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Disputas territoriais no Brasil Colônia

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Disputas territoriais no Brasil Colônia
Navegantes, bandeirantes e diplomatas
Cap. VI
· O rio Amazonas, provavelmente descoberto por navegantes a serviços da Espanha, foi colonizado por portugueses, depois da fundação de Belém, em sua foz, em 1616. No rio da Prata, a história é oposta: descoberto por portugueses, foi ocupado por espanhóis. 
· O fato de os portugueses, na viagem de Pero Lopes de Sousa em 1531, não terem estabelecido aí nenhuma feitoria e de, ao dividirem o Brasil em capitanias em 1534, terem limitado a mais sulina delas na latitude de 28°, isto é, na altura da ilha de Santa Catarina, é interpretado por alguns autores como o reconhecimento da soberania espanhola na região do Prata. 
· O adelantado Pedro de Mendoza funda Buenos Aires em 1536. Buenos Aires não sobreviveu por muitos anos e foi abandonada em 1541. De Assunção partiu a expedição de Juan Garay que, em 1580, repovoou a cidade que, algumas décadas depois, iria assumir a liderança espanhola na área. 
· O litoral que ia de Cananeia, em São Paulo, ao rio da Prata, em meados desse século, não estava ocupado em termos permanentes nem por portugueses nem por espanhóis. O ouro de alguns pontos da costa, a caça aos índios e o gado abundante começaram a atrair algumas levas de paulistas: Paranaguá (1648), São Francisco (1650), a ilha de Santa Catarina (1675) e Laguna (1676) são os pontos sucessivamente ocupados no litoral, sempre na direção do sul. 
· A vontade de chegar ao Prata era grande em Lisboa e no Rio de Janeiro. O Governador desta cidade, Salvador Correa de Sá e Benavides, por exemplo, solicita à Coroa (e recebe em 1647) a concessão das terras sulinas que estavam sem donatário, e que iam até o rio da Prata.
· O governo português tinha decidido pouco antes de 1680 fundar um estabelecimento na margem norte do grande rio: ocupar uma área livre – toda a margem esquerda do Prata – e concorrer com os lucros do próspero contrabando efetuado por portugueses em Buenos Aires parecem ter sido os alvos imediatos; criar “condições para ulterior conquista de Buenos Aires seria o objetivo mais remoto, segundo alguns autores. 
· Manuel Lobo, novo Governador-Geral, chegou ao Rio de Janeiro com instruções de preparar uma armada ainda mais poderosa para ir ao Prata e fundar uma colônia “dentro da demarcação e senhorio desta Coroa”. A armada de D. Manuel Lobo partiu com cerca de quatrocentas pessoas, em cinco embarcações. Em janeiro de 1680, quase em frente a Buenos Aires, desembarcou na margem oposta e deu início às primeiras construções da Nova Colônia do Santíssimo Sacramento. Infrutíferas as tentativas de desalojá-los por bem, os espanhóis atacaram-nos finalmente em agosto e, após um cerco de 23 dias, tomaram o povoado nascente, fazendo mortos e prisioneiros (entre eles o governador). Foi a primeira ocupação espanhola da Colônia.
· Portugal protesta e obtém a restituição da praça em 1681. Seria uma situação provisória, até que uma arbitragem papal esclarecesse de quem era a legítima posse da região (o que nunca foi feito). 
· Em 1704 ocorreu o segundo ataque e a segunda vitória dos espanhóis de Buenos Aires, dessa vez após um cerco de 5 meses. A permanência castelhana durou até 1715, quando o Tratado de Utrecht mandou restituir pela segunda vez Colônia à soberania lusa. 
· Os portugueses, em 1723, tentaram fortificar-se no sítio próximo, chamado Montevidéu, por sua situação privilegiada para o domínio da região e por ser um passo importante na ligação terrestre Colônia-Laguna. Estabeleceram-se nesse ponto, mas meses depois tiveram de abandoná-lo. Os espanhóis não demoraram em ocupá-lo, fundando definitivamente a cidade do mesmo nome, em 1726. Esta foi-se firmando como o núcleo da futura nação uruguaia e, pouco a pouco, foi isolando Colônia do resto do Brasil. 
· Aproveitando-se de um incidente menor ocorrido em Madri (um preso que se refugiou na embaixada de Portugal) e que provocou ruptura de relações diplomáticas, tropas de Buenos Aires tentaram em 1735 tomar pela terceira vez Colônia, mas esta não cedeu ao cerco, que durou 23 meses.
