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Aula 13 Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Marcela do Nascimento Padilha 274 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • Meta Apresentar ao aluno a forma como o turismo é capaz de transformar as localidades, gerando impactos positivos e/ou negativos. Objetivos Esperamos que, ao final desta aula, você seja capaz de: 1. reconhecer a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento; 2. realizar uma análise comparativa de cidades que têm o turismo como principal atividade econômica. 275 Geografia do Turismo Introdução Ao longo da nossa disciplina, vimos como a Geografia é capaz de con- tribuir para a análise do Turismo, tanto na dimensão espacial quanto na socioeconômica e na política. Por meio de suas categorias de análise, vi- mos que a Geografia é uma ciência que está diretamente ligada ao turis- mo, visto que este necessita de um espaço e todas as suas características para atuar. Dessa forma, como o espaço é continente e condicionante da atividade turística, a Geografia nos ajuda a entender em que medida o turismo pode transformar as localidades onde se faz presente e como ele pode ajudar a promover o desenvolvimento local e a cidadania. Nesse sentido, nesta nossa última viagem, veremos que geração de renda e crescimento econômico não necessariamente levam ao desen- volvimento. Este, por sua vez, depende muito mais da qualidade dos investimentos do que da quantidade deles. Para isso, utilizaremos exem- plos reais de lugares turísticos e, por fim, faremos uma comparação entre duas cidades que têm no turismo sua principal fonte de receita: Paraty, no litoral sul-fluminense, e Guimarães, no norte de Portugal. Vamos lá? Crescimento econômico e desenvolvimento Na aula anterior, vimos como os governos, em suas diferentes esfe- ras, podem contribuir para a promoção do desenvolvimento local por meio da criação e implementação de políticas públicas, especificamente voltadas para o turismo. Já vimos, em outro momento, que crescimento e desenvolvimento não são sinônimos. No entanto, eles não são, de forma nenhuma, ex- cludentes. Apesar disso, pode-se afirmar que é possível um local crescer economicamente sem se desenvolver. Um país considerado muito rico pode não apresentar boa qualidade de vida para grande parte de sua po- pulação. Se isso acontece, é porque o seu nível de desenvolvimento não está de acordo com o seu crescimento econômico. Isso se deve ao fato de que crescimento econômico está ligado exclusivamente a aumento de renda, desconsiderando o tratamento dado ao meio ambiente, a qua- lidade do sistema de ensino e de saúde, dos transportes, dos espaços públicos, do grau de atuação da população local nas decisões políticas, entre outros fatores. Por isso, os países mais ricos do mundo nem sem- pre estão no topo do Índice de Desenvolvimento Humano (IDH). 276 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • O IDH foi criado em 1990 pelos economistas Amartya Sen e Mah- bub ul Haq, e desde 1993 é utilizado pela ONU através do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento, que anualmente divulga o ranking de desenvolvimento dos países. Segundo Amartya Sen, para um país ser considerado desenvolvido, ele precisa oferecer oportunida- de à sua população para que ela possa fazer suas escolhas e exercer sua cidadania. Além disso, as pessoas precisam ter garantidos os seus direi- tos a saúde, educação, liberdade, cultura, transporte, segurança, lazer, entre outros fatores que lhes ofereçam boa qualidade de vida. Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) O IDH é uma medida comparativa usada para classificar os pa- íses segundo seu grau de “desenvolvimento humano”, ajudando a classificá-los como desenvolvidos (desenvolvimento humano muito alto), em desenvolvimento (desenvolvimento humano mé- dio e alto) e subdesenvolvidos (desenvolvimento humano baixo). A estatística é composta a partir de dados de expectativa de vida ao nascer, educação e PIB (PPC) per capita (como um indicador do padrão de vida) recolhidos em nível nacional. A cada ano, os países membros da ONU são classificados de acordo com essas medidas. O IDH também é usado por organizações locais ou em- presas para medir o desenvolvimento de entidades subnacionais, como estados, cidades, aldeias etc. (ÍNDICE..., 2018). Veja, a seguir, o mapa-múndi do IDH: 277 Geografia do Turismo Figura 13.1: Mapa-múndi indicando o Índice de Desenvolvimento Humano (baseado em dados de 2014, publicados em dezembro de 2015). Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano Figura 13.2: Mapa-múndi indicando o Índice de Desenvolvimento Humano (2014). Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano https://pt.wikipedia.org/wiki/Mapa-m%C3%BAndi 278 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • Os mapas presentes nas Figuras 13.1 e 13.2 apresentam duas manei- ras de visualizarmos o resultado do IDH. O primeiro apresenta o resul- tado do índice em números, de acordo com a faixa que vai de 0 a 1. Já o segundo nos mostra o IDH de forma qualitativa, com resultado de baixo a muito alto, e que, em geral, é de compreensão mais fácil. Em 2015, o IDH brasileiro foi de 0,755, o que o fez ocupar a 75ª posição no ranking que avalia 188 países. Esse lugar incômodo se deve, principalmente, aos fatos de que nossos índices de educação não são satisfatórios e de que ainda convivemos com uma grande desigualdade social no país. Atividade 1 Atende ao objetivo 1 É comum ouvirmos pessoas afirmando que para ser feliz é preciso ser rico. Por isso mesmo, ao se falar em países desenvolvidos, logo se pen- sa em riqueza, alto padrão de vida, poder de compra etc. No entan- to, percebe-se que no topo do IDH não estão os países mais ricos do mundo, mas sim aqueles que conseguiram atingir um bom equilíbrio entre crescimento econômico e qualidade de vida para a sua popula- ção. Nesse sentido, explique a diferença entre crescimento econômico e desenvolvimento. Resposta comentada Crescimento econômico está diretamente relacionado a padrão de vida, isto é, à capacidade de consumo. Quanto maior o crescimento econô- mico de um país, mais rico ele será. No entanto, se essa riqueza não for bem distribuída à população e investida para que ela se beneficie não só com bons sistemas de saúde e educação, mas também com acesso ao lazer, cultura, espaços públicos de qualidade etc., a qualidade de vida e o exercício da cidadania serão prejudicados e, portanto, o desenvolvimen- to não será satisfatório. Alguns países emergentes, como o Brasil, o Mé- xico e a Índia, vêm, nas últimas décadas, alcançando bons níveis de cres- cimento econômico (salvo os dois últimos anos de crise). No entanto, ainda não são considerados países desenvolvidos, por apresentarem má distribuição de renda, grande desigualdade social e de oportunidades de 279 Geografia do Turismo emprego, graves problemas nas áreas de saúde e educação, segurança, transporte público, entre outras motivações que diminuem o nível da qualidade de vida da maioria de seus habitantes. Levando a ideia de desenvolvimento para o turismo, podemos afir- mar que um lugar turístico não é considerado desenvolvido só porque recebe muitos turistas e, por conseguinte, tem grande renda gerada pelo setor. Para que um lugar seja bom para os turistas é preciso que, antes, ele seja bom para os seus habitantes. Portanto, ainda que haja, numa localidade, um calendário cultural repleto de eventos, atrativos varia- dos, como belas paisagens naturais e significativo patrimônio histórico, é preciso que a população local conte com bom sistema de saúde e edu- cação, tratamento adequado dos cursos d’água e das áreas verdes, boas oportunidades de emprego, entre outros direitos. Para exemplificar o que estamos afirmando aqui, apresentaremos a seguir os casos deduas cidades pequenas, uma brasileira – Paraty/RJ – e outra portuguesa – Guimarães. Trata-se de cidades que têm o turismo como principal atividade econômica e contam com um grande conjunto histórico-arquitetônico. Escolhi tais cidades por terem sido estudadas em minha tese de doutorado e, portanto, fazerem parte de um estudo aprofun- dado que me levou a conhecer melhor a relação entre geografia e turismo. Crescimento econômico, desenvolvimento e turismo: os exemplos de Paraty e Guimarães Paraty e Guimarães demonstram bem o grau de desenvolvimento que uma cidade turística pode apresentar, de acordo com a forma como a administração pública trata os seus cidadãos. Em ambas, podemos encontrar um grande número de turistas, nacionais e estrangeiros, ao longo de um ano. A maior diferença entre elas está na satisfação dos seus habitantes. 