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GARCIAS, M R Um judeu protestante na cidade do santo

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ANAIS 
 
XV Semana de História Política 
 
 
XII Seminário Nacional de História: 
Política, Cultura e Sociedade 
 
 
O legado freiriano para o século XXI – as 
interfaces entre História Política e História Pública 
 
 
Programa de Pós-Graduação em História da 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2022 
Universidade do Estado do Rio de Janeiro 
Centro de Ciências Sociais 
Instituto de Filosofia e Ciências Humanas 
Programa de Pós-Graduação em História 
 
 
Reitor 
Ricardo Lodi Ribeiro 
 
Vice-Reitor 
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Pró-reitor de Graduação 
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Pró-reitor de Pós-Graduação e Pesquisa 
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Pró-reitor de Saúde 
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Diretora do Centro de Ciências Sociais 
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Diretor do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas 
Jaime Antunes 
 
Programa de Pós-Graduação em História 
 
Coordenadora geral 
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Coordenador adjunto 
Carlos Eduardo Pinto de Pinto 
 
Coordenador de Doutorado 
Fabiano Vilaça 
 
Coordenadora de Mestrado 
Marina Monteiro Machado 
Coordenadora da linha de pesquisa Política e Cultura 
Marcia de Almeida Gonçalves 
 
Coordenador da linha pesquisa Política e Sociedade 
Ricardo Mendes 
 
XV Semana de História Política 
XII Seminário Nacional de História: 
Política, Cultura e Sociedade 
Comissão Organizadora 
Aimée Schneider 
Isadora de Mélo Escarrone Costa 
Laura Junqueira 
Luana Fernandes Pimentel 
Lucas Ventura da Silva 
Maíra M. S. Villares Vianna 
Maria Clara Martins Cavalcante 
Mariana Barreto Jorge 
Raphael Garcia Pinto Barros 
Thaís Silva Félix Dias 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Anais da XV Semana de História Política – XII Seminário Nacional de 
História: Política, Cultura e Sociedade 
 
O legado freiriano para o século XXI – as interfaces entre História 
Política e História Pública 
 
Aimée Schneider 
Isadora de Mélo Escarrone Costa 
Laura Junqueira 
Luana Fernandes Pimentel 
Lucas Ventura da Silva 
Maíra M. S. Villares Vianna 
Maria Clara Martins Cavalcante 
Mariana Barreto Jorge 
Raphael Garcia Pinto Barros 
Thaís Silva Félix Dias 
(orgs.) 
 
1a Edição – 2022. PPGH-UERJ 
 
ISSN: 2175-831X 
 
 
Semana de História Política / Seminário Nacional de História: Política, Cultura e Sociedade 
(XV: 2021: Rio de Janeiro) 
Anais da XV Semana de História Política: O legado freiriano para o século XXI – as 
interfaces entre História Política e História Pública / XII Seminário Nacional de História: 
Política, Cultura e Sociedade. Organização: Aimée Schneider, Isadora de Mélo Escarrone 
Costa, Laura Junqueira, Luana Fernandes Pimentel, Lucas Ventura da Silva, Maíra Moraes 
dos Santos Villares Vianna, Maria Clara Martins Cavalcante, Mariana Barreto Jorge, Raphael 
Garcia Pinto Barros e Thaís Silva Félix Dias. Rio de Janeiro: Programa de Pós-Graduação em 
História, Universidade do Estado do Rio de Janeiro, 2022. 
1941 p. 
ISSN: 2175-831X 
1. História Política – Congresso 2. Cultura – Sociedade 3. Relações Internacionais 
 
Os(as) autores(as) são responsáveis pelas ideias apresentadas na presente obra. 
 
 
1186 
 
Um judeu protestante na cidade do santo: política, religião e maçonaria em São 
Fidélis (1893-1900) 
Murilo Rosa Garcias1 
 
 
 Resumo 
 O presente artigo se propõe a analisar as contribuições da Maçonaria para o 
estabelecimento e avanço do protestantismo de missão pelo Brasil a partir de uma ótica 
local, tomando como ponto de observação o município fluminense de São Fidélis nos 
primórdios da República. Será justamente nesse município que o missionário batista 
Salomão Ginsburg empreenderá esforços para a fundação da Primeira Igreja Batista e da 
loja maçônica Auxílio à Virtude, sendo ambas fundadas em 1894. O contexto da 
fundação dessas duas instituições, bem como as relações sociais entre seus membros e o 
momento político local será o ponto fulcral de nosso estudo, que se baseará na 
autobiografia de Ginsburg e em outras fontes de época. 
 Palavras-Chave: Maçonaria; Protestantismo; República. 
 
