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Indaial – 2021 em Nutrição Prof.ª Amanda Alcaraz da Silva 1a Edição tópicos especiais Elaboração: Prof.ª Amanda Alcaraz da Silva Copyright © UNIASSELVI 2021 Revisão, Diagramação e Produção: Equipe Desenvolvimento de Conteúdos EdTech Centro Universitário Leonardo da Vinci – UNIASSELVI Ficha catalográfica elaborada pela equipe Conteúdos EdTech UNIASSELVI Impresso por: S586t Silva, Amanda Alcaraz da Tópicos especiais em nutrição. / Amanda Alcaraz da Silva – Indaial: UNIASSELVI, 2021. 170 p.; il. ISBN 978-65-5663-937-6 ISBN Digital 978-65-5663-938-3 1. Nutrição. - Brasil. II. Centro Universitário Leonardo da Vinci. CDD 613 Olá acadêmico, seja bem-vindo à Disciplina de Tópicos Especiais em Nutrição! Este caderno tem como propósito auxiliar você no processo de aprendizagem acerca da Nutrição em suas dimensões biológicas, sociais e culturais, além de possibilitar o conhecimento de temas atuais e emergentes; novos paradigmas e tendências. O caderno de estudo está dividido em três unidades, cada qual com objetivos, conteúdos, atividades de estudo, dicas, sugestões e recomendações. Na primeira unidade serão abordados temas sobre cultura e sustentabilidade alimentar a partir de um olhar antropológico. Do tema central da unidade sucederão dois tópicos, o primeiro remete à cultura, aos hábitos alimentares e à influência da globalização sobre a alimentação e; no segundo, a sustentabilidade alimentar, os alimentos orgânicos e a política e regramento do uso de agrotóxicos serão colocados em questão. Compreender a cultura alimentar de um povo permite entender a representação simbólica e imaginária que o ato de se alimentar implica, além disso, a sustentabilidade alimentar é fundamental para que possamos obter alimentos em quantidade e qualidade adequados sem comprometer o direito das gerações futuras. Na segunda unidade será discutida a Desinformação da Área Nutrição, in- cluindo tópicos sobre: (1) a construção do conhecimento científico, saúde baseada em evidência científicas e por fim, o conflito de interesses na área de alimentos e (2) prática nutricional baseada em evidências científicas, incluindo a compreensão de como se analisa um artigo científico, como se elabora os guidelines/diretrizes e o que é a desinformação na área da Nutrição. Na terceira unidade serão apresentados os assuntos que estruturam novos pa- radigmas e tendências na área de Nutrição, os quais fazem parte a Nutrição Compor- tamental (Tópico 1) e a Nutrigenética e Nutrigenômica (Tópico 2). Nesta unidade você irá raciocinar e aprender aspectos gerais e a aplicabilidade dessas novas tendências na área da Nutrição. Desejamos que apreciem a leitura! Prof.ª Amanda Alcaraz da Silva APRESENTAÇÃO Olá, acadêmico! Para melhorar a qualidade dos materiais ofertados a você – e dinamizar, ainda mais, os seus estudos –, nós disponibilizamos uma diversidade de QR Codes completamente gratuitos e que nunca expiram. O QR Code é um código que permite que você acesse um conteúdo interativo relacionado ao tema que você está estudando. Para utilizar essa ferramenta, acesse as lojas de aplicativos e baixe um leitor de QR Code. Depois, é só aproveitar essa facilidade para aprimorar os seus estudos. GIO Olá, eu sou a Gio! No livro didático, você encontrará blocos com informações adicionais – muitas vezes essenciais para o seu entendimento acadêmico como um todo. Eu ajudarei você a entender melhor o que são essas informações adicionais e por que você poderá se beneficiar ao fazer a leitura dessas informações durante o estudo do livro. Ela trará informações adicionais e outras fontes de conhecimento que complementam o assunto estudado em questão. Na Educação a Distância, o livro impresso, entregue a todos os acadêmicos desde 2005, é o material-base da disciplina. A partir de 2021, além de nossos livros estarem com um novo visual – com um formato mais prático, que cabe na bolsa e facilita a leitura –, prepare-se para uma jornada também digital, em que você pode acompanhar os recursos adicionais disponibilizados através dos QR Codes ao longo deste livro. O conteúdo continua na íntegra, mas a estrutura interna foi aperfeiçoada com uma nova diagramação no texto, aproveitando ao máximo o espaço da página – o que também contribui para diminuir a extração de árvores para produção de folhas de papel, por exemplo. Preocupados com o impacto de ações sobre o meio ambiente, apresentamos também este livro no formato digital. Portanto, acadêmico, agora você tem a possibilidade de estudar com versatilidade nas telas do celular, tablet ou computador. Preparamos também um novo layout. Diante disso, você verá frequentemente o novo visual adquirido. Todos esses ajustes foram pensados a partir de relatos que recebemos nas pesquisas institucionais sobre os materiais impressos, para que você, nossa maior prioridade, possa continuar os seus estudos com um material atualizado e de qualidade. QR CODE Acadêmico, você sabe o que é o ENADE? O Enade é um dos meios avaliativos dos cursos superiores no sistema federal de educação superior. Todos os estudantes estão habilitados a participar do ENADE (ingressantes e concluintes das áreas e cursos a serem avaliados). Diante disso, preparamos um conteúdo simples e objetivo para complementar a sua compreensão acerca do ENADE. Confira, acessando o QR Code a seguir. Boa leitura! ENADE LEMBRETE Olá, acadêmico! Iniciamos agora mais uma disciplina e com ela um novo conhecimento. Com o objetivo de enriquecer seu conheci- mento, construímos, além do livro que está em suas mãos, uma rica trilha de aprendizagem, por meio dela você terá contato com o vídeo da disciplina, o objeto de aprendizagem, materiais complementa- res, entre outros, todos pensados e construídos na intenção de auxiliar seu crescimento. Acesse o QR Code, que levará ao AVA, e veja as novidades que preparamos para seu estudo. Conte conosco, estaremos juntos nesta caminhada! SUMÁRIO UNIDADE 1 - CULTURA E SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR: UM OLHAR ANTROPOLÓGICO ............................................................................................... 1 TÓPICO 1 - CULTURA, HÁBITOS ALIMENTARES E INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO .......3 1 INTRODUÇÃO .......................................................................................................................3 2 CULTURA E ALIMENTAÇÃO ................................................................................................4 3 CONSTRUÇÃO DO HÁBITO ALIMENTAR ............................................................................9 4 A INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO NA CULTURA E HÁBITO ALIMENTAR ....................14 RESUMO DO TÓPICO 1 ......................................................................................................... 19 AUTOATIVIDADE .................................................................................................................. 21 TÓPICO 2 - SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR, AGROECOLOGIA, VEGETARIANISMO E POLÍTICA E REGRAMENTO DO USO DE AGROTÓXICOS ................ 23 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 23 2 SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR .................................................................................. 24 3 PRODUÇÃO ALIMENTAR AGROECOLÓGICA ................................................................... 30 4 VEGETARIANISMO COM ENFOQUE NA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL ................. 36 5 REGRAMENTO DO USO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL ................................................. 38 LEITURA COMPLEMENTAR ................................................................................................ 44 RESUMO DO TÓPICO 2 ........................................................................................................46 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 48 REFERÊNCIAS ..................................................................................................................... 50 UNIDADE 2 — DESINFORMAÇÃO NA ÁREA DA NUTRIÇÃO ................................................ 61 TÓPICO 1 — CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO, SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E CONFLITO DE INTERESSES ............. 63 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 63 2 CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO .......................................................... 64 3 SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS ......................................................... 65 4 CONFLITO DE INTERESSES .............................................................................................75 RESUMO DO TÓPICO 1 .........................................................................................................81 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................. 83 TÓPICO 2 - DESINFORMAÇÃO NA ÁREA DA NUTRIÇÃO ................................................... 85 1 INTRODUÇÃO .................................................................................................................... 85 2 COMO LER E ANALISAR UM ARTIGO CIENTÍFICO .......................................................... 85 3 O QUE SÃO DIRETRIZES CLÍNICAS E COMO SE DÁ A SUA ELABORAÇÃO ................... 93 4 DESINFORMAÇÃO NA ÁREA DA NUTRIÇÃO ....................................................................97 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................102 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................103 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................105 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................108 SUMÁRIO UNIDADE 3 — NOVOS PARADIGMAS E TENDÊNCIAS NA ÁREA DE NUTRIÇÃO .............. 115 TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL .....................................................................117 1 INTRODUÇÃO ....................................................................................................................117 2 NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL: CONCEITOS E FUNDAMENTOS TEÓRICOS ..............117 3 COMPORTAMENTO ALIMENTAR E SEUS DETERMINANTES ........................................122 4 HABILIDADES INTERPESSOAIS E DE COMUNICAÇÃO PARA O NUTRICIONISTA, COMER INTUITIVO E PLENO (MINDFULL EATING) .......................... 127 RESUMO DO TÓPICO 1 .......................................................................................................134 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................136 TÓPICO 2 - GENÔMICA NUTRICIONAL ..............................................................................139 1 INTRODUÇÃO ...................................................................................................................139 2 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS ACERCA DA GENÉTICA ................................................139 3 NUTRIGENÉTICA .............................................................................................................143 4 NUTRIGENÔMICA ............................................................................................................150 5 EPIGENÔMICA NUTRICIONAL ........................................................................................152 LEITURA COMPLEMENTAR ...............................................................................................156 RESUMO DO TÓPICO 2 .......................................................................................................158 AUTOATIVIDADE ................................................................................................................160 REFERÊNCIAS ....................................................................................................................162 1 UNIDADE 1 - CULTURA E SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR: UM OLHAR ANTROPOLÓGICO OBJETIVOS DE APRENDIZAGEM PLANO DE ESTUDOS A partir do estudo desta unidade, você deverá ser capaz de: • compreender conceitos acerca da cultura alimentar; • entender como se dá a construção do hábito alimentar; • reconhecer a influência da globalização na cultura e hábito alimentar; • inter-relacionar cultura, formação de hábitos alimentares e as influências exercidas pela globalização no processo identitário de uma população; • compreender sustentabilidade alimentar e agroecologia; • entender vegetarianismo e sua relação com a sustentabilidade alimentar; • conhecer a política de regramento do uso de agrotóxicos. A cada tópico desta unidade você encontrará autoatividades com o objetivo de reforçar o conteúdo apresentado. TÓPICO 1 – CULTURA, HÁBITOS ALIMENTARES E INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO TÓPICO 2 – SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR, AGROECOLOGIA, VEGETARIANISMO E POLÍTICA E REGRAMENTO DO USO DE AGROTÓXICOS Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 2 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 1! Acesse o QR Code abaixo: 3 CULTURA, HÁBITOS ALIMENTARES E INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico! Você sabe o que é cultura alimentar? Sabe que o Brasil por ser resultado de um processo de miscigenação apresenta influências portuguesas, africanas e indígenas na sua cultura alimentar e por consequência, na formação de seus hábitos alimentares? Neste tópico além da cultura alimentar, será discutida a construção do hábito alimentar, o qual é influenciado pela cultura de um povo, disponibilidade de alimentos, crenças, padrões, condições socioeconômicas etc. Afinal, por que esses temas são relevantes para formação do nutricionista? O conhecimento desses conceitos e suas interfaces permitirá atender um paciente/cliente de uma forma mais plena e competente? Você sabe que o processo de globalização impacta de forma importante a cultura e os hábitos alimentares? Como isso se apresenta? Quem são os atores, quais impactos podem ser observados? Aumento da incidência de excesso de peso? Maior consumo de alimentos processados? A sustentabilidade alimentar, a alimentação orgânica e o uso de agrotóxicos são temas importantes que impactam o presente e o futuro das novas gerações, você sabia disso? Como tornar nossas escolhas alimentares mais sustentáveis? O equilíbrio com a natureza determina nossas condições de vida? As reflexões sobre cultura alimentar, formação de hábitos alimentares, o pro- cesso de globalização e a sustentabilidade são temas centrais na formação do nutri- cionista como profissional da área da saúde que presta cuidado nutricional a pacientes com hábitos diversos, uma vez que o Brasil é um país com dimensões continentais. Sendo assim, no Tópico 1 serão abordados temas que possibilitarão aprofundar esse entendimento. TÓPICO 1 - UNIDADE 1 4 2 CULTURA E ALIMENTAÇÃO A palavra cultura é originária do latim e apresenta uma variedade de significados, o dicionário Aurélio coloca como sinônimos para palavra: instrução, saber, cultivo, apuro e conhecimento. Ao adotar um conceito, pode-se dizer que consiste em um conjunto de conhecimentos e hábitos de um povo ou de uma sociedade, no entanto, existe uma dificuldade em esgotar sua concepção conceitual (FERREIRA, 1999, p. 591). A definição de cultura suscita debates, no entanto, destaca-se que ela é fruto de um aprendizado, uma vez que conhecimentos e tradições são repassados às novas gerações comparticularidades que remetem à identidade de um povo. A unidade de um grupo não é somente determinada pela língua, mas também perpassa as escolhas do que comer, como comer e por que comer (BURKE, 2010). O ato de comer não se extingue em simplesmente atender a uma necessidade fisiológica inerente ao ser humano, o qual determina sua força vital, mas também um ato social, cultural e político. Quando se considera a comida como um patrimônio de um povo, expressa-se a importância da relação da cultura alimentar com a soberania e segurança alimentar e nutricional (AZEVEDO, 2017). No cenário da cultura alimentar pode-se inferir que ela é o saber fazer, o falar, o ritual, a ancestralidade, ela expressa a identidade de povos e grupos sociais ao longo do tempo. Está ligada à história, ao ambiente e às exigências impostas ao grupo social pelo dia-a-dia. Cada sociedade estabelece um conjunto de códigos alimentares, que tem nas suas práticas a consolidação das suas tradições e inovações (AZEVEDO, 2017). No campo da Nutrição, Silva et al. (2010) destacam que ao atribuir um sentido ao comer e torná-lo racionalizado e biologicista, ou seja, o ato que atende às necessidades fisiológicas regidas pela sobrevivência da espécie, desconsidera-se uma concepção de cultura, a qual inclui aspectos simbólicos e imaginários que permeiam o alimento, o ato se alimentar e a formação do hábito alimentar. Por outro lado, quando se emprega o conceito de Alimentação estão implícitos os inúmeros sentidos e significados, ritos e símbolos, saberes e práticas na criação histórico-cultural das sociedades, ao longo do tempo (SILVA et al., 2010). É importante destacar que a cultura não é algo estático, nem acabado, mas um conjunto simbólico em constante transformação, seja por mudanças/desafios climáticos, tecnológicos, ou por meio de contato com outras culturas (LIMA; NETO; FARIAS, 2015). Nesse contexto, observa-se perspectivas diferentes sobre o alimento, o real, dimensão biológica, o qual confere energia e nutrientes para manutenção da vida, além de sua conotação preventiva e de tratamento de diversas doenças; o simbólico, quando 5 se afirma que o alimento é “saudável”, “comestível”, “não comestível”, “bom” ou “ruim” e, por fim, o imaginário, que se caracteriza por construções inventadas e culturalmente valorizadas do que é saudável (LIMA, NETO; FARIAS; 2015). Na perspectiva sociológica, a alimentação humana é um ato social e cultural e, dessa forma, faz com que sejam produzidos diversos sistemas alimentares. Fazem parte desses sistemas fatores de ordem ecológica, histórica, cultural, social e econômica, os quais implicam representações e imaginários sociais envolvendo escolhas e classificações. Desse modo, quando se entende que a alimentação humana está permeada pela cultura, é possível pensar os sistemas alimentares como sistemas simbólicos em que códigos sociais estão presentes atuando no estabelecimento de relações dos homens entre si e com a natureza (MACIEL, 2005). Ao esclarecer o assunto, Da Mata (1987) categoriza dois conceitos e os diferencia quando distingue alimento de comida, sendo o primeiro qualquer substância nutritiva que possa ser ingerida para manter a vida, e comida diz respeito a tudo o que se come com prazer, que segue regras sociais e é dotada de cultura. A comida é expressão da cultura, conforme Montanari (2008), não só quando produzida, no entanto, também quando preparada e consumida. O autor destaca ainda que um povo/sociedade não se alimenta somente do que a natureza oferece, mas criam alimentos, os preparam seguindo técnicas, escolhendo conforme critérios culturais, o que abrange aspectos reais, simbólicos e imaginários do alimento. Maciel (2005) destaca que na construção de identidades sociais/culturais, elementos culturais, como a comida, podem se transformar em marcadores identitários, apropriados e utilizados pelo grupo como símbolos de uma identidade reivindicada. Nesse contexto, Sophie Bessis (1995, p.10 apud MACIEL, 2005, p. 50) afirma: “Dize- me o que comes e te direi qual deus adoras, sob qual latitude vives, de qual cultura nascestes e em qual grupo social te incluis. A leitura da cozinha é uma fabulosa viagem na consciência que as sociedades têm delas mesmas, na visão que elas têm de sua identidade.” A cozinha de um grupo/povo é algo particular, singular, reconhecível ante outras cozinhas, ou seja, suas tradições diferenciam-se das demais culturas, ademais, ela não é estática, mas está em constante transformação/reconstrução e assim é considerada um referencial identitário (MACIEL, 2005). A construção de uma cozinha em um país colonizado, como o Brasil, se dá de várias maneiras, primeiro que o deslocamento de grandes distâncias por meio da navegação, como por exemplo, da Europa (Portugal) para o Brasil e da África para o Brasil, fez com que os indivíduos que se deslocaram trouxessem suas tradições, preferências, interdições etc. Para manterem-se conectados à sua terra de origem, 6 em suas bagagens trouxeram plantas, animais e temperos e acabaram por mesclar com alimentos e preparações locais, favorecendo assim uma riqueza cultural ligada à alimentação (MACIEL, 2005). Em virtude da “viagem dos alimentos” entre os continentes, como por exemplo, as culturas do milho, dos feijões, da batata etc. que chegaram à Europa oriundas das Américas passaram a fazer parte da alimentação dos povos europeus (MACIEL, 2005). Nessa conjuntura Da Mata (1987) expõe a partir da associação do arroz com feijão, a combinação do sólido com o líquido, do negro com o branco, e por fim esse prato do cotidiano dá origem à feijoada, símbolo unificador do povo brasileiro. Vale destacar que o feijão com arroz é o prato do dia-a-dia, enquanto a feijoada é especial, fora do comum, uma vez que quando se convida um estrangeiro à mesa, é tradição oferecer a feijoada, para que ele possa conhecer a cultura alimentar brasileira, denominada por Da Mata (1987) como “carteira de identidade alimentar brasileira”. Além da feijoada e do feijão com arroz que unificam o país, destacam-se as cozinhas regionais, as quais são bastante diversificadas devido às condições históricas, culturais e ambientais. Algumas preparações remetem à uma região específica e seus habitantes, como por exemplo, o acarajé e o vatapá à Bahia; tapioca e baião-de-dois ao Ceará; pão de queijo à Minas Gerais; tucupi ao Norte e o churrasco aos gaúchos (DA MATA, 1987). Um prato que pode ser considerado a síntese dos três povos formadores da nossa identidade nacional é o vatapá, pois tem a farinha de trigo dos portugueses, o azeite de dendê dos africanos e o amendoim e a castanha de caju dos índios. Tal preparação representa a nossa miscigenação e traduz o processo de colonização e escravidão que marca a formação do povo brasileiro (DA MATA, 1987). O ser humano é um ser social, portanto, compartilha, troca e experimenta vivências em grupo e, sendo assim, quando se reflete sobre a história do homem, a história da alimentação atravessa e se agrega de forma permanente. A partilha de alimentos, denominada comensalidade é uma rotina do Homo Sapiens desde o tempo da caça e coleta (MOREIRA, 2010). A palavra comensalidade deriva do latim “mensa” que significa conviver à mesa e envolve além do padrão alimentar (o que se come) mas também, como se come. Nesse cenário, a comensalidade deixou de ter somente uma conotação biológica para alcançar uma estrutura de organização social e assim a sociabilidade manifesta-se na comida compartilhada (MOREIRA, 2010; POULAIN, 2013). 7 Vale destacar que independentemente do local de alimentação, à mesa com familiares ou com amigos ou colegas de trabalho; ou em uma toalha sobre o chão; ou em um carro em uma viagem, os comensais estão sempre fazendo escolhas permeadas pela sua cultura (SANTOS, 2008; CARVALHO; LUZ; PRADO, 2011). FIGURA 1 – COMENSALIDADE FONTE: Guia alimentar para população brasileira (BRASIL, 2014, p.102) A cultura se manifesta,de acordo com Carvalho, Luz Prado (2011), ao escolher o que comer; como comer (uso de talheres, com a mão etc.); quanto comer; com quem comer ou porque comer (celebração, cotidiano, um projeto de corpo, um desejo, uma lembrança, uma negociação profissional etc.). A comensalidade pode ser entendida sob um olhar vertical, que diz respeito às relações à mesa que estabelecem uma hierarquia, como posição e comidas especiais ou até mesmo quantidade de comida que se servem a determinados comensais; enquanto o olhar horizontal estabelece da igualdade entre os comensais (CARVALHO; LUZ; PRADO, 2011). 8 O ato de preparar comida para ofertar aos outros faz parte da comensalidade e nos remete ao sentido de agregar e socializar, mas por outro lado há também a possibilidade de agredir e excluir, como por exemplo ofertar carne a um indivíduo que é vegano ou carne suína a mulçumanos e judeus, entre outros (SANTOS, 2008). Caro acadêmico! As várias nuances da comensalidade que permitem a socialização por meio da comida, e é uma particularidade essencialmente humana, nos ajuda entender a trajetória humana na terra com seus rituais e simbolismos ligados ao ato de se alimentar, caso tenha interesse em conhecer mais sobre o assunto assista ao vídeo da professora Shirley Donizete Prado, acesse em: https://www.youtube.com/ watch?v=h5Yc24eXGms&t=173s. DICAS Os sentidos utilizados na comensalidade geram experiências mnemônicas, as quais denomina-se memória afetiva, nesse contexto, a comida é capaz de nos transportar para outros lugares, infância, juventude; nos trazer sensações, dificuldades, desconfortos, traumas etc., sendo assim, memória e comidas se convergem e misturam, gerando memória gustativa (STEFANUTTI; GREGORY; KLAUCK, 2018). Sob o eixo comida é memória, afeto e identidade, tema do Fórum Brasileiro de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional do ano de 2015, destacou-se a obra do romancista francês Marcel Proust, o qual pontuou que o olfato e o paladar têm poder de convocar o passado. Ele atribuiu à uma Madeleine (bolinho de limão em forma de concha) e à uma xícara de chá o acesso a um período esquecido de sua infância e assim escreveu a obra “Em busca do tempo perdido”. Quando se reflete acerca da nossa memória gustativa, as emoções reverberam e dessa forma, escolhe-se os alimentos/preparações/comidas, assim come-se o que se gosta e o que a nossa história cultural prescreve. O pensamento ou lembrança de um prato favorito evoca imagens, emoções, sentidos e memória e nessa mistura não há como separar os componentes (KAUFMAN, 2013). Tal conhecimento, afirma Kaufman (2013), expõe a dificuldade em mudar hábitos alimentares focando apenas em bases racionais, pois a alimentação transpõe sentimen- tos (prazer, angústia, ansiedade etc.), cultura, memória e condições socioeconômicas. 9 Resumindo, é impossível esgotar as questões e as temáticas referentes ao campo social e cultural da comida, mas é importante e fundamental instigar a curio- sidade, o estudo e o aprofundamento de tais temas a fim exercer uma visão ampla no campo da Alimentação e Nutrição. Faz-se importante a contraposição da ideia de que o ser humano pode ser entendido somente em seu aspecto biológico e adotar um ponto vista mais amplo em que se ressaltam as questões sociológicas, culturais e ecológicas acerca do ato de se alimentar. 3 CONSTRUÇÃO DO HÁBITO ALIMENTAR Padrão alimentar, hábito alimentar e comportamento alimentar são conceitos interligados, que se complementam e se confundem, utilizados no campo da Alimentação e Nutrição, portanto, é preciso entendê-los e diferenciá-los para que se possa evitar visões simplificadoras e estanques acerca da dimensão biológica e sociocultural dos indivíduos/grupo (VAZ; BENNEMANN, 2014; KLOTZ-SILVA; PRADO; SEIXAS, 2016). De acordo com Freitas, Minayo e Fontes (2011), o hábito alimentar corresponde à adoção de práticas relacionadas a costumes, que muitas vezes atravessam gerações, de acordo com a possibilidade de aquisição dos alimentos e com uma sociabilidade construída no âmbito familiar e comunitário, compartilhada e atualizada por dimensões da vida social. Contribuem para isso as pressões sociais e culturais, as quais determinam como um indivíduo ou grupo seleciona, prepara, consome e quantifica porções. Para Freitas et al. (2012), o hábito alimentar relaciona-se com a percepção individual sobre a comida ao logo da vida e essa percepção não se limita somente ao eixo racional, mas resulta também de uma infinita rede de símbolos que refletem a realidade subjetiva e o cotidiano do seu corpo. Os autores apontam ainda que hábitos e comportamentos podem ser parecidos e ter, ao mesmo tempo, diferenças de sentido. Em resumo, o hábito alimentar refere-se a comportamentos aprendidos e repetidos de forma automática (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019). O comportamento alimentar diz respeito a todas as formas de convívio com o alimento que estão associados a atributos socioculturais, abrangendo aspectos subjetivos (indivíduo) e coletivos (CARVALHO et al., 2013). Klotz-Silva, Prado e Seixas (2016) destacam que, de maneira geral, o termo comportamento se tornou atualmente sinônimo de ação e nesse cenário, Seixas e Birman (2012) complementam e trazem à reflexão o estudo sobre a obesidade, que muitas vezes reforça e dissemina a ideia do senso comum de que essa doença é causada por fraquezas individuais. 10 Sob uma perspectiva biomédica emerge um outro entendimento que associa os conceitos acerca do hábito e do comportamento alimentar ao tipo de ingestão alimentar contumaz realizado por um indivíduo ou grupo (KAMIL, 2013). Nesse tipo de análise examina-se o tipo de alimento ingerido, a frequência e o modo, nomeando essa ingestão como hábito ou comportamento, sem diferenciá-los. Vale destacar que, de acordo com Klotz-Silva, Prado e Seixas (2016), essa é uma visão mais tradicional no campo da Alimentação e Nutrição, que entende o alimento simplesmente como fonte de nutrientes e o comportamento/hábito como meio para diagnosticar e tratar doenças apoiados por uma norma científica (RIBEIRO et al., 2011; PIASETZKI; BOFF, 2018). O Guia Alimentar Para a População Brasileira (BRASIL, 2014) pontua que a de- finição de alimentação é “mais que ingestão de nutrientes” e “tem aspectos culturais e sociais, que envolvem escolha, consumo, padrão, atitudes e comportamentos alimen- tares”, os quais sofrem influência das motivações para comer. Essas nomenclaturas e definições estão organizadas no Quadro 1. QUADRO 1 – DEFINIÇÕES DOS ASPECTOS ALIMENTARES E NUTRICIONAIS Nomenclatura Definição Alimentação Relações humanas mediadas pela comida. Nutrição Ciência com foco no estudo dos nutrientes e suas ações no organismo. Alimento Substância ingerida a fim de favorecer a formação, o desenvolvimento e a manutenção do organismo. Comida Diz respeito a tudo que se come associado à uma carga simbólica e ao prazer, de acordo com regras sociais e dotado de cultura. Fome Necessidade fisiológica de comer sem relação emocional. Saciedade Sensação de plenitude gástrica, sem fome. Motivação alimentar Causa que nos leva a comer determinado alimento/comida. Consumo alimentar Ingestão de alimentos. Comportamento alimentar Ações em relação ao ato de comer, ou seja, como, quando e de que forma comemos. Hábito alimentar Comportamentos aprendidos e repetidos de forma automática. FONTE: Adaptado de Alvarenga, Koritar e Moraes (2019 p. 27) 11 Sendo assim, as escolhas alimentares podem ser determinadas por fatores bio- lógicos (perfil genético e homeostasia), fatores cognitivos/psicológicos (preferências, influências familiares, emoções, percepções sensoriais etc.) e fatores ambientais (cultu- ra, condições socioeconômicas, mídia, religião, escolaridade etc.) (EGUILAZ et al., 2017). No que diz respeito às questões biológicas destaca-se o Sistema Nervoso Central (SNC), especialmente o hipotálamo, como região do cérebro bastante estudada por modular ossinais de forme e saciedade, tão importantes em manter a sobrevivência do organismo (GONZÁLEZ-JIMÉNEZ; SCHMIDT RIO-VALLE, 2012; DE SILVA, BLOOM, 2012; KLOCKARS, LEVINE, OLSZEWSKI, 2019). Vale destacar que todas regiões hipotalâmicas envolvidas no controle neural da ingestão de alimentos estão interconectadas e recebem estímulos hormonais (insulina, leptina, colecistoquinina) e sinais procedentes do sistema digestório (grelina, peptídeo YY etc.) (EGUILAZ et al., 2017). Além da circuitaria neuronal envolvida na modulação da ingestão alimentar, o consumo ligado ao prazer torna o entendimento acerca do apetite mais complexo, uma vez que ao comer um alimento/uma preparação os seres humanos sentem uma série de sensações prazerosas ligadas ao olfato (aroma), textura, visão e inclusive ao barulho associado à crocância. Ao fim, todos esses estímulos chegam ao SNC e reforçam uma sensação prazerosa associada à experiência alimentar (KREGER; LEE; LEE, 2012). As experiências gustativas prévias, quando positivas, tendem a influenciar no reforço daquela sensação e consequentemente na sua repetição sucessiva. Os primei- ros estímulos vivenciados pelo ser humano ocorrem durante a vida intrauterina e a ama- mentação, os quais parecem influenciar as escolhas alimentares no futuro e, por con- seguinte, a construção do hábito alimentar (SCAGLIONI; SALVIONI; GALIMBERTI, 2008). O leite humano (LH) possibilita ao bebê a sensação de diversos sabores, pois a dieta materna influencia a palatabilidade do LH e dessa forma, favorece a adaptação a novos sabores quando for iniciada a introdução da alimentação complementar (SCAGLIONI; SALVIONI; GALIMBERTI, 2008; NICKLAUS, 2017). Sobre as influências externas na construção do hábito alimentar, os estudos têm associado a renda e a escolaridade como fatores determinantes de escolhas alimentares. Para exemplificar tal afirmação, toma-se como exemplo o preço dos alimentos que compõem uma dieta saudável, como frutas, verduras, hortaliças, grãos integrais, carnes e lacticínios com baixo teor de gordura, os quais apresentam preço mais elevado quando comparados a alimentos com alto teor de gordura, açúcares, sódio, corantes, conservantes etc. (LINDEMANN; OLIVEIRA; MENDOZA-SASSI, 2016; CANUTO; FANTON; LIRA, 2019). 12 A mídia é um instrumento de transmissão cultural bastante poderoso, é também mediador de hábitos alimentares e impõe um padrão de beleza à sociedade. Nesse contexto, o gênero feminino é bastante afetado e sujeito ao adoecimento por internalizar padrões de beleza inatingíveis associados ao baixo peso corporal (BARBOSA; SILVA, 2016; UCHÔA et al., 2019). Além de trazer adoecimento pelo regramento rigoroso do peso corporal como sinônimo de beleza, a mídia veicula destaque aos alimentos ricos em açucares, gordura, sódio, impactando negativamente na formação alimentar de crianças e adolescentes e distorcendo os hábitos de adultos e idosos (COSTA; HORTA; SANTOS, 2013; UCHÔA et al., 2019). As escolhas alimentares e, por conseguinte, os hábitos alimentares são mol- dados pela cultura, tradição, crenças e religião, conforme destaca Azevedo (2017). Em consonância, o estudo exploratório de Semedo, Leitão, Moura (2020), o qual avaliou a influência da religião na alimentação das comunidades católicas e adventistas do sé- timo dia, em Cabo Verde, apontou que os adventistas do sétimo dia são influenciados diariamente nas suas escolhas alimentares pela religião, quer na compra quer no con- sumo de alimentos, enquanto os católicos são influenciados em momentos pontuais: quarta-feira de cinzas e nas sextas-feiras que precedem a Páscoa. O ambiente familiar exerce um papel bastante relevante na formação dos hábitos alimentares, principalmente para crianças e adolescentes. O guia alimentar para crianças brasileiras menores de dois anos recomenda que a partir de um ano de vida a criança passe a ingerir os alimentos/preparações consumidas pela família (BRASIL, 2019a). FIGURA 2 – AMBIENTE FAMILIAR E ALIMENTAÇÃO FONTE: Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos (BRASIL, 2019a, p.10) 13 Nas últimas décadas a família brasileira vem passando por transformações que modificaram a dinâmica das refeições realizadas em casa, uma vez que se consolidou a emancipação das mulheres e seu acesso ao mercado de trabalho. Apesar dessas mdanças, a família ainda representa papel central na formação de hábitos alimentares na infância e adolescência. Nesse cenário, os estudos encaminhados no Brasil e exterior destacam que os hábitos da família têm impacto sobre as escolhas alimentares na infância e por conseguinte sobre o estado nutricional de crianças e adolescentes (CAMARGO et al., 2013; SCAGLIONI et al., 2018; UTTER et al., 2018; VIEIRA; OLIVEIRA; MELLO, 2019). O som, a iluminação, o conforto e as condições de limpeza interferem na quan- tidade de alimentos ingeridos, bem como no modo de consumo. Essas características são exploradas por restaurantes e redes de fast food. Lugares mais silenciosos, propi- ciam que o indivíduo se concentre sobre o ato de comer e o faça de forma mais lenta, enquanto lugares barulhentos e cheios estimulam o consumo rápido (BIRCH, 1999). Alvarenga, Koritar e Moraes (2019) esclarecem que os determinantes psicoló- gicos atrelados ao hábito alimentar englobam fatores mais subjetivos, com grande im- pacto nas motivações para escolha de alimentos, podendo resultar em preferências e aversões. Vale destacar que a Psicologia considera que o comer é um processo perme- ado pelas relações, está carregado de significado emocional e, portanto, existe relação íntima entre alimentação e afetividade (BATISTA; LIMA, 2013). A associação entre alimentação e emoções permite inferir que a comida é meio de prazer, desejo e satisfação emocional, além disso, carrega lembranças e memórias (MENNUCCI; TIMERMAN; ALVARENGA, 2019). Ao propor mudanças de comportamento e hábitos alimentares é preciso lembrar que o alimento nutre o nosso corpo e permite a continuidade da vida, mas não se pode esquecer que a “comida” é carregada de símbolos, ligados ao comer, ao corpo e ao viver, portanto respeitar crenças, tradições, emoções e trajetória de vida são essenciais para que se tenha também prazer por meio da alimentação e não somente nutrientes (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019). Caro acadêmico! Assista ao vídeo da nutricionista Sophie Deram que discorre sobre a recomendação de médicos e nutricionistas acerca da reeducação alimentar, o que pode assustar muitos pacientes, pois lhes remetem a restrições alimentares. No vídeo, Sophie Deram explica ainda, mudanças comportamentais que podem ser sustentadas e que ao mesmo tempo podem trazer prazer com a alimentação. Acesse em: https://www. youtube.com/watch?v=xGSL3kJRML0. DICAS 14 4 A INFLUÊNCIA DA GLOBALIZAÇÃO NA CULTURA E HÁBITO ALIMENTAR O termo globalização foi elaborado na década de 1980, mas sua origem remete ao período das grandes navegações no século XVI, momento em que o comércio de mercadorias se ampliou para outras nações. Sendo assim, a globalização é um processo de expansão econômica, política e cultural que envolve o mundo todo (MARIANO, 2007). Com a globalização houve expansão das tecnologias de transporte e comunicação, tornando deste modo, as distâncias entre os países menores e por consequência entre as pessoas, acelerando a velocidade das comercializações entre os países (MARIANO 2007). Incluída nessa remodelação já antiga, mas com diversos nuances e fortaleci- mento a partir da década de 1980, a cultura alimentar sofreu e sofre transformações o tempo todo, uma vez que a cultura não é estática, mas está sempre em construção e reconstrução (GARCIA, 2003). As novas demandas geradas pelo modo de vida urbano redimensionou o ato de se alimentar a partir das condições colocadas pelo processo de globalização, nessa mudança destacam-se os seguintes itens relacionados ao ato de comer, como o tempo gasto para tal, os recursos financeiros, os locais disponíveispara se alimentar, o local e a periocidade das compras de gêneros alimentícios etc. (GARCIA, 2003, MOREIRA, 2010). A fim de atender as demandas da vida urbana, como destaca Garcia (2003), que na maioria das vezes é acelerada e com pouco tempo disponível para si, para família e amigos, a indústria de alimentos e o comércio apresentam alternativas e determinam uma nova forma de se alimentar nos espaços urbanos e por conseguinte contribuem para mudanças no comportamento e hábito alimentar. Nesse contexto, Garcia (2003) e Moreira (2010) caracterizam a comensalidade contemporânea pela escassez de tempo para o preparo e consumo de alimentos; pela presença de produtos gerados com novas técnicas de conservação e de preparo, que agregam tempo e trabalho; pela imensa variedade de itens alimentares; pelos deslocamentos das refeições de casa para estabelecimentos que comercializam alimentos (restaurantes, lanchonetes, vendedores ambulantes, padarias etc.); pela crescente oferta de preparações e utensílios transportáveis; pela oferta de produtos provenientes de várias partes do mundo; pelo arsenal publicitário associado aos alimentos; pela flexibilização de horários para comer agregada à diversidade de alimentos; e pela crescente individualização dos rituais alimentares. A globalização atinge a indústria de alimentos, o setor agropecuário, a distribuição de alimentos em redes de mercados e em cadeias de lanchonetes e restaurantes, ou seja, tem impacto nos pequenos e grandes comércios ligados ao ramo da alimentação (GARCIA, 2003). 