· Falhando a ocupação de Montevidéu, os portugueses estabeleceram-se mais ao norte, em outro importante ponto intermediário: o escoadouro da lagoa dos Patos. Desta vez vieram para ficar, com a fundação do Rio Grande de São Pedro, em 1737, origem do Estado do Rio Grande do Sul. 
· O próximo passo seria o Tratado de Madri. Mas as divergências não cessaram. Portugal não entregou Colônia porque não se pode, com a guerra guaranítica, pacificar os Sete Povos. Em 1762, os espanhóis tomam pela terceira vez Colônia, para restituí-la também pela terceira vez, em 1763, conforme o Tratado de Paris. Em 1776 retomar Colônia, ocupam a ilha de Santa Catarina (Desterro) e a parte sul do atual RS, inclusive a povoação de Rio Grande.
Cap. IX
· O século XVI, o primeiro da colonização portuguesa na América, basicamente dedicado à ocupação de pontos isolados no litoral leste, viu surgirem as entradas pioneiras. O século XVII foi o período das grandes bandeiras paulistas, trilhando o Sul e o Centro-Oeste; foi também a época da fundação de Belém, das tropas de resgate e das primeiras missões de religiosos portugueses no Rio Amazonas e seus afluentes; em 1680, o Governador do Rio de Janeiro funda a Colônia do Sacramento, na tentativa de assegurar a fronteira natural do Prata. A primeira metade do século seguinte foi o tempo das “minas gerais”, dos centros mineradores de Goiás e Mato Grosso e das monções cuiabanas que ligavam Cuiabá a São Paulo; da consolidação da presença portuguesa em vários rios da Amazônia e das monções do norte, a navegação entre Vila Bela e Belém; e, também, das lutas pela posse da Colônia e das tentativas de ocupação do território que hoje se divide entre o estado do Rio Grande do Sul e o Uruguai. 
· Fora o Acre; o triângulo formado pelos rios Japurá, Solimões e a linha Tabatinga Apaporis; e pequenos acertos de fronteiras – capítulos posteriores da formação territorial do Brasil – foi o Tratado de Madri que legalizou a posse do Rio Grande do Sul, do Mato Grosso, da Amazônia, regiões situadas a ocidente da linha de Tordesilhas.
· Ao se olhar o mapa do Brasil de hoje, com a linha reta de Tordesilhas, tem-se a impressão de que a Espanha cedeu muito: afinal, cerca de dois terços do território nacional são constituídos por terras extra-Tordesilhas. A explicação corrente é que houve uma compensação global: no Oriente foi a Espanha quem legalizou a posse de regiões que seriam portuguesas pela divisão de 1494 (e acordos posteriores), como as ilhas Filipinas e Molucas.
· Antes do Tratado, o Brasil era um território amorfo, que não se sabia bem o que incluía e onde terminava; com a ocupação do vale do Amazonas, com a fundação da Colônia do Sacramento e com as descobertas auríferas no Centro-Oeste, perdeu-se completamente a noção de limite para as terras brasileiras. 
· Ao negociarem o Tratado de Madri, os portugueses estavam em melhor posição no terreno, graças à ocupação territorial realizada em terras extra-Tordesilhas, na Amazônia e no Centro-Oeste; mas não no Sul, onde a força estava do lado dos espanhóis.
· Amazônia: o império colonial espanhol na América do Sul estava centralizado em Lima, sede do Vice-Reinado do Peru; a famosa mina de Potosí, descoberta no Alto Peru em 1545, com suas imensas reservas de prata, contribuiu para que boa parte da população europeia se fixasse nas montanhas. Por que iriam, então, os espanhóis descer a montanha para aventurar-se na selva amazônica, hostil, cheia de febres e animais repulsivos, se tinham à mão as maiores riquezas do universo? Outra razão foi a da geografia fluvial; desde o começo da colonização, os portugueses haviam-se apossado das melhores portas de entrada da planície. Pelo Sul, existiam as trilhas dos bandeirantes, as rotas das monções, e pelo Norte, ocupada a foz do Amazonas, estava assegurado o acesso. Com os espanhóis ocorria o oposto: era extremamente difícil deslocar-se para a Amazônia a partir da costa do pacífico e mesmo dos centros urbanos das regiões andinas.· Centro-oeste: aqui houve alguma resistência à ocupação portuguesa; os espanhóis estavam mais perto, no Paraguai, e especialmente nas missões jesuíticas. Em 1614, ocorreram os primeiros choques entre as frentes bandeirantes e as missões situadas ao sul da região. Mais de cem anos depois, com a descoberta de ouro em Cuiabá (1719) e no Guaporé (1736), os enfrentamentos se davam perto de onde estavam as missões de Chiquitos (MS) e de Moxos (MT). Houve um momento, no século XVI, em que parecia que a futura região de Santa Catarina (e do Rio Grande do Sul, consequentemente) seria paraguaia. O grande Paraguai murchou junto com o esvaziamento da colonização espanhola nessa região (enquanto Buenos Aires despontava).