 
 
 
Considerações iniciais 
A segunda metade do século XIX assistiu um grande afluxo de missionários 
protestantes ao Brasil, impulsionados sobretudo pelo avanço do liberalismo no país e 
pela consolidação da hegemonia imperialista norte-americana no plano internacional 
(CAMPOS, 2012, pp. 4). O primeiro desses missionários foi o médico Robert Kalley2, 
escocês presbiteriano que foi o fundador3, no ano de 1858, da Igreja Evangélica 
Fluminense, de vertente congregacional (LÉONARD, 1963, pp. 49-51). Com exceção 
dos congregacionais de Kalley, todas as denominações protestantes que posteriormente 
 
1 Graduando em História (UFRJ). E-mail: murilorosagarcias@gmail.com 
2 Outros religiosos protestantes haviam passado pelo Brasil anteriormente, mas nenhuma missão foi 
estabelecida com sucesso até a chegada de Kalley. 
3 Embora Kalley considerasse 1858 como ano da fundação de sua congregação, a Igreja Evangélica 
Fluminense só viria a se organizar institucionalmente em 1863, quando foi registrada na Secretaria do 
Império afim de que seus membros gozassem dos direitos garantidos aos não-católicos (LÉONARD, 
1963, Pp. 54). 
 
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adentraram o Brasil naquele período haviam vindo dos Estados Unidos. Logo após os 
congregacionais, chegaram os presbiterianos, em 1859, liderados pelo reverendo Ashbel 
Green Simonton. A missão metodista chegou em 1876, conduzida pelos reverendos J. 
E. Newman e J. J. Ransom. Representando a Junta de Richmond, o pastor batista 
William Buck Bagby desembarcou com sua esposa em Salvador, no ano de 1881. Por 
fim, os episcopais foram a única denominação do protestantismo de missão que 
adentrou o Brasil já na fase republicana, tendo os missionários L. L. Kinsolving e J. W. 
Morris chegado ao país em 1890 (MATOS, 2011, pp. 11-12). 
Apesar do relativo sucesso com o estabelecimento das missões protestantes a 
partir da segunda metade do século XIX, as novas denominações enfrentaram severas 
provações: a oposição do clero católico à introdução das doutrinas protestantes resultou, 
não raramente, em violentas perseguições, que se espalharam tanto nos meios urbanos 
quanto nos meios rurais. Pregadores eram rotineiramente ameaçados, igrejas destruídas 
e fiéis constrangidos. Como observa Edson Douglas de Oliveira, a origem dessas 
reações provinha mais da agitação das paróquias locais do que da vontade das dioceses 
(OLIVEIRA, 2017, pp. 91-92), visão corroborada por muitos missionários da época, 
como o próprio Kalley, que certa vez escreveu a um de seus colaboradores no Brasil: 
“Lembra-te (...) Tenha cuidado dos padres e das irmãs de caridade” (apud LÉONARD, 
1963, pp. 50). O próprio Salomão Ginsburg, cuja trajetória é objeto de estudo desse 
presente artigo, relatou em sua autobiografia diversos conflitos com padres locais, que 
costumeiramente convocavam seus fiéis a uma reação violenta (GINSBURG, 1970, pp. 
53-54). Ainda dentro da narrativa de Ginsburg, constata-se que a presença do 
episcopado aparece de forma muito apagada, sendo raras as citações a bispos e mais 
raros ainda os ataques dirigidos pelo missionário a esses religiosos. 
Conforme supracitado, a exceção dos episcopais, todas as denominações 
vinculadas ao protestantismo de missão adentraram o Brasil ainda na fase imperial. O 
artigo 5º da Constituição de 1824 expressava que “A Religião Catholica Apostolica 
Romana continuará a ser a Religião do Imperio”, admitindo, no entanto, que “outras 
Religiões serão permitidas com seu culto domestico, ou particular em casas para isso 
destinadas, sem fórma alguma exterior do Templo” (BRASIL, 1824, Art. 5)”. Léonard 
nos revela que as religiões acatólicas permitidasno Império apareciam ainda nos 
registros oficiais com a alcunha de “religiões toleradas”, no que o autor enfatiza o 
resquício de má vontade presente em tal nomenclatura (LÉONARD, 1963, pp. 53). 
Apesar da permissão oficial dispensada aos serviços protestantes, os missionários da 
 