15 O mercado agrícola no século XX modificou o modo de produzir, vender e consumir alimentos. Na atualidade, o sistema agroalimentar caracteriza-se pelo intenso uso de fertilizantes, pesticidas, sementes híbridas ou geneticamente modificadas, monoculturas e mecanização do trabalho. Concomitantemente, o gado criado para o abate é mantido sob confinamento, o que demanda espaço, água e alimentação para mantê-lo, tais exigências acabam por agredir o meio ambiente e não viabilizam a sustentabilidade (GARSON; SOUZA, 2018). Os mesmos autores ponderam que o sistema agroalimentar adotado resulta em um produto único, ou seja, encontra-se os mesmos produtos, modos de preparo, restaurantes e lanchonetes em diferentes países e cultura. Nesse contexto, Moreira (2010) distingue comida de casa e comida da rua, a de casa reflete o alimento preparado por alguém e servido para alguém, enquanto, a de rua é preparada por um profissional especializado seguindo normas técnicas. Na rotina diária, normalmente, os comensais urbanos alimentam-se no horário do almoço de forma rápida e deixam a comensalidade para o jantar ou para refeições aos finais de semana, momento em que há mais tempo e calma. Nessa esteira de aceleração da vida cotidiana, as refeições com a família, o preparo de alimentos, as receitas tradicionais e a conversa ao redor da mesa perdem cada vez mais espaço (COLLAÇO, 2004; MOREIRA, 2010). A globalização tem contribuído para a hegemonia das culturas alimentares, um exemplo disso, são as redes de fast food, um fenômeno local que se tornou globalizado com muito sucesso. Nos países em desenvolvimento, o caso do Brasil, os efeitos obser- vados são de caráter econômico, ecológico, histórico, social e cultural (PROENÇA, 2010). De acordo com Moreira (2010) a transferência das refeições do espaço familiar para a rua, muitas vezes acarreta concentração de volume a ser consumido em uma ou duas refeições ao longo do dia e em risco microbiológico. Os fatores que levam uma população a aderir ao consumo de alimentos/ preparações que não fazem parte da sua cultura são o preço, a praticidade, a rapidez no preparo ou consumo, ou influência da mídia (GARCIA, 2003). Até mesmo as comunidades rurais são alcançadas pelo consumo de alimentos de preparo rápido, reduzindo sua ingestão de frutas, verduras e hortaliças, tornando a sua alimentação limitada e assim favorecendo o ganho de peso excessivo e o aumento do risco para doenças crônicas não transmissíveis (GARCIA, 2003; MOREIRA, 2010). Dados divulgados pela Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) 2017-2018 apontam que comer fora de casa tem sido uma opção para cada vez mais brasileiros, do total das despesas com alimentação, 32,8% são gastos com refeições fora do domicílio (IBGE, 2020). 16 De acordo com a pesquisa anterior, realizada entre 2008-2009, a alimentação fora do domicílio na área rural era de 13,1% e passou para 24% (2017-2018), enquanto na área urbana permaneceu estável, cerca de 33% (IBGE, 2020). As despesas com cereais, leguminosas e oleaginosas, produtos utilizados para o preparo de refeições, vêm caindo ao longo do tempo, de 10,4% em 2003, para 5% em 2017-2018 (Figura 3) (IBGE, 2020). FIGURA 3 – DISTRIBUIÇÃO DA DESPESA FAMILIAR COM ALIMENTAÇÃO NO DOMICÍLIO FONTE: <https://bit.ly/3f999Uy>. Acesso em: 6 abr. 2021. A redução das distâncias, o comércio intenso entre os países, a circulação intensa de pessoas propiciou a propagação do coronavírus e com isso observou-se a instalação da pandemia da COVID-19 no ano de 2020. As mudanças verificadas no estilo de vida do brasileiro, incluindo alterações nos hábitos alimentares, foram evidenciadas no estudo transversal realizado por Malta et al. (2020). Fizeram parte da amostra 45.161 indivíduos com 18 anos ou mais, e dentre os aspectos avaliados destacou-se, com o confinamento, a elevação do consumo de alimentos processados (congelados, salgadinhos, biscoitos etc.) e de bebidas alcoólicas. 17 Garcia (2003) enfatiza que o processo de globalização amplia a diversidade alimentar, mas ao mesmo restringe, uma vez que há comercialização de um mesmo menu de opções no mundo globalizado. Ademais, a autora questiona sobre como as diferentes culturas, inclusive a nossa, absorvem esse padrão? Como se acomoda? E quais mudanças podem ser geradas no nosso repertório culinário, ou seja, na nossa cultura alimentar? INIQUIDADES SOCIAIS NO CONSUMO ALIMENTAR NO BRASIL: UMA REVISÃO CRÍTICA DOS INQUÉRITOS NACIONAIS Raquel Canuto Marcos Fanton Pedro Israel Cabral de Lira INTRODUÇÃO As doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) são a principal causa de mortalidade no Brasil. Em parte, isso é explicado pela rápida transição nutricional experienciada pelo país nas últimas décadas. O processo de urbanização e industrialização, consequentes do desenvolvimento econômico brasileiro, somados à globalização, mudaram a forma como se produz, distribui e consome os alimentos. A partir disso, pode-se observar as altas prevalências de desnutrição serem gradualmente substituídas pelo sobrepeso e obesidade. Contudo, a distribuição desses agravos não ocorre de forma homogênea na população e pode revelar importantes iniquidades sociais. Já está bem estabelecida na literatura a influência das características socioeconômicas nos hábitos de vida, nos agravos crônicos e na expectativa de vida. A direção da associação entre nível socioeconômico e obesidade, por exemplo, varia de acordo com o nível de desenvolvimento dos países. Nos países desenvolvidos, os indivíduos com menor escolaridade e renda são mais propensos a desenvolver obesidade do que indivíduos de grupos socioeconômicos mais elevados. No entanto, nos países da baixa e média renda, essa associação é inversa. Já a associação entre nível socioeconômico e qualidade da dieta – um importante mediador na relação entre nível socioeconômico e obesidade – embora esteja bem estabelecida em países desenvolvidos, ainda é pouco estudada em países de baixa e média renda, como o Brasil. O Brasil é um país extremamente desigual e foi o primeiro país a criar a sua própria comissão nacional sobre determinantes sociais da saúde (CNDSS), em 2006. Com isso, integrou-se ao movimento global em torno do assunto e deu um passo fundamental para a discussão da importância dos determinantes sociais na situação de saúde dos brasileiros e da necessidade de enfrentar as iniquidades em 18 saúde geradas porestes. Contudo, mesmo nos materiais publicados pela CNDSS, não são discutidos de modo mais amplo os determinantes sociais da alimentação e nutrição. Nesse contexto, por meio da revisão de estudos que analisaram os dados dos grandes inquéritos populacionais brasileiros, investigou-se a associação entre posição socioeconômica e consumo alimentar. Além disso, a partir da teoria epide- miológica proposta por Nancy Krieger, analisou-se como os resultados das pesqui- sas nacionais estão contribuindo para que sejam identificadas possíveis iniquidades no consumo alimentar da população brasileira influenciadas por iniquidades sociais e ecológicas Uma revisão sistemática da literatura foi conduzida com o objetivo de recu- perar artigos originais que tenham investigado a relação entre posição socioeconô- mica e consumo e/ou aquisição de alimentos nas pesquisas nacionais. A definição de posição socioeconômica e a seleção das variáveis indicadoras de posição socio- econômica foram baseadas no referencial teórico proposto por Krieger, ainda que nem todas variáveis propostas sejam incluídas. Dessa forma, os artigos recuperados da literatura cumpriam com os seguintes critérios de inclusão: (1) ter como desfe- cho hábitos alimentares, disponibilidade ou consumo alimentar medido de forma quantitativa ou qualitativa; (2) ter como exposição indicadores de posição socioeco- nômica, como sexo, educação, renda, cor da pele/raça, situação conjugal, área de residência ou outras variáveis socioambientais; (3) incluírem a população de adul- tos; (4) serem publicados na forma de artigos ou relatórios de pesquisa que tenham utilizado dados das pesquisas com amostragem com representatividade nacional [Pesquisa de Orçamentos Familiares (POF), Inquérito Nacional de Alimentação (INA), Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel) e a Pesquisa Nacional de Saúde (PNS)]. Nesse sentido, a teoria epidemiológica ecossocial coloca o grande desafio de conseguir explicações científicas sobre como esses diferentes fatores de discri- minação social e econômica podem prejudicar a saúde das pessoas. A incorporação, em pesquisas, de indicadores tão distintos, que extrapolem as medidas socioeconô- micas clássicas e meçam questões como experiências de discriminação, contextos histórico e biográfico, traumas sociais, exposição a ecossistemas degradados, entre outros, exige uma teoria epidemiológica capaz de medir tais fatores e explicar as implicações causais na saúde e no bem-estar das pessoas em nível populacional. A partir do marco teórico ora proposto, fica claro que a avaliação de iniquidades sociais e econômicas no acesso e no consumo de alimentos no Brasil tem uma importância fundamental para qualificar políticas públicas de saúde, alimentação e nutrição. FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/37BWULL>. Acesso em: 12 abr. 2021. RESUMO DO TÓPICO 1 19 Neste tópico, você aprendeu: RESUMO DO TÓPICO 1 • A definição de cultura suscita debates, no entanto, destaca-se que ela é fruto de um aprendizado, uma vez que conhecimentos e tradições são repassados às novas gerações com particularidades que remetem à identidade de um povo. • No campo da Nutrição, ao atribuir um sentido ao comer e torná-lo racionalizado e biologicista, reduzindo-o somente a uma necessidade biológica, ao fim desconsidera- se uma concepção de cultura, a qual inclui aspectos simbólicos e imaginários que permeiam o alimento. • A distinção entre “alimento” e “comida”, considera o primeiro qualquer substância nutritiva que possa ser ingerida para manter a vida e o segundo diz respeito a tudo o que se come com prazer, que segue regras sociais e é dotada de cultura. • A cozinha de um grupo/povo é algo particular, singular, reconhecível ante outras cozinhas, ou seja, suas tradições diferenciam-se das demais culturas, ademais, ela não é estática, mas está em constante transformação/reconstrução. • Apesar de todas as mudanças no padrão alimentar do brasileiro, o feijão com arroz ainda é o prato do dia-a-dia, enquanto a feijoada é especial, fora do comum, uma vez que quando se convida um estrangeiro à mesa, é tradição oferecer a feijoada, para que ele possa conhecer a cultura alimentar brasileira. • A palavra comensalidade deriva do latim “mensa” que significa conviver à mesa e envolve, além do padrão alimentar, o que se come, mas também, como se come. • O hábito alimentar corresponde à adoção de práticas relacionadas a costumes, que muitas vezes atravessam gerações, de acordo com a possibilidade de aquisição dos alimentos e com uma sociabilidade construída no âmbito familiar e comunitário. • O comportamento alimentar diz respeito a todas as formas de convívio com o alimento que estão associados a atributos socioculturais, abrangendo aspectos subjetivos (indivíduo) e coletivos. • As escolhas e o consumo alimentar estão ligados ao prazer, uma vez que ao comer um alimento/uma preparação os seres humanos sentem uma série de sensações prazerosas ligadas ao olfato (aroma), textura, visão e inclusive ao barulho associado à crocância. 20 • Outra questão importante é a memória afetiva associada à comida e preparações, as quais afloram nossas experiências passadas, sejam elas individuais ou coletivas. • O termo globalização foi elaborado na década de 1980, mas sua origem remete ao período das grandes navegações no século XVI, momento em que o comércio de mercadorias se ampliou para outras nações. • O encurtamento das distâncias entre os países intensificou o comércio e, também o intercâmbio de diferentes culturas, tais eventos impactaram o consumo e comportamento alimentar. • A globalização modificou características relacionadas ao ato de comer, como o tempo gasto para tal, os recursos financeiros, os locais disponíveis para se alimentar, o local e a periocidade das compras de gêneros alimentícios etc. • Nesse contexto globalizado, a hegemonia das culturas alimentares, como exemplo, as redes de fast food, foram alçadas de um fenômeno local para mundial. • As pesquisas por meio dos inquéritos alimentares vêm destacando mudanças profundas no hábito e comportamento do brasileiro, como alimentar-se mais fora de casa, ingerir mais alimentos processados e ultra processados etc. • A pandemia da COVID-19 no ano de 2020 também modificou hábitos e comportamentos alimentares, uma vez que o confinamento fez elevar-se o consumo de alimentos processados e bebidas alcoólicas. 21 1 A definição de cultura é fruto de um aprendizado, uma vez que conhecimentos e tradições são repassados às novas gerações com particularidades que remetem à identidade de um povo, portanto, nesse contexto, considere as assertivas a seguir. I- A cultura é resultado do conhecimento e do aprendizado e por isso não se altera e, por não se modificar, é repassada às novas gerações. II- Comer é uma condição básica da nossa sobrevivência, no entanto, não se extingue nessa necessidade, transcende, e é também um ato cultural, social e político. III- De acordo com Da Mata (1987), alimento é uma substância nutritiva que é ingerida para manter a vida, enquanto, comida diz respeito a tudo que se come com prazer, de acordo com regras sociais e dotada de cultura. IV- A cultura alimentar é um conjunto simbólico em constante transformação, seja por mudanças climáticas, tecnológicas, ou por meio de contato com outras culturas. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas III e IV estão corretas. b) ( ) Somente as assertivas I, II e II estão corretas. c) ( ) Somente as assertivas II, III e IV estão corretas. d) ( ) Todas as assertivas estão corretas. 2 Pode-se definir comportamento alimentar como um conjunto de ações que dizem respeito ao ato de se alimentar, destacam-se: como, quando e de que forma comemos, sendo assim, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A cultura, a sociedade, a genética, a psique e a experiência com o alimento são elementos que compõem o comportamentoalimentar. b) ( ) A escolha de alimentos/preparações associa-se exclusivamente à necessidade de energia e nutrientes. c) ( ) O comportamento alimentar se trata dos aspectos pós ingestão de alimentos, ou seja, se refere ao quanto de calorias e nutrientes foi ingerido. d) ( ) Hábito e comportamento alimentar são sinônimos no campo da Alimentação e Nutrição. 3 O processo de globalização teve início com as grandes navegações no século XVI, mas a denominação ocorreu na década de 1980 e até hoje discute-se a influência dela sobre o comportamento alimentar, nesse cenário considere as assertivas a seguir: AUTOATIVIDADE 22 I- O encurtamento das distâncias entre os países e as pessoas caracteriza a globali- zação e impõe mudanças no comportamento alimentar, podendo trazer vantagens e desvantagens. II- O deslocamento das refeições em casa e com a família para as ruas, de forma rápida e muitas das vezes omitindo horários de refeições, contribui para um processo de doença, além de restringir o convívio com amigos e familiares. III- O sucesso das redes de fast food exemplifica bem o processo de globalização e hege- monia de uma cultura sobre a outra, visto que sai de um contexto local para mundial. IV- A produção de alimentos em larga escala e a publicidade vinculada são aspectos importantes para entendimento da globalização e seu impacto na cultura alimentar de um povo. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas I, III e IV estão corretas. b) ( ) Somente as assertivas II e III estão corretas. c) ( ) Somente a assertiva I está correta. d) ( ) Todas as assertivas estão corretas. 4 Temas relativos à alimentação invadiram as ciências humanas, incluindo História, Sociologia, Psicologia e Antropologia, propiciando um acúmulo de conhecimentos com vários olhares sobre o mesmo objeto, nesse cenário defina comensalidade, relacione com memória e afeto e cite um exemplo: 5 Conhecer novas culturas, vivenciar formas diferentes de viver e de se alimentar, são vantagens do mundo globalizado, o qual possibilitou o encurtamento das distâncias entre as pessoas, desse modo, explique como o processo de globalização pode ao mesmo tempo diversificar a comercialização de alimentos e restringi-lo? 23 SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR, AGROECOLOGIA, VEGETARIANISMO E POLÍTICA E REGRAMENTO DO USO DE AGROTÓXICOS 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico! Você já ouviu falar em sustentabilidade alimentar? Nos dias atuais esse é um tema bastante discutido e importante, sendo assim, estudá-lo é imprescindível para sua formação, não é mesmo? Você sabe o que é uma “dieta de baixo carbono”? Sistema alimentar? Índice de biocapacidade da terra? No Tópico 2 serão abordados os principais conceitos acerca da sustentabilidade alimentar, que engloba todo o sistema alimentar desde a produção até o descarte dos resíduos produzidos a partir da alimentação. Nesse contexto, você já deve ter ouvido ou lido algo sobre alimentação orgânica e regramento do uso de agrotóxicos, certo? Portanto, nesse tópico você poderá compreender quais características um alimento deve ter para ser certificado como orgânico, como o produtor obtém esse certificado e ao final conhecerá o regramento sobre o uso de agrotóxicos no Brasil. Além do entendimento sobre alimentos orgânicos, você poderá conhecer, compreender e contextualizar o vegetarianismo com enfoque na sustentabilidade alimentar. O conhecimento e a reflexão sobre a sustentabilidade alimentar associada a um consumo consciente e saudável é um tema transversal e global, sendo assim, no Tópico 2, você poderá desenvolver habilidades e competências, as quais irão contribuir para que você seja um profissional da área da saúde com uma visão ampla de saúde que inclui equilíbrio com o meio ambiente. UNIDADE 1 TÓPICO 2 - 24 2 SUSTENTABILIDADE ALIMENTAR A alimentação é um direito universal como consta na Declaração dos Direitos Humanos das Nações Unidas (FAO, 2014). Nesse cenário, Costa e Rodrigues (2020) destacam que para que esse direito seja garantido a todos os seres humanos é preciso entender o processo de produção de alimentos e que ele impacta negativamente o meio ambiente, mas que há estratégias para mitigar esses danos. A agricultura convencional quando comparada à agroecológica (biológica/ orgânica) é a que causa maiores prejuízos ao meio ambiente, além disso, a escala comercial dos alimentos produzidos, incluindo quantidades vultuosas de produtos e a rapidez no processo de distribuição, também contribuem para destruição dos recursos naturais (COSTA; RODRIGUES, 2020). O impacto ambiental causado pela agricultura convencional, incluindo também a pecuária, caracteriza-se por um consumo em ritmo acelerado, desde o solo aos recursos hídricos; desflorestamento e com isso a perda da biodiversidade; perda da qualidade do solo, da água, além de produzir e perpetuar a desigualdade social (RIBEIRO; JAIME; VENTURA, 2017). Sobal, Kettel e Bisogni (1998) destacam que alterações importantes foram realizadas nas últimas décadas no sistema alimentar, principalmente com o advento da revolução verde na década de 1950, as quais incluem a agricultura, a pecuária, a produção, o processamento, a distribuição, o abastecimento, a comercialização, a preparação e o consumo de alimentos e bebidas. A revolução verde foi implementada na década de 1950 para aumentar a produção de alimentos e assim acabar com a fome mundial, objetivo não alcançado, pois a fome ainda assola vários continentes, inclusive o Brasil (CAVALLI, 2001). A produção de alimentos em larga escala modificou a estrutura da propriedade rural, a qual se tornou mais concentrada e baseada na monocultura, favorecendo a exploração da força de trabalho, piorando, assim, a qualidade de vida do trabalhador do campo e propiciando o êxodo rural. No Brasil, esse processo adquiriu maior força nas décadas de 1970 e 1980 (IBGE, 2015). Nesse cenário, Auestad e Fulgoni (2015) afirmam que a alimentação contemporânea tornou-se insustentável, pois ocasiona perda do solo (monoculturas, salinização) e das florestas (prática da agricultura e pecuária), além disso, causa eutrofização, processo em que um corpo de água recebe uma grande quantidade de efluentes com matéria orgânica enriquecida com minerais e nutrientes, os quais induzem o crescimento excessivo de algas, o que inviabiliza o consumo da água e ocasiona morte de animais marinhos. 25 Outro ponto importante é a emissão de gases de efeito estufa (GEE) que são substâncias que absorvem parte da radiação infravermelha emitida pela superfície terrestre, propiciando assim o aquecimento global (COSTA; RODRIGUES, 2020). São considerados GEE: Dióxido de Carbono (CO2), Metano (CH4), Óxido Nitroso (N2O), Hexafluoreto de enxofre (SFG), Hidrofluorcarbono (HFC) e Perfluorcarbono (PFC) (FREITAS; PAIVA, 2018). A criação de bovinos, no Brasil, se dá em áreas de pastagem degradadas e, portanto, de baixa produtividade, além disso, viabiliza a perda de áreas florestais para tal atividade. Sobre a inter-relação pecuária e emissão de GGE, destacam-se o gás metano emitido pela fermentação entérica dos bovinos, o óxido nitroso emitido pelos dejetos dos animais e, por fim, o dióxido de carbono trocado pelo solo e vegetação (BERCHIELLI; MESSANA; CANESIN, 2012). Apesar do sistema alimentar convencional ser insustentável, é possível mitigar seus efeitos deletérios por meio de um sistema de pequena escala que vise apoiar pequenos produtores, a produção familiar orgânica, a cultura alimentar local, além do engajamento dos consumidores, como agentes corresponsáveis por esse processo (MARTINELLI; CAVALLI, 2019). Martinelli e Cavalli (2019) destacam que a primeira descrição de alimentação/ dieta sustentável foi elaborada por Gussow e Clancy, em 1986, os quais a definiram como composta por alimentos que contribuem não somente para saúde do indivíduo, mas também para a sustentabilidade do sistema alimentar. Pode-se iniciar a reflexão sobre oque é uma alimentação sustentável quando há preocupação com todo o sistema alimentar (produção, processamento, comercialização, consumo e descarte), com ênfase no consumo de produtos locais e na sazonalidade, além de fomentar a equidade social, por meio de políticas públicas que visam a aproximação do pequeno produtor com o consumidor final, evitando grandes redes de distribuição e venda de alimentos (SAMBUICHI et al., 2014; RIBEIRO; JAIME; VENTURA, 2017; COSTA; RODRIGUES, 2020). A adoção de uma dieta com menos carne é também denominada “dieta de baixo carbono”, isto significa reduzir a frequência e a quantidade do alimento ingerido, uma vez que, para alimentar os animais utiliza-se a soja, que é uma monocultura de larga escala, para produzir a ração que irá alimentar bovinos e suínos e por consequência o impacto ambiental pode ser mitigado (COSTA, RODRIGUES, 2020). Martinelli e Cavalli (2019) elaboraram um conjunto de orientações e operaciona- lizações para se obter uma alimentação mais sustentável e saudável (Figura 4). 26 FIGURA 4 – REPRESENTAÇÃO GRÁFICA DE ORIENTAÇÃO E OPERACIONALIZAÇÃO PARA UMA ALIMENTAÇÃO MAIS SAUDÁVEL E SUSTENTÁVEL FONTE: Martinelli e Cavalli (2019 p. 4254) Como a sustentabilidade é um tema transversal e no campo da Alimentação e Nutrição, discute-se exaustivamente a questão da saudabilidade das dietas, é então plausível problematizar se uma dieta sustentável é ao mesmo tempo uma dieta saudável. Na atualidade a junção de sustentável e saudável tem sido um desafio, uma vez que mesmo com a produção em larga escala dos alimentos (não sustentável), muitos indivíduos ainda sofrem de deficiências nutricionais e paralelamente, há um aumento exponencial da obesidade e de doenças crônicas não transmissíveis (WILLETT et al., 2019; FANZO; DAVIS, 2019). Aprofundando a reflexão e a discussão sobre alimentação sustentável e saudá- vel, o estudo realizado por Springmann et al. (2018) revelou que a troca de alimentos de origem animal por vegetais foi particularmente efetiva, em países de média e alta renda, em melhorar o nível de nutrientes consumido, reduzir a mortalidade prematura (12%) e diminuir alguns impactos ambientais, em particular, a emissão de GEE (redução em tor- no de 84%). Por outro lado, houve aumento do uso de água (16%) e pequena efetividade em países onde o consumo de alimentos de origem animal é baixo ou moderado. Os mesmos autores, analisando os benefícios para saúde com a troca de alimentos de oriegem animal por vegetal, evidenciaram que a adoção de um padrão alimentar com baixo consumo de carne e balanceado possibilita alcançar a recomendação 27 de nutrientes e reduz a mortalidade prematura (em 19% para quem consome carne eventualmente e 22% para quem segue uma dieta vegana). Ademais, houve redução do impacto ambiental na maioria das regiões (54-87%), com exceção em algumas regiões de países de baixa renda no que diz respeito à ocupação da terra, uso de água etc.. Willett et al. (2019) afirmam que dietas com alto teor calórico, ricas em açúcar, gordura saturada, alimentos processados e carne bovina são insustentáveis e não saudáveis, em contrapartida, dietas à base de vegetais estão associados a menor produção de GEE, menos uso da terra e de água. A não ser que haja uma mudança de paradigma no sistema alimentar, em 2050 a produção de alimentos será responsável por um aumento de 80% na emissão de GEE e no desmatamento. De acordo com os mesmos autores, a dieta à base de vegetais propicia uma diminuição na emissão de GEE em torno de 30-55%, além do que, reduz taxa de mortalidade e a indicência de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis. As dietas baseadas em vegetais, como a do Mediterrâneo, Dash, Vegetariana, as quais recomendam uma quantidade de baixa a moderada de frutos do mar e lactícinios (Mediterrânea e Dash); e pouco ou nenhum consumo de carne vermelha, demonstram decréscimo na taxa de Diabetes Melittus tipo II (16 a 41%) e câncer (7-13%), bem como redução da mortalidade por doenças coronarianas (20-26%) (TILMAN; CLARK, 2014). Caro acadêmico! De acordo com o professor e pesquisador da Universidade de Saúde Pública de Harvard, Walter Willett, a transição para dietas saudáveis até 2050 vai exigir mudanças substanciais na nossa alimentação. O consumo geral de frutas, vegetais, nozes e legumes terá que duplicar. Já o consumo de alimentos como carne vermelha e açúcar terá que ser reduzido em mais de 50%. A comissão EAT-Lancet propõe cinco estratégias fundamentais para produção sustentável de alimentos: 1) incentivar o hábito de comer de forma saudável, 2) mudar a produção global de alimentos, 3) intensificar a agricultura sustentável, 4) criar regras mais rígidas sobre a administração dos oceanos e do solo e 5) reduzir o desperdício de comida. Acesse em: https://nutritotal.com.br/publico- geral/colunas/a-dieta-sustentavel-funciona/. DICAS Para que se possa mitigar os efeitos deletérios do sistema alimentar convencial é imprescíndivel entendê-lo em sua totalidade desde a produção, passando pelo processamento, comercialização, consumo e por fim, o descarte (produção e destino do lixo) (MARTINELLI; CAVALLI, 2019; COSTA; RODRIGUES, 2020). 28 No Quadro 2 está caracterizado o modelo de sistema insustentável de produção de alimentos. QUADRO 2 – SISTEMA INSUSTENTÁVEL Produção Processamento Comercialização Consumo Descarte de resíduos Agricultura convencional Elevado processamento Cadeias longas Consumo não sustentável Excesso de resíduos Patronal Retirada de nutrientes Grande número de intermediários Hábitos não saudáveis Produção alta de resíduos Monocultura Refinamento Longas distâncias Indisposição para comprar produtos sustentáveis Ausência de preocupação com a quantidade e o destino dos dejetos e das embalagens Agrotóxicos Adição de gorduras trans. Desvalorização da produção local Elevado consumo de alimentos ultraprocessados Transgênicos Adição de aditivos e conservantes Preços elevados Busca por alimentos de rápido preparo Criação intensiva de animais Aditivos baseados em subprodutos da soja e milho Valorização de grandes redes varejistas Alimentação não diversificada Elevado desperdício, consumo de água e energia FONTE: Adaptado de Martinelli e Cavalli (2019, p. 4254) Na agricultura convencional o uso de alimentos transgênicos, principalmente a soja, o milho e a canola, vem gerando grande preocupação do ponto de vista da saúde e do impacto ambiental causados por eles. Os transgênicos são organismos geneticamente modificados (OGM), os quais contêm um gene que foi iserido artifcial- mente em vez de adquirido naturalmente, por polinização como ocorre nas culturas convencionais, sendo assim esse alimento terá uma alteração em seu código genético (ALMEIDA; LAMOUNIER, 2005). 29 Caro acadêmico! Para entender melhor o que é um alimento transgênico e a polêmica acerca da sua produção, comercialização e consumo, assista ao vídeo recomendado, assim você poderá entender as possíveis vantagens e desvantagens no que se refere à saúde e os impactos ambientais de nossas escolhas alimentares. Acesse em: https://bit.ly/3z5VeJj. Acesso em: 30 abr. 2021. DICAS No quadro 3 estão demonstradas as principais características dos sistemas sustentáveis. QUADRO 3 – PRINCIPAIS CARACTERÍSTICAS DOS SISTEMAS SUSTENTÁVEIS Produção Processamento Cadeias Consumo Descarte de resíduos Agroecologia Processamento mínimo Cadeias curtas Consumo sustentável Baixa produção de resíduos Agricultura familiar Manutenção dos nutrientes Nenhum ou pequeno número de intermediários Alimentos frescos, agroecológicos Ausência ou uso baixo de plástico Diversificada Sem adição de gordura trans Proximidade do produtor e consumidos Disponibilidade para comprar produtos sustentáveis Ausência de de contaminação com dejetos e agrotóxicos no solo e água Orgânica Sem adição de conservantes Comércio justo e economiasolidária Compra direto de agricultores familiares Sazonal Sem adição de aditivos alimentares Valorização do produto e do produtor Alimentos regionais, tradicionais e diversificados Integração lavoura- pecuária- floresta Confiança no produtor Habilidades culinárias Baixo desperdício, consumo de água e energia FONTE: Adaptado de Martinelli e Cavalli (2019, p. 4254) 30 Ao se refletir acerca da saudabilidade de uma dieta ou padrão alimentar, é plausível e urgente que se inclua a sustentabilidade nesse contexto, pois ela busca o bem-estar dos seres vivos no presente e se preocupa também com as gerações futuras. Nesse cenário, a sustentabilidade alimentar urge como tema transversal aos sistemas alimentares, pois eles impactam a saúde humana e ambiental quando impõem riscos ocupacionais aos trabalhadores do sistema convencional mundial, ademais contaminam o meio ambiente, os alimentos, disseminam padrões dietéticos não saudáveis e a insegurança alimentar e nutricional. Portanto, a formação do Nutricionista deve contemplar temas e discussão sobre sustentabilidade e alimentação, visto que o código de ética da categoria profissional se compromete com o desenvolvimento sustentável e a preservação da biodiversidade (CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS, 2018; JACOB; ARAÚJO, 2020). 3 PRODUÇÃO ALIMENTAR AGROECOLÓGICA A revolução verde, decorrente do desenvolvimento observado a partir da Segunda Guerra Mundial, deu origem a uma nova perspectiva de agricultura denominada convencional e moderna, a qual se direciona para o melhoramento genético de plantas, a utilização de agrotóxicos e fertilizantes químicos, a intensa mecanização agrícola e a padronização de cultivo (MATOS, 2011). Em contraponto, emerge em vários países os sistemas agrícolas de base ecológica ou agricultura alternativa/sustentável, baseada na produção natural e integrada ao meio ambiente, com redução no uso de insumos e na preferência por recursos locais (VALGINHAK; SENE, 2020). O movimento da agricultura orgânica teve início na década de 1940, em reação ao uso crescente de fertilizantes e outros insumos químicos. Estudos realizados pelo agrônomo inglês Sir Albert Howard sobre o papel dos micro-organismos no solo foram fundamentais para demonstrar a importância em manter o solo vivo por meio da adubação orgânica (SAMBUICHI et al., 2017). Em 1972, a Federação Internacional dos Movimentos de Agricultura Orgânica (IFOAM) implantou um sistema visando garantir a qualidade dos produtos orgânicos para os seus consumidores e passou a estabelecer padrões internacionais para esse tipo de agricultura, criando o Sistema de Garantia Orgânica (Organic Guarantee System – OGS), que hoje conta com 800 afiliados em 117 países (IFOAM, 2016). Por outro lado, no Brasil, conforme Lima et al. (2020); Valginhak e Sene (2020), somente em 2003, foi aprovada a Lei n0 10.831, que dispõe sobre agricultura orgânica e torna-se eixo norteador, abrangendo os seguintes sistemas alternativos, como por exemplo: ecológico, biodinâmico, natural, regenerativo, biológico, agroecológico, permacultura etc. A Lei n0 10.831 dispõe sobre: 31 Art. 1º Considera-se sistema orgânico de produção agropecuária todo aquele em que se adotam técnicas específicas, mediante a otimização do uso dos recursos naturais e socioeconômicos disponíveis e o respeito à integridade cultural das comunidades rurais, tendo por objetivo a sustentabilidade econômica e ecológica, a maximização dos benefícios sociais, a minimização da dependência de energia não renovável, empregando, sempre que possível, métodos culturais, biológicos e mecânicos, em contraposição ao uso de materiais sintéticos, a eliminação do uso de organismos geneticamente modificados e radiações ionizantes, em qualquer fase do processo de produção, processamento, armazenamento, distribuição e comercialização, e a proteção do meio ambiente (BRASIL, 2003). A agricultura orgânica (AO) une dois temas “urgentes” à população mundial que são padrão de alimentação saudável e ao mesmo tempo sustentável. A AO está fundamentada em três alicerces: preservação do solo, qualidade da produção e sustentabilidade ecológica, sendo assim, prevê alimentos de qualidade e livres de agrotóxicos (ANDRADE; PINHEIRO; OLIVEIRA, 2017). Nesse contexto, a valorização da diversidade cultural e biológica, a prática agroecológica busca conservar e resgatar variedades de sementes crioulas (são aquelas livres de agrotóxicos, pesticidas, ou modificações realizadas pela ciência ou agronegócio) e o conhecimento tradicional das populações locais (EMBRAPA, 2006). Portanto, o conhecimento agroecológico se expande por meio da socialização e da troca de saberes entre as comunidades, e se estabelece de forma participativa (SAMBUICHI et al., 2017). Guerra, Cervato-Mancuso e Bezerra (2019) destacam que entre os princípios que fundamentam a prática agroecológica está também a soberania alimentar, que reconhece o direito dos povos e das comunidades de definirem suas estratégias de produção e consumo dos alimentos de que necessitam. Para que um alimento seja considerado orgânico é preciso uma certificação que consiste em um procedimento pelo qual uma certificadora devidamente creden- ciada pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) e credenciada pelo Instituto Nacional de Metrologia, Normatização e Qualidade Industrial (Inmetro) asseguram por escrito que determinado produto, processo ou serviço obedece às normas e práticas da produção orgânica (BRASIL, 2021). O credenciamento, o acompanhamento e a fiscalização dos organismos de certificação são de responsabilidade do Ministério da Agricultura, que após a prévia habilitação no MAPA, farão a certificação da produção orgânica e terão que manter atualizadas as informações acerca dos produtores, mantendo assim um cadastro nacional de produtos orgânicos (BRASIL, 2021). Um selo federal afixado ou impresso no rótulo ou na embalagem do produto sinaliza que ele é orgânico (Figura 5). A certificação por sistema participativo de garantia (SPG) trata-se de um grupo de pessoas comprometidas com os padrões de conformidade estabelecidos pela legislação, que se policiam e tomam conta uns dos 32 outros e se vistoriam, com o intuito de manter a qualidade das produções; enquanto a certificação por auditoria é realizada por empresa pública ou privada, com ou sem fins lucrativos, credenciada pelo MAPA (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) (BRASIL, 2021). Os produtos que apresentam o selo federal, conforme Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (BRASIL, 2021), devem conter 95% de ingredientes orgânicos, os outros 5% devem ser identificados e estar dentro das regras de produção orgânica, sendo que o uso de agrotóxicos é terminantemente proibido. FIGURA 5 – SELO FEDERAL SISORG DO MINISTÉRIO DA AGRICULTURA E ABASTECIMENTO FONTE: <http://www.usp.br/pecuariaorganica/?page_id=30>. Acesso em: 3 maio 2021. A permissão para utilizar o selo é concedida ao produtor ou empresa após terem sido vistoriados e fiscalizados, aprovados e finalmente certificados pela certificadora (BRASIL, 2021). Além do selo SisOrg, também é utilizado na embalagem dos produtos orgânicos o selo da certificadora responsável pela sua certificação, os selos possuem durabilidade de um ano e devem ser renovados anualmente para que se continue a utilizá-los (Figura 6). FIGURA 6 – SELO DAS CERTIFICADORAS RESPONSÁVEIS PELA CERTIFICAÇÃO DO PRODUTO ORGÂNICO FONTE: <http://www.usp.br/pecuariaorganica/?page_id=30>. Acesso em: 3 maio 2021. 