· Sul: aqui trataremos da importância da Colônia do Santíssimo Sacramento. Sua história está ligada a Buenos Aires, a única possessão espanhola do lado atlântico da América do Sul, teoricamente subordinada ao Vice-Reinado do Peru, mas na prática gozando de boa dose de autonomia. Em torno no Prata foi que se deram os conflitos coloniais mais importantes; e, depois, no Império, as únicas guerras que envolveram o Brasil. Antigo era o objetivo português de fazer os limites do Brasil chegarem ao Prata; nunca conseguiram, entretanto, ocupar os territórios que uniriam a Colônia ao resto do Brasil. Apesar dos esforços, os luso-brasileiros nunca povoaram o atual Uruguai e as duas ocupações de Colônia, mais o grande cerco de 1735, eram uma claríssima evidência de que os espanhóis, neste ponto do seu vasto império, não cederiam. Razões não faltavam, pois, para que, anos antes de 1750, os dirigentes portugueses mais lúcidos já não tivessem muitas esperanças de fazer o rio de Prata a divisa sul do Brasil. Colônia estava isolada e os espanhóis dominavam a maior parte da região intermediária. Não podia haver mais dúvidas sobre a importância que os espanhóis davam a Colônia, tanto pela potencialidade de se transformar em ponta de lança de uma possível ocupação portuguesa do território hoje uruguaio e quem sabe até de Buenos Aires, quanto pela realidade de ser porto de contrabando da prata andina. 
Alexandre de Gusmão e o Tratado de Madri
· Ao lado das vantagens no terreno, Portugal possuía também, ao assinar o Tratado de Madri, títulos a apresentar. A capitania do Cabo Norte (o estado do Amapá ampliado) foi criada para os portugueses em 1637, isto é, no próprio período da União Ibérica: o rei comum fez isso porque eram os portugueses que estavam em Belém e, assim, a defesa contra holandeses, franceses e ingleses na área só poderia provir deles. Estabelecendo a capitania, entretanto, Felipe IV da Espanha criava explicitamente direitos lusos ao setentrião amazônico. 
· Em 1668, 28 anos depois da separação entre Portugal e Espanha, firmou-se finalmente a paz (Tratado de Lisboa). Uma das disposições do tratado então assinado exigia a recíproca restituição das praças tomadas “durante a guerra”. Ora, a máxima amplitude dessa expressão seria considera-la equivalente à “de 1640 por diante”. Não se discutia, pois, a ocupação da Amazônia, nem a de outras regiões a oeste da linha de Tordesilhas, ocorrida sobretudo durante a vigência da União Ibérica, isto é, de 1580 a 1640. 
· Outros documentos favoráveis a Portugal são também dois tratados, entre os vários assinados em Utrecht, ao final da Guerra de Sucessão na Espanha. Um deles, de 1713, assegurou aos lusos a posse das terras à margem esquerda do Amazonas até o “Japoc ou Vicente Pinzón”. 
· Além dos títulos, Portugal contava com estabilidade política e prosperidade econômica (lembrando que este é o momento auge da produção aurífera) que davam a Portugal uma posição de prestígio. Mais oportuno, entretanto, foi a circunstância de contar com um servidor público que conhecia como ninguém o problema das fronteiras brasileiras e tinha grande habilidade diplomática: Alexandre de Gusmão.
· Gusmão nasceu em Santos, em 1695, de uma família de poucas posses; vai a Lisboa e conquista a simpatia do rei, o que lhe valeu uma nomeação para um posto diplomático em Paris junto ao embaixador português D. Luís Manuel da Câmara, Conde de Ribeira Grande. Na ida passa alguns meses em Madri e ali se familiariza com o problema de que se ocupará centralmente em sua vida profissional: as fronteiras coloniais na América do Sul e a importância que o enclave da Colônia de Sacramento tinha para o estabelecimento destas. Em Paris, doutorou-se em Direito Civil, Romano e Eclesiástico. Alexandre é nomeado em 1730, Secretário Particular de D. João V. A partir de então, fica muito influente nas decisões do governo português, sobretudo nos assuntos do Brasil. Tomando posse de seu cargo, começa o trabalho, completado em 1750, que lhe garante permanência dos anais de nossa diplomacia: acordar com a Espanha limites para o Brasil, de maneira que seu território incluísse todas as terras ocupadas pelos luso-brasileiros. 