1188 
 
época afirmavam que apenas a liberdade religiosa – resultante da separação entre Igreja 
e Estado, numa república, como no modelo americano –, e não a tolerância, seria capaz 
de fornecer garantias concretas ao exercício de suas fés. É nesse sentido que os 
religiosos evangélicos se porão ao lado dos republicanos na hora derradeira do Império 
(CAMPOS, 2014, pp. 92-93). Antes de ser saudada, a República foi desejada pelos 
protestantes. 
A República inaugurou um novo período nas relações entre a esfera política e a 
esfera religiosa. Separou-se a Igreja do Estado, aboliu-se o padroado, secularizou-se os 
cemitérios e foi instituído o matrimônio civil. A tolerância aos cultos acatólicos foi 
convertida em liberdade religiosa. Antes mesmo da Constituição de 1891, o decreto 
119-A (1890), redigido por Ruy Barbosa (VIEIRA, 1987, pp. 215), reconhecia a 
personalidade jurídica de todas as agremiações religiosas e proibia o estabelecimento de 
qualquer religião oficial em todos os âmbitos da Federação (BRASIL, 1890, Decreto 
119-A). Parecia aos protestantes que o último entrave para a consolidação de seu projeto 
missionário havia caído, estando o país livre da influência do “romanismo” e do 
“jesuitismo” (CAMPOS, 2014, pp. 93). 
O tempo logo mostrou que as expectativas dos missionários não poderiam estar 
mais erradas. Caiu-se o Trono, mas ficou o Altar: liberta do regime do padroado, a 
Igreja Católica pôde se organizar com plena independência, tendo o episcopado 
brasileiro se alinhado mais diretamente com os ditames da Santa Sé, no processo que 
ficou conhecido como “romanização da Igreja”4. O número de dioceses e arquidioceses 
saltou de 12, antes de 1889, para 68, em 1930. O número de padres europeus adentrando 
o Brasil também aumentou, bem como o número de seminários para a formação de 
padres brasileiros alinhados ao ultramontanismo (SERBIN, 2008, pp. 94-95). Os irmãos 
vicentinos e as irmãs de caridade fizeram longas marchas pelo interior do país, 
implementando o catolicismo ultramontano onde antes só havia, recorrendo a um 
conceito utilizado por Maria Isaura Pereira de Queiroz, o “catolicismo rústico” 
(SERBIN, 2008, pp. 90-92). 
Ao contrário do que esperavam os protestantes, o catolicismo não se 
enfraqueceu com a República, pelo contrário, a Igreja Católica pôde gozar no período 
republicano de um poder e prestígio desconhecido pelo catolicismo no Império. A 
liberdade religiosa garantida pela Constituição também se expressou, a níveis locais, 
 
4 O termo foi utilizado pela primeira vez pelo teólogo Joseph Ignaz Von Dollinger, em sua obra crítica ao 
Concílio Vaticano I, O Papa e o Concílio (1869) (OLIVEIRA, 2012, pp. 7). 
 
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como mera formalidade: em muitos casos, delegados e coronéis, alinhados com as 
paróquias locais, continuavam causando constrangimento aos cultos protestantes e 
fechando os olhos para as perseguições contra esses grupos – quando não os 
perseguindo diretamente –, conforme relata Salomão Ginsburg (GINSBURG, 1970, pp. 
110-111, 123-124). Os missionários tiveram que conviver com a oposição entre o 
“Brasil legal” – moderno, laico e liberal – e o “Brasil real” – reacionário, religioso e 
conservador (CAMPOS, 2014, pp. 96). É nesse contexto que a Maçonaria teria um 
importante papel de apoio a esses novos grupos religiosos, buscando proteger por todos 
os meios a liberdade religiosa garantida pelo novo regime. 
 