33 De acordo com o MAPA, para vender na feira, o produtor sem certificação deve apresentar um documento chamado Declaração de Cadastro, que atesta que ele está cadastrado junto ao MAPA e que faz parte de um grupo que se responsabiliza por ele. Sendo assim, somente o produtor, alguém de sua família ou de seu grupo pode estar na barraca vendendo o produto. Essa declaração deve ser mostrada sempreque o consumidor e a fiscalização solicitarem (BRASIL, 2021). Os produtos comercializados em mercados, supermercados, lojas, devem estampar o selo federal do SisOrg em seus rótulos, sejam produtos nacionais ou estrangeiros. Se o produto for comercializado a granel deve ser identificado por meio de cartaz, etiqueta ou outro meio (BRASIL, 2021). Os restaurantes, lanchonetes e hotéis os quais comercializam refeições orgânicas ou algum ingrediente orgânico devem manter à disposição do cliente a listagem desses ingredientes e dos fornecedores (BRASIL, 2021). A produção e o consumo de produtos orgânicos no mundo têm crescido significativamente, conforme sinalizam Willer e Lernoud (2019), impulsionados pela expansão da demanda nos países da Europa e da América do Norte, além da China, que se tornou o quarto maior mercado de orgânicos no mundo, desde 2013, atrás somente dos Estados Unidos, da Alemanha e da França. Os produtos orgânicos têm sido associados a maior segurança e saúde de seus consumidores, além de impactarem menos o meio ambiente. A partir desse fio condutor, o aumento do volume de vendas no varejo, da área agrícola destinada à produção orgânica e do número de agricultores que se dedicam ao setor tende a ascender continuamente ao longo dos próximos anos (WILLER; LERNOUD, 2019). Esse crescimento, contudo, dependerá do enfrentamento de alguns desafios, como o aumento progressivo de áreas cultiváveis convertidas em orgânicas, a grande demanda mundial e a padronização de critérios de certificação (WILLER; LERNOUD, 2019). No Brasil, o crescimento da produção e do consumo de produtos orgânicos também aumentou (Figura 7). O mercado doméstico é impulsionado pelas compras institucionais para a alimentação escolar e os serviços de alimentação de alguns órgãos governamentais, valorizando, assim, a produção orgânica, especialmente a agricultura familiar (LIMA et al., 2020). 34 FIGURA 7 – EVOLUÇÃO DA ÁREA COM PRODUÇÃO ORGÂNICA NO BRASIL (2000-2017) FONTE: Adaptada de Lima et al. (2020, p. 29) De acordo com o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento, a agricultura familiar se caracteriza pelo compartilhamento da gestão da propriedade pela família e a atividade agropecuária é a principal fonte geradora de renda. A diversidade produtiva e a produção voltada para o próprio consumo e para comercialização coexistem (BRASIL, 2020). A Lei 11.326, de 24 julho de 2006, determina as diretrizes para formulação da Política Nacional da Agricultura Familiar e os critérios para sua definição. De acordo com a legislação, é considerado “agricultor familiar e empreendedor familiar rural aquele que pratica atividades no meio rural, possui área de até quatro módulos fiscais, mão de obra familiar, renda familiar vinculada ao próprio estabelecimento e gerenciamento do estabelecimento ou empreendimento pela própria família” (BRASIL, 2020). Há um cenário internacional favorável para compra e consumo de produtos orgânicos e o Brasil exporta oleaginosas, mel, açúcar, arroz, entre outros, principalmente para Europa, Estados Unidos e China. No mercado interno, a classe média é quem impulsiona a comercialização desses produtos e os mais consumidos são os orgânicos in natura, verduras, legumes e frutas (SCHMITT; GRISA, 2013). Além dos problemas já citados anteriormente que limitam e dificultam a produção de orgânicos no Brasil, a concentração de terras e a predominância de monocultivos (como por exemplo, o da soja ou do milho em grandes extensões de terra), característica do espaço agrário brasileiro, limitam o aumento da conversão e da diversificação produtiva, preservação de sementes crioulas, o investimento e a difusão de pesquisas, experiências e inovações tecnológicas baseadas na produção orgânica, e por fim, a ausência de dados oficiais sistemáticos sobre o setor (LIMA et al., 2020). 35 Os mesmos autores destacam que há coexistência de dois modelos, um baseia- se no desenvolvimento rural sustentável e solidário e o outro na modernização do campo, o qual detém o apoio das três esferas de governo, federal, estadual e municipal. Na Figura 8 estão demonstradas as áreas destinadas à produção orgânica em diferentes continentes e no mundo, compiladas em 2017, com destaque à produção latino-americana, a qual inclui o Brasil, que corresponde a 11% e proporcionalmente a 1,1% da área total agricultável reservada à produção orgânica. O país com maior exten- são de área agrícola orgânica é a Austrália, com 35,65 milhões de hectares (WILLER; LERNOUD, 2019). A taxa média anual de crescimento de 2007 para 2017 de áreas agricultáveis orgânicas foi 2% no Brasil, o que lhe rendeu o 12ª lugar no mundo (WILLER; LERNOUD, 2019 apud LIMA, 2020). FIGURA 8 – ÁREAS DESTINADAS À PRODUÇÃO ORGÂNICA DISTRIBUÍDA POR CONTINENTES FONTE: Lima et al. (2020, p. 11) Caro acadêmico! Você sabia que o estado de Santa Catarina é o 4º produtor nacional de alimentos agroecológicos de acordo com os dados publicados pela CEPORG – Comissão da Produção Orgânica de Santa Catarina em 2019? São ao todo 1.275 unidades produtoras de orgânicos e há ainda 700 unidades em processo de certificação. As frutas, seguidas de raízes, hortaliças e grãos, são os alimentos mais cultivados. Os estados que lideram o ranking de produção agroecológica são Paraná, Rio Grande do Sul e São Paulo. Acesse em: https://bit.ly/3lfaXNM. DICAS 36 No contexto brasileiro, o tema da agroecologia vem ganhando espaço e merecido destaque nos espaços sociais e políticos, considerando a implantação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional (Sisan), que se alicerça na promoção de Segurança Alimentar e Nutricional (SAN) e do direito humano à alimentação adequada (DHAA). Outras iniciativas de ação pública abarcam a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PNAPO), institucionalizada em 2012 e materializada por meio do Plano Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica (PLANAPO) (GIORDANI; BEZERRA; DOS ANJOS, 2017). Vale destacar, em agosto de 2012 a ex-presidenta Dilma Roussef institui a Política Nacional de Agroecologia e Produção Orgânica – PNAPO, por meio do Decreto no 7.794, de 20 de agosto de 2012, firmando o compromisso do governo federal em “integrar, articular e adequar políticas, programas e ações indutoras de transição agroecológica, como contribuição para o desenvolvimento sustentável e a qualidade de vida da população, por meio do uso sustentável dos recursos naturais e da oferta e consumo de alimentos saudáveis (BRASIL, 2013). Os desafios mundiais são grandes para agroecologia, com destaque para o cenário agrário brasileiro, o qual se caracteriza por um modelo de agricultura empresarial, denominado agronegócio, consolidado em grandes propriedades de monocultura com uso intensivo de agrotóxicos, insumos químicos, sementes geneticamente modificadas e mecanização pesada, o que dificulta e estrangula a agricultura familiar e a produção de orgânicos (LIMA et al., 2020). Nesse contexto nacional, apesar do processo de fragilização e estrangulamento do modelo de produção sustentável, ele ainda possui uma diversidade de cultivos, de conhecimentos acerca do manejo agrícola e do uso de plantas; de saberes e modos de processamento, além da luta constante por oferecer uma alimentação mais sustentável e saudável aos brasileiros (LIMA et al., 2020). 4 VEGETARIANISMO COM ENFOQUE NA SUSTENTABILIDADE AMBIENTAL Nossas escolhas alimentares são permeadas por uma necessidade fisiológica que tem por objetivo a manutenção da vida, mas também por questões sociais referentes a nossa cultura alimentar, a qual resulta da nossa história, de nossos antepassados e de quanto prazer aquele alimento/preparação nos proporciona. Para além das dimensões biológicas e sociais, nossas escolhas alimentares impõem uma pressão importante sobre o meio ambiente (COSTA; RODRIGUES, 2020). Melina, Craig e Levin (2016) enfatizam que as motivações que levam os indivíduos a adotarem uma dietavegetariana são várias, como a compaixão à vida animal, um desejo de proteger o meio ambiente, diminuir o risco de doenças crônicas ou ainda como 37 terapêutica para controle de doenças. Destaca ainda que uma dieta vegetariana bem planejada contendo vegetais, frutas, grãos integrais, legumes, oleaginosas e sementes podem promover uma nutrição adequada. Nesse contexto, o vegetarianismo vem sendo adotado como prática alimentar e estudado do ponto vista da saúde e do impacto ambiental. Melina, Craig e Levin (2016) definem o vegetarianismo como regime alimentar que exclui todos os tipos de carnes e pode ser assim classificado: a) ovolactovegetarianismo (ingere ovos, leite e derivados); b) Lactovegetarianismo (ingere leite e derivados, mas não consome ovos); c) Ovovegetarianismo (ingere ovos, mas não consome lacticínios); d) Veganismo (não ingere nenhum produto de origem animal e pode também excluir o mel); e) Veganismo baseado em alimentos crus (vegetais, frutas, oleaginosas e sementes, legumes e grãos germinados), a quantidade de alimentos crus varia de 75% a 100%. Magkos et al. (2020) salientam que o Guia Alimentar Europeu, publicado recentemente, recomenda a ingestão de uma dieta baseada em alimentos de origem vegetal e limitação do consumo dos de origem animal. Essa transição emerge como fator chave para sustentabilidade ambiental, no entanto, poucos países, como Brasil, Alemanha, Qatar e Suécia, têm introduzido o tema na agenda oficial. No Brasil, temos o Guia Alimentar para População Brasileira (BRASIL, 2014, p. 18) que aborda a questão da sustentabilidade ambiental, pois afirma que “Recomendações sobre alimentação devem levar em conta o impacto das formas de produção e distribuição dos alimentos sobre a justiça social e a integridade do ambiente, alimentação adequada e saudável deriva de sistema alimentar socialmente e ambientalmente sustentável”. Ao avaliar a atividade pecuária no Brasil é possível refletir e considerar que ela representa um impacto negativo sobre o meio ambiente, desde o deflorestamento de áreas para criação das pastagens, perda da biodiversidade, demanda alta por recursos hídricos, produção de gases de efeito estufa (metano), além da necessidade de combustíveis fósseis para o transporte dos produtos (COSTA; RODRIGUES, 2020). Vale lembrar que, por outro lado, a atividade pecuária emprega muitas pessoas e alimenta a população mundial e, portanto, é necessário pensar, estudar e implementar políticas públicas que apoiem a transição para um padrão alimentar que demande menor produção de alimentos de origem animal, sem causar desemprego e desabastecimento (FANZO; DAVIS, 2019; WILLETT et al., 2019). Quando se compara a demanda de recursos para produção de feijão e de carne bovina, de acordo com Sranacharoenpong et al. (2015), destaca-se que para produzir 1 kg de feijão requer 3,8 m2 de terra, 2,5 m3 de água, 39 g de fertilizante e 2,2 g de pesticida, por outro lado, a mesma quantidade de carne bovina requer 52 m2 de terra, 20,2 m3 de água, 360 g de fertilizante e 17,2 g de pesticida. Em resumo, a demanda de recursos para produção de carne bovina é maior em aproximadamente 8 a 14 vezes comparada à produção de alimentos de origem vegetal. 38 A revisão elaborada por Fresán e Sabaté (2019) evidenciou que a média de redução de gases de efeito estufa (GEE) de uma dieta padrão (com consumo de carne) para uma ovolactovegetariana foi de 35% e, para uma dieta vegana (vegetariano estrito) a diminuição foi de 49%. Sobre o uso do solo, há uma diminuição de 42% no padrão alimentar ovolactovegetariano e 49,5% no vegano; com relação ao emprego de recursos hídricos, há uma redução de 28% no padrão ovolactovegetariano e acerca do padrão alimentar vegano, os dados são bastantes variáveis e mais escassos, apenas um estudo indicou redução de 22%. As mesmas autoras concluem que há uma tendência à sustentabilidade ambiental na transição de um padrão alimentar omnívoro para um ovolactovegetariano e vegano, com exceção somente para o uso de recursos hídricos, além disso, o padrão vegetariano apresenta potencial para contribuir para solução do “trilema” dieta-meio ambiente-saúde. Existe uma urgência em mitigar os efeitos do sistema alimentar convencional sobre o meio ambiente, tendo em vista que ele contribui entre 19% e 29% para produção dos GEE. Para tanto, é preciso adotar um sistema sustentável que reduza o consumo de recursos hídricos, perda da biodiversidade e do solo, poluição dos corpos hídricos por agrotóxicos, além de combater o desperdício de alimentos, pois cerca de 1/3 da produção de alimentos é desperdiçado (VERMEULEN; CAMPBELL; INGRAM, 2012; COSTA; RODRIGUES, 2020). É preciso destacar que a transição para um modelo de sistema alimentar mais sustentável e justo requer políticas públicas, engajamento da sociedade, educação ambiental nas escolas etc. Ademais, é preciso refletir acerca dos trabalhadores e suas famílias que vivem da pecuária, a viabilidade dessa transição em países em desenvolvimento, o que incluí o Brasil, além da questão da cultura alimentar de determinadas regiões do nosso país, que tem por hábito a ingestão de carne, principalmente a bovina, como por exemplo a região sul. 5 REGRAMENTO DO USO DE AGROTÓXICOS NO BRASIL O Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (MAPA) define que os agrotóxicos (também denominados defensivos agrícolas, agroquímicos e pesticidas) são produtos químicos, físicos ou biológicos utilizados nos setores de produção agrícola, pastagens, entre outros, com o objetivo de alterar a composição química tanto da flora quanto da fauna a fim de preservá-las (BRASIL, 2021). Em adição, vale destacar que o seu uso está associado a problemas ambientais e de saúde em seres humanos, animais e plantas (BRASIL, 2018; OPAS, 2018; BRASIL, 2019b). No Brasil, a Lei no 7.802 de 11 julho de 1989, regulamentada pelo Decreto no 4.704 de 4 janeiro de 2002, dispõe sobre os agrotóxicos: 39 sobre a pesquisa, a experimentação, a produção, a embalagem e rotulagem, o transporte, o armazenamento, a comercialização, a propaganda comercial, a utilização, a importação, a exportação, o destino final dos resíduos e embalagens, o registro, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização de agrotóxicos, seus componentes e afins, e dá outras providências (BRASIL, 2002). No fim da década de 1990, foi conduzida pelo Ministério da Saúde a estrutura- ção da Vigilância em Saúde Ambiental (VSA) com vistas à atuação nas seguintes áreas: qualidade da água para consumo humano, qualidade do ar, solo contaminado, con- taminantes ambientais e substâncias químicas, desastres ambientais, acidentes com produtos perigosos etc. Sobre os agrotóxicos, a Coordenação-Geral de Vigilância em Saúde Ambiental (CGVAM) estruturou a Vigilância em Saúde de Populações Expostas a Agrotóxicos (VSPEA), com o objetivo de adotar medidas integradas de prevenção dos fatores de risco, promoção à saúde, assistência e vigilância (BRASIL, 2018). Atualmente, a regulamentação do uso de agrotóxicos é conduzida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), o Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (IBAMA) e pelo MAPA (MORAES, 2019). Em 2014, foi registrada no Sistema de Informações de Agravos de Notificação (Sinan) a maior incidência de notificação de intoxicações por agrotóxicos no Brasil: 6,26 casos para cada 100 mil habitantes (Figura 9) (BRASIL, 2018). FIGURA 9 – COMERCIALIZAÇÃO DE AGROTÓXICOS E INCIDÊNCIA DA NOTIFICAÇÃO DE INTOXICAÇÕES POR AGROTÓXICOS NO BRASIL (2007-2014) FONTE: Adaptada de Brasil (2018, p. 26) 40 Os estados que mais notificaram casos de intoxicação por agrotóxicos, no período entre 2007 e 2015, foram São Paulo (15.042 casos), Minas Gerais (13.013 casos), Paraná (12.988 casos) e Pernambuco (6.888 casos). O Acre (23 casos) foi o estado que menos notificou, seguido pelo Amapá (38 casos). Vale destacar que, apesar da melhora no processo denotificação, a subnotificação é historicamente expressiva na federação, principalmente de intoxicações crônicas (BRASIL, 2018). A exposição a agrotóxicos pode causar quadros de intoxicação leve, moderada ou grave, a depender da quantidade do produto absorvido, do tempo de absorção, da toxicidade do produto e do tempo decorrido entre a exposição e o atendimento médico (BARBOSA et al., 2014). Alergias; distúrbios gastrintestinais, respiratórios, endócrinos, reprodutivos e neurológicos; neoplasias; mortes acidentais; suicídios; são algumas das consequências observadas a partir da intoxicação por agrotóxicos. Os mais vulneráveis são os trabalhadores agrícolas, os aplicadores de agrotóxicos, as crianças, as mulheres em idade reprodutiva, as grávidas e as lactantes, os idosos e indivíduos com vulnerabilidade biológica e genética (BARBOSA et al., 2014). O Brasil é dos maiores produtores da área agropecuária no mundo e é o segun- do maior exportador desses produtos, que além de movimentar o mercado internacio- nal, emprega e gera dividendos também na economia local. Tal produção utiliza inten- samente sementes transgênicas e insumos químicos, como fertilizantes e agrotóxicos, tendo em vista, o modelo pautado no agronegócio, monocultivo e sistema alimentar convencional e não sustentável (PIGNATI et al., 2017). A extensão de área de plantio no Brasil é grande, sendo assim, tal característica fez com que o país se tornasse o maior consumidor de agrotóxicos no mundo, além dos cultivos transgênicos, do aumento incontrolável de pragas nas lavouras, créditos agrícolas e isenção de impostos fiscais para aquisição de insumos agrícolas. Nesse cenário, o país não investiu na vigilância e controle do uso de agrotóxicos e nem em uma política pública voltada para redução do seu uso e incentivo à produção agroecológica (CARNEIRO et al., 2015; PIGNATI et al., 2017). As áreas de monocultivos são pulverizadas com agrotóxicos por meio de tratores e aviões, os quais não atingem somente as “pragas” das plantações, mas contaminam também o solo, as águas superficiais, o ar e os alimentos. Essa forma de manejo propicia risco alto de contaminação do meio ambiente, trabalhadores e suas famílias, animais e consumidores dos produtos que serão comercializados, dificultando ações de Vigilância em Saúde (OLIVEIRA, 2014; PIGNATI et al., 2017). 41 Pignati et al. (2017) destacaram que o cultivo da soja, do milho e da cana-de- açúcar correspondeu a 76% de toda a área cultivada no Brasil no ano de 2015. O cultivo da soja predominou (42%), seguida da do milho (21%) e da cana-de-açúcar (13%). A soja foi a cultura que mais utilizou agrotóxicos no Brasil, totalizando 63%, milho, 13% e cana- de-açúcar, 5%. Os mesmos autores analisaram o uso de agrotóxicos em litros por hectare, assim o fumo foi o cultivo que mais utilizou, 60 L/ha, o algodão ficou em 2º lugar com 28,6 L/ha, seguido dos cítricos (laranja, tangerina e limão), 23 L/ha, tomate (20 L/ha), soja (20 L/há), uva (12 L/ha), banana (10 L/ha), arroz (10 L/ha), trigo (10 L/ha), mamão (10 L/ha), milho (7,4 L/ha) e girassol (7,4 L/ha). Os estados do Mato Grosso, Paraná e Rio Grande do Sul foram os que mais utilizaram agrotóxicos, 207 milhões de litros, 135 milhões de litros e 134 milhões de litros, respectivamente. Houve correlação positiva entre coeficientes de saúde e ambiental, sinalizando que conforme aumento o consumo de agrotóxicos cresce o coeficiente de intoxicação aguda, subaguda (malformação fetal) e crônica (câncer infanto-juvenil) (PIGNATI et al., 2017). Os 20 princípios ativos mais utilizados no Brasil e os tipos de agrotóxicos (herbicidas, fungicidas e inseticidas) entre 2012 e 2016 estão demonstrados no Quadro 4. De acordo com o grau de toxicidade, 15% são extremamente tóxicos, 35% medianamente tóxicos e 25% são pouco tóxicos para seres humanos (PIGNATI et al., 2017). QUADRO 4 – OS PRINCÍPIOS ATIVOS E OS TIPOS DE AGROTÓXICOS MAIS UTILIZADOS NO BRASIL ENTRE 2012 e 2016 Princípios ativos Tipo de agrotóxico Glifosato Herbicida Clorpirifós Inseticida 2,4-D Herbicida Atrazina Herbicida Óleo mineral Adjuvante Mancozebe Fungicida Metoxifenozida Inseticida Acefato Inseticida Haloxifope-P-Metílico Herbicida Lactofem Herbicida FONTE: Adaptado de Pignati et al. (2017) 42 O estudo sobre as consequências do uso de agrotóxicos relacionadas à saúde dizem respeito à intoxicação aguda, incidência de malformação fetal (intoxicação subaguda) e mortalidade por câncer infanto-juvenil (intoxicação crônica). Na pesquisa desenvolvida por Pignatti et al. (2017), identificou-se correlação positiva entre o indicador ambiental e os de saúde, ou seja, conforme se eleva o consumo de agrotóxicos, crescem também os coeficientes de intoxicação aguda, subaguda e crônica. Amoatey et al. (2020) afirmam em sua revisão que há limitação nos estudos clínicos e epidemiológicos acerca dos efeitos de pesticidas (agrotóxicos), em modelos de produção que emitem gases de efeito estufa, sobre a saúde dos trabalhadores rurais. Desordens reprodutivas, sintomas respiratórios e irritações na pele são os efeitos mais referidos por esses trabalhadores. Vale destacar que o glifosato, o herbicida mais aplicado nas safras mundiais e no Brasil, estimulou a disseminação de ervas daninhas tolerantes e resistentes, que por sua vez, suscita aplicações mais frequentes e doses mais altas (BENBROOK, 2016; VAN BRUGGEN et al., 2018). Nesse cenário, Gillezeau et al. (2019) evidenciaram que há escassez de dados acerca da exposição ocupacional, para-ocupacional (alimento, água, poeira de casas de indivíduos que não trabalham na lavoura) e ambiental (solo, poluição de corpos hídricos etc.) dos indivíduos expostos ao glifosato. Uma pequena quantidade aplicada de glifosato atende o objetivo de controlar as ervas daninhas, em contrapartida, grande parte fica depositado e compromete a fertilidade do solo, poluí os corpos hídricos e consequentemente ameaça a vida vegetal, animal e humana (SINGH et al., 2020). Os manuais e normas brasileiros direcionam a responsabilização do “uso segu- ro” de agrotóxicos aos trabalhadores rurais, uma vez que, por exemplo, a Andef, Asso- ciação Nacional de Defesa Vegetal, afirma que produz-se alimentos saudáveis com o uso de agrotóxicos e recomenda o seu “uso seguro” a partir de manuais que esclarecem regras de aquisição, transporte, armazenamento, preparo e aplicação, destino final de embalagens vazias e lavagem de roupas/EPI (Equipamentos de Proteção Individual) contaminados (ABREU; ALONZO, 2014). Nesse cenário, não há consideração sobre a toxicidade dos produtos e modelos alternativos ao convencional para produção de ali- mentos adotado no Brasil, ou seja, não há uma política pública efetiva para reduzir e mitigar o uso de agrotóxicos e nem o incentivo à pesquisa de qualidade para apoiar o processo de redução de danos e transição para um modelo mais sustentável. Abreu e Alonzo (2014) destacam, a partir de sua revisão, que o “uso seguro” de agrotóxicos, por meio de recomendações publicadas em manuais não tem sido suficiente para garantir a proteção da saúde dos agricultores brasileiros e controle dos riscos envolvidos na utilização de agrotóxicos, desde a aquisição até o descarte de embalagens e lavagem de roupas/EPI. 43 Desde 2019, o governo federal brasileiro liberou o uso de 551 tipos de agrotóxi- cos, reclassificou a toxicidade para baixo de alguns produtos, e regularizou que caso um pedido de registro não seja avaliado em 60 dias, o produto é automaticamente liberado, por meio da portaria no 43, publicada em 27 de fevereiro de 2020 pelo Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento/Secretaria de Defesa Agropecuária. Essas mu- danças nos regramentos norteiam para uma política de desmonte da legislação e de programas, como o de Avaliação de Resíduo de Agrotóxicos em Alimentos (PARA), além da perda de espaço para política de redução do uso e de taxação de agrotóxicos con- forme a sua toxicidade (ABRASCO,2020). Para que possamos ter mais informações acerca do que compramos, comemos e descartamos, é preciso que a regulação do uso de agrotóxicos tenha as seguintes premissas: a) manter separação de poderes no registro de agrotóxicos, divididos em estímulo à agricultura, à saúde pública e ao meio ambiente; b) ampliar a presença de grupos da sociedade civil e experts em discussões, comitês e processos decisórios, especialmente das áreas de direito do consumidor, do meio ambiente, da saúde pública e de trabalhadores rurais; c) manter garantias para a liberdade de expressão, de forma que setores mais frágeis e a mídia possam apontar eventuais conluios entre regulados e reguladores etc. (MORAES, 2019). Caro acadêmico! Você sabia que no dia 25 junho de 1998, na cidade dinamarquesa de Aarthus, durante a 4ª Conferência Ministerial “Ambiente para a Europa” foi elaborada a Convenção de Aarthus, a qual empodera cidadãos europeus acerca do direito ao acesso à informação, participação do público no processo de tomada de decisão e acesso à justiça em matéria de meio ambiente. Ela é uma convenção inovadora, pois estabelece relações entre os direitos ambientais e os direitos humanos, assumindo que o desenvolvimento sustentável só poderá ser alcançado com engajamento de todos os cidadãos em um contexto democrático. Acesse na íntegra em: https://bit.ly/2YzD0jh. DICAS 44 PERCEPÇÃO DOS CONSUMIDORES BRASILEIROS FRENTE AOS ALIMENTOS ORGÂNICOS: UM ESTUDO EXPLORATÓRIO ACERCA DOS ATRIBUTOS, BENEFÍCIOS E BARREIRAS Bruna Jungles Ferreira Ender da Silva Mota Sheila Farias Alves Garcia O crescimento do consumo de produtos orgânicos exige esforços cada vez maiores dos diversos elos da cadeia produtiva, como o aumento do volume produzido, a ampliação do sortimento, a adoção desses produtos por diferentes canais de venda, a melhoria do funcionamento das cadeias de suprimento e a organização de importação e exportação, a fim de equilibrar, com maior flexibilidade, a oferta e a demanda domésticas. O comportamento do consumidor varia entre regiões e países, fazendo com que, em cada local, fatores distintos se sobressaiam no que tange aos estímulos para a compra de alimentos orgânicos. Entretanto, grande parte das descobertas oriundas de pesquisas realizadas com consumidores indica uma convergência dos principais fatores para a compra desses alimentos, dentre os quais se destacaram as questões relacionadas à saúde, à nutrição e à segurança alimentar, a preocupação com o meio ambiente, o bem-estar animal e os impactos gerados pela produção, além dos estímulos à economia local e à sustentabilidade. Quanto aos fatores detentores do consumo, salientam-se o alto preço dos orgânicos quando comparados aos produtos convencionais, o marketing insuficiente, a falta de disponibilidade, ou seja, o merchandising ainda frágil, a crise de confiança acerca dos selos de certificação, dos rótulos de produtos e do sistema produtivo, e a satisfação com a atual fonte de alimentos. De caráter exploratório e abordagem qualitativa, este estudo objetivou compreender a percepção dos consumidores brasileiros em relação aos alimentos orgânicos, tendo em mente a importância dessa informação para o aumento da eficiência das ações de marketing promovidas pelos diversos agentes da cadeia de orgânicos, no que concerne à segmentação de mercado, à diferenciação de produtos, ao desenvolvimento de novos produtos e ao branding. Para isso, a pesquisa buscou explorar o significado de alimentos orgânicos sob o prisma do consumidor, investigando quais são os atributos percebidos pelos entrevistados como favoráveis e desfavoráveis ao consumo. Além disso, buscou-se evidenciar quais são os benefícios que os consumidores esperam receber dessa categoria de alimento e identificar quais são as barreiras que impedem o crescimento do consumo. LEITURA COMPLEMENTAR 45 Para a consecução desses objetivos, o presente artigo subdividiu-se em quatro partes, além desta introdução. Primeiramente foi apresentada uma breve revisão da literatura sobre o consumo de alimentos orgânicos, bem como sobre os atributos, be- nefícios e barreiras. Em seguida descreveu-se a trajetória metodológica adotada pelo estudo. Depois disso foram apresentados e discutidos os principais resultados da inves- tigação empírica (entrevistas em profundidade) realizada. Por fim, o artigo apresentou as conclusões do estudo, suas limitações e sugestões para trabalhos futuros. Os resultados sugeriram que a definição de alimentos orgânicos ainda não está claramente instalada nas percepções dos consumidores e que existem muitas crenças e confusões acerca do conceito. Quanto aos atributos favoráveis ao consumo, destacaram-se a superioridade dos orgânicos em relação aos convencionais em uma série de aspectos, como sabor, qualidade e benefícios gerados, enquanto, no que se refere aos atributos desfavoráveis, salientaram-se o preço, a perecibilidade e as variações físicas. Em relação às barreiras para o consumo, foram sinalizadas diversas questões relativas à distribuição e ao varejo, como a dificuldade de acesso, a baixa variedade de produtos e o pequeno espaço por eles ocupado nas gôndolas dos supermercados. Além disso, observou-se uma forte associação dos orgânicos aos alimentos primários, como verduras, legumes e frutas, sendo desconsiderados os alimentos processados e industrializados. Recomenda-se que estudos futuros realizem investigações aprofundadas, utilizando amostras mais robustas, buscando investigar se as barreiras ao consumo, evidenciadas neste trabalho, são representativas dentro da população brasileira. Além disso, pesquisas quantitativas poderiam averiguar quais as crenças relacionadas aos alimentos orgânicos, a serem desmistificadas frente aos consumidores. FONTE: Adaptada de <https://www.brazilianjournals.com/index.php/BRJD/article/view/3843/3636>. Acesso em: 29 jul. 2021. 46 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • A agricultura convencional causa maiores impactos ao meio ambiente do que o modelo agroecológico. • A escala de produção comercial dos alimentos, incluindo quantidade vultuosa de produtos e a rapidez no processo de distribuição contribuem para a insustentabilidade do processo. • A alimentação contemporânea tornou-se insustentável, pois ocasiona perda do solo (monoculturas, salinização) e das florestas (prática da agricultura e pecuária) e dos corpos hídricos. • A criação de bovinos no Brasil favorece a produção dos gases de efeito estufa (GEE), gás metano emitido pela fermentação entérica dos bovinos, o óxido nitroso emitido pelos dejetos dos animais e por fim, o dióxido de carbono trocado pelo solo e vegetação. • Na produção agroecológica há preocupação com todo o sistema alimentar (produ- ção, processamento, comercialização, consumo e descarte), com ênfase no consu- mo de produtos locais e na sazonalidade, além de fomentar a equidade social, por meio de políticas públicas que visam a aproximação do pequeno produtor com o consumidor final. • A troca de alimentos de origem animal por vegetal é particularmente efetiva em países de alta renda para melhorar o nível de nutrientes consumido, reduzir a mortalidade prematura, diminuir alguns impactos ambientais, em particular, a emissão de GEE. • Os sistemas agrícolas de base ecológica ou agricultura alternativa/sustentável, são baseadas na produção natural e integrada ao meio ambiente, com redução no uso de insumos e na preferência por recursos locais. • A agricultura ecológica une dois temas “urgentes” à população mundial que são padrão de alimentação saudável e ao mesmo tempo sustentável. • A preservação do solo, a qualidade da produção e a sustentabilidade ecológica, são alicerces da produção agroecológica. 47 RESUMO DO TÓPICO 2 • Os produtos orgânicos que apresentam o selo federal devem conter 95% de ingre-dientes orgânicos, os outros 5% devem ser identificados e estar dentro das regras de produção orgânica, sendo que o usode agrotóxicos é terminantemente proibido. • O vegetarianismo é classificado em: a) ovolactovegetarianismo (ingere ovos, leite e derivados); b) Lactovegetarianismo (ingere leite e derivados, mas não consome ovos); c) Ovovegetarianismo (ingere ovos, mas não consome lacticínios); d) Veganismo (não ingere nenhum produto de origem animal e pode também excluir o mel); e) Veganismo baseado em alimentos crus (vegetais, frutas, oleaginosas e sementes, legumes e grãos germinados), a quantidade de alimentos crus varia de 75% a 100%. • A adoção de uma dieta vegetariana ou redução do consumo de carne contribuem para redução de emissão de gases de efeito estufa, deflorestamento, utilização de combustíveis fósseis etc. • Os agrotóxicos (também denominados defensivos agrícolas, agroquímicos e pesticidas) são produtos químicos, físicos ou biológicos utilizados nos setores de produção agrícola, pastagens, entre outros, com o objetivo de alterar a composição química tanto da flora quanto da fauna a fim de preservá-las. • O Brasil é um dos países que mais utiliza agrotóxicos no mundo, além não ter controle de regramento do uso baseado em evidências científicas acerca da segurança e dos possíveis efeitos sobre a saúde dos animais, plantas, seres humanos e meio ambiente. • O glifosato, um herbicida utilizado para controle ervas daninhas em cultivos de transgênicos (soja, milho, canola), é o agrotóxico mais utilizado no Brasil e o seu emprego disseminado gera tolerância e resistência, o que suscita aplicações mais frequentes e em doses cada vez mais altas. 48 1 A sustentabilidade alimentar é um tema transversal e global, uma vez que, produzir alimentos gera impactos ambientais, no entanto, o modelo convencional produz mais danos para todo o ecossistema do que o agroecológico. Nesse contexto, analise as sentenças a seguir: I- Os impactos gerados pela agricultura convencional são perda do solo, das florestas, contaminação de corpos hídricos, formação de gases de efeito estufa, uso de agrotóxicos e combustíveis fósseis etc. II- A alimentação sustentável alicerça-se em todo o sistema alimentar desde a produção até a geração de resíduos e desperdício alimentar. III- A introdução de sistemas alimentares equilibrados com as florestas, a utilização de espaços urbanos vazios para produção de alimentos e o processo de recolhimento seletivo de resíduos, integram parte da sustentabilidade alimentar. IV- A agricultura convencional em países em desenvolvimento preconiza a equidade social, além de produzir alimentos em larga escala, os quais reduzem significativamente a fome no mundo. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas I, III e IV estão corretas. b) ( ) Somente as assertivas I, II e III estão corretas. c) ( ) Somente a assertiva II e IV estão corretas. d) ( ) Todas as assertivas estão corretas. 