280 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • Paraty Paraty é um município localizado no litoral sul-fluminense que pos- sui 928,467 Km² e 39.965 habitantes, segundo o IBGE. A cidade tem sua história ligada aos ciclos do ouro e do café. Era um dos pontos de escoamento desses produtos para o Rio de Janeiro e, por isso, se bene- ficiou de um comércio ativo e do cultivo de gêneros alimentícios. No entanto, após a abertura da Estrada de Ferro Dom Pedro II, que pas- sou a escoar todo o café produzido no Vale do Paraíba, Paraty entrou em um longo período de decadência que durou décadas, até ser “re- descoberta” por paulistas que viram nela grande beleza tanto natural quanto arquitetônica. Figura 13.3: Localização do município de Paraty. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/Paraty#/media/File:RiodeJaneiro_Municip_Parati.svg Aos seus longos anos de esquecimento se deve a preservação de seu casario colonial e imperial do Centro Histórico, o que lhe rendeu, junto com a Mata Atlântica presente no município, o título de Monumento Nacional, em 1966. Em seguida, com a abertura do trecho Rio-Santos da BR-101 e com o crescimento do turismo no Brasil, Paraty passou a receber um grande número de visitantes e a sofrer os impactos disso. O problema é que o turismo não foi pensado de forma adequada na cidade. Não houve um planejamento urbano criterioso que acom- panhasse seu crescimento acelerado. Com isso, o que se verifica é uma 281 Geografia do Turismo clara desigualdade nas condições estruturais e sociais de seus bairros, sobretudo se compararmos o Bairro Histórico à maioria dos bairros da parte nova da cidade. Enquanto, para o primeiro, convergem as atenções dos poderes públicos, de empresários e, por conseguinte, dos turistas, as demais zonas da cidade crescem sem receber a infraestrutura e os ser- viços necessários a uma boa qualidade de vida, tornando-as um bolsão de pobreza que envolve uma ilha de prosperidade (PADILHA, 2011). O fato de ter um conjunto arquitetônico protegido e que, por isso, manterá a sua fisionomia quase intacta, torna os imóveis do Bairro Histórico mais valorizados a cada dia, ainda que tenham diversas li- mitações com relação às mudanças. Como ocorre em várias cidades do mundo, isso tem provocado a compra de imóveis por parte de morado- res ocasionais que desejam ter ali um lugar onde passar os fins de sema- na, feriados e férias. Além disso, os imóveis são comprados, também, por empresários que resolvem se estabelecer no bairro, sobretudo por meio de restaurantes, pousadas e lojas, devido ao grande número de turistas que a cidade recebe durante todo o ano. Dessa forma, notamos nesse quadro pelo menos dois problemas graves: 1. Com a saída dos antigos moradores do Bairro Histórico e sua substituição por moradores ocasionais e por empresários que apenas têm ali o seu negócio, esse bairro vai perdendo a sua identidade e a sua própria personalidade, transformando-se simplesmente em um lugar, em um conjunto de casas, como outros tantos. Um lugar com pessoas, mas sem cidadãos. 2. A cidade, embora dependa do turismo, cujo maior atrativo é o Bairro Histórico, não se resume a esse bairro. Ela é muito mais do que o que está contido no conjunto arquitetônico colonial. Aliás, toda a popu- lação e o território do município deveriam ter acesso aos bens e serviços públicos de forma igualitária. Tal afirmação pode soar um tanto quanto utópica. No entanto, vemos, em uma cidade como Paraty, pequena, mas com importância regional e mesmo nacional, uma grande oportunida- de de realização plena da cidadania. Afinal, o turismo da cidade e do município depende essencialmente dos habitantes que vivem nos bair- ros novos da cidade de Paraty. A cidade permanece sofrendo com problemas que atingem, principal- mente, aqueles que nela vivem e que convivem com inundações constan- tes, falta de saneamento básico, poluição dos rios e da baía – que prejudica a atividade pesqueira e turística –, entre outras adversidades. Nem mesmo os turistas estão livres delas. Eles também encontram uma série de difi- 282 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • culdades para conhecer Paraty e ali permanecer. A poluição dos rios e da baía, a falta de profissionais qualificados para dar informações e atender o público podem tornar a visita um transtorno (PADILHA, 2011). É possível observar, portanto, que em Paraty as atenções do poder público e dos empresários se voltam para o Bairro Histórico, pois é