· Para se fazer um acordo que dividisse todo um continente, era necessário preparar-se tecnicamente; no segundo quartel do século XVIII, houve um verdadeiro renascimento dos estudos geográficos, por estímulo direto da Coroa Portuguesa. Especialistas de várias nações europeias foram a Lisboa e dois deles, jesuítas, “os padres matemáticos”, como os chamam os documentos da época, foram enviados ao Rio de Janeiro em 1729, com a missão de elaborar um novo atlas da colônia (instigado pela publicação da carta científica da Terra de Guillaume Delisle, que mostrava as ocupações portugueses fora dos limites de Tordesilhas). 
· Pouco antes da metade do século, Portugal encontrava-se, pois, preparado para negociar com a Espanha. Faltava a oportunidade histórica, que surgiu com a ascensão ao trono espanhol, em 1746, de Fernando VI, genro de D. João V.
· O que Portugal buscava era negociar um tratado equilibrado, que, à custa de ceder no Prata, se necessário, conservasse a Amazônia e o Centro-Oeste e criasse, no Sul, uma fronteira estratégica que vedasse qualquer tentativa espanhola nessa região, onde a balança de poder pendia para Buenos Aires. Já para a Espanha, o alvo primeiro era parar de vez a expansão portuguesa, que comia gradativamente pedaços de seu império na América do Sul; depois, reservar a exclusividade do estuário platino, evitando o contrabando da prata dos Andes, que passava por Colônia; e, finalmente, com a paz proporcionada por um acordo, impedir que a rivalidade peninsular na América fosse aproveitada por nações inimigas de Madri, numerosas na Europa, para aí se estabelecerem. 
· As propostas portuguesas, elaboradas por Alexandre de Gusmão, articulavam-se em torno das seguintes linhas de força: a) era necessário um tratado geral de limites e não ajustes sucessivos sobre trechos específicos; b) tal tratado só poderia ser feito abandonando-se o meridiano de Tordesilhas, violado pelos portugueses na América e, mais ainda, pela Espanha no hemisfério oposto; c) as colunas estruturais do acordo seriam os princípios do uti possidetis e das fronteiras naturais, assim referidos respectivamente no preâmbulo: “cada parte há de ficar com o que atualmente possui” e “os limites dos dois domínios [...] são a origem e o curso dos rios, e os montes mais notáveis”.
· Com o correr das negociações, foi-se singularizando o território das reduções jesuíticas dos Sete Povos das Missões Orientais do Uruguai como a moeda de troca da Colônia do Sacramento. 
· O Mapa das Cortes foi fundamental para que as tratativas chegassem aonde os portugueses queriam. Nesse mapa, que combinava habilmente cartas conhecidas e confiáveis da América do Sul, a área extra-Tordesilhas do Brasil era, entretanto, bastante diminuída, o que dava a impressão de haver parcos ganhos territoriais, sobretudo o Centro-Oeste. Aceito por ambas as delegações, o mapa foi a base tanto para a negociação final quanto para posteriores campanhas de demarcação. 
· O Tratado de Madri foi assinado em 13 de janeiro de 1750. Legalizava-se, assim, a ocupação da Amazônia, do Centro-Oeste e do Sul do Brasil, efetuada, em várias épocas, durante os 250 anosde nossa vida colonial. E se abandonava o antigo sonho platino. 
A anulação de Madri e o Tratado de Santo Ildefonso
· Vários são os motivos que levaram à anulação do Tratado de Madri. É certo que, no Sul, houve a Guerra Guaranítica e, no Norte, as dificuldades de demarcação revelaram-se insuperáveis. A deterioração das relações entre as Coroas, provocada, na Espanha, pela ascensão, em 1760, de Carlos III, um opositor do acordo, e, em Portugal, pela consolidação do poder de outro, o Marquês de Pombal, foi seguramente causa importante da rápida morte do acordo.