2 A produção de alimentos orgânicos (AO) faz parte do modelo agroecológico, o qual se caracteriza por uma produção natural e integrada ao meio ambiente. A produção de AO vem crescendo no Brasil, mas ao mesmo tempo enfrenta uma série de desafios. Sobre esse assunto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) A quantidade, a distribuição e a comercialização no varejo são alguns dos problemas enfrentados pelos trabalhadores rurais que adotam um modelo agroecológico. b) ( ) A agricultura familiar tem as mesmas condições de produção, distribuição e comercialização quando comparada aos grandes produtores de soja e de milho. c) ( ) Há uma política pública efetiva, envolvendo as esferas federal, estadual e municipal, que ampara e incentiva a produção de alimentos orgânicos no Brasil. d) ( ) Apesar de todos os desafios para produção e comercialização de AO, o Brasil é o maior produtor mundial. AUTOATIVIDADE 49 3 O uso de agrotóxicos nos remete ao modelo de produção de alimentos pautado nas grandes extensões de terra que se destinam à monocultura, ao elevado processamento dos alimentos e ao consumo não sustentável. Diante desse cenário, analise as sentenças: I- No Brasil, desde 2019, vem ocorrendo um aumento expressivo da liberação de agrotóxicos, reclassificação do nível de toxicidade para baixo e flexibilização do regramento. II- O glifosato é um dos agrotóxicos mais utilizados no Brasil, trata-se de um herbicida que elimina ervas daninhas das plantações, principalmente de transgênicos, como o cultivo de soja, milho e canola. III- Os trabalhadores que manipulam esses compostos, mas também indivíduos que não manipulam agrotóxicos, animais, plantas, solo, água e ar podem ser contaminados, mesmo que sejam seguidos todos os protocolos de segurança. IV- Os riscos à saúde com o uso de agrotóxicos incluem: irritações na pele, desordens reprodutivas, sintomas respiratórios etc. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas II e III estão corretas. b) ( ) Somente as assertivas I e IV estão corretas. c) ( ) Somente as assertivas I, II e III estão corretas. d) ( ) Todas as assertivas estão corretas. 4 A incidência alta de Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT) é um desfaio para a área de saúde pública no Brasil e no mundo, uma vez que esses agravos à saúde representam redução na qualidade de vida e pressão sobre os serviços de saúde. Considerando essa premissa é possível refletir sobre alimentação sustentável e ao mesmo tempo saudável? Justifique sua resposta. 5 O padrão alimentar vegetariano vem sendo estudado com enfoque na saúde e no impacto sobre o meio ambiente e dentro desse padrão há várias características, como os indivíduos que seguem um padrão que inclui lacticínios e ovos até os que não consomem alimentos de origem animal. Diante do excerto, explique como a adoção de um padrão alimentar vegetariano ou a redução no consumo diário de carne impacta o meio ambiente? 50 REFERÊNCIAS ABRASCO – ASSOCIAÇÃO BRASILEIRA DE SAÚDE COLETIVA. Nota sobre a liberação automática de agrotóxicos, 2020. Disponível em: https://www.abrasco.org.br/site/ noticias/posicionamentos-oficiais-abrasco/nota-sobre-a-liberacao-automatica-de- agrotoxicos/45451/. Acesso em: 16 maio 2021. ABREU, P. H. B.; ALONSO, H. G. A. Trabalho rural e riscos à saúde: uma revisão sobre o “uso seguro” de agrotóxicos no Brasil. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 19, n. 10, p. 4197-4208, 2014. ALMEIDA, G. C. S.; LAMOUNIER, W. M. 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TÓPICO 1 – CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO, SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E CONFLITO DE INTERESSES TÓPICO 2 – DESINFORMAÇÃO NA ÁREA DA NUTRIÇÃO Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 62 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 2! Acesse o QR Code abaixo: 63 TÓPICO 1 — CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO, SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS E CONFLITO DE INTERESSES UNIDADE 2 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, na atualidade, uma discussão recorrente e acalorada sobre temas importantes no que diz respeito à pandemia da COVID-19 fez emergir conceitos importantes para o entendimento sobre a prevenção e o tratamento dessa doença que já ceifou muitas vidas no Brasil e no mundo. Vieram à tona questionamentos sobre o que é conhecimento científico, como ele é produzido, o que são evidências científicas e o que é saúde baseada em evidências científicas. Paradoxalmente, esses questionamentos estão em evidência por conta de uma avalanche de desinformação, ou seja, de fake news, a qual também contribuiu para o adoecimento e óbito da população mundial, além da própria infecção causada pelo vírus SARS-CoV-2. Na área da Nutrição existem exemplos de desinformação, portanto, estudar e aprofundar seus conhecimentos sobre esse tema lhe auxiliará a assumir uma postura de criticidade acerca do tratamento nutricional, de conteúdos disseminados pelas redes sociais, além de identificar indícios de informações imprecisas ou falsas. Com a meta de desenvolver o seu crítico, essa unidade irá discorrer sobre o conceito de conhecimento científico, de que forma ele é construído e como deve alicerçar a atuação do profissional da área da saúde, evitando assim que os pacientes sejam expostos a tratamentos sem eficácia, os quais impedem sua recuperação plena e podem demandar custo alto. Perpassando o conhecimento científico e a saúde baseada em evidências, há o conflito de interesses. Você já ouviu falar sobre? Esse é um tema bastante relevante que diz respeito à pesquisa e publicação de artigos científicos, à publicidade de alimentos, à conduta do nutricionista no atendimento em consultórios, hospitais etc. O conflito de interesses pode distorcer dados de pesquisa, comprometer a atuação profissional, expor pacientes a tratamentos sem eficácia comprovada e que ofereçam riscos à saúde. 64 2 CONSTRUÇÃO DO CONHECIMENTO CIENTÍFICO O conhecimento científico baseia-se na testagem de hipóteses, se constrói e reconstrói ininterruptamente por meio de um método e se consolida a partir de evidências científicas. O método científico envolve observação, elaboração de hipótese, experimentação, análise criteriosa de dados e conclusão (LIMA; MIOTO, 2007). Vale destacar que há uma diferença importante entre o conhecimento científico e o senso comum (conhecimento popular e culturalmente aceito), o qual ancora-se na ausência de testagem, de verificação e de análise metodológica, características essas não observadas no senso comum e que diminuem a sua confiabilidade. Ao mesmo tempo, é preciso pensar igualmente, que como o conhecimento científico é produzido por seres humanos, ele também é falível e, portanto, demanda análise criteriosa e rigorosa (SOUSA, 2006). A cultura e o meio ambiente exercem influência sobre o conhecimento científico, uma vez que o conhecimento é gerado por seres humanos inseridos em uma organização social, dessa forma, em um determinado contexto traz a reboque as idiossincrasias dos produtores (cientistas) e as limitações impostas pelo meio (políticas públicas de incentivo à pesquisa, recursos financeiros, operacionais, tecnológicose de acesso à informação) (SOUSA, 2006; LIMA; MIOTO, 2007). A expressão do conhecimento pode ser de forma tácita ou explícita. A primeira se dá nas relações entre os cientistas e está atrelada à experiência e competência do pesquisador, enquanto a explícita está formalizada ou estruturada na publicação/ divulgação por meio de artigos, revistas, manuais, bases de dados, portais de conhecimento (BENNETT, 2001; POPADIUK; SANTOS, 2010). Os artigos científicos caracterizam-se por uma formalização do conhecimento científico elaborado pelo(s) autor(es), os quais são publicados em periódicos científicos, que são de domínio público. Os periódicos adotam o procedimento de revisão por pares (avaliação de especialistas), uma vez que, ao enviar sua pesquisa, o autor receberá um parecer de revisores, que podem aprovar, desaprovar ou solicitar ajustes para que o trabalho seja publicado (PEREIRA, 2012). Em caso de divulgação adequada, Pereira (2012) destaca que o artigo poderá ser lido, citado e utilizado por profissionais da área da saúde em suas atividades diárias, além de viabilizar a elaboração de diretrizes, consensos acerca de medidas preventivas, de tratamentos de doenças etc. Ao mesmo tempo, há o que se denomina literatura cinzenta, a qual incluem teses e trabalhos para progressão na carreira em todos os níveis da educação superior, informes técnicos ou institucionais e publicações locais ou de pobre ou nula distribuição, escritas majoritariamente, mas nem sempre, em idiomas distintos ao inglês, o qual é consolidado como idioma científico universal. Pode ser produzida no âmbito governamental, acadêmico, comercial ou da indústria (SALES; ALMEIDA, 2007). 65 3 SAÚDE BASEADA EM EVIDÊNCIAS CIENTÍFICAS Na década de 1970, o epidemiologista Archibald Cochrane preconizou que as pesquisas norteassem as diretrizes para prática clínica a fim de elevar a efetividade na aplicação dos recursos do sistema de saúde do Reino Unido e evitar desperdícios. Com isso, origina-se a Medicina Baseada em Evidência (MBE) (CANUTO, 2018). O desenvolvimento metodológico da proposta da MBE foi idealizado pelos professores Gordon Guyatt, David Sackett e David Eddy, na década de 1980, que definiram a MBE em “uso cuidadoso, explicito e sábio das melhores evidências científicas existentes na tomada de decisões sobre o cuidado de pacientes” (CANUTO, 2018). Nesse contexto, a Saúde Baseada em Evidências (SBE) expande-se para outras áreas da saúde, como a Nutrição, Enfermagem, Farmácia e Saúde Pública, incluindo profissionais que atuam da gestão até a assistência e da atenção primária (Unidades Básicas de Saúde) até a terciária (Hospitais) (CANUTO, 2018). O termo “nutrição baseada em evidências (NBE) ou prática baseada em evidên- cias na nutrição (PEN) surgiu recentemente e pode ser definida como a adoção das me- lhores evidências científicas disponíveis, sistematicamente reunidas, na tomada de de- cisão na prática clínica e no contexto das políticas públicas (população) (BAUER, 2019). Para efeitos didáticos, será discutido aqui a SBE que Canuto (2018) conceitua como uma abordagem que utiliza as ferramentas da Epidemiologia Clínica, da Estatística, da Metodologia Científica, da Informática e dos Sistemas de Informação aplicadas à pesquisa, a fim de avaliar e reduzir as incertezas na tomada de decisão em saúde e evitar que um tratamento seja implementado baseado em opiniões e crenças. A SBE resulta da melhor evidência científica aplicada na prática clínica e visa oferecer o que há de melhor para avaliação de tecnologia de diagnóstico; elaboração de protocolos de diagnóstico e manejo clínico; adequação de tratamentos às circunstâncias e ao risco-benefício para o paciente; e elaboração de políticas públicas (PERES; PERES, 2010; CANUTO, 2018). Eficácia, eficiência e efetividade nas ações, serviços e políticas públicas, além do tratamento instituído, são atributos avaliativos fundamentais que conferem benefí- cios ao paciente/população. A eficácia diz respeito ao alcance do objetivo, o qual é afe- rido por estudos metodológicos rigorosos, em ambiente controlado, de pesquisa; o grau de eficácia que a medida (que pode ser um tratamento, uma política pública etc.) atinge é denominado de efetividade; e por fim, a relação custo-benefício da medida chama-se de eficiência (PERES, PERES, 2010). 66 Nesse cenário, é importante destacar que há duas classificações importantes no que se refere aos fundamentos da pesquisa, denominadas de pesquisa qualitativa e quantitativa (BUSNELLO; REPPOLD, 2018). A pesquisa qualitativa lança um olhar sobre as palavras e falas/discursos ao invés de números. Ela é mensurada por meio da busca de significados que os indivíduos atribuem a suas experiências, incluindo crenças, valo- res, atitudes e hábitos, se propõe a explicar os fenômenos sociais por meio da observa- ção direta e participante; de entrevistas; de grupos focais; de conversas informais; e de análises de textos ou de discursos (TURATO, 2005; BUSNELLO; REPPOLD, 2018). Por outro lado, mas não significando que as modalidades não possam interagir, a pesquisa quantitativa compreende estudos experimentais ou observacionais a fim de resolver problemas e, para tanto, emprega a estatística como ferramenta para análise de dados. Na área da saúde, em nível internacional, é a forma de fazer pesquisa predominante (DESLANDES; ASSIS, 2002; TURATO, 2005; FAYH, 2018). Com enfoque na pesquisa quantitativa, se pode questionar como a eficácia e a efetividade de um tratamento são avaliadas? No contexto da Nutrição Clínica, por exemplo, pode-se questionar se a adoção de um determinado padrão alimentar específico pode prevenir e/ou tratar as doenças cardiovasculares. Sendo assim, esse padrão alimentar não deve só mostrar que faz mais bem do que mal aos indivíduos que o adotam (eficazes), mas também fazer mais bem do que mal para aqueles aos quais é recomendado (efetiva). Para avaliar a eficácia do padrão alimentar, é interessante incluir na pesquisa somente pacientes que provavelmente irão aderir ao tratamento. A aderência ao tratamento significa quantas pessoas seguiram a orientação profissional. A efetividade prática é demonstrada a partir do estudo do desfecho, ou seja, o que ocorreu com os indivíduos para os quais o tratamento foi orientado (PERES; PERES, 2010). Na prática, inicia-se com um questionamento a fim de resolver um problema, por exemplo: a adoção do padrão alimentar do Mediterrâneo previne o aparecimento de doenças cardiovasculares? A redução do consumo de carne vermelha reduz riscos de doenças cardíacas? A oferta de uma dieta rica em proteínas melhora a cicatrização de pacientes adultos queimados? Peres e Peres (2010) esclarecem que, para evidenciar a qualidade da evidência científica, classificam-se os estudos com delineamento excelente (alto rigor metodológico) até os com rigor científico mais frágil (baixo rigor metodológico). Assim, considera-se: • Ensaio Clínico Randomizado (ECR) de alta qualidade ou revisão sistemática de en- saios clínicos randomizados bem delineados e múltiplos. 67 • ECR ou Revisão Sistemática de menor qualidade. Estudos observacionais de quali- dade (coortes e caso-controles aninhado em coortes) ou revisão sistemática destes estudos. • Ensaio Clínico Não-Randomizado. Estudo de casos e controles. • Estudos Experimentais não comparados e demais estudos observacionais. • Fóruns de Especialistas e Autoridades respeitadas baseados em evidências clínicas ou estudos descritivos. Mota e Kuchenbecker (2020) complementam as afirmações de Peres e Peres (2010), apresentando a pirâmide de evidências científicas aplicada a diferentes doenças com tratamentos comprovados considerando a eficácia e a segurança. Os estudos controlados randomizados e duplo cego estão no topo da hierarquia, seguidos dos controlados randomizados; passando por estudos de coorte; caso- controle; série e relatos de casos; estudos em animais, ideias, editoriais e opiniões; e por últimona base, os estudos 2 (MOTA; KUCHENBECKER, 2020). FIGURA 1 – MODELO TRADICIONAL DE PIRÂMIDE DAS EVIDÊNCIAS APLICADO A DIFERENTES DOENÇAS COM TRATAMENTOS COMPROVADOS EM TERMOS DE SEGURANÇA E EFICÁCIA FONTE: Adaptada de Mota e Kuchenbecker (2020, p. 4) Para iniciar uma seleção de artigos científicos é preciso determinar os termos de busca ou palavras-chave. Para tanto, há dicionários de termos on-line que auxiliam nessa etapa, com destaque para os Descritores em Ciências da Saúde (DeCS), o qual uniformiza os termos de busca em três idiomas, português, inglês e espanhol (Figura 2). Por exemplo, dietoterapia é uma palavra-chave encontrada no DeCS. 68 FIGURA 2 – DESCRITORES EM CIÊNCIA DA SAÚDE FONTE: <https://decs.bvsalud.org/>. Acesso em: 9 jun. 2021. As bases de dados são onde se localizam as revistas e seus respectivos artigos, algumas disponibilizam somente o resumo do trabalho e exigem pagamento para que o leitor possa ler todo o artigo, outras disponibilizam o texto na íntegra sem custo (MORAES; BELLI, 2018). As principais bases de dados são Scientific Electronic Library On-line (SciELO), Literatura Latino-americana e do Caribe em Ciências da Saúde (LILACS) – base voltada para busca de artigos publicados na América Latina e Caribe; The National Library of Medicine (PubMed) – base voltada para estudos na área de biomedicina e ciências da vida publicados em sua maioria em inglês, ScienceDirect (Elsevier) – base com livros e periódicos revisados e publicados em inglês; Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES periódicos) – base com textos completos e livros; Cochrane – inclui textos completos, ensaios clínicos, revisões sistemáticas etc. (MORAES; BELLI, 2018). Com o intuito de classificar as revistas de acordo com cada área, os Periódicos Qualis Capes enquadram os títulos em estratos de qualidade, sendo eles, A1, o mais elevado, seguido de A2, A3, A4, B1, B2, B3, B4, B5 e C (CODATO, 2019). A consulta é feita pela plataforma Sucupira, ferramenta on-line do Sistema Nacional de Pós- Graduação através do endereço https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/ consultas/coleta/veiculoPublicacaoQualis/listaConsultaGeralPeriodicos.jsf. A Revista de Nutrição trata-se de uma publicação editada pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências da Saúde do Centro de Ciências da Vida da Pontifícia Católica de Campinas-SP e que pode ser acessada na base de dados SciELO e LILACS, é classificada como B3, de acordo com a área de avaliação da CAPES, na qual a Nutrição pertence, denominada Medicina 2 (BRASIL, 2019). https://www.scielo.br/ 69 Nas revistas científicas, afirmam Ferreira e Patino (2016), é possível encontrar diferentes trabalhos de acordo com o tema que se deseja pesquisar e com diferentes metodologias para obtenção dos dados. No topo da hierarquia está o ensaio clínico randomizado duplo cego. A randomização trata-se de uma aleatorização no processo de formação dos grupos (intervenção e controle) que irão compor a pesquisa. Ela permite a mesma chance de alocação de um paciente/indivíduo em qualquer dos grupos (controle ou intervenção), sendo impossível direcionar intencionalmente para qual grupo irá um paciente/indivíduo (FERREIRA; PATINO, 2016). A randomização pode ser executada a partir da seguinte hipótese de pesquisa: a suplementação com proteína do soro do leite a pacientes pós cirurgia bariátrica reduz a perda de massa muscular. Com a determinação da hipótese distingue-se dois grupos, um que receberá o suplemento à base de proteína do soro do leite (grupo experimental) e outro que rece- berá placebo (controle), por conseguinte, aleatoriamente os pacientes serão alocados por sorteio, com chance igual de compor o grupo intervenção ou o controle (Figura 3) (FERREIRA; PATINO, 2016). FIGURA 3 – DESENHO DE UM ESTUDO CLÍNICO RANDOMIZADO FONTE: Adaptado de Souza (2009) Ferreira e Patino (2016) esclarecem que quando implementada de forma cor- reta, a randomização evita o viés de seleção e produz grupos de estudo comparáveis quanto a fatores de risco conhecidos e desconhecidos. O viés é definido como qualquer processo, em alguma etapa da pesquisa, em que a metodologia incorreta distorce o resultado durante o desenvolvimento da investigação. Qualquer tipo de delineamento pode apresentar distorção dos resultados e com isso comprometer a conclusão da pesquisa (ALMEIDA; GOULART, 2017). 70 Outro princípio fundamental para se evitar viés na pesquisa é o mascaramento, também denominado duplo cego, ou seja, nem o pesquisador e nem o sujeito da pesquisa sabem o que está sendo administrado. Desse modo, se evita que tanto pesquisadores como participantes induzam resultados distorcidos por conta de preconceitos, esperanças, anseios e expectativas frente a um tratamento que seja novo ou que seja um placebo (DAINESI, 2010). Seguindo a hierarquia referente à SBE, a revisão sistemática (RS) é um tipo de estudo planejado que utiliza métodos explícitos e sistemáticos para identificar, selecionar e avaliar criticamente estudos primários (randomizados duplo cego, randomizados, observacionais etc.) relacionados a um problema específico (GALVÃO; PEREIRA, 2014; SILVA, 2018). A metodologia para elaboração de uma RS deve explicitar os critérios de inclu- são e exclusão dos estudos; indicar e delimitar a área de busca; apontar os descritores para a busca; evitar compreensão subjetiva dos fatos observados; apontar o campo e a cronologia de revisão (GALVÃO, PEREIRA, 2014; SILVA, 2018). A partir da elaboração de uma RS, de acordo com Peres e Peres (2010), é possível empregar uma técnica de análise estatística denominada metanálise, a qual permite combinar e sintetizar os resultados de vários estudos, os quais foram selecionadas por meio da RS. O objetivo da metanálise é identificar padrões comuns e diferenças entre os dados publicados acerca do problema que se deseja estudar. A elaboração de guias com recomendações e protocolos clínicos para nortear a conduta de gestores e de profissionais da área da saúde que prestam desde assistência primária à terciária podem ser embasados por estudos que empregam a técnica de metanálise (PERES; PERES, 2010). Além da revisão sistemática, há também as revisões do tipo narrativa e integrativa, contudo, elas apresentam pouca evidência científica, uma vez que o rigor metodológico e a descrição detalhada para busca ativa dos artigos científicos não considerados (Quadro 1). (CORDEIRO et al., 2007; FERENHOF; FERNADES, 2016). QUADRO 1 – COMPARAÇÃO ENTRE REVISÃO SISTEMÁTICA (RS), REVISÃO INTEGRATIVA (RI) E REVISÃO NARRATIVA (RN) Componente RS RI RN Questão de pesquisa Mais específica Mais ampla Mais ampla Estratégia de busca dos artigos. Claramente descrita e com critérios predefinidos. Sem detalhamento e não reprodutível. Sem detalhamento e não reprodutível. 71 Avaliação da qualidade de estudos selecionados. A qualidade metodológica dos artigos é predefinida. Todos os artigos são incluídos sem critérios de qualidade metodológica. Todos os artigos são incluídos sem critérios de qualidade metodológica. Escolha subjetiva. Extração dos dados. É realizada por dois revisores a partir de uma ficha padronizada. Não descreve detalhadamente os critérios de inclusão. Métodos frequentemente não descritos. Síntese de dados. Quando há possibilidade de análise conjunta dos dados, emprega-se a metanálise, o que confere precisão dos resultados. Todos os artigos são analisados sem diferenciar a qualidade e o número de participantes. Todos os artigos são analisados qualitativamente sem diferenciar a qualidade e número. de participantes Heterogeneidade. Avaliação por análise estatística. Abordagem descritiva na maioria das vezes. Abordagem descritiva na maioria das vezes. Interpretação dos resultados. Menor risco de viés. Maior risco de viés por expressar a opinião do autor. Maior risco de viés por expressar aopinião do autor. FONTE: Adaptado de Silva (2018, p. 92) Canuto (2018) destaca que não se trata somente de ler artigos científicos para tomada de decisão na área clínica, mas de analisá-los de forma crítica por meio de um método que possibilite a reunião, a classificação e a análise dos resultados de diversas pesquisas e a conclusão por evidências ou pela falta delas. Na Figura 4 está demonstrado o fluxo da informação com as diferentes fases de elaboração de uma RS. Na área da Nutrição Clínica há vários exemplos de RS, em seguida um excerto do artigo de RS sobre os efeitos dos probióticos sobre o perfil lipídico. 72 Na sequência hierárquica dos estudos clínicos randomizados e das revisões sistemáticas, as pesquisas observacionais (coortes e casos controle) caracterizam-se por ser observatórias e não experimentais. Nesse modelo de estudo o investigar observa e registra, por exemplo, a doença e seus atributos, e a forma como ela se relaciona com outras condições (exposição) sem qualquer intervenção (FRONTEIRA, 2013). Os estudos observacionais classificam-se em descritivos (relato de caso, série de casos) ou analíticos (transversais, caso controle, coorte e ecológico), propõem uma intervenção após a observação, além disso, possibilitam a condução de mais pesquisas para aprofundamento do conhecimento (OLIVEIRA; VELLARDE; SÁ, 2015). FIGURA 4 – FLUXO DE INFORMAÇÕES COM AS DIFERENTES FASES DE ELABORAÇÃO DE REVISÃO SISTEMÁTICA FONTE: Adaptado de Galvão e Pansani (2015) 73 Efeitos dos probióticos no perfil lipídico: revisão sistemática As alterações na microbiota intestinal podem modular mecanismos envolvendo fatores de risco para doenças cardiovasculares, incluindo as dislipidemias. O objetivo foi revisar os efeitos da suplementação de probióticos na prevenção e no tratamento de alterações do perfil lipídico. As pesquisas foram feitas na base de dados PubMed, com os descritores “probiotics and lipid profile” e “probiotics and dyslipidemia”, em artigos publicados entre 2013 e 2018. A suplementação com probióticos reduziu significativamente o colesterol total, o colesterol LDL (lipoproteína de baixa densidade) e os triglicerídeos, assim como aumentou o colesterol HDL (lipoproteína de alta densidade). Alguns benefícios foram observados sobre variáveis antropométricas, de controle glicêmico, de estresse oxidativo, de inflamação e do sistema imune. O presente estudo sugere que a suplementação de probióticos seja indicada como tratamento coadjuvante às dislipidemias. Novos estudos devem ser desenvolvidos com a finalidade de esclarecer os efeitos de longo prazo, assim como a influência dos probióticos em associação com o tratamento medicamentoso. FONTE: <https://bit.ly/3z9tRKO>. Acesso em: 18 ago. 2021. As pesquisadas desenvolvidas com caráter descritivo e que abordam características de um grupo de indivíduos com uma condição clínica específica denomina-se estudo de caso. É realizada quando há uma escassez de conhecimento na área (HOCHMAN et al., 2005). Os estudos transversais avaliam o desfecho e a exposição em um determinado momento, são bastante utilizados para avaliar prevalência e planejar ações em saúde pública; são de baixo custo e rápidos, mas podem possuir viés de seleção como desvantagem (HOCHMAN et al., 2005). Quando se objetiva testar hipóteses e seguimento de indivíduos com exposição incomum, o estudo de coorte é recomendado. No entanto, ele é de alto custo e exige longo período de execução. A coorte histórica (retrospectiva) segue do passado para o momento atual, enquanto a coorte contemporânea (prospectiva) segue do momento presente para frente (HOCHMAN et al., 2005). Consumo de frutas, legumes e verduras e associação com hábitos de vida e estado nutricional: um estudo prospectivo em uma coorte de idosos”. Disponível em: https://bit.ly/3nTIvTr. DICAS 74 O caso controle corresponde a uma análise a partir do desfecho para investigar a causa, por exemplo, investigar as situações de risco de adultos hospitalizados, previamente selecionados, com desnutrição. Para tanto, é necessário selecionar um grupo-controle (pacientes eutróficos) para comparação com os desnutridos. Os resultados podem embasar medidas de intervenção para evitar a desnutrição, tendo em vista que os fatores de risco foram identificados. Confira um exemplo de estudo caso-controle do artigo de Camlofski et al. (2018), intitulado “Reeducação alimentar associada ao aconselhamento nutricional periódico em mulheres com síndrome metabólica: estudo de caso-controle”. Disponível em: https://bit.ly/3bZu0ux. DICAS Confira o artigo “Cobertura da avaliação do estado nutricional no Sistema de Vigilância Alimentar e Nutricional brasileiro: 2008 a 2013”. Disponível em: https://bit.ly/3yWJWXq. DICAS O estudo ecológico é desenvolvido em uma comunidade e objetiva relacionar a exposição e a condição saúde/doença na coletividade, com análise da doença no grupo. A Identificação de fatores/situações de risco para o excesso de peso em uma comunidade indígena, demostrada no artigo de Nascimento, Silva e Jaime (2017), exemplifica um delineamento ecológico. Em resumo, todos os tipos de estudos estão sujeitos a vieses e erros, basta que não se tenha rigor e clareza na metodologia para que os resultados e, por conseguinte a conclusão fiquem distorcidos (CANUTO, 2018). 75 4 CONFLITO DE INTERESSES A análise crítica dos artigos científicos engloba o escrutínio dos conflitos de interesse (CIs) dos autores, o qual define-se como um conjunto de condições nas quais o julgamento de um profissional a respeito de um interesse primário tende a ser influenciado de forma indevida por um interesse secundário (CASSIMIRO; BAVARESCO; SOARES, 2014; ØSTENGAARD et al., 2020). A integridade da ciência depende tanto da acurácia dos métodos como da ética dos pesquisadores, portanto, a declaração de CIs tem sido adotada pelas publicações científicas como um elemento aferidor desse compromisso. Tal conduta possibilita que autoras e autores exponham suas afiliações institucionais, profissionais e até religiosas quando relacionadas ao universo pesquisado, tornando públicas tais informações para julgamento dos próprios leitores e da comunidade científica (DIAS, 2019). Nas pesquisas desenvolvidas na área da saúde, segundo Cassimiro, Bavaresco e Soares (2014), os interesses secundários podem afetar os participantes da pesquisa e os resultados, além de produzir vieses nos resultados. Portanto, para publicar um artigo, os periódicos científicos solicitam ao autor que inclua uma declaração ao final: “o autor afirma que não há conflitos de interesse” ou “o autor afirma que há conflitos de interesse” e indica quais são. Com o objetivo de controlar esse viés de pesquisa, os editores de periódicos científicos solicitam declaração da existência ou não de CIs e papel do financiador do estudo, caso ele exista. Tal encaminhamento visa garantir que os dados e, por conseguinte as conclusões sejam confiáveis e não tenham sofrido influências de fatores externos ou má conduta, como incentivos financeiros por resultados positivos ou por ocultação de resultados negativos (ØSTENGAARD et al., 2020). Estratégias podem ser implementadas para prevenir e controlar os CIs, conforme Østengaard et al. (2020), e assim facilitar a imparcialidade na metodologia, análise de resultados e conclusões do trabalho, para tanto, destacam-se: contratação de um estatístico e segurança de dados independentes; adoção de um conselho de monitoramento ou ainda exclusão de pesquisadores que trabalham para o financiador da pesquisa. Exemplos de estudos com falhas nos resultados são também observados quando não há CIs financeiros, incluindo afiliação a uma especialidade, a uma teoria acadêmica, a crenças religiosas etc. (ØSTENGAARD et al., 2020). O código de ética e de conduta do nutricionista publicado em 2018 pontua no capítulo V questões acerca da associação a produtos, marcas de produtos, serviços, empresase indústrias (CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS, 2018, s. p.): 76 Art. 60 É vedado ao nutricionista prescrever, indicar, manifestar preferência ou associar sua imagem intencionalmente para divulgar marcas de produtos alimentícios, suplementos nutricionais, fitote- rápicos, utensílios, equipamentos, serviços, laboratórios, farmácias, empresas ou indústrias ligadas às atividades de alimentação e nu- trição de modo a não direcionar escolhas, visando preservar a au- tonomia dos indivíduos e coletividades e a idoneidade dos serviços. No capítulo VII, referente à pesquisa, o código de ética e de conduta do nutricionista afirma que as atividades relacionadas a estudos e pesquisas teóricas, práticas ou científicas realizadas pelo nutricionista obedecerão ao que segue: Art. 81 É dever do nutricionista, ao publicar ou divulgar resultados de estudos financiados ou apoiados por indústrias ou empresas ligadas à área de alimentação e nutrição, assegurar a imparcialidade no desenho metodológico e no tratamento dos dados, garantir a divulgação da fonte de financiamento ou apoio e declarar o conflito de interesses (CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS, 2018, s. p.). Mialona, Sêrodiob e Scagliusi (2018) identificaram em sua revisão CIs em mate- riais publicados, os quais criticavam a classificação NOVA, a qual propõe discussão acer- ca do consumo de alimentos e produtos alimentícios a partir da extensão e propósito de processamento. Vale destacar que o Guia Alimentar para População Brasileira, publicado em 2014, utiliza a classificação NOVA e, portanto, tem sido alvo de inúmeros críticas. A pesquisa identificou 32 materiais que criticavam a classificação NOVA, dos 38 autores desses documentos, 33 tinham relação com a indústria de alimentos ultraprocessados (UPP) e os tipos de CIs foram: a) vínculo empregatício direto com a indústria; não declaração de CIs quando havia; e as organizações que acolheram ou apresentaram as críticas à classificação NOVA se relacionavam diretamente com a indústria de UPP (Cargill, Coca-Cola, Danone, General Foods, General Mills, Kraft-Heinz, Mc Donald’s, Mondelez, PepsiCo, Procter & Gamble e Unilever) (MIALONA; SÊRODIOB; SCAGLIUSI, 2018). As indústrias de alimentos, afirmam Pereira, Nascimento e Bandoni (2016), investem massivamente em estratégias de publicidade para influenciar nutricionistas, professores e estudantes de Nutrição e assim estabelecem conflitos de interesses, não somente na área de pesquisa. No estudo de revisão narrativa salientou-se que o marketing da indústria visa influenciar a recomendação, a prescrição e o consumo de produtos por estudantes e nutricionistas, ao conceder patrocínio a eventos científicos, financiamentos de viagens e distribuição de brindes, os quais podem gerar obrigação moral de retribuição e corromper o julgamento de informações e a decisão profissional (PEREIRA; NASCIMENTO; BANDONI, 2016). Nesse cenário, é salutar e urgente observar e cumprir o que regulamento o código de ética e conduta do nutricionista publicado em 2018, o qual esclarece os limites na inserção das indústrias de alimentos nos cursos de graduação em Nutrição. 77 A seguir estão apresentados artigos científicos com e sem conflito de interesses. A suplementação dietética com ácido graxo ômega-3 pode reduzir complicações severas em pacientes com Covid-19? Tradução livre: Conflito de interesse Pierre Weill foi presidente da Valorex, indústria alimentícia dedicada ao processa- mento de proteína e sementes oleaginosas. Ronan Thibault recebeu honorários de consultoria e conferência: Aguettant, Baxter, BBraun, Fresenius-Kabi, Nutricia, Roche; honorários para conferências: Astra- Zeneca, Homeperf, Lactalis, Nestlé, Shire; apoio financeiro para pesquisa: Valorex, Bleu-Blanc-Coeur. Os outros autores declararam ausência de conflito de interesse. FONTE: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/32920170/>. Acesso em: 18 ago. 2021. Uso de suplementos alimentares por universitários da área de Saúde em Salvador – BA. 78 FONTE: <https://bit.ly/3A7ILCI>. Acesso em: 18 ago. 2021. Na sequência, será exemplificado o passo a passo para a Prática Baseada em Evidências. Para tanto, é necessário formular um questionamento e identificar a melhor forma de respondê-lo. A pergunta deve ser clara, objetiva e concreta a fim de torná-la objeto de busca nas bases de dados e por conseguinte respondida após análise crítica. Uma estrutura de abordagem aplicada é denominada “PICO” (Quadros 2 e 3) (SANTOS; PIMENTA; NOBRE, 2007; CANUTO, 2018). QUADRO 2 – ESTRUTURA DE ABORDAGEM “PICO” Paciente ou população (P) Características do grupo populacional ou do paciente para o qual se deseja uma informação. Intervenção (I) A intervenção é o tratamento, a etiologia ou o teste de diagnóstico que se tem interesse em aplicar para o paciente ou população. Comparação (C) É a intervenção contra qual a intervenção será comparada. Outcome (desfecho) (O) É o desfecho de interesse para o profissional e para o paciente. Os possíveis desfechos, sobrevivência, sintomas, qualidade de vida, efeitos colaterais. FONTE: Adaptado de Canuto (2018, p. 4-5) 79 Hipótese de pesquisa: a suplementação por via enteral (sonda) com ômega 3 ofertada a pacientes adultos críticos resulta em menor tempo de internação e maior sobrevida? QUADRO 3 – ELABORAÇÃO DE QUESTIONAMENTO A PARTIR DA ABORDAGEM “PICO” População Pacientes adultos críticos Intervenção Suplementação via enteral de ácido graxo ômega 3 Comparação Dieta padrão sem ômega 3 Outcome (desfecho) Tempo de internação e sobrevida FONTE: A autora Caro acadêmico! O conflito de interesses é um viés de pesquisa o qual distorce resultados e conclusão, mas não ocorre na área da Nutrição somente por interferência da indústria de alimentos, apesar de ser bastante frequente e danoso para construção do conhecimento científico pautado na honestidade e na ética. O viés de pesquisa pode ser evidenciado também em questões individuais e subjetivas dos pesquisadores. Sobre esse assunto, leia a entrevista da nutricionista Sophie Deram concedida ao ViverBem Uol. Acesse em: https://bit.ly/3k6X6d5 DICAS A PRÁTICA BASEADA EM EVIDÊNCIA NO CONTEXTO DA ATENÇÃO PRIMÁRIA À SAUDE Luana Roberta Schneider Rui Pedro Gomes Pereira Lucimare Ferraz INTRODUÇÃO A prática baseada em evidência agrega o melhor conhecimento científico, com a experiência clínica do profissional e a escolha do paciente, resultando em uma maior resolutividade na assistência em saúde. A atenção primária à saúde (APS) configura-se como uma porta de entrada e centro de comunicação das redes de atenção à saúde, fornecendo cuidado no âmbito individual, familiar e coletivo, no decorrer do tempo, para todas as condições de saúde, exceto as muito raras. 