ele que recebe os turistas. Já os demais bairros da cidade ficam à margem dos investimentos, ainda que façam parte da mesma cidade e que todo o município seja tombado pelo Iphan. Guimarães Guimarães é um exemplo de cidade que fez o caminho que conside- ramos o mais adequado: desenvolveu o turismo a partir do desenvolvi- mento da cidade. Desde as nossas primeiras aulas, procuramos mostrar que o turismo precisa partir do espaço, com suas características e, assim, ser um aliado para o desenvolvimento local. Quando o caminho é in- verso, ou seja, um turismo feito de fora pra dentro, desconsiderando as particularidades e necessidades locais, o sucesso da atividade nem sempre acontece e, quando acontece, beneficia a minoria. De acordo com Ramón López de Lúcio (2008), arquiteto-urbanista que possui diversos trabalhos acerca do planejamento urbano e do pa- trimônio histórico arquitetônico, os aspectos prioritários das políticas que envolvem patrimônio e turismo devem ser, principalmente: M ar ce la P ad ilh a Figura 13.4: Praça no bairro Mangueira (à esquerda) e Praça da Matriz (à direita). No primeiro, apesar de as ruas serem pavimentadas, o esgoto do bairro, assim como de grande parte da cidade, continua sendo despejado nos rios. A praça, que deveria ser um espaço público agradável, não tem manuten- ção e limpeza adequadas. Muito diferente da Praça da Matriz, no Centro Histórico. 283 Geografia do Turismo • a melhoria dos espaços públicos; • as políticas de mobilidade e de estacionamento; • a melhoria da qualidade ambiental por meio do “enxugamento” do excesso de construções; • as políticas de melhoria/reabilitação/renovação de edifícios residen- ciais e casas; • as políticas de implantação de atividades não residenciais, com a implantação de pequenos equipamentos para a população residen- te ou mesmo equipamentos maiores, como museus, universidades, entre outros. Essas medidas foram contempladas no processo de reabilitação do centro histórico da cidade de Guimarães, cidade localizada no distri- to de Braga, na região norte de Portugal. É conhecida como o “berço da nacionalidade portuguesa”, pois ali Dom Afonso Henriques, consi- derado o fundador de Portugal, teria nascido e recebido o sacramento do batismo. Além disso, foi palco da batalha de São Mamede, que teria resultado na vitória de D. Afonso Henriques e na consequente indepen- dência do Condado Portucalense, face ao Reino de Leão. A cidade foi, também, a primeira capital de Portugal. Guimarães é sede do concelho homônimo e possui um territóriode 23,5 Km2, onde vivem pouco mais de 54.097 pessoas (SANTOS; NICOLAU, 2004). Figura 13.5: Localização da ci- dade de Guimarães. Fonte: https://pt.wikipedia.org/wiki/ Guimar%C3%A3es, acesso em 10/01/2017 284 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • Você sabe o que é um concelho? Vamos fazer uma pausa pra co- nhecer a divisão político-administrativa de Portugal? Acesse o link http://www.conexaoportugal.com/2011/03/entenda-divisao- -do-estado-portugues.html e entenda essa divisão. O setor terciário, com destaque para o comércio, é aquele que gera maior receita para o concelho de Guimarães, embora seja a indústria a responsável por empregar a maior parte da mão de obra, sendo a indús- tria de cutelaria a mais importante. A cidade recebe anualmente cerca de 22 mil turistas, atraídos pelo seu belo e harmonioso centro histórico, classificado como Patrimônio da Humanidade pela Unesco. No entanto, para alcançar o prestígio de que a cidade desfruta hoje, foi necessário realizar um minucioso trabalho de reabilitação da área que era a mais degradada da cidade e, para isso, foi preciso contar, fun- damentalmente, com a colaboração da população local e com o apoio da Câmara Municipal. O centro histórico de Guimarães possui um tecido urbano essen- cialmente medieval e um conjunto arquitetônico harmonioso – embora não uniforme – no que diz respeito aos tipos de construção. Suas ruas estreitas desembocando em praças bonitas e aconchegantes produzem agradável sensação àqueles que chegam à cidade. No entanto, esse qua- dro era muito diferente no início da década de 1980. Toda a riqueza histórica e cultural do centro se apresentava em es- tado de intensa degradação, com suas antigas praças substituídas por campos de saibro que serviam de estacionamento de automóveis; as ruas estavam constantemente vazias, antigos edifícios em