· O fato é que, em 1761, os dois países assinaram o Tratado de El Pardo, pelo qual, como reza o próprio texto do acordo, o Tratado de Madri e os atos dele decorrentes ficavam “cancelados, cassados e anulados como se nunca houvessem existido, nem houvessem sido executados”. Voltava-se, assim, pelo menos em teoria, às incertezas da divisão de Tordesilhas, tão desrespeitada no terreno, quão alterada por acordos posteriores.
· O Tratado de El Pardo apenas criava uma pausa durante a qual se esperaria o momento propício para novo ajuste de limites. E esse momento surgiu em 1777, ano no qual – fato sem precedente na história de Portugal – uma mulher, D. Maria I, sobe ao trono e inicia a política de reação ao pombalismo, que ficou conhecida como “viradeira”. 
· Já se vinha negociando um tratado, mas a queda de Pombal e, na Espanha, a substituição do Primeiro-Ministro Grimaldi pelo Conde de Florida Blanca modificaram o equilíbrio de forças “para pior quanto aos interesses portugueses” e precipitaram os acontecimentos. A Espanha fez exigências e impôs a assinatura de um Tratado Preliminar de Limites[footnoteRef:1], que ficou com o nome de um dos palácios do rei espanhol, situado em San Ildefonso. Por esse tratado, Portugal conservava para o Brasil as fronteiras oeste e norte negociadas em Madri. Cedia, entretanto, a Colônia do Santíssimo Sacramento, sem receber a compensação dos Sete Povos das Missões. [1: A doutrina brasileira, desenvolvida no Império, apegava-se não ao texto do Tratado de Santo Ildefonso, que era “preliminar” (como diz seu título oficial) e fora anulado pela guerra de 1801, mas, sim, a seu princípio fundamental, que era o mesmo do Tratado de Madri, o uti possidetis. ] 
Uma das razões da entrega de Colônia do Sacramento pelo Tratado de Santo Ildefonso, assinado em 1777, foi a ocupação da região de Desterro e parte do Rio Grande de São Pedro pela coroa espanhola, justamente, durante o período pombalino.
· A paz entre Portugal e Espanha, vigente desde 1777, foi confirmada pelo casamento do príncipe herdeiro D. João com Dona Carlota Joaquina, a filha mais velha do príncipe herdeiro espanhol, D. Carlos. Com a adesão de Madri a Paris, em 1795 (contexto da Era Napoleônica), as potências peninsulares se separaram, e Portugal passou a ter o único e grande vizinho como inimigo. Por exigência de Napoleão, a Espanha invade Portugal com o objetivo de impedir que navios ingleses frequentassem portos portugueses, nessa quadra do bloqueio continental. A guerra foi rápida (maio e junho de 1801), mas teve consequências importantes na América: ao contrário do que previam as cláusulas pacifistas dos tratados de 1750 e 1777, os luso-brasileiros, menos com tropas regulares, mais com voluntários gaúchos, invadiram a região dos Sete Povos, aproveitando-se da situação precária em que estes se encontravam, após a expulsão dos jesuítas. Conquistado o território, daí, sim, houve esforço do governo para ocupar a área, distribuindo terras e atraindo colonos; está a origem das estâncias que se foram formando na região missioneira, as quais, junto com os núcleos populacionais, asseguraram que ficasse brasileira a metade oeste do Rio Grande do Sul. 
· A guerra de 1801, chamada pelos espanhóis de “las naranjas”, terminou nesse mesmo ano com a assinatura da Paz de Badajós. As áreas invadidas pela Espanha na Europa foram restituídas a Portugal, à exceção de Olivença e zona contígua, conservada a título de se estabelecer aí uma fronteira mais natural – o rio Guadiana. Nada dispôs o acordo, entretanto, sobre a América, e por isso a antiga área dos Sete Povos continuou na posse dos luso-brasileiros.
· No período joanino, o Brasil apresentou suas máximas dimensões territoriais, com a ocupação da Guiana Francesa (1809-1814) e da Banda Oriental do Uruguai (1821-1828). A visão a posteriori revelou, entretanto, que eram episódios temporários. A Guiana foi restituída à França após a queda de Napoleão e o Uruguai ficou independente ao final de uma guerra entre o Brasil e a Argentina. Ambas ocupações deixaram algum benefício: ao devolver a Guiana, ficou consignado no tratado respectivo que o território deste não ultrapassava o rio Oiapoque; ao concordar com a independência uruguaia, o acordo brasileiro-argentino dava ao novo país os mesmos limites da Província Cisplatina, assegurando, pois, ao Rio Grande do Sul, fronteiras orgânicas e defensáveis, praticamente as do Tratado de Madri.

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