80 No Brasil, de acordo com os preceitos do Sistema Único de Saúde, a APS tem a saúde da família como estratégia prioritária para sua organização. O trabalho desenvolvido pela equipe da Estratégia Saúde da Família (ESF) compreende ações de promoção, prevenção, recuperação, reabilitação e cuidados paliativos. O objetivo do estudo foi analisar a prática baseada em evidência dos profissionais das equipes com Estratégia Saúde da Família em um município de Santa Catarina. METODOLOGIA Trata-se de um estudo quantitativo, descrito e transversal, realizado por meio de questionários com 112 profissionais de saúde, sendo 42 médicos, 41 enfermeiros e 29 cirurgiões dentistas. RESULTADOS Os resultados apontaram que eles consideram a prática baseada em evidência fundamental, contudo, em suas ações, ela está mais centrada na experiência clínica. Outrossim, não se sentem plenamente capacitados para realizar a busca de evidências científicas, destacando o pouco conhecimento e habilidades em pesquisa. Além disso, ressaltam a alta demanda de atendimentos, escasso domínio de língua estrangeira e falta de apoio da gestão como dificultadores. CONCLUSÃO Conclui-se que os profissionais que atuam na APS consideram as práticasbaseadas em evidência fundamentais para as ações que são desenvolvidas na ESF, contudo, a experiência clínica, que muitas vezes advém do compartilhamento de vivências entre os colegas, foi o principal elemento das práticas em saúde, seguida por evidências científicas e a preferência do paciente. Além disso, os profissionais da atenção primária precisam se aprimorar para o desenvolvimento da prática baseada em evidência, sendo que isso ultrapassa a sua vontade individual, ficando também ao encargo das instituições formadoras e dos serviços de saúde. FONTE: <https://saudeemdebate.org.br/sed/article/view/43>. Acesso em: 14 jun. 2021. https://saudeemdebate.org.br/sed/article/view/43 81 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • O conhecimento científico baseia-se na testagem de hipóteses e se constrói e reconstrói initerruptamente por meio do método científico e se consolida a partir de evidências científicas. • A origem do conhecimento científico é fundamentada na apresentação de um problema para o qual se deseja encontrar uma solução, tomando a argumentação e um método como meios para alcançá-la. • A cultura e o meio ambiente exercem influência sobre o conhecimento científico, uma vez que o conhecimento é gerado por seres humanos inseridos em uma organi- zação social. • A expressão do conhecimento pode ser tácita ou explícita. A primeira se dá nas relações entre os cientistas e está atrelada à experiência e competência do pesquisador, enquanto a explícita está formalizada ou estruturada na publicação/ divulgação por meio de artigos, revistas, manuais, bases de dados etc. • Os artigos científicos caracterizam-se por uma formalização do conhecimento científico elaborado pelo(s) autor(es), os quais são publicados em periódicos científicos, que são de domínio público. • A Saúde Baseada em Evidências (SBE) é uma abordagem que utiliza as ferramentas da Epidemiologia Clínica, da Estatística, da Metodologia Científica, da Informática e dos Sistemas de Informação aplicadas à pesquisa, a fim de avaliar e reduzir as incertezas na tomada de decisão em saúde e evitar que um tratamento seja implementado baseado em opiniões. • Eficácia, eficiência e efetividade de ações, serviços e políticas públicas são metas do cuidado em saúde. • As evidências científicas são avaliadas a partir do rigor metodológico aplicado pelo autor, mas também pelo delineamento da pesquisa de acordo com o que se deseja pesquisar. • Os estudos clínicos randomizados controlados e duplo cego (os quais o pesquisador interfere por exemplo no curso de uma doença) ao lado das revisões sistemáticas, as quais empregam a metanálise, são classificados como de excelente qualidade. 82 • Por outro lado, os estudos observacionais também são importantes, pois permitem que o pesquisador colete informações sobre a exposição e o desfecho (sobrevivência, redução de sintomas, qualidade de vida etc.) sem interferir na sua ocorrência. • O controle dos vieses de pesquisa são fundamentais para evitar distorção dos resultados e conclusão do estudo. • São exemplos de vieses de pesquisa: a falta de rigor metodológico, de clareza e descrição detalhada da metodologia; e conflito de interesse. 83 1 No cenário atual da pandemia da Covid-19 é possível perceber uma avalanche de desinformação disseminadas por meio das redes sociais acerca da origem do vírus, do tratamento e das vacinas, mas ao mesmo tempo tem se discutido também sobre o conhecimento científico e a prática profissional baseada em evidências científicas. Considerando os conceitos sobre conhecimento científico (CC), prática baseada em evidências (PBE) e senso comum (SC), analise as assertivas a seguir: I- A produção do CC é pautada a partir do reconhecimento de um problema/ questionamento sobre a realidade a qual o pesquisador está inserido e a partir do método científico procura-se a resposta/resolução do problema. II- O senso comum diz respeito ao conhecimento baseado em opiniões, crenças e tradições determinado por um povo/sociedade. Não é refletido ou testado e nem é analisado criteriosamente. III- A PBE emerge da união do CC e do SC com o objetivo de reduzir gastos em saúde e oferecer o cuidado em saúde a pacientes pautado nas melhores evidências científicas. IV- A cultura e o meio ambiente não devem exercer influência sobre o CC, mesmo que ele seja produzido por seres humanos, portanto, o pesquisador necessita ignorar sua cultura e o meio ao qual está inserido para produzir CC de qualidade. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas I, III e IV estão corretas. b) ( ) Somente as assertivas I e II estão corretas. c) ( ) Somente as assertivas II e III estão corretas. d) ( ) Nenhuma das alternativas está correta. 2 Ao trabalhar em uma Unidade de Terapia Intensiva, o nutricionista e os demais mem- bros da equipe de saúde questionaram-se sobre a redução do tempo de internação e sobrevida de pacientes com Covid-19 suplementados com ácido graxo ômega três. Após formular a hipótese, o próximo passo é iniciar a busca de artigos científicos acer- ca do tema, dessa forma, por qual tipo de estudo a equipe deveria iniciar as buscas? a) ( ) Revisões sistemáticas a partir de estudos transversais. b) ( ) Ensaios clínicos randomizados. c) ( ) Estudos de caso. d) ( ) Revisões sistemáticas com uso da ferramenta de metanálise de ensaios clínicos randomizados. AUTOATIVIDADE 84 3 Os vieses de pesquisa distorcem os resultados e comprometem a conclusão da publicação, sendo assim, é imprescindível adotar medidas para afastá-los e tornar os dados obtidos confiáveis. Sobre os vieses e as medidas preventivas, associe os itens, utilizando o código a seguir: I- Pergunta de pesquisa incorreta. II- Efeito placebo. III- Escolha dos grupos de estudo de acordo com a subjetividade do pesquisador. IV- Conflito de interesses. ( ) Delineamento duplo cego. ( ) Randomização. ( ) Evitar que pesquisadores recebam dividendos da indústria de alimentos e/ou farma- cêutica; contração externo de um estatístico, divulgar fonte de financiamento etc. ( ) Estrutura de abordagem “PICO”. Assinale a alternativa que apresenta a sequência CORRETA: a) ( ) I – II –, III – IV. b) ( ) II – I – III – IV. c) ( ) II – III – IV – I. d) ( ) III – II – IV – I. 4 Você trabalha em uma Unidade Básica de Saúde que atende com frequência indivíduos portadores de Diabetes Melito tipo II (DM2) e excesso de peso, os quais acreditam que a dieta Low Carb é eficaz no controle da glicemia e perda de peso. Eles o questionam se devem seguir essa dieta, no entanto, até o momento você leu muito pouco sobre o assunto e precisa buscar evidências científicas. Nesse contexto, elabore uma pergunta a partir do questionamento dos pacientes empregando a estratégia “PICO”. 5 Na área da Nutrição, é possível detectar desinformações (Fake News) vinculadas por meio das redes sociais pelos próprios nutricionistas, influenciadores digitais e leigos, para combatê-las e não ser um propagador de desinformação, associe e argumente como a Saúde Baseada em Evidências (SBC) pode auxiliar na disseminação de informações corretas e confiáveis. 85 DESINFORMAÇÃO NA ÁREA DA NUTRIÇÃO 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, você sabia que a desinformação (Fake News) atinge de forma importante a área da Nutrição ao ponto de o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) ter emitido em 2018 um alerta sobre o tema? Nas mídias sociais, a desinformação direciona-se para equívocos e atitudes que representam risco à saúde, uma vez que dietas “milagrosas” prometem, sem evidência científica, proporcionar perda de peso rápida e “sem sacrifícios”. Tais dietas são recomendadas por pessoas sem formação acadêmica e que se beneficiam monetariamente associando a sua imagem a produtos. Pensando nesse tema atual, a formação do nutricionista precisa dar conta desse problema que gera agravos à saúde da população, para tanto é urgente a sua abordagem e o seu entendimento. Quais seriamentão as atitudes/medidas para combater a desinformação? O cuidado em saúde pautado nas evidências científicas e afastado das dou- trinas dogmáticas viabiliza uma linha de conduta clínica alicerçada no conhecimento científico, mas que, ao mesmo tempo, precisa análise crítica sistematizada e atenta. Nesse contexto, o tópico atual explanará acerca de como analisar de forma criteriosa um artigo científico, como são elaboradas as diretrizes clínicas a fim de viabilizar que você, caro acadêmico, possa ser um futuro profissional disseminador de informações confiáveis e corretas e que também seja capaz de desmistificar conceitos e combater a desinformação. UNIDADE 2 TÓPICO 2 - 2 COMO LER E ANALISAR UM ARTIGO CIENTÍFICO Para que os profissionais da área da saúde possam tomar decisões sobre o cuidado de pacientes de forma cuidadosa, explícita e sábia utilizando das melhores evidências científicas é fundamental a leitura crítica e sistematizada, a qual possibilita identificar elementos importantes que denotem confiabilidade das informações divulgadas, tendo em vista que nem tudo que é publicado é de boa qualidade e confiável (GREENHALGH, 2013; VINHOLES; OLIVEIRA, 2018). 86 Greenhalgh (2013, p. 70) cita uma afirmação do editor do periódico British Medical Journal, Dr. Stephen Lock, que em 1979 escreveu: “poucas coisas são mais desestimulantes para um editor do que ter que rejeitar um artigo embasado em uma boa ideia, mas com falhas irremediáveis nos métodos empregados”. As principais falhas que levam à rejeição de um artigo ou que deveriam levar a isso estão demonstradas no Quadro 4. QUADRO 4 – PONTOS CRÍTICOS QUE OCASIONAM A REPROVAÇÃO DE UM ARTIGO CIENTÍFICO O artigo não abordou um aspecto científico importante. O estudo não era original, ou seja, alguém já tinha publicado algo semelhante. O estudo não testou a hipótese do autor. O delineamento da pesquisa deveria ser outro. Dificuldades práticas, como recrutamento da amostra, resultaram em mudança do protocolo original. O tamanho da amostra era pequeno. O estudo não foi controlado, com vieses. A análise estatística estava equivocada. A conclusão não foi baseada nos dados obtidos. Existe conflito de interesses. O artigo é tão mal escrito que o torna incompreensível. FONTE: Adaptado de Greenhalgh (2013) Os artigos científicos em sua grande maioria apresentam as seguintes seções: título, resumo, introdução, metodologia, resultados, discussão, conclusão, agradecimentos, declaração de conflito de interesses e referências. O que cada seção deve conter está resumida no Quadro 5. QUADRO 5 – SEÇÕES DE UM ARTIGO CIENTÍFICO Seções Conteúdo Resumo Abrange de forma breve as seções de um artigo: introdução, metodologia, resultados, discussão, conclusão. Introdução Trata da revisão atualizada do que já foi publicado sobre o tema de estudo. Deve ser pertinente e só utilizar publicações mais antigas, quando realmente necessárias. Evitar citação de capítulos de livros. 87 Metodologia Descrição extremamente detalhada de como a pesquisa foi realizada. Tipo de estudo, população estudada, amostragem, tamanho da amostra, método de coleta e análise dos dados. No caso do estudo de coorte, por exemplo, deve constar a descrição do período de seguimento, o tempo de acompanhamento e o percentual de perda da amostra; estudo clínico, deve descrever se houve randomização e cegamento. Resultados Descrever os dados obtidos de forma clara, podendo utilizar tabelas, figuras e texto explicativo. Devem responder o objetivo do estudo, apresentar as análises estatísticas com seus valores de significância. Discussão Tem por objetivo comparar os dados obtidos com os de outros estudos e explicar os resultados alcançados, além de apontar se há concordância com os outros estudos ou discordâncias. Conclusão De forma resumida expressar os principais achados da pesquisa. FONTE: Adaptado de Vinholes e Oliveira (2018) Como já amplamente discutido no primeiro tópico, a construção de uma hipótese ou de um questionamento suscita a leitura e a análise criteriosa de artigos científicos, por isso é fundamental ter clareza do que se deseja saber (GREENHALGH, 2013; VINHOLES; OLIVEIRA, 2018). Considerando uma construção de hipótese/pergunta de pesquisa, segue o exemplo, um nutricionista atende em seu consultório um paciente que o questiona se a suplementação de vitamina C é necessária para melhorar a sua imunidade. A partir do questionamento determina-se o que se deseja saber: sistema imune, vitamina C, suplementação. Na sequência, o nutricionista pode ainda questionar se um padrão alimentar saudável já não é suficiente para garantir uma resposta imune adequada. Para busca ativa de artigos científicos nas bases de dados é preciso determinar os unitermos a partir dos descritores em saúde e escolher os idiomas, português, inglês, por exemplo, resposta imune, vitamina C, suplementação; immune response, vitamin C, supplementation. É necessário usar algum conector lógico, ou também designado de operador booleano, entre os termos, que abrangem: e (and) com função de união, ou (or) quando há maior margem de liberdade no assunto e não (not) quando se deseja excluir outro assunto correlato (RABITO; SCHMITT, 2018). 88 É possível utilizar também parênteses para orientar a combinação dos uniter- mos, por exemplo: immune response and (vitamin C or micronutrients supplementation), essa combinação permite o agrupamento de termos e pode potencializar o alcance das buscas (MORAES; BELLI, 2018). Após as etapas que compreendem: a) determinação e clareza do problema/ hipótese; b) consulta dos descritores em saúde dos unitermos (palavras-chave) adequados e os operadores booleanos; c) escolha dos sites de busca de artigos científicos (SciELO, LILACS, PubMed etc.); aparecerão vários artigos e quanto mais específicas as palavras-chave, melhor será a seleção (RABITO; SCHMITT, 2018). Sendo assim, de acordo com o questionamento do paciente ao nutricionista sobre a suplementação de vitamina C e a melhora da imunidade, pode-se determinar, então, as palavras-chave e seu operador booleano: resposta imune e vitamina C e suplementação; em inglês, immune response and vitamin C and supplementation. Um questionamento importante que pode surgir após seleção dos artigos científicos diz respeito ao que deve ou não ser lido, afinal, de acordo com o tema, muitas publicações podem aparecer. Para auxiliar na escolha do que é relevante ou não, segue o Quadro 6 que explica o método READer (MELO, 2000). QUADRO 6 – MÉTODO READER O MÉTODO READER O que ler? R: Relevância – para a Clínica Geral e para mim. E: Educação – capacidade de a informação alterar o meu comportamento A: Aplicabilidade – possibilidade de que a intervenção recomendada possa ser facilmente aplicada na minha prática clínica. Como ler? D: Discriminação – Credibilidade/Qualidade do artigo, relacionado com o desenho e tipo de estudo. Implica da parte do leitor, uma apreciação crítica ativa da qualidade do artigo. FONTE: Adaptado de McAuley (1995 apud Melo, 2000) Melo (2000), Rabito e Schmitt (2018) esclarecem que após a busca ativa nas ba- ses de bases a partir das palavras-chave e de filtros (período de publicação, por exemplo, desde 2011) utilizados para seleção dos artigos, normalmente uma grande lista é exibida, assim, o primeiro contato do leitor é com o título e, na sequência, com o nome dos autores. Nesse contexto, de acordo com o caso da nutricionista questionada pelo seu paciente acerca da suplementação de vitamina C para melhorar a imunidade, observa- se a seguir um artigo de revisão sobre o tema, mas que abrange outros micronutrientes, além da vitamina C. 89 Uma revisão do trabalho harmônico entre os micronutrientes e o sistema imune para reduzir o risco de infecção Resumo: O suporte imunológico por micronutrientes é historicamente baseado na deficiên- cia de vitamina C e na suplementação no escorbuto nos primeiros tempos. Desde então,foi estabelecido que o sistema imunológico integrado e complexo precisa de vários micronu- trientes específicos, incluindo vitaminas A, D, C, E, B6 e B12, folato, zinco, ferro, cobre e selê- nio, que desempenham papéis vitais, muitas vezes sinérgicos em cada estágio da resposta imune. Quantidades adequadas são essenciais para garantir o funcionamento adequado das barreiras físicas e das células imunológicas; no entanto, a ingestão diária de micronutrientes necessária para apoiar a função imunológica pode ser maior do que as atuais recomendações dietéticas. Certas populações têm ingestão inadequada de micronutrientes na dieta e situa- ções com necessidades aumentadas (por exemplo, infecção, estresse e poluição) diminuem ainda mais os estoques no corpo. Vários micronutrientes podem ser deficientes e mesmo uma deficiência marginal pode prejudicar a imunidade. Embora existam dados contraditó- rios, as evidências disponíveis indicam que a suplementação com vários micronutrientes com funções de suporte imunológico pode modular a função imunológica e reduzir o risco de infecção. Os micronutrientes com as evidências mais fortes de suporte imunológico são as vitaminas C e D e o zinco. É necessário um melhor desenho de estudos clínicos em huma- nos que abordem a dosagem e combinações de micronutrientes em diferentes populações para substanciar os benefícios da suplementação de micronutrientes contra a infecção. As evidências disponíveis indicam que a suplementação com múltiplos micronutrientes com funções de suporte imunológico pode modular a função imunológica e reduzir o risco de infecção. Os micronutrientes com as evidências mais fortes de suporte imunológico são as vitaminas C e D e o zinco. É necessário um melhor desenho de estudos clínicos em huma- nos que abordem a dosagem e combinações de micronutrientes em diferentes populações para substanciar os benefícios da suplementação de micronutrientes contra a infecção. As evidências disponíveis indicam que a suplementação com múltiplos micronutrientes com funções de suporte imunológico pode modular a função imunológica e reduzir o risco de infecção. Os micronutrientes com as evidências mais fortes de suporte imunológico são as vitaminas C e D e o zinco. É necessário um melhor desenho de estudos clínicos em humanos que abordem a dosagem e combinações de micronutrientes em diferentes populações para substanciar os benefícios da suplementação de micronutrientes contra a infecção. Palavras-chave: Sistema Imunológico. Infecção. Micronutrientes. Minerais. Vitaminas. FONTE: <https://pubmed.ncbi.nlm.nih.gov/31963293/>. Acesso em: 18 ago. 2021. 90 Seguindo o método proposto por McAuley (1995 apud MELO 2000) sobre o que ler, a Relevância (R) é considerada nos seguintes aspectos: selecionar o artigo científico que apresenta o assunto que se deseja conhecer ou aprofundar o seu conhecimento, além disso, que ele seja importante para os pacientes (atendidos em consultório, hospitais ou ainda com aqueles que desejo desenvolver uma pesquisa), podendo mudar a conduta do profissional e, assim, proporcionar bem estar e reduzir risco de morbimortalidade aos pacientes. Na sequência do método, o autor destaca a Educação (E) e discorre acerca de que se uma informação/conhecimento é válida, então o tratamento/orientação oferecido ao paciente pode ser modificado. Por fim, a Aplicabilidade (A), ou seja, o artigo deverá ser fundamentado em resultados obtidos a partir de uma amostra semelhante aos pacientes que o profissional oferece cuidados em saúde, seja em consultório, hospital etc. (MELO, 2000). A última etapa do método refere-se a como ler com criticidade, assim dizendo, Discriminação (D), para tanto dá-se ênfase ao rigor metodológico empregado na pesquisa e sua descrição detalhada, ausência ou controle de vieses (randomização, cegamento, conflito de interesses etc.), desse modo, serão considerados os artigos que apresentam maior confiabilidade de seus resultados e, portanto, de sua conclusão (MELO, 2000). Após a decisão de leitura de um artigo, Rabito e Schmitt (2018) destacam que eles são estruturados em introdução, metodologia, resultados, discussão e conclusão, sendo assim, a seguir cada item da estrutura será abordado com ênfase na leitura crítica. Ao ler a introdução, os autores precisam esclarecer de forma geral os principais problemas sobre o tema a ser estudado e apresentar o objetivo. Nesse item é fundamental embasar a relevância do estudo e da hipótese de pesquisa (RABITO; SCHMITT, 2018). O objetivo do estudo deve ser claro e partir dele ser possível avaliar os métodos de pesquisa, os resultados e as conclusões. Ele trata da pergunta de pesquisa, a qual será respondida na discussão e retomada de forma resumida na conclusão. Deve ser factível, original e relevante (GREENHALGH, 2013). Após o objetivo, a metodologia deve descrever onde e como os dados os quais serão apresentados foram coletados, nesse item do artigo o leitor poderá avaliar a qualidade e a confiabilidade para obtenção dos dados. Adicionalmente, a metodologia deve ser clara para que se possa entender a execução da pesquisa e a reprodutibilidade dos métodos empregados (GREENHALGH, 2013; RABITO; SCHMITT, 2018). 91 A maior parte dos estudos apresentam um roteiro básico para escrita da meto- dologia, que abrange: delineamento do estudo; critérios da seleção da amostra, proce- dimentos, equipamentos, reagentes, local de execução e características ambientais e éticas, dependendo do tipo de pesquisa (RABITO; SCHMITT, 2018). O Quadro 7 apresenta um resumo de quais descrições devem constar na metodologia de estudos quantitativos. QUADRO 7 – DESCRIÇÃO DA METODOLOGIA DE ESTUDOS QUANTITATIVOS Tópicos Descrições Delineamento do estudo Deve sinalizar se o estudo é retrospectivo, prospectivo ou experimental. Seleção da amostra Refere-se a critérios de inclusão e exclusão, cálculo da amostra (número de indivíduos a serem incluídos), se há randomização, grupo controle, grupo intervenção, cegamento etc. Caracterização da amostra Descrição de gênero, idade, ciclo hormonal, condições de saúde, caracterização do ambiente etc. Execução da coleta de dados Prestar atenção no uso de questionários validados, propostas de novos questionários, condições das intervenções, coleta de amostras biológicas. Exemplo: caso a pesquise avalie o estado, o que será coleta e como será classificado. Tempo de exposição Diz respeito, por exemplo, a quanto tempo de suplementação os indivíduos foram expostos; em pesquisas experimentais com animais, se a exposição foi aguda ou crônica. Variáveis observadas Dependem do que o estudo se propõe avaliar, por exemplo no caso da Nutrição, peso, altura, prega cutânea tricipital, tempo de internação etc. Análise estatística Deve ser descrita detalhando o teste estatístico utilizado e se ele é adequado para o tipo de amostra, se o número amostral foi calculado e se há vieses. Nível de significância. FONTE: Adaptado de Rabito e Schmitt (2018, p. 176) 92 Caro acadêmico! Se você quiser saber o que quer dizer a expressão “nível de significância em estudos clínicos”, acesse: https://nutritotal.com.br/ pro/o-que-a-valor-de-p/. DICAS Para ler e avaliar de forma crítica a metodologia de um artigo de revisão é fundamental observar quais as bases de busca foram utilizadas, os unitermos, idiomas (português, inglês, espanhol), tipo de estudos incluídos (ensaios clínicos randomizados, estudos observacionais etc.), o intervalo de tempo das publicações, por exemplo, de 2011 a 2021 (MELO, 2000; GREENHALGH, 2013). Canuto (2018) destaca que as diretrizes clínicas são conhecidas e bastante utilizadas pelos nutricionistas para escolha da conduta clínica. Elas baseiam em direcionamento para tomada de decisão dos profissionais de saúde a partir de evidências científicas. Sobre a leitura da sua metodologia, Rabito e Schmitt (2018) afirmam que se deve dar atenção criteriosa à forma de descriçãoou avaliação das evidências; como e quando foram coletados os estudos; e à seleção e síntese dos estudos. Os resultados de um estudo devem ser elaborados com a mais alta clareza e coesão, tanto para figuras, tabelas e quadros que são recursos que viabilizam a compreensão do leitor (MELO, 2000; GREENHALGH, 2013). Nas pesquisas quantitativas, a observação se todas as variáveis analisadas realmente estão presentes nos resultados deve receber atenção criteriosa, além disso, nesse item, caso haja perda amostral, os autores podem elencar as razões (RABITO; SCHMITT, 2018). As mesmas autoras inferem que no item resultados de um artigo de revisão, é pre- ciso identificar se os resultados respondem ao questionamento do estudo, e se são rele- vantes. As revisões podem apontar avanços ou mudanças no conhecimento (MELO, 2000). As diretrizes também apresentam resultados, os quais podem estar fundamen- tados em opinião de um grupo de especialistas na área, quando não há robustez de evidências científicas, por isso recomenda-se a verificação de vieses, por exemplo, o conflito de interesses. A qualidade desse tipo de publicação fundamenta-se na qualida- de dos artigos que a embasaram (GREENHALGH, 2013). O eixo da construção da discussão de um artigo científico consiste na compa- ração dos dados encontrados com outros semelhantes na literatura e na construção de hipóteses para explicar os achados. Nesse tópico há espaço para elencar limitações do estudo, pontos positivos e a contribuição para o avanço do conhecimento (RABITO; SCHMITT, 2018). 93 A leitura da conclusão baseia-se em examinar se o objetivo do trabalho foi respondido e se está de acordo com os resultados obtidos, evitando, assim, que o leitor considere afirmações indevidas e generalistas, as quais o trabalho não oferece condições de fazê-las (RABITO; SCHMITT, 2018). Melo (2000) afirma que a leitura crítica de artigos permite avaliar os estudos no contexto das suas limitações e avanços, a fim de que se tenha clareza da confiabilidade dos resultados e de que o conhecimento científico é fluído, ou seja, não é estanque, está em constante movimento. 3 O QUE SÃO DIRETRIZES CLÍNICAS E COMO SE DÁ A SUA ELABORAÇÃO Atualmente há uma grande quantidade de publicações científicas, mas sabe- se também que uma parte considerável do que é publicado muitas vezes não tem qualidade. Ademais, há condutas clínicas seguidas por profissionais de saúde que não são embasadas em evidências científicas (RIBEIRO, 2010). Nesse cenário, Ribeiro (2010) ressalta que é urgente e relevante direcionar as condutas seguidas pelos profissionais nas diferentes áreas de saúde para evidência científica de boa qualidade, tornando-as, assim, mais efetivas e de menor custo. Para tanto, o gerenciamento, na forma de uma normatização do cuidado em saúde, baseado em evidências científicas robustas e com caráter pedagógico, denomina-se Diretriz Clínica (DC). As diretrizes clínicas tratam-se de compilações de estudos originais, com metodologia rigorosa, de forma sistematizada, as quais têm por objetivo diminuir a heterogeneidade do cuidado em saúde (CANUTO, 2018). As evidências devem ser analisadas de forma crítica para evitar ou minimizar os vieses de pesquisa, uma vez que há DC de má qualidade. Desse modo, é preciso seguir uma metodologia semelhante a das revisões sistemáticas, que abranja fundamentação, metodologia empregada, análise crítica da literatura selecionada, os níveis de evidência, o grau de recomendação, as entidades que participaram da validação e a forma de validação (RIBEIRO, 2010). Khan e Stein (2014) complementam que a qualidade de uma DC é avaliada por meio de orientações produzidas que sejam exequíveis, que apresentam validade interna e externa, além de levar em conta os benefícios, riscos e custos a partir do que é recomendado e, por fim deve ser isenta de vieses induzidos por interesses comerciais ou corporativos. 94 Para abordar a variabilidade na qualidade das diretrizes foi elaborado o instrumento Appraisal of Guidelines for Research & Evalution (AGREE). É uma ferramenta que possibilita examinar o rigor metodológico e a transparência na elaboração da DC, para isso apresenta seis domínios: 1) escopo e finalidade; 2) envolvimento das partes interessadas; 3) rigor do desenvolvimento; 4) clareza da apresentação; 5) aplicabilidade; e 6) independência editorial (KHAN; STEIN, 2014). A construção das DC baseia-se em uma hierarquia de provas e recomendações, empregando números e letras para classificar o nível de evidência e graus de recomendação (CANUTO, 2018). O grau de recomendação, por exemplo, da Diretriz da Sociedade Brasileira de Diabetes – 2019-2020, baseou-se nas letras A (estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência), B (estudos experimentais ou observacionais de menor consistência), C (relatos de casos – estudos não controlados) ou D (opinião desprovida de avaliação crítica, baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais). Por sua vez, o nível de evidência é classificado por números e letras, 1A, 1B ou 1C; 2A, 2B, 2C, 3A ou 3B; 4; e 5. Na Figura 5 e Quadro 8 estão demonstrados o título da publicação, o grau de recomendação e o nível de evidência por tipo de estudo das Diretrizes Sociedade Brasileira de Diabetes 2019-2020. FIGURA 5 – TÍTULO: DIRETRIZES SOCIEDADE BRASILEIRA DE DIABETES 2019-2020 FONTE: Golbert et al. (2020, p. 1) Grau de recomendação: A. Estudos experimentais ou observacionais de melhor consistência. B. Estudos experimentais ou observacionais de menor consistência. C. Relatos de casos — estudos não controlados. D. Opinião desprovida de avaliação crítica baseada em consensos, estudos fisiológicos ou modelos animais (GOLBERT et al., 2020, p. 1). 95 QUADRO 8 – NÍVEL DE EVIDÊNCIA CIENTÍFICA POR TIPO DE ESTUDO FONTE: Golbert et al. (2020, p. 8-9) 96 Outro exemplo específico da área da Nutrição é a Diretriz ACERTO (Aceleração Total da Recuperação Pós-Operatória) de intervenções nutricionais no perioperatório em cirurgia geral eletiva (artigo a seguir). Essa diretriz discorre acerca das recomendações baseadas em evidências científicas elaboradas por um grupo de especialistas do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral e do projeto ACERTO. Tais recomendações nutricionais visam diminuir a morbidade, o tempo de internação, a taxa de reinternações e os custos (AGUILAR-NASCIMENTO et al., 2017). Diretriz ACERTO de intervenções nutricionais no perioperatório em cirurgia geral eletiva. Objetivo: apresentar recomendações, baseadas no Projeto ACERTO (Aceleração da Recuperação Total Pós-Operatória) e sustentada por evidências, relativas aos cuidados nutricionais perioperatórios em procedimentos eletivos em Cirurgia Geral. Métodos: revisão da literatura pertinente entre 2006 e 2016, com base em busca realizada nas principais bases de dados, com o intuito de responder a perguntas norteadoras previamente formuladas por especialistas, dentro de cada temática desta diretriz. Foram selecionados alguns estudos de coorte, mas, preferencialmente, foram utilizados estudos aleatórios controlados, revisões sistemáticas e meta- análises. Cada pergunta norteadora de recomendação foi contextualizada de modo a determinar a qualidade da evidência e a força desta recomendação (GRADE). Este material foi enviado aos autores utilizando um questionário aberto on-line. Após o recebimento das respostas, formalizou-se o consenso para cada recomendação desta diretriz. Resultados: o nível de evidência e o grau de recomendação para cada item é apresentado em forma de texto, seguido de resumo da evidência encontrada. Conclusão: esta diretriz traduz as recomendações do grupo de especialistas do Colégio Brasileiro de Cirurgiões, da Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral e do Projeto ACERTO para intervenções nutricionais no período perioperatório em Cirurgia Geral eletiva. A prescrição dessasrecomendações pode acelerar a recuperação pós-operatória de pacientes submetidos a operações eletivas em cirurgia geral, com diminuição de morbidade, do tempo de internação e de reinternações e, consequentemente, dos custos. Descritores: Assistência Perioperatória. Terapia Nutricional. Protocolos. Guia de Prática Clínica. FONTE: <https://bit.ly/2YJoEgk>. Acesso em: 18 ago. 2021. 97 Concluindo, as diretrizes são publicações que podem auxiliar os profissionais da área da saúde na tomada decisões que visem oferecer o melhor cuidado em saúde aos pacientes com o menor custo. Entretanto, é imprescindível que elas sejam conduzidas com rigor metodológico a fim de evitar vieses na produção dessas recomendações e prejuízos aos pacientes e desperdício de recursos. Caro acadêmico! Se você quiser conhecer a Diretriz Braspen (Sociedade Brasileira de Nutrição Parenteral e Enteral) de Terapia Nutricional no Paciente com Câncer, a Braspen recomenda os Indicadores de Qualidade em Terapia Nutricional. Acesse em: https://www.braspen.org/diretrizes. DICAS 4 DESINFORMAÇÃO NA ÁREA DA NUTRIÇÃO A expressão Fake News é originária do inglês, sendo fake – falso e news – notícias, em tradução livre quer dizer notícias falsas e diz respeito a informações difundidas por meio de comunicação que se disfarçam de veículos jornalísticos e que disseminam conteúdo comprovadamente incorreto ou impreciso a fim de enganar seu público (ALLCOTT; GENTZKOW, 2017). A propagação de informações falsas e a cultura da desinformação na área da saúde não é novidade, atualmente observa-se a circulação frequente e em grande quantidade de boatos acerca da infecção pelo vírus Sars-Cov-2, causador da Covid-19, do seu tratamento e por fim, sobre as vacinas (JÚNIOR, 2020). Galhardi et al. (2020) ao desenvolverem um estudo empírico quantitativo por meio de um aplicativo brasileiro denominado Eu Fiscalizo, demonstraram que o WhatsApp é o principal meio de compartilhamento de desinformação, seguido do Instagram e do Facebook. Os mesmos autores concluíram a partir da pesquisa que os conteúdos falsos sobre a Covid-19 propiciaram o descrédito da ciência e das instituições globais de saúde, por exemplo, a Organização Mundial da Saúde. Para combater esse fenômeno é crucial aumentar e popularizar informações de qualidade e confiáveis aos brasileiros. No cenário da pandemia da Covid-19 circula nas redes sociais um texto que reúne desinformação, ou seja, notícias falsas e distorcidas, acerca da defesa da automedicação contra a Covid-19 utilizando ivermectina, cloroquina, azitromicina, zinco e vitaminas C e D (MACÁRIO, 2021). 98 Apesar de o zinco e as vitaminas C e D modularem o sistema imune, não há até o momento dados que corroborem a afirmação do texto publicado em redes de WhatsApp, portanto, trata-se de desinformação (ABIOYE; BROMAGE; FAWZI, 2021; PINNAWALA; THRASTARDOTTIR; CONSTANTINOU, 2021). Abioye, Bromage e Fawzi (2021) evidenciaram em sua revisão sistemática, uti- lizando a ferramenta de metanálise a partir de testes clínicos randomizados e controla- dos, que a suplementação das vitaminas C, D e zinco pode apresentar efeitos bastantes modestos na prevenção de infecções respiratórias agudas e na melhora dos sintomas. Os mesmos autores esclarecem que não há estudos primários que examinaram o impacto desses micronutrientes sobre o risco de infecção do SARS-CoV-2, somente um estudo avaliou a influência da vitamina C em poucos casos e não identificou efeito significativo. O Resumo dos principais vieses e limitações identificados pela revisão sistemática intitulada Effect of micronutrient supplements on influenza and other respiratory tract infections among adults: a systematic review and meta-analysis (tradução livre: efeito da suplementação de micronutrientes sobre a infecção por influenza e outras infecções do trato respiratório em adultos: uma revisão sistemática e metanálise), estão apresentados no Quadro 9. QUADRO 9 – RESUMO DOS PRINCIPAIS VIESES E LIMITAÇÕES IDENTIFICADOS PELA REVISÃO SISTEMÁTICA A maioria dos estudos foi conduzida em países de alta renda, dificultando assim a generalização dos seus resultados. Grande parte dos estudos avaliou os desfechos de interesse a partir do que os participantes da pesquisa responderam, dificultando a identificação de associação. A maioria dos estudos apresenta vieses e o mais preocupante é a dependência de avaliação dos desfechos pelo autorrelato dos sujeitos da pesquisa. Não houve estudos conduzidos com gestantes. Não foi possível avaliar o impacto dos micronutrientes na gravidade dos sintomas, uma vez que diferentes formas foram adotas para avaliá-los. Os estudos utilizaram diferentes valores de referência no que se refere aos níveis plasmáticos dos micronutrientes. Limitação de informações acerca dos efeitos adversos, inviabilizando que os autores da revisão avaliassem a segurança de doses altas. FONTE: Adaptado de Abioye, Bromage e Fawzi (2021) 99 Concomitantemente, é importante reafirmar que a deficiência de micronutrien- tes, principalmente daqueles que apresentam ação imunomoduladora, como as vita- minas C, D e o zinco, pode comprometer a função do sistema imune e assim elevar a vulnerabilidade a infecções e consequentemente, reduzir a capacidade do organismo em combatê-las (PINNAWALA; THRASTARDOTTIR; CONSTANTINOU, 2021; GOMBART; PIERRE; MAGGINI, 2020). Akhtar et al. (2021) sugerem e recomendam a realização de estudos longitudinais para avaliar a extensão das deficiências de micronutrientes em pacientes com Covid-19 que apresentam alto risco (diabetes melito tipo II, obesidade, hipertensão arterial) para desenvolver a forma severa da doença. Ademais, precisa ser investigado o impacto da su- plementação na redução da gravidade da infecção e melhora dos índices de recuperação. Outro exemplo de desinformação diz respeito ao termo “detox”, empregado para dietas, sucos, chás, cápsulas comercializadas em farmácias ou em lojas que comercializam suplementos e/ou “produtos naturais”, os quais prometem emagrecimento e “desintoxicar” o organismo (KLEIN; KIAT, 2014; OBERT et al., 2017). Apesar do conhecimento acerca do processo de detoxificação realizado pelo organismo e envolvendo intestino, fígado e rins, as dietas, sucos, chás e cápsulas detox angariam muitos adeptos na ansiosa procura por um corpo saudável e que se adeque ao padrão de beleza atual (OBERT et al., 2017). Tal conceito de desintoxicar o organismo tem origem em duas proposições, a primeira é de que se ingere junto aos alimentos e bebidas substâncias tóxicas, sem função no organismo e que causam mal, logo precisam ser eliminadas; a segunda é de que é possível excretar essas substâncias tóxicas por meio de um suco, chá, dieta e/ou cápsulas (KLEIN; KIAT, 2014). A preposição de eliminação do que nos causa mal por meio de dietas, sucos e chás e cápsulas “detox”, de acordo com Obert, Pearlman e Chapin (2017), associa, ainda, a falsa ideia de emagrecimento, não têm comprovação científica sólida e confiável e são despro- vidas de eficácia comprovada. A perda de peso observada baseia-se na redução significa- tiva da ingestão calórica, a qual pode chegar a 400 kcal/dia, bem como na perda de água e de material fecal, quando esses tratamentos preconizam também o uso de laxativos. Dentre os agravos à saúde, a partir do seguimento de dietas com restrição extrema de calorias, se observa a elevação dos níveis de hormônios ligados ao estresse, como o cortisol, o qual pode levar a um efeito rebote de compulsão alimentar (MAZURAK et al., 2013; KLEIN; KIAT, 2014; OBERT et al., 2017). A supervalorização de determinados alimentos e a “demonização” de outros relaciona-se da mesma forma com desinformação, apesar de o Guia Alimentar para População Brasileira publicado em 2014 orientar sobre a importância de uma alimentação saudável e variada. 