péssimo esta- do de conservação e a falta de segurança fazia parte do cotidiano da ci- dade. As demolições começavam a acontecer e novos edifícios, que não seguiam qualquer padrão ou que tentavam copiar os antigos, a aparecer. Devido ao risco que a cidade corria de perder seu valioso conjunto histórico, um grupo de profissionais se reuniu, entre o final da déca- da de 1970 e o início da década de 1980, para defender o patrimônio de Guimarães, e fundou a Associação Muralha, em 1981. O intuito dos profissionais era trabalhar junto à população e reabilitar a área mais de- http://www.conexaoportugal.com/2011/03/entenda-divisao-do-estado-portugues.html http://www.conexaoportugal.com/2011/03/entenda-divisao-do-estado-portugues.html 285 Geografia do Turismo gradada da cidade. Foi por isso que a Câmara cedeu ao Gabinete a casa de nº 115 da Rua Nova – atual Rua Egas Moniz –, que lhe pertencia. Trata-se de um edifício de origem medieval, mas cuja estrutura é quase toda do século XVII e com acréscimos do século XIX, que estava aban- donado e que a Câmara resolveu restaurar. O projeto de restauro e readaptação da casa ficou a cargo do arquite- to Fernando Távora. A qualidade do trabalho realizado na Casa da Rua Nova (Figura 13.6) foi reconhecida com o Prêmio Europa Nostra, em 1985, o que levou a Câmara a valorizar mais o projeto e a perceber que a recuperação do centro histórico poderia ser interessante para a cidade. Figura 13.6: Casa da Rua Nova – atual Rua Egas Mo- niz – nº 113, antiga sede do GTL de Guimarães. Fonte: http://icomos.fa.utl.pt/ documentos/coimbra2007/ gestachguimaraes.pdf Assim, é criado, também no ano de 1985, o Gabinete Técnico Local – GTL – de Guimarães, que se instala na Casa detentora do prêmio. A responsabilidade do GTL era criar e gerir um processo de recuperação do centro histórico da cidade, tendo como pilares: • a manutenção da população residente, promovendo melhores condi- ções de habitabilidade por meio de apoio técnico e financeiro; • a reabilitação dos espaços públicos; • a utilização de técnicas de intervenção no patrimônio que não preju- dicassem a sua autenticidade; 286 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • • a implantação de edifícios dinamizadores, que teriam como função atrair a população com frequência, tais como o Fórum, o órgão da previdência social, a agência dos Correios etc. Em relação à preocupação com as técnicas utilizadas nas obras, “[…] pretendia-se que as intervenções levadas a cabo pelo GTL tivessem um caráter exemplar, constituindo, assim, actos pedagógicos e incentivos à iniciativa particular na reabilitação do centro histórico”, foi o que disse Miguel Frazão, arquiteto, coordenador do GTL de Guimarães, em en- trevista dada a mim por ocasião da pesquisa de doutorado, no dia 3 de janeiro de 2011 (PADILHA, 2011, p. 207). Entre 1985 e 1999, 331 edifícios haviam sofrido intervenções, dos quais 225 situados na zona intramuros, que tem um total de 493 edifí- cios. Do total intervencionado, mais da metade contou com recursos da iniciativa privada, ficando a menor parte com o financiamento do poder público local e central. Até 2005, cerca de 90% dos espaços públicos da área intramuros haviam sido reabilitados (PADILHA, 2011). A estratégia seguida pelo GTL não se baseou apenas na reabilitação física dos espaços públicos, mas também na tarefa de fazê-los “reviver”, isto é, em incentivar os cidadãos a frequentá-los novamente. Para isso, pelo menos um edifício institucional deveria ser estabelecido em cada praça de grande relevância no centro histórico. Dessa forma, os habi- tantes, necessitando dos serviços oferecidos nesses edifícios, precisavam frequentar essas zonas. Isso fez com que tais espaços ganhassem cada vez mais usuários, o que levou ao surgimento de um comércio interes- sado nos possíveis clientes que por ali passavam e que, muitas vezes, ali permaneciam por algum tempo, visto que aqueles locais tinham se tornado bastante agradáveis (PADILHA, 2011). Figura 13.7: Largo Cônego José Maria Gomes, conhecido como Praça da Municipalidade, antes e depois das obras do GTL. Atualmente, abriga o edifício da Câmara Municipal. Fonte: http://icomos.fa.utl.pt/documentos/coimbra2007/gestachguimaraes.pdf 287 Geografia do Turismo A população, percebendo os esforços dos técnicos envolvidos no processo, assim como as mudanças positivas que já eram perceptíveis no espaço