se as lesões de mpox envolverem o olho ou estru- turas acessórias do olho. A trifluridina tópica e a vidarabina têm sido utiliza- das para infecções causadas pelo vírus Vaccinia, visando ao tratamento da ceratite e à prevenção do envolvimen- to da córnea e da conjuntiva em pa- cientes com lesões palpebrais. As apli- cações devem ser realizadas a cada 4 horas por 7 a 10 dias (Cash-Goldwasser et al. 2022) https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prevention-of-mpox-monkeypox/abstract/28 https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prevention-of-mpox-monkeypox/abstract/28 https://www.uptodate.com/contents/treatment-and-prevention-of-mpox-monkeypox/abstract/28 MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 4040 A Organização Mundial da Saúde (OMS) (2022) tem destacado diversas estratégias para controle e prevenção da mpox. Primeiramente, destaca-se a necessidade de aumentar a conscien- tização sobre os fatores de risco e de educar as pessoas sobre as medidas que podem ser tomadas para reduzir a exposição ao vírus. Certamente, a va- cinação é uma estratégia crucial, por isso alguns países já estão desenvol- vendo políticas para oferecer a vacina a pessoas que possam estar em risco, como pessoal de laboratório, equipes de resposta rápida, profissionais de saúde e as populações vulneráveis de que tratamos na unidade 1. Com relação ao risco de transmissão de pessoa para pessoa, a OMS desta- ca que a vigilância e a rápida identi- ficação de novos casos são essenciais para a contenção do surto. Durante os surtos de mpox, o contato com pessoas infectadas é o fator de risco mais sig- nificativo para a infecção pelo MPXV. Os profissionais de saúde e os mem- bros da família deles correm maior risco de infecção. Os profissionais de saúde que cuidam de pacientes com suspeita ou confirmação de infecção ou manipulam amostras devem implementar as precauções-padrão de controle de infecção. Se possível, pessoas previamente vacinadas contra varíola devem ser selecionadas para cuidar do paciente. Com relação ao risco de transmissão zoonótica, a OMS recomenda que se deve evitar o contato desprotegido com animais silvestres, principalmente doentes ou mortos, incluindo a carne, o sangue e outras partes deles. Além disso, todos os alimentos que conte- nham carne ou partes de animais de- vem ser bem cozidos antes de serem consumidos. A restrição ao comércio de animais sel- vagens e exóticos deve ser ainda mais efetiva. Do mesmo modo, animais em cativeiro potencialmente infectados com MPXV devem ser isolados de ou- tros animais e colocados em quaren- tena. Qualquer animal que possa ter tido contato com um animal infecta- do deve ser colocado em quarentena, manuseado obedecendo-se as pre- cauções-padrão e observado quanto aos sintomas da mpox por 30 dias. 2.5 CONTROLE DE TRANSMISSÃO DO MPXV MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 4141 A primeira vacina contra a varíola foi descoberta por Edward Jenner, em 1796, que sistematizou os conhecimen- tos empíricos para prevenir a varíola. Ele observou pessoas que ordenhavam vacas doentes – que tinham pústulas formadas pelo vírus Vaccinia nas te- tas – e, mesmo com esse contato, não adoeciam. A vacina contra a varíola chegou ao Brasil em 1804 por iniciativa do Barão de Barbacena. Anos mais tarde, percebeu-se que a imunidade gerada pela vacina de Jenner era perdida. Com isso, surgiram novas discussões e experimentos, que levaram à mudança de técnica de pro- dução da vacina, iniciando-se a era da vacina animal. Mesmo com a compro- vação da eficácia da nova técnica, a vacina animal demorou mais de duas décadas para sair da Europa e chegar ao Brasil, o que aconteceu em 1887. Nesse mesmo ano, houve uma epide- mia de varíola no Rio de Janeiro. O médico Pedro Affonso Franco, diretor da Santa Casa de Misericórdia, rece- beu do Instituto Chambon de Paris amostra da vacina animal, que foi usa- da para produção de vacinas no Brasil. Na Santa Casa, foi montado o serviço de vacinação e oferta da vacina no Rio de Janeiro (FERNADES et al. 2022). Em 1966, foi instituída a Campanha de Erradicação da Varíola, como parte do Programa Mundial de Erradicação da Varíola da OMS. A campanha obteve êxito e, em 1980, foi declarada a erra- dicação mundial da varíola, após longo processo de certificação da interrup- ção da transmissão da varíola de pes- soa para pessoa (HERNDERSON, 1980). Com a erradicação da varíola no Bra- sil e no mundo, foi estabelecido no país que a vacinação contra a varíola não seria mais obrigatória. Desde então, o Brasil não tem reserva estratégica dos imunobiológicos mais antigos contra a varíola. Assim, no atual surto de mpox no Bra- sil e no mundo, iniciado em maio de 2022, o suprimento de vacinas mais recentes é limitado e as estratégias de acesso estão em discussão. Portanto, a OMS recomenda que a utilização das vacinas leve em consideração o atual cenário e as evidências. Os orthopoxvirus têm alta similaridade entre si, portanto as vacinas produzi- das com vírus Vaccinia geram imunida- de contra a varíola humana