100 Passos, Silva e Santos (2020) descreveram e analisaram conteúdos de notícias associadas a ciclos de buscas aoGoogle ligados a oito tipos de dieta: cetogênica; da lua; da proteína; da sopa; detox; dos pontos; paleo; e Dukan, tais dietas foram escolhidas porque o Google Trends® as apontou como as mais associadas com o termo dieta. A ênfase dos acessos refere-se à busca por informações para perda de peso rápida a fim de atender um ideal de saúde que está atrelado obrigatoriamente a um padrão estético. Outro ponto relevante relaciona-se à exposição e à influência de celebridades referindo suas experiências dietéticas e a opinião de especialistas (PASSOS; SILVA; SANTOS, 2020). As doenças cardiovasculares (DCV) são as que apresentam maior prevalência mundial, causam maior número de óbitos, todavia também maior possibilidade de pre- venção. Os hábitos alimentares influenciam fortemente o aparecimento das DCV, mas também sua prevenção, sendo assim, diferentes abordagens dietéticas vêm aparecen- do como possibilidades de promover a saúde cardiovascular (SOUZA et al., 2020). Os mesmos autores pontuam que a velocidade de informações falsas veiculadas pelas mídias sociais e internet é muito rápida e que a dieta cetogênica e o jejum intermitente são as abordagens mais populares na atualidade. Em resumo, o estudo evidenciou que existem evidências científicas modestas acerca das duas abordagens dietéticas sobre possíveis benefícios para saúde cardiovascular e que ambas permitem alimentos que reconhecidamente elevam o risco cardiovascular. Caro acadêmico! Se você quiser saber sobre sites confiáveis de checagem de informação na área da Nutrição, a Faculdade de Ciências da Nutrição da Universidade do Porto (Portugal) criou uma ferramenta que possibilita acesso livre aos interessados. Após seleção de temas da atualidade em mídias sociais, há avaliação do conteúdo de acordo com um sistema de classificação: “verdadeiro”, “impreciso” ou “falso”. Disponível em: https://www.jpn.up.pt/2019/09/25/fcnaup-cria-site-para- combater-desinformacao-em-nutricao/. DICAS A dieta isenta em glúten é recomendada a indivíduos portadores de doença celíaca, uma condição autoimune em que nenhuma outra terapia atualmente é viável. Apesar do aumento da prevalência, por conta do conhecimento acerca da doença pela comunidade científica, observa-se um aumento desproporcional da indústria de alimentos isentos em glúten (REILLY, 2016). https://www.jpn.up.pt/2019/09/25/fcnaup-cria-site-para-combater-desinformacao-em-nutricao/ https://www.jpn.up.pt/2019/09/25/fcnaup-cria-site-para-combater-desinformacao-em-nutricao/ 101 Caro acadêmico! Se você quiser saber como o Conselho Federal de Nutricionistas (CFN) alerta e orienta profissionais e estudantes sobre a disseminação de informações falsas relacionadas à área da Nutrição, sugerimos visitar a página do CFN. Disponível em: https://www.cfn.org.br/ index.php/noticias/existe-muita-fake-news-quando-o-assunto-e-nutricao//. DICAS Os motivos que levam os indivíduos a consumirem esses alimentos é pouco conhecido. Em uma pesquisa conduzida com americanos adultos que adotaram uma dieta isenta em glúten, 35% afirmaram não ter motivos para tal, 25% por opção “mais saudável” e 19% para “saúde digestiva”, 10% por terem algum familiar com sensibilidade ao glúten e 8% por ter sensibilidade ao glúten, citação mais racional (RIELLY, 2016). O seguimento de um padrão alimentar restritivo sem orientação de um nutricionista ou médico representa riscos à saúde, uma vez que alimentos isentos em glúten contêm maior densidade de gordura e açúcar do que os que têm glúten (WILD et al., 2010). Adicionalmente, Miranda et al. (2014) enfatizam que a dieta isenta em glúten pode levar a deficiência de vitamina B9 e ferro, pois excluem as farinhas, as quais são fortificadas com esses dois nutrientes. O excesso de informações disseminado por diversos meios e mídias (televisão, rádio, blogs, mídias sociais, aplicativos de conversa etc.), muitas vezes conflitante e duvidoso, torna difícil a tarefa de garimpar informações seguras e confiáveis e que possam orientar de forma correta os indivíduos. Tal fenômeno traz consequências negativas também para tomada de decisões de gestores e profissionais da saúde (GARCIA; DUARTE, 2020). Ao final e ao cabo é preciso adotar critérios rigorosos e sistemáticos para leitura de conteúdos e artigos científicos com o objetivo de não orientar e/ou disseminar informações falsas e duvidosas e, assim, poder efetivamente contribuir para o bem- estar das pessoas. Caro acadêmico, seja você um (a) cidadão/cidadã comprometido (a) com a checagem de dados e informações antes da difusão de qualquer conteúdo! 102 CICLOS DE ATENÇÃO A DIETAS DA MODA E TENDÊNCIAS DE BUSCA NA INTERNET PELO GOOGLE TRENDS Jasilaine Andrade Passos Paulo Roberto Vasconcellos-Silva Ligia Amparo da Silva Santos A internet tornou-se uma fonte abundante e acessível de informações sobre saúde em meio às quais muitas questões sobre alimentação e nutrição têm sido colocadas em distintivo patamar de exposição e interesse. Nesse campo, informações sobre dietas – seja para emagrecimento, desintoxicação, controle de condições mórbidas ou propósito equivalente-preenchem de conteúdos centenas de milhares de sites que buscam atender a variadas modalidades de fruição. Este trabalho objetivou descrever e analisar conteúdos de notícias associadas a ciclos de buscas ao Google ligados a oito tipos de dieta: a cetogênica; da lua; da proteína; da sopa; detox; dos pontos; paleo; e Dukan. Elas foram selecionadas por terem sido apontadas pelo Google Trends® (GT) como as mais frequentemente associadas ao termo dieta. Os conteúdos dos sites vinculados aos maiores picos de buscas foram apontados pelo Google News®. O volume de buscas às dietas foi estimado pelo GT com filtros de região (Brasil) e temática (Saúde) considerando o período de 1/1/2012 a 1/1/2017. Os acessos retratam ciclos efêmeros com centenas de picos e quedas de interesse pelas oito dietas da moda. A ênfase se concentra nas orientações para rápida perda de peso em prol de um ideal de saúde tido como proxy de um ideal estético. A dimensão dos riscos associados às dietas mais restritivas é citada frequentemente e validada por informações de especialistas. Destaca-se a exposição e a influência da opinião de celebridades relatando suas experiências dietéticas. Ao contrário do ideal de variedade e equilíbrio, as dietas da moda retratam a pressão pelo autocontrole alimentar como recurso à construção de um corpo idealizado e tipificado por imagens das celebridades. FONTE: Adaptado de <https://bit.ly/3c4vbJb>. Acesso em: 22 jun. 2021. LEITURA COMPLEMENTAR 103 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • Para o cuidado em saúde fundamentado na Saúde Baseada em Evidências (SBE) é fundamental a leitura crítica e sistematizada, a qual possibilita identificar elementos importantes que denotem confiabilidade das informações divulgadas, tendo em vista que nem tudo que é publicado é de boa qualidade e confiável. • Os artigos científicos, em sua grande maioria, apresentam as seguintes seções: título, resumo, introdução, metodologia, resultados, discussão, conclusão, agradecimentos, declaração de conflito de interesses e referências. • Para busca ativa de artigos científicos nas bases de dados é preciso determinar os termos a partir dos descritores em saúde e escolher os idiomas, português, inglês, espanhol, por exemplo. • Os conectores entre os unitermos são “e” (and), com função de união; “ou” (or), quando há maior margem de liberdade no assunto; e não (not), para exclusão assunto correlato. • Após essas etapas: a) determinação e clareza do problema/hipótese; b) consulta dos descritores em saúde dos unitermos (palavras-chave) adequados; c) escolha dos sites de busca de artigos científicos (SciELO, LILACS, PubMed etc.); aparecerão vários artigos e quanto mais específicas as palavras-chave melhor será a seleção. • O título e o resumo são primeiros tópicos do artigo com os quais o leitor terá contato e poderá determinarse fará ou não a leitura completo da publicação. • Os artigos seguem um roteiro de apresentação, o qual constitui-se de introdução, objetivo, metodologia, resultados, discussão e conclusão. • A criticidade na leitura de cada tópico de um artigo permite avaliar sua confiabilidade, limitações e pontos positivos. • As diretrizes clínicas tratam-se de uma compilação de estudos originais, com metodologia rigorosa e sistematizada, as quais têm por objetivo diminuir a heterogeneidade do cuidado em saúde. • A construção das DC baseia-se em uma hierarquia de provas e recomendações, empregando números e letras para classificar o nível de evidência e graus de recomendação. 104 • A desinformação refere-se à difusão de notícias/conteúdos falsos por meio da internet, mídias sociais, aplicativos de conversa etc. • Na área da saúde sempre houve muita divulgação de desinformação e a Nutrição é também afetada por essa tendência que se intensificou a pandemia da Covid-19. • Há vários exemplos de conteúdos difundidos relacionados à Nutrição que são distorcidos e não confiáveis, que podem trazer agravos à saúde. • São exemplos de recomendações não confiáveis, distorcidas e isentas de rigor científico, as dietas para emagrecimento rápido e milagroso, “detoxificação” do organismo, padrões alimentares restritivos (alimentos sem glúten) que visam atender uma demanda de mercado atrelada única e exclusivamente ao lucro. • Para evitar a disseminação desses conteúdos, deve-se seguir algumas regras básicas: fazer checagem da fonte, identificar quem escreveu, em quais referências está baseado o conteúdo, se quem disseminou o conteúdo recebe aporte financeiro da indústria de alimentos etc. 105 1 A leitura crítica e sistematizada de artigos científicos possibilita que o profissional da área da saúde possa basear a sua conduta clínica e orientações em evidências científicas. Sendo assim, pode prover a melhor possibilidade de cuidado aos pacientes e com menor custo. Portanto, a partir do exposto e do artigo Efeitos da suplementação de ômega-3 na síndrome da anorexia-caquexia em pacientes oncológicos: uma revisão sistemática, de Santos, Monteiro e Almeida (2021), sobre quais informações pertinentes poderão ser extraídas, analise as assertivas a seguir: FONTE: SANTOS, G. S.; MONTEIRO, H. M.; ALMEIDA, R. R. Efeitos da suplementação de ômega-3 na síndrome da anorexia-caquexia em pacientes oncológicos: uma revisão sistemática. BRASPEN, v. 36, n. 1, p. 115-22, 2021. Disponível em: https://bit.ly/3caXupB>. Acesso em: 18 ago. 2021. I- Trata-se de um artigo original que testou os resultados da suplementação de ômega-3 em pacientes com câncer comparados a um grupo controle. II- Os autores publicaram uma revisão integrativa, a qual não há critérios rigorosos para seleção dos artigos que fazem parte da revisão. III- Trata-se de um estudo observacional onde não há interferência dos autores, mas a observação de eventos relacionados ao câncer e anorexia-caquexia. IV- O estudo desenvolvido pelos autores emprega critérios metodológicos rigorosos e bem descritos acerca dos artigos selecionados e incluídos na revisão. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas I e III estão corretas. b) ( ) Somente a assertiva II está correta. c) ( ) Somente as assertivas II e IV estão corretas. d) ( ) Somente a assertiva IV está correta. 2 As primeiras etapas para seleção de artigos científicos envolvem elaboração de um questionamento claro e objetivo, seguida da escolha de unitermos, de conectores entre eles e dos sites de busca dos artigos. Na sequência, aparecerão vários artigos e pelo título e resumo o leitor é capaz de observar se há interesse ou não em ler integralmente o trabalho. Portanto, leia o título, indique se há possibilidade de testar a hipótese a seguir e justifique sua resposta. Hipótese: Existem fatores de risco subestimados ou superestimados entre a insatis- fação com a autoimagem corporal e o estado nutricional de adolescentes brasileiros? AUTOATIVIDADE 106 FONTE: MOEHLECKE, M. et al. Auto-imagem corporal, insatisfação com o peso corporal e estado nutricional de adolescentes brasileiros: um estudo nacional. Jornal de Pediatria, Rio de Janeiro v. 96, n. 1, p. 73-86, 2020. Disponível em: https://bit.ly/3IP5zwt. Acesso em: 18 ago. 2021. 3 A disseminação de informações falsas na área da saúde não é um fenômeno novo, mas na atualidade com a pandemia da Covid-19 aumentou bastante. Na área da Nutrição, isso não é diferente, visto que muitas pessoas sem conhecimento recomendam e orientam o seguimento de dietas e de restrições alimentares, elevando, assim, o risco de agravos à saúde. Para garantir a não propagação de desinformação, algumas regras devem ser seguidas com atenção. Nesse contexto, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Após repassar o conteúdo, checar a origem da publicação, se há autores e quantas vezes tal informação foi repassada. b) ( ) Você, acadêmico de Nutrição, pode prescrever e orientar indivíduos saudáveis e doentes acerca de dietas. c) ( ) Antes de repassar qualquer conteúdo é imprescindível checar a origem da publicação, se o autor tem conhecimento e é formado em Nutrição, se há embasamento científico e na dúvida, não repasse. d) ( ) Todas as pessoas têm algum conhecimento na área da Nutrição e devem repas- sar conteúdos importantes para aumentar o conhecimento de outros indivíduos. 4 As Diretrizes Clínicas (DC) são estudos publicados por especialistas de determinada área sobre as evidências que sustentam certas condutas, as quais podem e devem adotadas por outros profissionais. Ao ler, é preciso atenção ao rigor metodológico e vieses que elas podem apresentar. Com relação à metodologia e os vieses relacionados às DC, analise as assertivas a seguir: I- Observar a descrição ou avaliação das evidências científicas, a forma como os estudos foram selecionados e incluídos na DC e síntese dos artigos que embasaram a publicação. II- Um dos vieses que podem ser constatado é o conflito de interesses, por exemplo, um dos autores ou vários deles são remunerados pela indústria de alimento ou/e por laboratórios que comercializam suplementos alimentares, medicamentos etc. III- A eficácia de um tratamento não precisa ser avaliada por uma DC, pois ela não tem o objetivo de direcionar a conduta clínica de profissionais da área da saúde, deixando, assim, essa análise aos leitores. IV- Ao recomendar uma orientação, os especialistas que elaboraram uma DC necessitam avaliar a sua aplicabilidade, ou seja, se ela é factível, se seu custo é viável etc. 107 Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) As assertivas III e IV estão corretas. b) ( ) As assertivas I, II e IV estão corretas. c) ( ) Somente a assertiva II está correta. d) ( ) As assertivas I e III estão corretas. 5 A clareza do objetivo de um artigo científico possibilita que o leitor avalie o delineamento da pesquisa, os resultados encontrados e a conclusão dos autores. É a pergunta que deve ser respondida pela pesquisa. Considerando tais afirmações, elabore um questionamento de pesquisa e na sequência um objetivo. 108 REFERÊNCIAS ABIOYE, A. I.; BROMAGE, S.; FAWZI, W. Effect of micronutrient supplements on influenza and other respiratory tract infections among adults: a systematic review and meta- analysis. BMJ Global Health, [s.l.], v. 6, p. 1-15, jan. 2021. AGUILAR-NASCIMENTO, J. E.; et al. 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Nutrição baseada em evidências. In: OLIVEIRA, A. N.; GOTTSCHALL, C. B. A.; SILVA, F. M. Metodologia de pesquisa em nutrição: embasamento para a condução de estudos e para a prática clínica. Rio de Janeiro: Rubio, 2018. 224 p. CASSIMIRO, M. C.; BAVARESCO, A.; SOARES, A. M. Integridade científica e o impacto dos conflitos de interesses na sociedade: Uma Análise à Luz da Teoria do Reconhecimento de Axel Honneth. Mirabilia Medicinae, [s.l.], v. 3, n. 2, p. 6-21, 2014. CODATO, A. O novo Qualis de Referência e o uso do fator de impacto para ordenar periódicos: o caso da ciência política. Curitiba: Capes/UFPR, 2019. CONSELHO FEDERAL DE NUTRICIONISTAS. Código de ética e conduta do nutricionista: resolução nº 599/2018. Brasília: CFN, 2018. Disponível em: https://www. cfn.org.br/wp-content/uploads/2018/04/codigo-de-etica.pdf. Acesso em: 13 jun. 2021. CORDEIRO, A. M. et al. Revisão sistemática: uma revisão narrativa. Rev. Col. Bras. Cir., Brasília, v. 34, p. 428-31, dez. 2007. DAINESI, S. M. 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TÓPICO 1 – NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL TÓPICO 2 – GENÔMICA NUTRICIONAL Preparado para ampliar seus conhecimentos? Respire e vamos em frente! Procure um ambiente que facilite a concentração, assim absorverá melhor as informações. CHAMADA 116 CONFIRA A TRILHA DA UNIDADE 3! Acesse o QR Code abaixo: 117 TÓPICO 1 — NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL UNIDADE 3 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, o excesso de peso é um problema de saúde global por conta da sua associação com outras doenças, como o Diabetes Melito, Hipertensão Arterial, Doenças Cardiovasculares etc. Nesse contexto, você sabia que inúmeros estudos científicos procuram encontrar um tratamento eficaz para o excesso de peso? E que até o momento, a comunidade científica não encontrou uma solução efetiva? Você tem conhecimento que as dietas com restrição calórica, principalmente as que se caracterizam por restrição severa, quando adotadas de forma isolada, sem enfoque nas questões emocionais, culturais, socioeconômicas e na saúde, acabam por favorecer o reganho de peso e em alguns pacientes, ao final, podem levar a um peso corporal maior do que antes de iniciar o tratamento dietético? Nesse cenário, serão estudados o conceito e os fundamentos teóricos da Nutrição Comportamental a qual se propõe uma abordagem baseada em mudanças comportamentais e considera as emoções como fatores que influenciam as escolhas alimentares. Além disso, serão estudadas as possíveis contribuições e características do tratamento dietético na obesidade, diabetes e transtornos alimentares com enfoque na Nutrição Comportamental. Você sabia que é importante desenvolver habilidades interpessoais e de comunicação para melhor abordagem do paciente? E que as restrições alimentares podem afetar o comportamento do indivíduo? Para tanto, neste tópico você terá a oportunidade de conhecer a Nutrição Comportamental e suas contribuições alicerçadas no conhecimento das emoções que permeiam o comportamento alimentar. 2 NUTRIÇÃO COMPORTAMENTAL: CONCEITOS E FUNDAMENTOS TEÓRICOS Os temas referentes à Nutrição e a alimentação estão em evidência e mais acessíveis na atualidade, no entanto, é oportuno destacar que apesar do conhecimento científico estar em constante construção, ainda se observa uma abordagem limitada e superficial acerca dos alimentos, sendo classificados como “saudáveis” e “não saudáveis” ou ainda como “bons ou ruins” (ALVARENGA et al., 2019a). 118 As mesmas autoras inferem que quando se adota como linha de pensamento uma visão dicotômica, ou seja,bom ou ruim, saudável ou não saudável, reduz-se o co- nhecimento científico na área da Nutrição e alimentação e estreita-se a possibilidade em analisar o indivíduo em um contexto amplo, incluindo fatores culturais, socioeconô- micos, emocionais e por fim, exclui-se o prazer em se alimentar e incorpora-se a culpa. Uma questão importante é que a mudança de comportamento frequentemente não acontece, mesmo que o paciente tenha sido orientado pelo nutricionista e que ele saiba da importância para a sua saúde. Assim, a Nutrição Comportamental busca problematizar a forma de intervenção tradicional do nutricionista a fim de incluir aspectos fisiológicos, sociais e emocionais da alimentação e mudar a forma de relacionamento e a comunicação com o paciente e a mídia (ALVARENGA et al., 2019a). Para entender os fundamentos teóricos sobre a mudança comportamental e deste modo viabilizar a adesão do paciente às recomendações necessárias para reduzir os agravos à saúde ou prevenir doenças, faz-se essencial definir o que é comportamento. O comportamento pode ser definido como maneira de ser comportar ou de se conduzir; como um conjunto de ações de um indivíduo ou ainda conjunto de reações diante de interações com o meio em que o indivíduo está inserido (FERREIRA, 1999). As áreas da ciência que se debruçam no estudo do comportamento humano são a Psicologia, as Ciências Sociais, a Sociologia e a Antropologia. De forma resumida, na área da Psicologia, em 1912, iniciou-se um movimento denominado Behaviorismo oriundo do inglês Behavoir, denominado em português de comportamentalismo. Nessa perspectiva, a expressão da atividade mental se dá por atos, gestos, palavras, expressões, atitudes ou reações a estímulos do meio no qual o ser humano está inserido (TARAGANO; ALAVARENGA, 2019). Os trabalhos sobre comportamentalismo, sobre Psicologia experimental entre outros, auxiliaram a formar a Terapia Comportamental (TC) a qual é caracterizada por uma combinação de procedimentos verbais e de ação, com emprego de técnicas e métodos que objetivam a modificação de comportamentos e/ou pensamentos e crenças disfuncionais (TARAGANO, ALAVARENGA, 2019). As mesmas autoras destacam também que a TC visa a análise do compor- tamento e dos processos cognitivos que podem influenciá-lo, sendo denominada de Terapia Cognitivo-Comportamental (TCC). Nesse contexto, o cerne da TC aponta para solução do problema a partir de uma avaliação e de intervenção para gerar valorizações contínuas de progresso. 119 O processo que gera a mudança de comportamento é complexo e é perpassado pela aprendizagem, abrangendo o condicionamento clássico, a associação de estímulos neutros, emoções intensas e situações de estresse, experiências vivenciadas no dia a dia decorrentes das relações que se estabelecem entre os indivíduos (TARAGANO; ALAVARENGA, 2019). Klotz-Silva, Prado, Seixas (2016) argumentam e alertam que a TCC visa somente propiciar a mudanças de hábitos alimentares por meio de uma adequação do comportamento alimentar. Nessa esteira de argumentação as autoras questionam a responsabilização individual para mudança do comportamento alimentar, podendo levar a uma falsa ideia de “fraqueza” ou “falta de ânimo para mudar”. Para compreender do que se trata a Nutrição Comportamental (NC) é importante entender, como enfatizam Alvarenga, Koritar e Moraes (2019c), o que é o comportamento alimentar e seus determinantes. O termo “comportamento alimentar” é empregado para expressar consumo, modo de comer, como e onde o indivíduo se alimenta. Destaca-se a carência de definições homogêneas, incluindo os construtos e a taxonomia (identificação, descrição, nomenclatura e classificação), acerca do comportamento alimentar e isso acaba muitas vezes por resultar em um entendimento errôneo sobre o conceito, como por exemplo considerar parâmetros clínicos como comportamentos, incluindo o peso corporal (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c). No campo da Alimentação e Nutrição distinguem-se dois conceitos relevantes os quais são: alimentar-se para garantir a vida provendo nutrientes que garantem a manutenção do corpo e o comer que carrega dimensões sociais e culturais, que remete a alimentação à uma dimensão social (SANTOS, 2008). No Guia Alimentar para População Brasileira, a alimentação é definida para além da ingestão de nutrientes, ou seja, além de considerar os alimentos que compõem e fornecem nutrientes, como eles são combinados e preparados, o modo de comer, é bastante relevante ponderar acerca das dimensões culturais e sociais as quais permeiam o ato de se alimentar (BRASIL, 2014). De acordo com a NC, o comportamento alimentar abrange métodos, reações, maneiras de proceder com o alimento (como, com o quê, com quem, onde e quando comemos), assim o que se come não é, portanto, comportamento alimentar. Os eventos pré-ingestão são os que se relacionam diretamente com o comportamento, os quais se remetem à cultura, à sociedade e à experiência com o alimento (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c). A compreensão de nossas atitudes frente aos alimentos insere alguns questionamentos, como por exemplo, as razões para comer o que se come, as situações em que se come e o que se pensa e se sente com relação ao alimento (ALVARENGA; 120 KORITAR; MORAES, 2019c). Portanto, nesse cenário as mesmas autoras destacam que há três componentes envolvidos em atitudes relacionadas aos alimentos, o afetivo (sentimentos, humor e emoções); cognitivo (crenças e conhecimento sobre o alimento); e volitivo (vontade, predisposição para agir). O estresse e as emoções negativas (tristeza, raiva, culpa etc.) estão envolvidos no “comer emocional”, mas não somente, pois as emoções consideradas positivas (alegria, excitação etc.) também são gatilhos emocionais, uma vez que não se relacionam à fome física (STRIEN, 2018). O Sistema Nervoso Central (SNC) e o Trato Digestório (TD) (estômago, intestinos, pâncreas, fígado) são centros reguladores da fome e da saciedade, os quais são fundamentais para manutenção da vida (CLEMMENSEN et al., 2017). A harmonização entre os estímulos externos, os quais abrangem características dos alimentos (temperatura, textura, palatabilidade, familiaridade, composição nutricional etc.); dos indivíduos (aspectos socioculturais e psicológicos, tabus, crenças, renda, mídia etc.) e os internos (nível de glicemia, ação de neurotransmissores, taxa de metabólica, receptores sensoriais, reserva energética etc.) resulta em um controle da ingestão alimentar e denota a complexidade desse processo essencial à vida (CLEMMENSEN et al., 2017). Nesse contexto, define-se fome como a necessidade de se alimentar resultante da privação de energia ou de alimentos, o que permite a busca por comida; saciedade diz respeito à plenitude gástrica associada a ausência de fome com sensação de bem estar e o intervalo entre uma refeição e outra; saciação traduz-se em controle do tamanho da refeição; e fome hedônica ou apetite se expressa no desejo de comer um alimento ou grupo de alimentos em particular, a fim de se obter prazer (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c; GIBBONS et al., 2019). Alvarenga, Koritar e Moraes (2019c) inferem que começamos a comer “porque temos fome (resultado da necessidade metabólica e controlada pelo SNC e TGI); depois “porque queremos comer” (apetite, desejo de comer e ter prazer, independente da necessidade biológica); e porque “é hora de comer” (seguimento de hábitos postulados pela sociedade, família, trabalho, grupo em que vivemos); ou só porque a comida está disponível e acessível. Em contrapartida, os sinais de saciação e saciedade já aparecem a partir do momento em que se ingere pequenas porções de alimentos, os quais são digeridos e absorvidos, assim não é preciso estar completamente saciado para ter sensação de plenitude. Adicionalmente, há uma variabilidade individual na expressão do apetite, da saciação e da saciedade, uma vez que há alguns que param de comer a primeira sensaçãode saciedade e outros só param quando não conseguem mais comer ou quando já estão se sentido mal (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c; GIBBONS et al., 2019). 121 Apesar da saciação e saciedade serem estudadas separadamente, elas são sustentadas e sobrepostas por uma cascata de respostas disparadas previamente por uma avaliação cognitiva e sensorial acerca da qualidade e quantidade de alimento; e por sinais de pós–ingestão e pós-absorção gerados pelo consumo e subsequente digestão e absorção dos nutrientes (Figura 1) (MCCRICKERD; FORDE, 2016). FIGURA 1 – CASCATA DE SACIEDADE FONTE: Mccrickerd e Forde (2016, p. 19) Adicionalmente, o apetite é modulado pelas emoções, sejam elas positivas ou negativas, pela condição de saúde psicológica do indivíduo e pela intensidade das emoções (STRIEN, 2018; EVERS et al., 2018). Alvarenga, Koritar e Moraes (2019c) destacam que o apetite pode ser estimu- lado pela disponibilidade de alimentos bastante palatáveis (ricos em açúcar, gorduras e sódio) e pelo estresse. Sendo assim, atualmente, principalmente em países de baixa renda como o Brasil, é possível detectar o alto consumo destes alimentos por sua pa- latabilidade, baixo custo e fácil acesso. A ingestão de alimentos altamente palatáveis e ultraprocessados contribui para o excesso peso e agravos importantes à saúde, para tanto as dietas da moda com restrição de grupos alimentares e restrição calórica são adotadas com o objetivo de perder peso corporal (SARTORELLI et al., 2019; BORTOLINI et al., 2019; CARVALHO; DUTRA; ARAÚJO, 2019). 122 No entanto, vale ressaltar que as restrições calóricas e/ou alimentares têm fracassado enormemente no tratamento do excesso de peso e podem como efeito rebote levar a um maior acúmulo de peso corporal e ainda causar doenças. Quando se adere a uma dieta com baixo valor energético e de nutrientes (restritiva), o organismo não tem capacidade para distinguir o que é uma restrição auto infringida de uma restrição real por falta de alimento, assim em resposta a esse estresse há uma redução da taxa metabólica e um aumento da fome e do apetite na tentativa de restaurar o equilíbrio (STRIEN, 2018; FREIRE, 2020). Para que o comer emocional se estabeleça e se observe uma desinibição para se alimentar, apesar da ausência da fome física, previamente um sinal inibitório está imposto, como por exemplo o seguimento de uma dieta restritiva. Em resumo, é preciso um sinal inibitório (restrição alimentar) para ocorrer a desinibição da ingestão alimentar e culminar no comer emocional (STRIEN, 2018). Alvarenga, Koritar e Moraes (2019c) enfatizam que a busca contínua por aplacar a sensação de fome, seguindo por exemplo uma dieta restritiva, pode desencadear uma dessensibilização às sensações de fome e saciedade e por sua vez elevar o risco para o comer emocional. Quando um indivíduo se encontra em uma situação de estresse, o organismo mimetiza uma sensação intensa de saciedade, sendo assim, ter fome e se alimentar, apesar do estresse, é uma reação atípica (LAZAREVICH et al., 2016; ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c). De acordo com Herman e Polivy (2005) muitos indivíduos se alimentam, na maioria das vezes, desconsiderando as necessidades biológicas, uma vez que não tem fome e nem saciedade. 3 COMPORTAMENTO ALIMENTAR E SEUS DETERMINANTES Como já discutido anteriormente postula-se que o consumo alimentar é determinado por escolhas individuais e caracteriza-se por uma complexidade alta, visto que há envolvimento e inter-relação de fatores biológicos, socioculturais e psicológicos. A escolha do alimento X e a recusa do alimento Y é resultado de um processamento mental o qual envolve avaliação, julgamento das opções e, por fim, a escolha do que será ingerido. Considerações relevantes desse processo abrangem o que, como, quando, onde e com quem as pessoas se alimentam (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c). As escolhas alimentares envolvem ações conscientes, automáticas, habituais e subconscientes, assim sendo dependem das atitudes. O alimento é fornecedor de energia e nutrientes, fonte de prazer e recompensa e fortalecimento de vínculo social. Portanto, o nutricionista precisa reconhecer e considerar essa dinâmica complexa que envolve o ato de se alimentar, sua importância no contexto individual e social a fim de oferecer um cuidado nutricional mais humanizado e integrativo (HIGGIS, 2015). 123 No Quadro 1 estão demonstrados os três tipos de determinantes das escolhas alimentares, os quais referem-se ao alimento, ao comedor e ao ambiente. QUADRO 1 – DETERMINANTES DA ESCOLHA ALIMENTAR Categoria Fatores Relacionados ao alimento Sabor, aparência, valor nutricional, qualidade, higiene, cheiro, textura, variedade, preço, origem, familiaridade. Relacionados ao ambiente Fatores físicos Odor, iluminação, conforto, limpeza, localização, opções, presença de pessoas conhecidas e distrações do ambiente. Fatores socioculturais Família, mídia e cultura local. Relacionados ao comedor Biológicos Fisiológicos, patológicos, genéticos, preferências alimentares, idade, gênero e estado nutricional. Socioeconômicos Renda familiar, escolaridade, preço. Antropológicos e psicológicos Crenças, emoções, expectativas, experiências positivas ou negativas. FONTE: Adaptado de Alvarenga, Koritar e Moraes (2019c, p. 49) Os estímulos sensoriais captados pelo olfato, paladar e tato associados aos sistemas visual e auditivo integram um complexo mecanismo que permiti identificar, escolher e apreciar os alimentos. Sob essa perspectiva, o sabor e o cheiro exercem papel central na apreciação do alimento, mas a apresentação (cor, forma e textura), temperatura, conteúdo de gordura, além do ardor (sabor picante) como também o som da mastigação são elementos que permeiam e determinam o paladar (MCCRICKERD; FORDE, 2016; BOESVELDT; GRAAF, 2017). Nosso organismo preserva características que visam manter a sobrevivência, para tanto são necessárias a homeostase energética e a constante luta contra a inanição, assim sendo, há uma rede complexa e rigorosamente modulada para a busca por comida. Por outro lado, com a evolução o prazer passa a ter papel central em determinar a escolha alimentar, visto que um alimento não será escolhido caso não tenha sabor e cheiro agradáveis, boa aparência e/ou textura (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c). Nesse cenário, é primordial dar ênfase à culpa relacionada ao prazer em comer, uma vez que um estilo de vida saudável está comumente associado a sacrifícios e negação do prazer à mesa. Ademais, vincula-se o prazer ao que “engorda e não é 124 saudável”, portanto a culpa passa a dominar o comportamento alimentar e desencadear mudanças para afastá-la, mas ao mesmo tempo podem emergir sentimentos de impotência e perda de controle, afetando autoestima, saúde e peso corporal (KUIJER; BOYCE, 2014). A vergonha e a culpa são sentimentos associados à sintomatologia relacionada a transtornos alimentares incluindo o transtorno de compulsão alimentar, caracterizado pela ingestão de uma quantidade de alimentos maior do que outras pessoas consumi- riam em circunstâncias análogas. O indivíduo come mais rápido do que o normal até se sentir desconfortável, apresenta sensação de descontrole e nesse caso, a fome física não está presente (ASSOCIAÇÃO AMERICANA DE PSQUIATRIA, 2014; BLOC et al., 2019). Algumas características inerentes aos alimentos têm se destacado nas escolhas alimentares por serem avaliadas como saudáveis, como por exemplo: ser orgânico, light/ diet, apesar de ser light/diet não seja uma característica de saudabilidade, mas de busca por controle de peso corporal e adequação aos padrões de beleza impostos pela sociedade. Dessa forma, o nutricionista durante a abordagem do paciente deve estar atento às crenças, padrão de beleza e visões distorcidas acerca dos alimentos, os quais podem comprometer a saúde física e mental do indivíduo (ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c). As autoras supracitadas também enfatizamque além das escolhas alimentares serem influenciadas pelas características inerentes ao alimento, o ambiente é da mesma forma importante, tendo em vista que a acústica, a iluminação, o conforto e as condições de higiene determinam a quantidade de alimento ingerido. Ambientes limpos, com conforto acústico e confortáveis favorecem a concentração no ato de comer, enquanto, ambientes barulhentos e pouco confortáveis estimulam o comer rápido (HIGGIS, 2015; ALVARENGA; KORITAR; MORAES, 2019c). Os fatores que influenciam o ambiente alimentar dizem respeito à questões de esfera global e local, sendo elas: • biofísica e ambiental (recursos naturais, ecossistema, mudanças climáticas, crises hídricas etc.); • inovação, tecnologia e infraestrutura; • política e economia (globalização, comércio, conflitos e crises humanitárias, preços, posse de terra etc.); • sociocultural (cultura, religião, rituais, tradições, empoderamento feminino etc.); • demográfico (crescimento populacional, migração e deslocamento forçado) (HLPE, 2017). 