urbano, também passou a apoiar e a contribuir com a revita- lização, tornando-se parceira do programa. Os moradores passaram a frequentar a sede do Gabinete e a discu- tir os problemas e possíveis ações com os profissionais envolvidos na revitalização. Muitas moradias, que precisavam de algum tipo de inter- venção, foram, ao longo do tempo, reparadas, sempre tendo o desaloja- mento como última opção. Aliás, poucos foram os casos de famílias que tiveram de deixar suas casas durante as obras, mas, mesmo elas ficaram por pouco tempo instaladas em casas de familiares. Essa medida teve e tem como objetivo impedir que os moradores saiam do centro histórico. O resultado disso foi que, desde o início do programa, não houve uma mudança significativa do número de habitantes do centro histórico. Esse trabalho tem sido contínuo. Os proprietários que não possuem re- cursos para arcar com as despesas das obras recebem apoio da Câmara Municipal (PADILHA, 2011). Figura 13.8: Edifício residencial no centro histórico de Guimarães, antes e depois da intervenção dos técnicos do GTL. Fonte: http://icomos.fa.utl.pt/documentos/coimbra2007/gestachguimaraes.pdf Em 2001, Guimarães foi declarada Patrimônio da Humanidade pela Unesco. O título lhe rendeu grande visibilidade e a cidade passou a re- ceber o dobro de turistas que a visitavam antes de sua obtenção. Isso 288 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • também ajudou a dinamizar sua economia, que hoje conta com diver- sos bares, restaurantes e pousadas, a maioria deles de propriedade dos moradores locais.Além disso, o título ajudou a dar credibilidade e força ao programa, tendo despertado, ainda, o orgulho da população vimara- nense (PADILHA, 2011). Em suma, pode-se perceber que um ponto em comum entre o su- cesso de Guimarães e a perda cidadã de Paraty é o tratamento de seus espaços públicos. No caso de Paraty, seu centro histórico, principal es- paço da cidade, foi transformado em espaço do turista, no sentido mes- mo de perda de suas funções cidadãs, que são aquelas voltadas para os moradores locais. Com isso, tem-se um lugar onde predomina o valor de troca, em vez do de uso. Já em Guimarães adotou-se uma postura de revitalizar o centro histórico, valorizando seus espaços públicos e priorizando a manutenção da população local. Com isso, os moradores, que participaram do processo de revitalização, passaram a usar mais o centro histórico, apropriando-se dele e sentindo-se orgulhosos de sua cidade. O turismo ganhou, mas os moradores ganharam mais. Atividade 2 Atende ao objetivo 2 O turismo envolve setores da economia e da cultura, e, ao longo das últimas décadas, vem ganhando força e gerando mais renda, chegando aos lugares mais remotos do planeta. Por isso mesmo, é visto como uma das possibilidades de “renascimento” de localidades que se encontram estagnadas ou mesmo em crise. No entanto, podemos encontrar exem- plos de lugares que realmente se desenvolveram a partir do turismo, mas também outros onde essa atividade, por ter sido mal planejada, ge- rou a saída dos moradores locais e a perda da cidadania. Nesse sentido, explique de que forma o turismo pode minimizar os impactos negativos na qualidade de vida da população local, ampliando os positivos. Resposta comentada O turismo é um fenômeno social que tomou grandes proporções ao lon- go da segunda metade do século XX. Isso chamou a atenção do poder público e dos empresários em grande parte dos países do mundo, que 289 Geografia do Turismo passaram a ver nele grandes oportunidades de geração de renda. Dessa forma, muitos lugares antes desconhecidos passaram pelo processo de turistificação, abrindo-se para visitantes. No entanto, em muitos deles não houve estudo e planejamento adequados para que turismo e vida cidadã ficassem em harmonia. Pousadas, hotéis, restaurantes, lojas em geral foram surgindo sem estar em um plano de crescimento urbano que seguisse tal processo. Com isso, muitos moradores acabaram sendo prejudicados pela necessidade de sair das áreas mais valorizadas, com falta de qualificação para trabalhar nas novas vagas de emprego e, assim, vendo pessoas de fora ocuparem tais vagas, o que levou à insegurança pública etc. Exemplos positivos nos mostram que tais impactos podem ser minimizados por meio de planejamento urbano e turístico feitos de forma criteriosa e por profissionais que realizem estudos