e a mpox. Os conhecimentos sobre a eficácia desses imunizantes contra a mpox ain- 2.6 VACINAS E ESTRATÉGIAS DE PREVENÇÃO NÃO FARMACOLÓ- GICAS 42 MONKEYPOX | UNIDADE 2: ASPECTOS CLÍNICOS DA DOENÇA da são bastante restritos, por isso a OMS solicita que os países coletem e compartilhem dados sobre a eficácia das vacinas. Atualmente, somente três vacinas (MVA-BN, ACAM2000 e LC16) estão disponíveis para uso no mundo, por demonstrarem eficácia para proteção cruzada contra o MPXV (FERDOUS et al. 2023). Destaca-se que a vacinação em massa contra a mpox não é reco- mendada pela OMS. A orientação da OMS é de que sejam adotadas estra- tégias robustas de vigilância e moni- toramento dos casos e investigação e rastreamento de pessoas que tenham tido contato com a doença como prin- cipais medidas de prevenção da disse- minação da doença. Agora vamos conhecer um pouco mais as 3 vacinas existentes (WHO, 2022): MVA-BN: é uma vacina baseada em um Orthopoxvirus não replicante de terceira geração atenuado e vivo, o Vaccinia Ankara Modificado (MVA). A Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos da América (EUA), autorizou o uso emergencial dessa va- cina nos EUA para prevenção da mpox em indivíduos com 18 anos ou mais de idade com elevado risco de infec- ção. Ela é administrada em duas do- ses, com quatro semanas de intervalo, por via subcutânea ou intradérmica e pode ser aplicada em indivíduos imu- nocomprometidos e gestantes. Fabri- cada pela empresa dinamarquesa Ba- varian Nordic, recebe nomes diferentes de acordo com o local em que é dis- tribuída, sendo chamada de Jynneos nos EUA, Imvamune no Canadá e Im- vanex na União Europeia (PITTMAN et al. 2019). ACAM2000: é uma vacina de segunda geração indicada para a prevenção da varíola. Foi autorizada para uso contra a varíola no surto atual por protocolo de Novo Medicamento Investigacio- nal de Acesso Expandido (EA-IND), que requer consentimento do usuário. Fa- bricada pela Emergent BioSolutions, a vacina ACAM2000 contém um vírus Vaccinia vivo replicante. A LC16 “KMB”: é uma vacina liofiliza- da, de terceira geração, preparada em cultura de células LC16 “KMB”, apro- vada para prevenção de varíola, e seu titular de autorização para comerciali- zação é a KM Biologics Co., Ltd. FIQUE ATENTO! Cabe destacar que os programas de vacinação devem ser acompanha- dos por uma forte campanha de informação, farmacovigilância robusta e realização de estudos de efetividade da vacina. Hoje, o fornecimento da vacina é limitado e, nesse contexto, as doses devem ser priorizadaspara pessoas com elevado risco de doença grave causada pela infecção por MPXV. Mais detalhes sobre as priorida- des e estratégias de vacinação serão abordadas na unidade 4. Outras estratégias não farmacológicas de prevenção e não transmissão do ví- rus incluem o uso de equipamentos de proteção individual (EPIs) e medidas comportamentais, como isolamento domiciliar, evitar contato íntimo com indivíduos com lesões suspeitas ou confirmadas de mpox, reduzir a prá- tica de sexo com múltiplos parceiros e aplicar os devidos cuidados ao fre- quentar eventos de massa. Mais deta- lhes sobre estratégias de prevenção e cuidado serão abordados nas unida- des 4 e 5. https://www.fda.gov/vaccines-blood-biologics/vaccines/key-facts-about-monkeypox-vaccine https://www.fda.gov/vaccines-blood-biologics/vaccines/key-facts-about-monkeypox-vaccine https://www.fda.gov/vaccines-blood-biologics/vaccines/key-facts-about-monkeypox-vaccine MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 4343 ALI, S. N. et al. Monkeypox Skin Le- sion Detection Using Deep Learning Models: A Feasibility Study. arXiv, 2207.03342v1, 6 jul. 2022. Disponível em: https://arxiv.org/pdf/2207.03342. pdf. Acesso em: 30 dez. 2022. BRASIL. Ministério da Saúde. Plano de Contingência Nacional para Monke- ypox. Centro de Operações de Emer- gência em Saúde Pública: COE Monke- ypox. Versão 2, 2022. Brasília, 2022. BRASIL. Brasil recebe primeiros trata- mentos contra varíola dos macacos. 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Descreve as coletas de amostras e testes laboratoriais e os métodos adotados para o diagnóstico labo- ratorial, ressaltando os laboratórios de referência no Brasil e os fluxos adotados. Especifica ainda os kits e insumos laboratoriais. OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM: • Reconhecer a importância do diagnóstico específico para assistência e vigilância em saúde; • Descrever amostras e testes laboratoriais; • Realizar coleta de amostras; • Identificar os Métodos para Diagnóstico laboratorial; • Conhecer os laboratórios de referência no Brasil; • Compreender o fluxo para o diagnóstico laboratorial; • Especificar os kits e insumos laboratoriais. CARGA HORÁRIA DE ESTUDO: 10 horas MONKEYPOX | UNIDADE 3: ASPECTOS DIAGNÓSTICOS DA DOENÇA 4747 3.1 IMPORTÂNCIA DO DIAGNÓSTICO ESPECÍFICO PARA ASSISTÊNCIA E VIGILÂNCIA EM SAÚDE Como vimos na unidade anterior, diag- nosticar e diferenciar a mpox de outras doenças que causam erupções cutâ- neas, como varicela, herpes, sífilis e outras, é uma tarefa