125 Caro acadêmico! O estudo coordenado pela nutricionista Caroline Ferreira, da Universidade de São Paulo (USP), sobre o impacto da pandemia de Covid-19 sobre a rotina das famílias brasileiras, evidenciou que o medo e a insegurança associados a pandemia transformaram o dia a dia, modificando hábitos alimentares durante a quarentena. Dentre os fatores determinantes das escolhas alimentares nesse período de isolamento destacam-se os atrelados ao comer emocional. FONTE: <https://bit.ly/3AXIEu1>. Acesso em: 23 set. 2021. IMPORTANTE A depender do contexto, o ambiente pode ser bastante diversificado, ou seja, com uma grande variedade de opções de alimentos e preços e, por outro lado, pode ser também bastante escasso com pouca variedade de oferta. Portanto, o ambiente pode determinar as escolhas a partir do preço e do grau de conveniência, os quais podem restringir ou ampliar a capacidade de escolha individual (GLANZ et al. 2005; PEREIRA; SCALCO; LOURENZANI, 2019). A mídia tem destaque no ambiente alimentar, principalmente direcionada a crianças e adolescentes ao vincular campanhas massivas acerca de alimentos palatáveis e acessíveis, e para o gênero feminino a fim de monetizar em grande escala a indústria da magreza e da beleza, perpetuando mitos sobre saúde, alimentação e nutrição (BARBOSA; SILVA, 2016; ANTONACCIO et al., 2019; BITTAR; SOARES, 2020). Atualmente as mídias sociais como Instagram, Facebook, Twitter, os sites de buscas como Google têm penetração e influência para determinar padrões de escolha e consumo de alimentos, favorecendo estereótipos de gênero, produção de um padrão de beleza masculino e feminino rígido e segregando os indivíduos de acordo com o status social e estilo de vida (ANTONACCIO et al., 2019; PASSOS; SILVA; SANTOS, 2020). As escolhas alimentares e o comportamento alimentar além de serem determinados pelas características do alimento, pelo ambiente, são diretamente relacionados às características individuais, as quais relacionam-se ao comedor (SCHNEIDER et al., 2013). O ato de se alimentar resguarda um componente biológico inato, uma vez que o recém-nascido já dispõe da modulação apurada dos sinais de fome, saciação e saciedade. Essa modulação inata garante a sobrevivência da nossa espécie e os pais têm a responsabilidade de potencializar essa habilidade, durante os seis meses de amamentação seguidos da introdução da alimentação complementar (HETHERINGTON, 2017; SHLOIM et al., 2018; BRASIL, 2019). 126 O paladar e as preferências alimentares começam a se formar na gestação e continuam durante o aleitamento materno, além disso, estão em constante influência de fatores genéticos, estágios de desenvolvimento, reação fóbica a novos alimentos e variabilidade (RODRÍGUEZ-TADEO et al., 2015; PEREIRA; VAN DER BILT, 2016). Os determinantes socioeconômicos associados ao nível de escolaridade estão intimamente relacionados ao contexto global e local da economia e pelo cultural do indivíduo, por outro lado é importante salientar que renda e nível de escolaridade mais altos nem sempre culminam em escolhas alimentares mais saudáveis (HIGGIS, 2015). Lins et al. (2013) desenvolveram um estudo transversal de base populacional sobre avaliação do estado nutricional, hábitos alimentares e insegurança alimentar no munício de Duque de Caxias, Rio de Janeiro. Para o estudo foram selecionadas mu- lheres com ≥ 20 anos, totalizando 758. O excesso de peso foi identificado em 33% da amostra, 23% tinham obesidade, ou seja, mais da metade (56,3%) das mulheres estava acima do peso e apenas 5% relataram renda per capita acima de dois salários mínimos. Em relação à escolaridade, a prevalência de obesidade foi maior entre aquelas que não estudaram ou estudaram poucos anos. Entre as mulheres que tinham entre 0-4 anos de estudo a razão de prevalência para o sobrepeso foi 1,70 vezes maior em relação àquelas que estudaram acima de oito anos. Tais dados evidenciaram nessa população que a escolaridade mais alta, apesar da baixa renda, apresenta impacto na prevenção do excesso de peso (LINS et al., 2013). As motivações para escolhas alimentares referentes ao comedor que apresentam grande variação, destacadas por Alvarenga, Koritar e Moraes (2019c), são as antropológicas e psicológicas, as quais resultam em preferências e aversões. Além de essencial para manter a sobrevivência, comer é um ato sociocultural, afetivo e exprime a interface entre o organismo e o meio externo. A subjetividade impacta o comportamento alimentar, uma vez que se define subjetividade como a construção do sujeito como único, singular e que estabelece relações interpessoais desde o nascimento. As emoções, os sentimentos e os pensamentos conscientes e inconscientes fazem parte de nossa subjetividade e influenciam substancialmente a consolidação de opiniões acerca por exemplo da comida, incluindo as escolhas alimentares (AITA; FACCI, 2011; MENNUCCI; TIMERMAN; ALVARENGA, 2019). Em resumo, em uma linha sócio antropológica, o que comemos nos forma, faz parte de nossa subjetividade e o inverso também se aplica, pois o indivíduo define a comida, seus valores e significados, assim se pode considerar que “você como aquilo que é”. Portanto, o nutricionista precisa reconhecer rituais alimentares, valores, significados, crenças relacionadas ao comer, visto que eles são parte de nossa subjetividade, nos constroem como seres humanos e estão em constante fluidez, a depender do momento vivenciado (MENNUCCI; TIMERMAN; ALVARENGA, 2019). 127 4 HABILIDADES INTERPESSOAIS E DE COMUNICAÇÃO PARA O NUTRICIONISTA, COMER INTUITIVO E PLENO (MINDFULL EATING) Para abordagem nutricional que visa o aconselhamento e a promoção de mudanças comportamentais é fundamental o conhecimento técnico (teórico), além do desenvolvimento de habilidades relacionadas à comunicação, escuta e atitude (como se comportar) (ALVARENGA et al., 2019b). A comunicação terapêutica é a habilidade de um profissional em auxiliar os indivíduos a enfrentarem seus problemas, a se relacionar com os demais, ajustar e aceitar o que não pode ser mudado no momento, e enfrentar bloqueios que impossibilitam a realização de sua própria capacidade, para tanto, desenvolver habilidades interpessoais que possibilitem a interação com as outras pessoas é fundamental para o profissional da saúde (ALVARENGA et al., 2019b). O atendimento nutricional tradicional assemelha-se substancialmente com o atendimento médico focado em sinais e sintomas físicos em termos quantificáveis, no qual a cura é definida por indicadores médicos objetivos. É importante destacar que os estudos acerca da relação nutricionista x paciente são escassos (AMORIM; MOREIRA; CARRARO, 2001; FREITAS; MINAYO; FONTES, 2011, CORI; PETTY; ALVARENGA, 2015). O modelo tradicional carece muitas vezes de uma contextualização do indivíduo; acaba por negligenciar as emoções, os afetos, as crenças e os significados que cercam o processode adoecimento e o comportamento alimentar; e eleva o risco de fracasso no tratamento de agravos à saúde (DEMÉTRIO et al., 2011). Nesse contexto, o estabelecimento de relações de confiança, respeito e reciprocidade entre nutricionista e paciente deve permear os cuidados em nutrição a fim de ampliar a sua humanização e o vínculo terapêutico (DEMÉTRIO et al., 2011). Os cursos de graduação em Nutrição não têm em sua grade curricular uma disciplina acerca da comunicação, como observados fora do Brasil. A Universidade do Porto-Portugal realizou uma mudança de paradigma a fim incluir na formação acadê- mica capacidade analítica, liderança, competência de comunicação e domínio sobre a linguagem de novas mídias digitais (GRAÇA et al., 2015; ALAVARENGA et al. 2019b). De acordo com Serra, Gregório, Graça (2011); Graça et al. (2015), para realização de uma abordagem que propicie mudança de comportamento e aconselhamento nutricional, a formação acadêmica de nutricionistas exige certamente capacitação nas áreas das ciências da comunicação e da educação. 128 O desenvolvimento dessas habilidades (comunicação e educacional) oportuniza a formação de agentes produtores e divulgadores de informação nutricional e alimentar com elevada capacidade técnica para gerir quantidades substanciais de informação e adequá-las aos novos meios de divulgação e às tecnologias digitais. Adicionalmente, a capacidade de pensamento crítico baseado em evidências científicas e em preceitos éticos é fundamental para formação do nutricionista (SERRA; GREGÓRIO; GRAÇA, 2011; GRAÇA et al., 2015). Para Nutrição Comportamental há quatro pilares que alicerçam a prática da empatia e o estabelecimento do vínculo com o outro: a) ver o mundo do seu paciente (compreender o outro e ver por meio do ponto de vista dele); b) não ser julgador (cada indivíduo tem seus valores e somos todos passíveis de erros); c) compreender sentimentos (entender verdadeiramente os sentimentos do outro); d) comunicar o que se compreendeu (para que os pacientes percebam que são vistos, ouvidos e compreendidos é preciso comunicar) (ALVARENGA et al., 2019b). O nutricionista além de profissional da área da saúde e, portanto, agente de saúde, também pode ser gestor e terapeuta nutricional (TN), como propõe a Nutrição Comportamental, pois terapia trata-se de uma intervenção para tratar vários de problemas. Para atuação em diferentes áreas da Nutrição, o nutricionista é considerado um educador e por isso a comunicação adequada é fundamental para o aconselhamento nutricional, a mudança de comportamento e a disseminação de informações corretas e claras acerca da alimentação e Nutrição (ALVARENGA et al., 2019b). Uma comunicação adequada deve se pautar em reduzir conflitos e mal- entendidos e alcançar objetivos para solução de problemas. Para tanto, é preciso ter consciência das suas limitações como profissional e eventuais falhas na comunicação, por conta da linguagem adotada, por fatores psicológicos, nível educacional etc. (CANT; ARONI, 2008; HELM; JONES, 2016). Há formas diferentes de se comunicar e interagir socialmente e dentre as modalidades destacam-se a não verbal e a verbal. Gestos, posturas, expressões faciais, orientação do corpo e do espaço, e distância mantida do paciente são maneiras de expressar o que sentimos e pensamentos sem utilizar palavras (CANT; ARONI, 2008). Nesse cenário, a observação de nossa comunicação não verbal com o pacien- te é relevante e pode sempre ser aperfeiçoada. A expressão facial depende de nossas emoções e o sorriso, o contato visual, a atenção prestada ao paciente no momento que está falando e manutenção do interesse, curiosidade e o respeito abrem possibi- lidade de estabelecimento de vínculo (CANT; ARONI, 2008; HELM; JONES, 2016; DART et al., 2019). 129 No Quadro 2 estão organizados alguns pontos que envolvem a paralinguagem a qual abrange a produção de sons, como ritmo da voz, velocidade, intensidade, ênfase, entonação, suspiro, pigarro etc. QUADRO 2 – AJUSTES DA PARALINGUAGEM Manter tom de voz agradável, evitando falar alto ou baixo ou de maneira monotônica. Falar devagar e de forma clara, evitar o excesso de informações. Procurar não interromper o paciente. Pausa e ênfase para assimilação do ouvinte. FONTE: Adaptado de Alvarenga et al. (2019b) Outros pontos da comunicação não verbal incluem a observância da postura corporal (evitar ficar de braços cruzados); a distância mantida entre as pessoas, como por exemplo na distância íntima quando se coleta medidas de peso corporal, de altura, de circunferências, tal distanciamento pode ser invasivo para algumas pessoas, assim é importante que o paciente autorize, que se peça licença para o procedimento; na abordagem terapêutica da Nutrição comportamental, a distância do profissional do paciente pode se adotar formato de poltronas , sem mesa, a fim de gerar mais proximidade (ALVARENGA et al., 2019b). Quando se pensa em comunicação verbal, associa-se imediatamente à ideia de falar e conversar, mas envolve também a forma de perguntar, de escutar e de responder. Ao iniciar uma abordagem há um cumprimento e na sequência uma pergunta: — “Olá, o que lhe trouxe aqui?” É importante sempre lembrar que perguntas e respostas irão direcionar a terapêutica nutricional, portanto devem ser claras e objetivas. Há dois tipos de perguntas: fechadas e abertas (ALVARENGA et al., 2019b). As perguntas fechadas têm por objetivo obter respostas específicas e as abertas abrem o leque de possibilidades de resposta, permitindo que o indivíduo escolha o que ele avalia como importante (ALVARENGA et al., 2019b). 130 QUADRO 3 – EXEMPLOS DE PERGUNTAS FECHADAS E ABERTAS Perguntas fechadas Perguntas abertas Quantas refeições você faz por dia? O que o trouxe para o atendimento nutricional? Você gosta de folhosos? Como o peso corporal dificulta a sua vida? Você conseguiu fazer o combinado na última consulta? Você pode exemplificar os momentos em que come por conta da ansiedade? FONTE: Adaptado de Alvarenga et al. (2019b, p. 184) Escutar é outra habilidade da comunicação verbal que permite prestar atenção, sentir e perceber o que outro está falando, portanto, exige receptividade. Quando o nutricionista exerce a escuta, há melhor compreensão do indivíduo e ela por si só pode ter efeito terapêutico e propiciar sensação de acolhimento (RAIMUNDO; CADETE, 2012; MESQUITA; CARVALHO, 2014). A dinâmica de atendimento nutricional envolve pergunta, escuta e resposta ou informação, desse modo, há profissionais que escutam mais, outros que perguntam mais ou ainda escutam e informam etc. Os estilos de comunicação de cada um podem ser diferenciados em: a) direcionar (é o mais observado entre os nutricionistas, o foco é informar e são utilizadas perguntas fechadas), b) acompanhar (estilo mais raro, caracteriza-se por mais escuta, uso de perguntas abertas e poucas informações são repassadas) ou c) orientar (uso de perguntas abertas, tempo razoável de escuta e há repasse de informações (ESTRELA et al., 2017). No modelo de aconselhamento nutricional preconizado pela Nutrição Compor- tamental é preciso sair da prescrição e guiar o paciente para que ele faça parte do seu processo de tratamento e consiga alcançar seus objetivos (ALVARENGA et al., 2019b). Durante o processo terapêutico nutricional, incluindo as habilidades de comu- nicação, a Nutrição Comportamental considera também a intuição para tratar da ca- pacidade intrínseca que se possui para lidar de forma não racional com o corpo e seus sinais, em especial com a alimentação (ALVARENGA; FIGUEIRO, 2019). O comer intuitivo (CI) foi um conceito elaborado por duas nutricionistas ame- ricanas que queriam ensinar as pessoas a terem uma relação saudável com a comida e favorecer autoconhecimento corporal. Além disso, o CI tem por objetivo favorecer a confiança em diferenciar sensações físicas e emocionais relacionadas ao comporta- mento alimentar e descarta a prescrição de dietas comoferramenta terapêutica para mudança comportamental (HORWATH; HAGMANN, HARTMANN, 2019; ALVARENGA; FIGUEIRO, 2019). 131 A sintonia entre corpo, mente e comida é a base do CI e o desafio se coloca entre equilibrar os sistemas internos e externos, com foco principalmente no interno, entendido como o “eu” (pensamentos, emoções, necessidades fisiológicas) (WARREN; SMITH; ASHWELL, 2017; ALVARENGA; FIGUEIRO, 2019). O CI baseia-se em três pilares: permissão incondicional para comer; comer para atender necessidades fisiológicas e não emocionais; os sinais internos (fome e saciedade) balizam o que, quanto e quando comer. Vale destacar que a Nutrição Comportamental não desconsidera e não recomenda a substituição da dietoterapia para o tratamento da diabetes, doença renal, cardiovasculares (ALVARENGA; FIGUEIRO, 2019). Ao analisar de forma crítica a Nutrição Comportamental, vale acrescentar que Poulain (2013) destaca que a obesidade é problema social e não individual e um novo fator de desigualdade em saúde, da mesma forma, Seixas et al. (2020) ponderam que o enfrentamento da obesidade requer além do conhecimento científico, um posicionamento na escala de políticas públicas, não somente focada em uma solução individual. O Mindfulness trata-se de parar e estar presente, de acordo com o responsável, Jon Kabat Zinn professor da Escola Médica da Universidade de Massachusetts, pela disseminação dos conceitos no mundo ocidental. A tradução para o português é de “atenção plena”, a qual se define por um estado de consciência que é cultivado através de prestar atenção para o momento, sem julgamentos ou críticas (KERIN; WEBB; ZIMMER-GEMBECK, 2019). A prática não é fácil, pois nossos pensamentos estão bastantes acelerados, vagando e entupidos de pensamentos repetitivos (KERIN; WEBB; ZIMMER-GEMBECK, 2019). Tanto o CI como o mindful eating (que vem do mildfulness), tradução para o português em comer com atenção plena, estruturam-se na prática em reduzir os elementos externos que interferem na ingestão de comida, como por exemplo: assistir TV, estar conectado a redes sociais, e elevar a importância das propriedades sensoriais dos alimentos e dos sinais internos relacionados à ingestão alimentar (fome, saciação e saciedade) (BAER, 2013). O comer com atenção plena consiste em concentrar-se durante as refeições, com consciência e foco na experiência com os alimentos. A intenção não é a perda de peso ou a restrição alimentar, mas ter o conhecimento e estar envolvido com as sensações desencadeadas pelo alimento no organismo sem julgamentos (bom ou ruim, saudável ou não saudável) (BAER, 2013). A imersão nas cores, texturas, aromas, sentidos e nos sons de comer e beber permite que se tenha contato com as reações frente ao alimento e, além disso, aos sinais de fome e saciedade. Intervenções baseadas no comer atenção plena têm sido estudadas no tratamento da obesidade e de transtornos alimentares (WARREN; SMITH; ASHWELL, 2017; ARTILES et al., 2019). 132 Grider, Douglas, Raynor (2020), ao elaborarem uma revisão sistemática con- cluíram que poucas evidências sugerem que o emprego das duas ferramentas, comer intuitivo ou comer com atenção plena, tiveram influência na ingestão energética ou na qualidade da dieta. Para se obter maior robustez de evidências é preciso delinear estu- dos com maior rigor metodológico. A variabilidade e o estudo criterioso das ferramentas utilizadas na prática pelos profissionais de saúde garante que a terapêutica pode ser efetuada com flexibilidade, variabilidade e mudança, de acordo com o tipo de comportamento, de intervenção, características e objetivos do paciente. Comportamento alimentar de obesos e sua correlação com o tratamento nutricional Introdução A obesidade é considerada um problema de saúde pública, com aumento significativo das taxas de sobrepeso e obesidade entre adultos e crianças em diversos países. No Brasil, em 2018, de acordo com a Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico (Vigitel), a frequência de excesso de peso foi de 55,7% e de obesidade, de 19,8%. Vários padrões de comportamentos alimentares foram identificados e eles incluem o descontrole alimentar (DA), a alimentação emocional (AE) e a restrição cognitiva (RC). O The Three-Factor Eating Questionnaire (TFEQ) é uma escala autoavaliativa amplamente utilizada em indivíduos com sobrepeso/obesidade e eutróficos. Ela foi projetada para avaliar os três fatores da alimentação (DA, AE e RC) e, dessa forma, facilitar a compreensão multidimensional da obesidade que será necessária para delinear o rumo do tratamento. Diante do aumento crescente das taxas de obesidade no país, explorar o comportamento alimentar e relacioná-lo com a obesidade se faz necessário para a construção de uma abordagem nutricional multidimensional que abarca o contexto biológico e psicossocial, que poderá resultar em maior adesão ao tratamento. Objetivo Avaliar os tipos de comportamentos alimentares em indivíduos com obesidade e correlacionar com a adesão ao tratamento proposto. 133 Metodologia Estudo transversal desenvolvido em instituição de cardiologia em indivíduos com obesidade. Os tipos de comportamentos alimentares foram analisados pela escala The Three Factor Eating Questionnaire – R21 (TFEQ-21) – versão traduzida e adaptada para brasileiros. Nela são abordadas três subescalas: restrição cognitiva (RC), alimentação emocional (AE) e descontrole alimentar (DA). A adesão ao tratamento nutricional foi verificada pelo instrumento desenvolvido pela instituição, baseado nas principais diretrizes de doenças crônicas. Resultados Analisaram-se 100 indivíduos, com maior prevalência do sexo feminino (68%). Em relação à adesão, somente 25% apresentam boa aderência (escore > 60%). Foi possível identificar a relação entre o IMC e a RC; quanto maior o IMC, menor foi a intensidade da RC (p = 0,02). Observou-se correlação positiva entre a RC e adesão ao consumo de gorduras (p = 0,02) e fibra alimentar (p = 0,004). A subescala AE apresentou correlação negativa com a adesão ao consumo de gorduras (p = 0,03) e correlação positiva com a DA (p < 0,01). Conclusão O tipo de comportamento alimentar mais frequente na amostra foi a restrição cognitiva, que não foi correlacionada com o escore total de adesão. A AE foi associada com maior consumo de gorduras, similar ao encontrado em estudos nacionais e internacionais. Nota-se uma lacuna de estudos que relacionam o comportamento alimentar com a adesão ao tratamento nutricional. FONTE: Adaptada de <https://bit.ly/3kW2xfl>. Acesso em: 20 jul. 2020. 134 RESUMO DO TÓPICO 1 Neste tópico, você aprendeu: • O termo “comportamento alimentar” é empregado para expressar consumo, modo de comer, como e onde o indivíduo se alimenta. • No campo da Alimentação e Nutrição distinguem-se dois conceitos relevantes os quais são: alimentar-se para garantir a vida provendo nutrientes que garantem a manutenção do corpo e o comer que carrega dimensões sociais e culturais, que remete a alimentação a uma dimensão social. • Os eventos pré-ingestão são os que se relacionam diretamente com o comportamento, os quais se remetem à cultura, à sociedade e à experiência com o alimento. • Há três componentes envolvidos em atitudes relacionadas aos alimentos, o afetivo (sentimentos, humor e emoções); cognitivo (crenças e conhecimento sobre o alimento); e volitivo (vontade, predisposição para agir). • O estresse e as emoções negativas (tristeza, raiva, culpa etc.) estão envolvidos no “comer emocional”, mas também as emoções positivas (alegria, excitação etc.). • A harmonização entre os estímulos externos, os quais abrangem características dos alimentos (temperatura, textura, palatabilidade, familiaridade, composição nutricional etc.); dos indivíduos (aspectos socioculturais e psicológicos, tabus, crenças, renda, mídia etc.) e os internos (nível de glicemia, ação de neurotransmissores, taxa de metabólica, receptoressensoriais, reserva energética etc.), resulta em um controle da ingestão alimentar e denota a complexidade desse processo essencial à vida. • A necessidade de se alimentar resultante da privação de energia ou de alimentos, o que permite a busca por comida, chama-se de fome. • A saciedade diz respeito à plenitude gástrica associada a ausência de fome com sensação de bem-estar e o intervalo entre uma refeição e outra; saciação traduz-se em controle do tamanho da refeição. • A fome hedônica ou apetite se expressa no desejo de comer um alimento ou grupo de alimentos em particular, a fim de se obter prazer. • O apetite pode ser estimulado pela disponibilidade de alimentos bastante palatáveis (ricos em açúcar, gorduras e sódio) e pelo estresse. 135 RESUMO DO TÓPICO 1 • As escolhas alimentares envolvem ações conscientes, automáticas, habituais e subconscientes, assim sendo dependem das atitudes. • Há três tipos de determinantes das escolhas alimentares, os quais referem-se ao alimento, ao comedor e ao ambiente. • Os quatro pilares que alicerçam a prática da empatia e o estabelecimento do vínculo com o outro, de acordo com a Nutrição Comportamental, são: a) ver o mundo do seu paciente; b) não ser julgador; c) compreender sentimentos; e d) comunicar o que se compreendeu. • Há formas diferentes de se comunicar e interagir socialmente e dentre as modalidades destacam-se a não verbal e a verbal. • A comunicação verbal além da fala e da conversa, envolve também a forma de perguntar, de escutar e de responder. • O comer intuitivo tem por objetivo favorecer a confiança em diferenciar sensações físicas e emocionais relacionadas ao comportamento alimentar e descarta a prescri- ção de dietas como ferramenta terapêutica para mudança comportamental. • O comer com atenção plena estrutura-se na prática de reduzir os elementos ex- ternos que interferem na ingestão de comida, ou seja, elevar a importância das propriedades sensoriais dos alimentos e dos sinais internos relacionados ao comer (fome, saciação e saciedade). 136 1 O comportamento alimentar diz respeito ao consumo e ao modo de comer, e como e onde o indivíduo se alimenta. Sendo assim, é reconhecido que o momento pré- ingestão é tão relevante quanto o consumo propriamente dito e a pós-ingestão. Essa complexidade e harmonização de sinais internos do organismo e externos compõem o que denominamos comportamento alimentar. Nesse cenário considere as assertivas: I- Os estímulos externos abrangem as características inerentes ao alimento (palatabi- lidade, textura etc.); ao indivíduo (aspectos socioculturais e psicológicos etc.). II- Os estímulos internos, inerentes ao organismo, incluem a glicemia, a taxa metabólica, a reserva energética etc. Eles garantem a procura por comida e por conseguinte a sobrevivência. III- A fome, a saciação e a saciedade são elementos fundamentais para procura por alimento, controle do tamanho da refeição e intervalo entre uma refeição e outra, respectivamente. IV- A busca por prazer por meio da alimentação é denominada apetite ou fome hedônica e é dissociada dos sinais internos relacionados à homeostase do organismo. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas I, III e IV estão corretas. b) ( ) Todas as assertivas estão corretas. c) ( ) Somente as assertivas II e IV estão corretas. d) ( ) Somente as assertivas I e III estão corretas. 2 As habilidades de comunicação, de escuta e de atitude são estratégias importantes para realizar abordagem nutricional e propiciar mudança de comportamento. Nesse cenário destacam-se a comunicação verbal e não verbal como habilidades a serem desenvolvidas pelo nutricionista. Diante disso, analise as assertivas a seguir: I- Para construção da confiança e conexão é preciso demonstrar empatia, para tanto há quatro elementos fundamentais: distanciar-se da visão de mundo do paciente; julgar atitudes e crenças; deixar os sentimentos de lado; não comunicar o seu entendimento. II- A comunicação não verbal também denominada paralinguagem abrange a produção de sons que se emite, como por exemplo: entonação da voz, ênfase, velocidade, intensidade etc. AUTOATIVIDADE 137 III- Os gestos, movimentos do corpo e expressões faciais são características da comunicação verbal e durante a abordagem nutricional não considerados importantes, uma vez que não influenciam na construção da confiança. IV- A comunicação verbal é a habilidade de perguntar (estilo de pergunta) corretamente o que é indispensável para que o nutricionista possa alcançar a mudança comportamental de seu paciente, a escuta não faz parte dessa habilidade. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Somente as assertivas I e IV estão corretas. b) ( ) Somente as assertivas II e III estão corretas. c) ( ) Somente a assertiva II está correta. d) ( ) Somente as assertivas I e III estão corretas. 3 O consumo alimentar resulta de uma escolha, a qual se consolida e é influenciado por fatores biológicos, socioculturais e psicológicos. Para que isso ocorra há um processo mental que envolve julgamento de várias opções e a seleção de uma delas. Considerando tal afirmação assinale a alternativa CORRETA. ( ) Os fatores biológicos se sobrepõem aos psicológicos, na maioria das vezes, porque comer é um ato social que abrange nossa história familiar, cultural e afetiva. ( ) O ato de se alimentar só se dá quando há um contexto afetivo, sem ele os sinais biológicos (fome ou saciedade) não se manifestam. ( ) Os fatores biológicos associados aos socioculturais e psicológicos estruturam, modulam e determinam nosso consumo alimentar. ( ) Os determinantes psicológicos, ou seja, subjetivos, inerentes a cada ser humano, exercem pouca influência no consumo alimentar, pois a fome (fator biológico) é o mais preponderante para manter a vida. ( ) O nutricionista não precisa reconhecer as emoções de seus pacientes, visto que, as questões emocionais, na atualidade, são pouco relevantes em determinar ou modular o ato de comer. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) F – F – V – F – F. b) ( ) V – F – V – V – F. c) ( ) F – F – F – V – V. d) ( ) V – V – V – F – F. 4 Um dos princípios do comer intuitivo é rejeitar a expressão “estou de dieta”, visto que o seguimento de “uma dieta” pode desregular as sensações de fome, saciação e saciedade; ocasionar ganho e reganho de peso corporal; sentimento de fracasso e baixa autoestima. No entanto, é preciso atenção aos pacientes que necessitam da dietoterapia para tratamento do diabetes, hipertensão, doenças renais etc. Dessa forma, como o nutricionista pode investigar e conhecer as crenças do seu paciente acerca dos alimentos e das dietas em geral? 138 5 Há vários gatilhos que disparam o comer emocional, dentre eles destacam-se a privação e a baixa qualidade do sono, as privações alimentares, o alto nível de estresse, a ansiedade com metas inalcançáveis etc. Nesse processo constata-se a perda da sensibilidade à fome física e a exacerbação da fome emocional, resultando assim em um comer inconsciente, com prazer imediato e efeito rebote associado à culpa e fracasso. Desse modo, como o nutricionista pode auxiliar o seu paciente a identificar essa diferença? 139 GENÔMICA NUTRICIONAL 1 INTRODUÇÃO Caro acadêmico, você sabia que a genômica nutricional é uma área de estudo da Nutrição que avalia a interação entre o nosso genoma e a alimentação? É interessante relembrar que o genoma é a sequência completa de DNA (ácido de- soxirribonucleico) de um organismo, ou seja, o conjunto de todos os genes de um ser vivo. A conclusão do Projeto Genoma Humano impactou as áreas da Medicina, Farmácia e, também da Nutrição, você sabia disso? A partir do sequenciamento do DNA humano, o foco passou a se entender o que fazem esses genes e como são afetados por fatores ambientais, os quais incluem o consumo alimentar. Didaticamente, serão estudadas, a nutrigenética, a nutrigenômica e a epigenô- mica nutricional. Serão abordadosos conceitos e como a genômica nutricional pode ser aplicada na prática clínica a fim de personalizar os planos alimentares. Na sequência, serão elencadas e abordadas também as dificuldades, limitações e avanços no conhecimento acerca da genômica nutricional. Ter conhecimento da genômica nutricional é importante para que você amplie sua visão conceitual e prática da Nutrição, entendo e se apropriando dos avanços científicos sobre a relação gene-dieta e dieta-gene e seus impactos na prática clínica. UNIDADE 3 TÓPICO 2 - 2 CONCEITOS INTRODUTÓRIOS ACERCA DA GENÉTICA A molécula de ácido desoxirribonucleico (DNA) carrega todas as informações e características genéticas dos seres vivos. Os cromossomos são constituídos por uma longa fita de DNA que se enovelam com uma proteína, denominada histona. Os cromossomos estão organizados aos pares no interior do núcleo das células e cada par é denominado cromossomo homólogo (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). 140 O Gene é um segmento de DNA em um cromossomo responsável pela sín- tese de uma proteína especifica que determina um caráter hereditário (unidade de transmissão hereditária) enquanto o espaço físico ocupado no cromossomo (“endere- ço”) denomina-se loco/locus. Quando os genes são alelos, eles determinam a mesma característica e se situam no mesmo locus em cromossomos homólogos (Figura 2) (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). O genótipo corresponde ao conjunto total de genes de um indivíduo, ao passo que o fenótipo corresponde as características determinadas pelo genótipo manifestadas pelo indivíduo, como por exemplo, o tipo sanguíneo (STRASHAN; READ, 2013). A homozigose é quando um indivíduo apresenta no par de genes, que deter- minam uma característica, dois alelos iguais, são representados por duas letras iguais, por exemplo AA ou aa; enquanto heterozigose são pares de genes alelos diferentes, considerados híbridos para um caráter e representados por duas letras diferentes, como por exemplo, Aa (Figura 2) (STRASHAN; READ, 2013). O gene dominante é aquele que determina o mesmo fenótipo, tanto em heterozigose (Aa) como em homozigose (AA); o recessivo só expressa o caráter quando os alelos estão em homozigose (aa) (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). Para formação de uma proteína é necessário que ocorra a transcrição, processo que forma o RNA (Ácido ribonucleico) a partir de uma fita de DNA e na sequência a tradução, ou seja, formação da proteína oriunda do RNA (Figura 3) (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). FIGURA 2 – GENE, LOCUS, GENES ALELOS, HETEROZIGOSE E HOMOZIGOSE FONTE: <https://bit.ly/3kYi7Ha>. Acesso em: 22 jul. 2021. 141 FIGURA 3 – TRANSCRIÇÃO E TRADUÇÃO DA INFORMAÇÃO GÊNICA FONTE: <https://br.pinterest.com/pin/371617406729879323/>. Acesso em: 22 jul. 2021. Os polimorfismos são variações genéticas que ocorrem em frequência relativa- mente alta, em cerca de mais de 1% da população. A origem da palavra polimorfismo é do latim, que quer dizer: poli = muitos; morfismo = forma (STRASHAN; READ, 2013). O tipo mais comum de polimorfismo é o único (SND, do inglês single nucleotide polymophism), que se caracteriza por alteração de apenas um nucleotídeo em determinada posição e é responsável por 90% da variação genética (Figura 4) (VOGEL; MOTULSKY; 2000; CAMP; TRUJILLO, 2014). O nucleotídeo é formado por um grupo fosfato, um açúcar (pentose) e uma base nitrogenada, a pentose do DNA é a desoxirribose e do RNA é a ribose; as bases nitrogenadas são: do DNA, Adenina (A), Tiamina (T), Citosina (C) e Guanina (G); e do RNA: Adenina (A), Uracil (U), Citosina (C) e Guanina (G) (Figura 5) (VOGEL, MOTULSKY, 2000). FIGURA 4 – POLIMORFISMO ÚNICO FONTE: <https://bit.ly/3im1ofq>. Acesso em: 22 jul. 2021. 142 FIGURA 5 – FORMAÇÃO DE UM NUCLEOTÍDEO FONTE: <https://bit.ly/3a86BTL>. Acesso em: 22 jul. 2021. Quando ocorre o polimorfismo os resultados podem ser: a) alteração da proteína traduzida (SNP não sinônimo ou missense); b) não alteração da proteína traduzida (SNP sinônimo ou silencioso); e c) resultado em códon de terminação (SNP nonsense) (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). Os polimorfismos podem resultar em influência positiva (hiper-regulação) ou negativa (hiporregulação) na região promotora ou regulatório dos genes e nas regiões não traduzidas. Vale ressaltar que o SNP modifica o processo de splicing, o qual viabiliza a maturação de um pré mRNA (RNA mensageiro) a partir da retirada de regiões não codificadas, denominadas íntrons (Figura 6) (BORGES-OSÓRIO; ROBINSON, 2013). FIGURA 6 – DESENHO ESQUEMÁTICO DE UM PROCESSO DE SPLICING, CONVERSÃO DE UM RNA MENSAGEIRO EM RNA MADURO FONTE: <https://bit.ly/3imL7Xr>. Acesso em: 22 jul. 2021. O impacto biológico do SNP já pode ser observado com um alelo alterado resultando em características positivas ou negativas em determinado aspecto do processo saúde/doença (CAMP; TRUJILLO, 2014; MULLINS et al., 2020). 143 3 NUTRIGENÉTICA No contexto da Nutrição, a subárea da genômica nutricional que estuda as influências das variações no DNA nas necessidades nutricionais e as respostas in- dividuais a componentes da alimentação é a Nutrigenética (CAMP;TRUJILLO, 2014; COMINETTI; HORST; ROGERO, 2017). O conhecimento de quais SNP são realmente relevantes no contexto da Nutrição é fundamental, uma vez que não são todos os genes que respondem às modificações na alimentação (CAMP; TRUJILLO, 2014; COMINETTI; HORST; ROGERO, 2017; NONINO et al., 2019) (Figura 7). FIGURA 7 – ESQUEMA REPRESENTATIVO DAS INTERAÇÕES DOS GENES FONTE: Steemburgo, Azevedo e Martínez (2009, p. 498) As variações genéticas quando encontradas devem se relacionar com a pro- teína-chave no metabolismo e com papel nas cascatas biológicas, o que poderá por consequência resultar em alterações funcionais importantes. Ademais, é relevante sa- lientar que a prevalência da variante genética não seja baixa e que seja possível avaliar marcadores biológicos (sanguíneos, salivares, urinários etc.) (GILLES, 2003; MULLINS et al., 2020). A biodisponibilidade de nutrientes pode ser alterada a partir de alguns polimor- fismos e resultar em maior ou menor risco para algumas doenças, como por exemplo, o do metabolismo de vitaminas, minerais e de compostos bioativos da alimentação, com destaque para as vitaminas D, folato e vitamina A; e os minerais ferro, selênio e zinco (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2020). A forma ativa da vitamina D, denominada de 1,25 di-hidroxivitamina D3 ou calcitriol, precisa interagir com seu receptor (VDR) no núcleo de células de tecidos alvos para induzir a expressão diversos genes. Estima-se que entre 0,5 e 8% do genoma humano tenha sua expressão modulada pelo calcitriol (NONINO et al., 2019). 