envolvendo as necessidades da população, a capacidade local de receber os turis- tas, o investimento em educação básica e técnica, a qualidade do meio ambiente. Enfim, deve-se ter como prioridade criar um lugar bom para os moradores viverem, pois assim já se terá um bom caminho para o desenvolvimento do turismo. Atividade final Atende aos objetivos 1 e 2 Cite um exemplo de uma localidade onde o turismo provocou a per- da de cidadania e de outra onde o turismo ajudou a promover o desenvolvimento local. Resposta comentada Carcassonne, no sul da França, é uma cidade medieval Patrimônio da Humanidade. Suas muralhas, ruas, castelo e casario encantam o visitan- te, que se sente entrando em uma máquina do tempo e voltando sécu- los e séculos na história. No entanto, na parte antiga da cidade não há moradores com quem os turistas possam interagir e conhecer a cultura local. Há somente lojas, hotéis, restaurantes e uma igreja vazia. A cida- de dos moradores fica fora dali, depois do principal rio da cidade, que 290 Aula 13 • Exemplos de lugares que se desenvolveram a partir do turismo Aula 13 • Aula 13 • divide o passado e o presente. Já na região serrana do Rio, vemos um exemplo onde o turismo tem promovido não só o aumento da renda dos moradores, como, também, a possibilidade de sua permanência na zona rural. É o caso dos produtores rurais orgânicos que vêm se abrindo para o turismo e mostrando aos visitantes como são a vida no campo e a pro- dução de alimentos sem o uso de agrotóxicos. O turismo rural de agri- cultura familiar vem, assim, se desenvolvendo na região e mostrando a riqueza cultural do campo, que vai além do dinheiro que ele pode gerar. Resumo Dinheiro traz felicidade? Para muitos a felicidade não é possível sem uma conta bancária bem recheada. Para outras, o dinheiro ajuda, mas não determina a felicidade. E ainda existem aqueles que não fazem a menor questão de dinheiro para ser felizes. Tal diversidade de opini- ões gera, também, condutas diferenciadas dos governantes. Para certas culturas, ter alto padrão de consumo é o que dita o grau de felicidade da população. Para outras, no entanto, o importante mesmo é ter boa qualidade de vida. É com base em tais ideias que alguns pensadores costumam diferenciar crescimento econômico de desenvolvimento, tal como fez Amartya Sen ao desenvolver o IDH. Para ele, o desenvolvimento vai além do cresci- mento econômico, pois está atrelado às oportunidades que as pessoas têm de escolher o que querem fazer, como querem viver, aos direitos Figura 13.9: Carcassonne, na França, e turismo pedagógico em sítio do distrito de Santa Rita, em Tere- sópolis, região serrana do Rio de Janeiro. 291 Geografia do Turismo não somente básicos, como educação e saúde, mas também aqueles que promovem alegria e bem-estar, como o lazer, o acesso à cultura, entre outros. Essa mesma ideia, acreditamos, precisa permear o planejamento tu- rístico das localidades onde essa atividade tem importância no quadro econômico e social. Percebe-se em diversos exemplos pelo mundo que o turismo pode ser herói ou vilão, fazer um lugar reviver ou matar a sua história e a sua cidadania. Assim, esse é um assunto que deve ser tratado de forma séria e por profissionais gabaritados, que procurem oferecer boa recepção e estadia aos visitantes, mas, antes, garantir um bom lugar para os moradores viverem, um lugar onde eles se sintam bem e que lhes dê orgulho de mostrar aos turistas. Referências ÍNDICE de Desenvolvimento Humano. In: WIKIPÉDIA, a en- ciclopédia livre. 2018. Disponível em: <https://pt.wikipedia.org/ wiki/%C3%8Dndice_de_Desenvolvimento_Humano>. Acesso em: 29 maio 2018. LÚCIO, Ramón López de. Los tejidos históricos como espaciomuseís- tico o como ciudad vivida. ¿Diseño para el uso o para la estética? In: GARCÍA, García Antonio; CONTI, Alfredo (Coord.). Espacio público, ciudad y conjuntos históricos. Sevilla: Consejería de Cultura/PH cua- dernos, 2008. p. 69-77. PADILHA, Marcela do Nascimento. Espaço público e patrimônio histó- rico em Paraty, RJ: entre o espaço do cidadão e o espaço do turista. 2011. 286 f. Tese (Doutorado em Geografia) – Universidade Federal Flumi- nense, Niterói, 2011. SANTOS, Luísa; NICOLAU, Margarida. Caracterização socioeconómi- ca dos concelhos: concelho de Guimarães. 2004. Disponível em: <http:// especial.imgs.sapo.pt/multimedia/pdf/local/GUIMARAES.pdf>. Aces- so em: 30 maio 2018.