144 A relação direta da vitamina D com a saúde óssea, conforme Nonino et al. (2019), envolve a modulação da expressão gênica nos órgãos alvo, intestino, rins e tecido ósseo, associada à ação de outros hormônios como o paratormônio (PTH) e o fator de crescimento de fibroblastos 23 (FGF-23). No tecido ósseo o calcitriol age elevando a reabsorção óssea de forma indireta, estimulando os osteoblastos a aumentar a expressão gênica do fator estimulante de osteoclastos (RANKL) (responsáveis pela síntese dos componentes orgânicos da matriz óssea) (CHAROENNGAM; SHIRVANI; HOLICK, 2019). Os genótipos TT do SNP BsmI apresentam uma associação modesta evidencia- da por uma metanálise que avaliou 2.112 indivíduos caucasianos, mas significativa com o risco de fratura, uma vez que ocasionam perturbação no metabolismo da vitamina D e do cálcio (JI et al., 2010). Atualmente, além da função de garantir a homeostase do cálcio e por conseguinte a saúde óssea, a vitamina D vem sendo estudada de forma mais ampla. Suas funções pleiotrópicas ou alternativas que ainda estão sob investigação abrangem a regulação do ciclo celular e a adesão de celular em células neoplásicas; a regulação da pressão arterial; e a modulação da imunidade inata e adaptativa (Quadro 4) (NONINO et al., 2019). QUADRO 4 –FUNÇÕES PLEIOTRÓPICAS DA VITAMINA D E SEUS MECANISMOS GENÔMICOS Função Tipo celular Modulação da expressão gênica Redução do crescimento de tumores Câncer de mama Câncer de próstata Câncer de cólon ↓ Ciclinas e quinases ↑ Inibidores de CDK (enzima) ↑ miR-145 Redução da pressão arterial – efeito direto Endotélio vascular ↑ Enzima produtora de óxido nítrico Redução da pressão arterial – efeito indireto Glândula paratireoide e rins ↓ PTH - ↓ renina Modulação do sistema imune Linfócitos ↓ Interleucina 17 ↓ Interleucina 9 ↑ Foxp3 (fator de transcrição) FONTE: Adaptado de Christakos et al. (2016) Nesse contexto, a vitamina D apresenta resultados promissores acerca de sua associação com doenças autoimunes, infecciosas e crônicas associadas à obesidade, incluindo também alguns tipos de câncer (ROZMUS et al., 2020). 145 Quando ocorre uma alteração no processo de codificação da proteína do receptor de vitamina D há aumento do risco para diversas doenças, com destaque para alguns tipos de câncer (O’BRIEN, et al., 2018; GNAGNARELLA et al., 2020; ROZMUS et al., 2020). Os polimorfismos associados ao receptor de vitamina D mais estudados e sua possível relação com a localização do câncer estão demonstrados no Quadro 5. QUADRO 5 – TIPOS DE POLIMORFISMOS NO RECEPTOR DE VITAMINA D E A LOCALIZAÇÃO DO CÂNCER Polimorfismo do receptor de vitamina D Localização câncer ApaI Mama, próstata, carcinoma de células renais, colorretal, polipose adenomatosa. BsmI Mama, leucemia linfoblástica aguda, colorretal, polipose adenomatosa, próstata e melanoma. Cdx2 Mama. FokI Mama, ovário, polipose adenomatosa, pulmão, próstata, gástrico, melanoma, bexiga. Poly (A) Mama. TaqI Próstata, polipose adenomatosa, melanoma, leucemia linfoblástica aguda, colorretal. FONTE: Adaptado de Rai et al. (2017) É preciso considerar que fatores biológicos e estilo de vida, como ingestão de vitamina D, cálcio e energia; concentração sérica de 25 (OH)D; nível de exposição solar; presença de obesidade; tabagismo etc. são elementos relevantes na relação de variância do VDR com risco de câncer (GNAGNARELLA et al., 2020). Para se conhecer a nutrigenética atrelado ao metabolismo do folato é necessário dar ênfase ao papel da enzima metileno-hidrofolato redutase (MTHFR), a qual catalisa a conversão do 5-10 metiltetra-hidrofolato (5,10 MTHF) em 5-metiltetra-hidrofolato (5 MTHF) no ciclo metionina/homocisteína (Figura 8). 146 FIGURA 8 – CICLO METIONINA-HOMOCISTEÍNA FONTE: Bydlowski, Magnanelli e Chamone (1998) A homocisteína é um marcador positivo independente para risco de doenças cardiovasculares e o gene da MTHFR é um dos mais estudados em nutrigenética. Dentre as suas variações, destacam-se os polimorfismos RS 1801133 ou C677T, com codificação de Valina em vez de Alanina (CORTESE, MOTTI, 2001; LIU et al, 2017). Em linhas gerais, o efeito negativo sobre a saúde relaciona-se com indivíduos que carregam o alelo de risco na variação do gene da MTHFR, uma vez que a enzima sintetizada é mais termolábil e tem redução de atividade. Nesse contexto, a biodisponibilidade do folato alimentar é ainda mais importante, pois o polimorfismo reduz a atividade enzimática e por conseguinte diminui a concentração plástica de ácido fólico e aumenta a de homocisteína (LIEW; GUPTA, 2015; LIU et al, 2017). Wang et al. (2020) evidenciaram ao elaborar uma metanálise, com 963 casos e 2244 controles, a associação do risco entre o polimorfismo do gene da MTHFR (rs1801131 – A1298C) e a hemorragia intraventricular; e a associação de risco do polimorfismo da MTHFR (rs1801131 – C677I) com a hemorragia intracraniana, observada em 3.679 casos e 9.067 controles. O zinco é um oligoelemento que exerce inúmeras funções no organismo, in- cluindo modulação do sistema imune e do paladar, proteção antioxidante e apoptose celular. Para a proliferação, diferenciação e apoptose, o zinco é um elemento funda- mental, pois participa como cofator de atividades enzimáticas, síntese de DNA, trans- crição de RNA, visão e cognição (DUARTE; REIS; COZZOLINO, 2020). 147 A deficiência de zinco pode causar atraso no crescimento; alterações de paladar; imunossupressão; aumento do estresse oxidativo e da síntese de citocinas pró- inflamatórias; reações cutâneas; retardo na cicatrização de feridas; e comprometimento da fertilidade (NONINO et al., 2019; DUARTE; REIS; COZZOLINO, 2020). Vale evidenciar que a homeostase e o transporte transmembrana de zinco é dependente de dois grupos de proteínas transportadoras denominadas ZnT, do inglês, zinc transportes - 1α 10, codificadas pelos genes SLC39A. Quando há polimorfismos nos genes dessas proteínas, a biodisponibilidade do zinco pode ser prejudicada e por consequência prejudicar o estado nutricional do mineral e ocasionar agravos à saúde (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2020). Estudos indicam que o diabetes melito tipo 2 (DM2) associa-se ao estado nutricional de zinco, tendo em vista que o mineral modula o metabolismo da insulina. O polimorfismo único, SNP 807 C/T ou Arg325Trp (rs13266634), no gene que codifica o ZnT8 (SLC30A8) eleva o risco de desenvolvimento do DM2 (SLADEK et al., 2007; GIACCONI et al., 2017). As pesquisas referentes ao perfil genético e presença de polimorfismos diferem nas populações conforme a etnia. Corroborando tal afirmação, duas metanálises sugerem que o polimorfismo ligado ao gene SLC30A8 (rs13266634) está associado ao risco de DM2, especialmente em populações asiáticas e caucasianas, no entanto, tal resultado não foi encontrado em indivíduos africanos (FAN et al., 2016). A suplementação de zinco (50mg, duas vezes ao dia, por 14 dias), ofertada a uma população Amish de ambos os sexos e sem diabetes, parece afetar a resposta aguda de insulina a uma carga de glicose intravenosa de forma diferenciada no genótipo rs13266634. Além disso, a suplementação parece beneficiar na prevenção do diabetes e/ou tratamento para alguns indivíduos que apresentam a variação SLC20A8 (MARUTHUR et al., 2015). Devido ao aumento da prevalência da dislipidemia, em países em desenvol- vimento, o interesse em elucidar os seus mecanismos de prevenção, controle e exa- cerbação estão no radar da comunidade científica. Tal preocupação justifica-se pela alteração do perfil lipídico (colesterol total, LDLc, HDLc e triglicerídeos) estar associada ao desenvolvimento da aterosclerose, processo inflamatório da camada íntima do en- dotélio vascular que resulta em perda da elasticidade e obstrução dos vasos (NONINO et al., 2019). Os estudos de intervenção, de acordo com Nonino et al. (2019), que avaliam o papel da alimentação ou da suplementação de nutrientes e a sua interação com polimorfismos genéticos ainda são poucos. Sobre o metabolismo lipídico, as linhas de pesquisas têm se direcionado a elucidar o papel da composição da dieta (gordura saturada, monoinsaturada e poli-insaturada) na modulação das concentrações plasmáticas de lipoproteínas. 148 A apolipoproteína E (APOE) é um gene avaliado nos estudos de intervenção nutricional, ela apresenta três isoformas ApoE2, ApoE3 e ApoE4, as quais distinguem-se na modulação do perfil lipídico. No Quadro 6 estão demonstradas as três isoformas da APOE e suas características. QUADRO 6 – ISOFORMAS DE APOLIPROTEÍNA E SUAS CARACTERÍSTICAS Isoformas Funções ApoE2 Não tem afinidade de ligação com o receptor e está associada à hiperlipoproteinemia tipo 3. ApoE3 Isoforma mais frequente e faz depuração de lipoproteínas. ApoE4 Está associada à VLDL circulante e à formação de lipoproteínas aterogênicas. FONTE: Adaptado de Nonino et al. (2019, p. 537) Indivíduos portadores do alelo ApoE2 e ApoE4 têm mais risco para aumento da concentração plasmática de LDL-colesterol associado ao consumo elevado de gordura saturada (GRIFFIN et al., 2018; RATHNAYAKE et al., 2019). A obesidade e o estudo de seus aspectos genéticos indicam uma base genética hereditária na regulação do peso corporal e desenvolvimento da obesidade. Os genes envolvidosestão associados ao controle do gasto energético e termogênese, apetite, metabolismo lipídico e adipogênese (NONINO et al., 2019). Vários genes podem facilitar ou dificultar a perda de peso corporal após intervenção nutricional e uso de medicamentos, alguns exemplos de genes estão demonstrados no Quadro 7. QUADRO 7 – GENES CANDIDATOS À REGULAÇÃO DO PESO CORPORAL Gene Sigla Localização Relacionados ao gasto energético Adrenorreceptor beta 3 ADRB3 8p12-p11.2 Proteína desacopladora 1 UCP1 4q28-q31 Proteína desacopladora 2 UCP2 11q13 Proteína desacopladora 3 UCP3 11q13 149 Relacionados à adipogênese Receptores ativadores da proliferação de peroxissomos 2 PPARG2 3q25 Relacionados ao controle do apetite Leptina LEP 1p31 Receptor da leptina LPER 7q31.3 Pró-opiomelanocortina POMC 2p23.3 Receptor 4 de melanocortina MC4R 18q22 Relacionados ao metabolismo lipídico Perilipina PLN 15q26 Lipase hepática LIPC 15q21-q23 Relacionados à resistência à insulina Insulina 2 INSIG2 2q14.2 Relacionados à obesidade diretamente Gene associado à obesidade FTO 16q12.2 FONTE: Adaptado de National Center for Biotechonology Information (NCBI) e Gao, 2014 apud Nonino et al. (2019, p. 531) O polimorfismo rs 12970134 no gene do receptor 4 de melanocortina (MC4R) associa-se ao maior apetite e à ingestão de bebidas por crianças e adolescentes com obesidade (NONINO et al., 2020). Caro acadêmico! Caso você tenha interesse em saber sobre a solicitação de testes genéticos pelo nutricionista, leia o parecer técnico do Conselho Regional de Nutrição – CRN-3 Nº 09/2015. Acesse em: https://bit.ly/3c7tn2a. DICAS 150 Um dos maiores desafios da nutrigenética é propiciar o cuidado nutricional personalizado e esclarecer as interações genes e dieta para os diferentes tipos de população, tendo em vista que análises de polimorfismos em populações europeias ou americanas podem não se assemelhar à brasileira, pois somos resultado de uma ampla miscigenação. 4 NUTRIGENÔMICA A nutrigenômica estuda o efeito dos nutrientes compostos bioativos sobre a expressão gênica e, por consequência, o proteoma e metaboloma (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2020). O proteoma pode ser definido como conjunto de todas as proteínas expressas em uma célula, tecido ou sistema biológico em um determinado momento, uma vez que ele é dinâmico e seu perfil se altera conforme o status fisiológico e as fases da diferenciação celular (WILKINS et al., 1996); enquanto, metaboloma diz respeito ao conjunto de todos os metabólitos de baixa massa molecular (até 1500 Da), presentes ou alterados em um sistema biológico (CANUTO et al., 2018). As interações entre os nutrientes e os compostos bioativos com a expressão gênica pode acontecer de forma indireta, quando há modulação de vias de sinalização intracelulares, aumentando ou diminuído a translocação de fatores de transcrição gênica do citoplasma para o núcleo da célula; a forma direta os nutrientes e CBA interagem diretamente como ligantes de receptores nucleares, interferindo, assim na transcrição gênica (CAMP; TRUJILLO, 2014). Os ácidos graxos saturados estimulam a resposta inflamatória por meio da via de sinalização do receptor toll-like 4 (TLR4), exemplo de forma indireta de um nutriente modular a sinalização intracelular (NONINO et al., 2019). Em macrófagos, células de defesa do organismo, o ácido láurico (C12:0), encontrado principalmente no óleo de coco, apresenta maior capacidade de ativação da via do TLR4, enquanto, o mirístico (C14:0) e o esteárico (18:0) apresentam baixa atividade inflamatória. Por outro lado, os ácidos graxos monoinsaturados e poli-insaturados não provocam ativação da via de sinalização do TLR4 (NONINO et al., 2019). É importante destacar que o ácido graxo poli-insaturado docosaexaenoico (DHA) suprime a ativação da via de sinalização do fator de transcrição NF-kB e a expressão da enzima COX-2, logo apresenta uma ação anti-inflamatória (MATHERS, 2017; NONINO et al., 2019). O ácido graxo palmítico (C16:0), classificado como saturado, ao se ligar ao TLR4 promove a ativação das proteínas quinases JNK e IKK-beta, elevando assim a expressão e secreção de citocinas inflamatórias. Ademais, o ácido palmítico prejudica a via de sinalização da insulina, induzindo a fosforilação do seu receptor e consequentemente prejudica a sensibilidade ao hormônio (NONINO et al., 2019). 151 Além da relação das gorduras da dieta influenciarem direta ou indiretamente a reposta inflamatória, a vitamina D atua de forma direta na expressão gênica, uma vez que o calcitriol transloca para o núcleo e se acopla ao seu receptor (VDR) e ativa diversos genes (MORAIS; COMINETTI; COZZOLINO, 2020). As mesmas autoras complementam que o controle da homeostase de cálcio por meio da absorção intestinal se dá por genes regulados pelo calcitriol. A absorção de cálcio na membrana apical é facilitada pelo calcitriol, tendo em vista que ele aumenta a expressão gênica do canal de cálcio, denominado transient receptor potential cation channel subfamily V member 6 (TRPV6). Outro mecanismo em que o calcitriol regula a absorção do cálcio é por meio da expressão gênica da calbindina, proteína citoplasmática que se liga ao mineral, a qual participa da translocação do cálcio da membrana apical para a basolateral (MORAIS; COMINETTI; COZZOLINO, 2020). Em um estudo de coorte realizado no Irã com crianças e adolescentes, na faixa etária de 7-18 anos (2.504 indivíduos) de centros urbanos e rurais, foi avaliada a associação do estado nutricional de vitamina D com o fenótipo de obesidade metabólica (ESMAILI et al, 2020). Os dados obtidos revelaram que 85% dos estudantes eram não obesos metabolicamente saudáveis (NOMS); 11% eram obesos metabolicamente saudáveis (OMS); 2,5% eram não obesos metabolicamente não saudáveis (NOMNS); 1,3% eram obesos metabolicamente não saudáveis (OMNS). Em obesos metabolicamente não saudáveis, a hipovitaminose D foi detectada em 85% dos indivíduos e conforme os níveis de vitamina D aumentavam, a chance de NOMNS e OMNS diminuía significativamente em 7% e 6%, respectivamente (ESMAILI et al, 2020). Cominetti, Rogero e Horst (2020) inferem que outro nutriente importante no cenário da nutrigenômica é o ferro, pois a absorção do tipo não heme pelos enterócitos depende de duas proteínas transportadoras, o citocromo b duodenal (Dcyt b) e o transportador de metal (DMT1). A Dcyt b converte a forma férrica em ferrosa e apresenta um local de ligação com o ácido ascórbico (vitamina C), o qual melhora a absorção do tipo não heme. O DMT1 é responsável pelo transporte de ferro tipo heme na membrana apical dos enterócitos. A expressão gênica tanto do Dcytb e DMT1 está aumentada em indivíduos com deficiência de ferro (ALENCAR; HENRIQUES; COZZOLINO, 2020). Os compostos bioativos (CBA) também apresentam relação com a nutrigenô- mica. Eles são compostos extra nutricionais, sem funções estabelecidas como as dos nutrientes, mas que podem ser identificados facilmente e por fim, que sua falta pode causar agravos à saúde (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2020). Existe uma grande variabilidade de verduras, legumes e frutas que apresentam compostos bioativos, como polifenóis, carotenoides, isoflavonas, resveratrol, catequinas e os flavonoides (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2020). O chá verde (Camellia sinensis) 152 contém um polifenol denominado epigalocatequina-3-galato (EGCG), a qual controla a expressão gênica de forma indireta. Estudos in vitro demonstraram ação anti- inflamatória desse composto, pois ele é capaz de atenuar in vitro a ativação do fator nuclear kappa B (NF-kB) e ao mesmo tempo reduzir a degradação do inibidor do kappa B (IkB)-alfa induzido pela ativação do fator de necrose tumoral (OHISHI et al., 2016). As pesquisas acerca da nutrigenômica evidenciam que um nutriente pode influenciar na sua própria biodisponibilidade, uma vez que modulam a expressão de genes envolvidos na absorção (ferro), metabolismo e excreção, por outro lado, hátambém o nutriente que pode controlar a homeostase de outro, como a vitamina D e o cálcio (COMINETTI; ROGERO; HORST, 2020). Outra contribuição importante da nutrigenômica é elucidar nutrientes e CBA que podem controlar direta ou indiretamente a expressão de genes que modulam vias de sinalização, como por exemplo, as gorduras saturadas, monoinsaturadas e poli- insaturadas e a cascata de sinalização inflamatória (CORRÊA et al., 2020; FISCHER et al., 2020). Até o momento a nutrigenômica tem procurado mitigar a vulnerabilidade do ser humano, conforme elucida Fischer et al. (2020) às condições de vida impostas pela so- ciedade contemporânea, por meio de um cuidado nutricional personalizado. Para tanto, busca o conhecimento sobre consumo alimentar (dieta) e a influência sobre a expressão gênica, seja forma direta ou indireta. Concomitantemente, os mesmos autores, destacam ainda que há incertezas técnicas, sociais e éticas envolvidas na busca desse conhecimento e sua real pre- venção/tratamento de doenças, portanto, é substancialmente plausível que se tenha cuidado para não tornar os indivíduos vulneráveis frente interesses da ciência. 5 EPIGENÔMICA NUTRICIONAL A epigenômica nutricional tem por objetivo elucidar a relação entre eventos epigenéticos e a alimentação. A origem da palavra epigenética é grega, onde “epi” quer dizer acima e genética, de “gene”. O termo foi assim denominado pela primeira vez pelo biólogo Conrad Waddington, em 1940 (BONASIO; TU; REINBERG, 2000; COMINETTI; ROGERO; HORST, 2020). A epigenômica corresponde a eventos reversíveis herdados durante a divisão celular, os quais alteram a expressão gênica e, assim o fenótipo, sem que se observe alterações na sequência de nucleotídeos do DNA (mutação). Durante a vida, nossos genes acumulam marcas químicas que determinam a quantidade expressa de genes, esse conjunto de marcas é chamado de epigenoma (GAYON, 2016). 153 As mudanças causadas pela epigenômica são potencialmente reversíveis pois decorrem da modificação das histonas (proteínas de carga positiva que interagem entre si formando um octâmero proteico que se associa ao DNA, o qual possui carga negativa, estabilizando a estrutura e permitindo, assim, compactação do DNA) (GAYON, 2016). Para que um mecanismo ou sinalização molecular sejam considerados epi- genéticos, Bonasio, Tu e Reinber (2000) sugerem três critérios: (1) ter mecanismo de autopropagação, ou seja, que tenha um caminho o qual explique a assinatura mole- cular, permitindo assim que seja originalmente reproduzida após a replicação do DNA e divisão celular; (2) transmissão hereditária autossustentada aos descendentes; e (3) ser reversível. As formas mais representativas são: a) metilação do DNA; b) modificações pós-traducionais em histonas por acetilação e/ou metilação pós-traducional (adição de grupos metila ou acetila ao DNA); e c) regulação pós-transcricional mediada por microRNAs ou mRNAs, que são sequências cortadas do RNA, os quais interferem na tradução de um gene a uma proteína (JONES; BAYLIN, 2007; GAYON, 2016). Stover et al. (2018) esclarecem que várias marcas epigenéticas já ocorrem na fase embrionária e estão relacionadas com mecanismos de imprinting (tradução livre do inglês: marca, sinal) genômico e programação metabólica. Tais mecanismos são fluídos, ou seja, sofrem remodelação epigenética ao logo de toda a vida, são as digitais deixadas pelos fatores ambientais em nosso genoma, com destaque para ingestão de alimentos durante a gestação e as possíveis associações com os agravos à saúde (Figura 9). FIGURA 9 – EXPOSIÇÃO NUTRICIONAL PRECOCE QUE LEVA À UMA MARCA FENOTÍPICA METABÓLICA COM RISCO PARA DOENÇAS CRÔNICAS NÃO TRANSMISSÍVEIS FONTE: Stover et al. (2018) 154 A modificação epigenética mais estudada em mamíferos é a metilação do DNA, a qual se caracteriza por adição de grupos metila (CH3) em citocinas seguidas de guanina. Tal ocorrência propicia um silenciamento gênico estável, uma vez que quanto mais metilada a região regulatória do gene, menor é a sua expressão (STOVER et al., 2018; TIFON, 2018; MORENO-FERNANDEZ et al., 2020) (Figura 10). FIGURA 10 – METILAÇÃO DO DNA FONTE: Adaptado de Stover et al. (2018) O excesso ou a carência de determinados nutrientes pode modular diretamente o epigenoma. O estado nutricional de ácido fólico, vitamina B12, metionina, colina e betaína (composto bioativo encontrado na beterraba, brócolis, espinafre etc., influencia o grau de metilação do DNA. Tal capacidade se dá por conta da disponibilidade que esses nutrientes oferecem de grupamentos metila (CH3) e regulação do metabolismo de um carbono (transferência de grupamentos CH3 entre moléculas biológicas) (KUSSMANN; VAN BLADEREN, 2011). De acordo com Cominetti, Rogero e Horst (2020), há poucos estudos que relacionam os eventos genéticos e a biodisponibilidade de nutrientes. Por outro lado, há evidências acerca de que a escassez de alimentos ocasionada pela II Guerra Mundial fez com que as gestantes passassem por restrição alimentar severa e tal evento desencadeou efeitos sobre a prole dessas mulheres. O imprinting transgeracional observado nos filhos essas gestantes foi o risco elevado para doenças crônicas não transmissíveis, com destaque para doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, obesidade na prole do sexo feminino etc. (ROSEBOOM et al., 2000; KYLE; PICHARD, 2006). Os eventos epigenômicos causados pelos alimentos e sua associação com o câncer são extensivamente estudados. Nesse cenário, vários fatores dietéticos são estudados como potenciais moduladores das enzimas histona deacetilase (HDAC) e histona acetiltransferase (HAT), responsáveis pela acetilação da histona. No brócolis são encontrados os compostos sulforaphano e o isotiocinato; no alho, o dialil dissulfato, os quais são considerados inibidores da enzima HDAC. Estudos in vitro utilizando esses compostos demonstraram efeitos anticancerígenos associados à inibição da HDAC e acetilação de histona (TIFFON, 2018). Vale ressaltar que essas pesquisas não foram conduzidas in vivo. 155 No Quadro 8 estão sumarizados alguns alimentos, nutrientes e os possíveis mecanismos de ação protetiva contra o câncer. QUADRO 8 – NUTRIENTE, FONTE ALIMENTAR E POSSÍVEIS EFEITOS PROTETIVOS NO CÂNCER Nutriente Fonte alimentar Função epigenética Metionina Semente de gergelim, castanha do Brasil, peixe, espinafre Síntese de S-adenosilmetionina (SAM)– cofator envolvido na transferência de grupos metila Ácido fólico Folhosos, semente de girassol, fígado Síntese de metionina Vitamina B12 Carnes, fígado Síntese de metionina Vitamina B6 Carnes, grãos integrais, vegetais, oleaginosas Síntese de metionina Colina Ovos, fígado, soja Doador de grupos metila Betaína Beterraba, espinafre, marisco Quebra subprodutos tóxicos produzidos pela síntese de SAM Resveratrol Vinho tinto, suco de uva Remove grupos acetil das histonas Genisteína Soja ↑ Metilação Dialil dissulfato Alho ↑ Acetilação das histonas FONTE: Adaptado de Tiffon (2018) Em resumo, a epigenômica nutricional é uma área que oportuniza entender como o nosso genoma se relaciona com os fatores ambientais, com ênfase na Nu- trição. E essas marcas epigenéticas já iniciam a partir da fecundação, são fluídas e podem elevar ou reduzir risco para doenças crônicas não transmissíveis. Entender esse processo de inter-relação entre genoma, ambiente e nutrientes poderá no futuro oportunizar um cuidado nutricional personalizado, para tanto é necessário o avanço no conhecimento científico. 156 PANORAMA DA NUTRIGENÔMICA NO BRASIL SOB A PERSPECTIVA DA BIOÉTICA Marta Luciane Fischer Ricardo de Amorim Cini Amanda Amorim Zanatta Norton Nohama Mauro Seigi Hashimoto Valquiria Batista da Rocha Caroline Filla Rosaneli A Bioética inseriu uma nova perspectiva no diálogo com a saúde global ao subsidiar a resolução de conflitos entre o desenvolvimento tecnológico e os impactos ambientais plausíveis de afetarem local ou globalmente a saúde das pessoas,dos animais e do ambiente, em uma amplitude física, mental e social. A nutrigenômica tem configurado, no meio científico e popular, como alternativa para prevenir doenças, cuja predisposição genética pode ser suprimida ou estimulada, dependendo do ambiente e dos nutrientes incorporados. Segundo Fujii, Medeiros e Yamada e Subbiah, novas áreas denominadas de “nutrigenômica” e “nutrigenética” são derivadas do Projeto Genoma, o qual permitiu a documentação de polimorfismos associados ao metabolismo, o que evidencia a interação genes-nutrientes bioativos e a atuação deles na modulação da expressão gênica, bem como o efeito da variação genética na interação dieta-doença. Os autores alertaram para o desafio da compreensão entre essa interação e a expectativa de proporcionar ao paciente uma intervenção nutricional personalizada, que revolucionaria os cuidados de saúde pública, os cuidados em saúde, além do mercado de alimentos. O presente estudo se justifica perante a configuração da nutrigenômica no meio médico como alternativa de medicina integrativa e personalizada, que visa à avaliação individual por meio do diagnóstico e propõe intervenções com suplementação. Contudo, além de não ser reconhecida pelo Conselho Profissional de Medicina no Brasil, que alega serem os conhecimentos ainda incipientes para validar uma nova área de atuação, tem sido cautelosamente abordada por outras áreas como a própria Nutrição, a qual, embora aponte perspectivas, também considera que ainda se conhece pouco sobre o tema. LEITURA COMPLEMENTAR 157 Concomitantemente, tratamentos dispendiosos prometem saúde e juventude, angariando pessoas vulneráveis diante de um sistema de saúde que as uniformiza ao não atender suas necessidades individuais. Essas pessoas, muitas vezes destituídas de perspectiva de cura para suas enfermidades, submetem-se à elevada alocação monetária e em expectativa. Uma rápida busca pelas redes sociais elenca inúmeros vídeos de divulgação científica como a suplementação da vitamina d, b12 e Ômega3, com a promessa de resolver questões que perpassam a recuperação de memória, o ganho de massa muscular, até a prevenção e cura do autismo, da degeneração muscular, do acidente vascular cerebral (conhecido pela sigla AVC) e dos problemas cardíacos e imunológicos. Considerando o pressuposto de que cada ser humano é geneticamente único e fenotipicamente distinto e diante do alerta da disseminação multidisciplinar do termo no meio científico e popular, conclama-se a avaliação ética, legal e social. O presente estudo consistiu em um mapeamento quantitativo do panorama da nutrigenômica no cenário científico e popular do Brasil, e em uma análise bibliográfica exploratória com o intuito de identificar os agentes e pacientes morais, bem como as vulnerabilidades com vistas a promover uma reflexão à luz da Bioética. O panorama da nutrigenômica até o momento assinala uma expectativa de mitigar a vulnerabilidade do ser humano às condições de vida impostas pela sociedade contemporânea, cujo ritmo de vida tem oferecido poucas chances de promoção da saúde biopsicossocial. A possibilidade de conhecer as necessidades específicas individuais e de poder prover os nutrientes que já não são viáveis de serem obtidos in natura pode se constituir de alternativas para pessoas que se encontram em situação de risco. Por sua vez, assim como outras ciências inovadoras, a nutrigenômica traz atrelada uma série de incertezas técnicas, sociais e éticas, que não devem ser negligenciadas em prol do idôneo objetivo de prevenção de doenças, pois são plausíveis de gerarem mais vulnerabilidades. FONTE: Adaptada de FISCHER, M. L. et al. Panorama da nutrigenômica no Brasil sob a perspectiva da Bioética. Revista Latinoamericana de Bioética, [s.l.], v. 20, p. 27-48, 2020. Disponível em: https:// www.redalyc.org/journal/1270/127064974004/html/. Acesso em: 24 set. 2021. 158 RESUMO DO TÓPICO 2 Neste tópico, você aprendeu: • O Gene é um segmento de DNA em um cromossomo responsável pela síntese de uma proteína especifica que determina um caráter hereditário (unidade de transmissão hereditária). • Os polimorfismos são variações genéticas que ocorrem em frequência relativamente alta, em cerca de mais de 1% da população. • O tipo mais comum de polimorfismo é o único (SND, do inglês single nucleotide polymophism) que se caracteriza por alteração de apenas um nucleotídeo em determinada posição e é responsável por 90% da variação genética. • O nucleotídeo é formado por um grupo fosfato, um açúcar (pentose) e uma base nitrogenada. • A pentose do DNA é a desoxirribose e do RNA é a ribose; as bases nitrogenadas são: do DNA, Adenina (A), Tiamina (T), Citosina (C) e Guanina (G); e do RNA: Adenina (A), Uracil (U), Citosina (C) e Guanina (G). • Os polimorfismos podem resultar em influência positiva (hiper-regulação) ou negativa (hiporregulação) na região promotora ou regulatório dos genes e nas regiões não traduzidas. • A subárea da genômica nutricional que estuda as influências das variações no DNA nas necessidades nutricionais e as respostas individuais a componentes da alimentação é a Nutrigenética. • A biodisponibilidade de nutrientes pode ser alterada a partir de alguns polimorfismos e resultar em maior ou menor risco para algumas doenças. • A alteração no processo de codificação da proteína do receptor de vitamina D está associada com doenças autoimunes, alguns tipos de câncer, doenças cardiovas- culares etc. • Indivíduos que carregam o alelo de risco na variação do gene da MTHFR, uma vez que a enzima sintetizada é mais termolábil e tem redução de atividade, apresentam maior risco para doenças cardiovasculares. • A obesidade e o estudo de seus aspectos genéticos indicam uma base genética hereditária na regulação do peso corporal e desenvolvimento da obesidade. 159 RESUMO DO TÓPICO 2 • A nutrigenômica estuda o efeito dos nutrientes compostos bioativos sobre a expressão gênica. • As interações entre os nutrientes e os compostos bioativos com a expressão gênica pode acontecer de forma indireta e direta. • O ácido graxo poli-insaturado docosaexaenoico (DHA) suprime a ativação da via de sinalização do fator de transcrição NF-kB e a expressão da enzima COX-2, logo apresenta uma ação anti-inflamatória. • Os compostos bioativos apresentam relação com a nutrigenômica. Eles são compostos extra nutricionais, sem funções estabelecidas como as dos nutrientes. • A epigenômica nutricional tem por objetivo elucidar a relação entre eventos epigenéticos e a alimentação. • Eventos epigenéticos são reversíveis, herdados durante a divisão celular, os quais alteram a expressão gênica e, assim o fenótipo, sem que se observe alterações na sequência de nucleotídeos do DNA. • A modificação epigenética mais estudada em mamíferos é a metilação do DNA, a qual se caracteriza por adição de grupos metila (CH3) em citocinas seguidas de guanina. • O estado nutricional de ácido fólico, vitamina B12, metionina, colina e betaína (composto bioativo encontrado na beterraba, brócolis, espinafre etc., influencia o grau de metilação do DNA. • A restrição alimentar durante a gestação (período da II Guerra Mundial) desencadeou marcas epigenéticas na prole e destacam-se o maior risco para doenças cardiovasculares, diabetes tipo 2, obesidade na prole do sexo feminino etc. 160 1 A conclusão do projeto genoma humano no início dos anos 2000 abriu possibilidades de compreender a relação dos genes com diversas doenças que assolam a humanidade. Nesse contexto, área da Nutrição por meio de pesquisas envolvendo a Genômica Nutricional tem procurado esclarecer a inter-relação gene-nutriente e nutriente-gene. Considerando tal premissa, analise as sentenças a seguir: I- A Genômica Nutricional compreende três subáreas: a nutrigenética, a nutrigenômica e a epigenômica nutricional. II- A nutrigenética busca entender a influência da variabilidade genética entre os indivíduos em relação às necessidades nutricionais,à promoção da saúde e aos riscoS de desenvolvimento de doenças crônicas não transmissíveis. III- A modulação da expressão gênica por nutrientes e/ou compostos bioativos presentes nos alimentos é tema de estudo da epigenômica nutricional. IV- A nutrigenômica tem por objetivo estudar a modulação da expressão gênica exercida por nutrientes e compostos bioativos presentes nos alimentos. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Todas as assertivas estão corretas. b) ( ) Somente as assertivas I, II e IV estão corretas. c) ( ) Somente as assertivas II e III estão corretas. d) ( ) Somente as assertivas I, III e IV estão corretas. 2 Os polimorfismos genéticos são variações genéticas que podem ocorrer em sequências codificadoras ou não codificadoras, desencadeando, desse modo, alterações qualitativas e/ou quantitativas na expressão de uma proteína. Sobre o polimorfismo da enzima metileno-hidrofolato redutase (MTHFR) e sua relação com o folato, assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Ela é responsável por catalisar a conversão de 5-10 metiltetrafolato em 5-metiltetra-folato no ciclo da metionina-homocisteína. b) ( ) Nos indivíduos que carregam o alelo de risco, em relação ao polimorfismo da MTHFR, observa-se intensa conversão de homocisteína em metionina, elevando assim o risco de doenças cardiovasculares. c) ( ) O aumento da atividade da MTHFR decorrente do polimorfismo exige que os indivíduos aumentem a ingestão de alimentos fonte de folato e/ou façam uso de suplemento. d) ( ) Os indivíduos que não apresentam esse tipo de polimorfismo na enzima MTHFR têm maior risco de doenças cardiovasculares. AUTOATIVIDADE 161 3 O tipo de lipídeo que compõem uma dieta é capaz de modular a expressão gênica da resposta inflamatória (RI), nesse cenário vale lembrar que diversas doenças apresen- tam um perfil inflamatório positivo, como por exemplo, a obesidade, as dislipidemias etc. Sendo assim, analise as assertivas a seguir: I- Os ácidos graxos saturados estimulam a RI, de forma indireta, por meio da modulação da sinalização do receptor toll-like 4 (TLR4). II- O ácido láurico (insaturado), encontrado nas carnes e oleaginosas, apresenta baixa capacidade de ativação da sinalização do receptor toll-like 4 (TLR4). III- Os ácidos graxos saturados que apresentam maior capacidade de ativação da via do TLR4 são o mirístico e o esteárico. IV- O DHA (docosahexanoico), ácido graxo monoinsaturado, encontrado principalmente no óleo de coco, apresenta alta atividade inflamatória por meio da via de sinalização TLR4. Assinale a alternativa CORRETA: a) ( ) Nenhumas das assertivas está correta. b) ( ) Somente as assertivas III e IV estão corretas. c) ( ) Somente as assertivas I e II estão corretas. d) ( ) Somente a assertiva I está correta. 4 Os eventos epigenéticos são reversíveis, herdados durante a divisão celular, os quais alteram a expressão gênica e, assim o fenótipo, sem que se observe alterações na sequência de nucleotídeos do DNA. A epigenômica nutricional estuda a capacidade dos nutrientes e compostos bioativos em deixar marcas em nosso genoma, as quais podem trazer agravos à saúde. Nesse contexto, cite e explique um exemplo de evento epigenômico nutricional. 5 A função clássica da vitamina D em manter a homeostase do cálcio no organismo é amplamente conhecida, mas há funções pleiotrópicas ainda em investigação e com resultados bastantes promissores na área da Nutrigenética. Considerando que a interação entre a vitamina D e seu receptor em tecidos-alvo é fundamental, indique e explique se há polimorfismos identificados e os principais problemas associados. 162 REFERÊNCIAS AITA, E. B.; FACCI, M. G. D. Subjetividade: uma análise pautada na Psicologia histórico- cultural. Psicologia em Revista, Belo Horizonte, v. 17, n. 1, p. 32-47, 2011. ALENCAR, L. L.; HENRIQUES, G. S.; COZZOLINO, S. M. F. Ferro. In: COZZOLINO, S. M. F. Biodisponibilidade de nutrientes. São Paulo: Manole, 6. ed., p. 408-425, 2020. ALVARENGA, M. et al. Nutrição Comportamental. 2. ed. São Paulo: Manole, 2019a. ALVARENGA, M. et al. Habilidades interpessoais e de comunicação para o nutricionista. In: ALVARENGA, M.; et al. Nutrição Comportamental. 2. ed. São Paulo: Manole, p. 173- 200, 2019b. ALVARENGA, M.; KORITAR, P.; MORAES, J. Atitude e comportamento alimentar – determinantes de escolhas e consumo. In: ALVARENGA, M. et al. Nutrição Comportamental. 2. ed. São Paulo: Manole, p. 25-56, 2019c. 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