 A Maçonaria e a defesa dos grupos acatólicos 
 A Maçonaria moderna surgiu em 1717, quando da fundação da Grande Loja de 
Londres por quatro Lojas locais: O Pato e a Grelha, A Coroa, A Macieira e O Copo e as 
Uvas. No mesmo ano, elegeram um grão-mestre com autoridade sobre todas as Lojas 
daquela instituição. Em 1723, reverendo presbiteriano James Anderson redigiu uma 
obra que reunia a história lendária da Ordem e seus preceitos básicos, eram as 
Constituições de 1723 ou Constituições de Anderson, assim chamadas em homenagem 
ao seu autor. (BARATA, 1999, pp. 29-30). Originada nas corporações de ofício, a 
Maçonaria buscou conservar ainda dois aspectos fundamentais de sua origem: a 
assistência mútua e a sociabilidade (GENZ, 2013, pp. 13), conceitos caros para o estudo 
proposto neste artigo. Também é importante lembrar que as Lojas se consolidaram, 
ainda no século XVIII, como espaços abertos para a divulgação e defesa dos ideais 
iluministas que varriam o Velho Mundo (GENZ, 2013, pp. 20-21). 
Não é de nosso interesse discorrer aqui sobre o longo histórico da Maçonaria no 
Brasil (ou no mundo), cabendo apenas que façamos algumas considerações importantes 
para o foco dessa pesquisa. É nesse sentido que deslocaremos nossa análise para o 
Segundo Reinado, atentos aos princípios de conflito entre a Igreja e a Irmandade. 
Enxergando a Maçonaria como expressão concreta das reinvindicações liberais 
da segunda metade do século XIX, Marli Geralda Teixeira afirma que a Ordem se 
inserirá nos debates sobre o fim do padroado e a conquista da liberdade religiosa. Esses 
debates decorriam das pressões da elite liberal pela integração do país na modernidade 
capitalista (TEIXEIRA, 1987, pp. 271-272), caminho necessário, do ponto de vista dos 
liberais, para a consolidação do progresso nacional. De acordo com David Gueiros 
Vieira, o progresso seria “a palavra-chave para solucionar a equação liberalismo-
 
1190 
 
maçonaria-protestantismo no Brasil” (VIEIRA, 1987, pp. 202). Nesse sentido, o embate 
posterior entre os bispos ultramontanos e a Maçonaria, durante o episódio da Questão 
Religiosa, estava longe de ser apenas uma discussão sobre o lugar do padroado ou o 
papel do poder episcopal na organização da Igreja. A Questão Religiosa teria sido o 
embate entre dois modelos de sociedade, um conservador católico – representado pelas 
figuras de D. Vital e D. Macedo –, e outro liberal maçônico, que tinha, dentre outros 
representantes, o austero Rui Barbosa como expoente. A modernidade imaginada por 
Rui Barbosa (e por outros) tinha como máximo exemplo o modelo protestante norte-
americano. É justamente por essa razão que tanto liberais quanto maçons – observado 
que muitos, como o próprio Rui Barbosa, pertenciam aos dois “grupos” – viam com 
bons olhos a missionação protestante, percebida necessariamente também como um 
avanço do progresso (OLIVEIRA, 2021, pp. 2-4). 
Convém também pensar quais os princípios que levaram a Maçonaria a se 
colocar a favor dos movimentos protestantes e contra o avanço do ultramontanismo. 
Sobre a atuação maçônica no período posterior ao da Questão Religiosa, Alexandre 
Mansur Barata revela: 
É a partir da crença na universalidade da natureza humana e no racionalismo, 
pressupostos fundamentais do movimento ilustrado, que o discurso maçônico 
se estrutura. Ao se definir como uma escola de formação moral da 
humanidade, ensinando as virtudes cardeais – a liberdade de pensamento e a 
independência da razão –, a Maçonaria assumia do compromisso das “Luzes” 
de combater as “Trevas”, representadas pela ignorância, pela superstição e 
pela religião revelada (BARATA, 1999, pp. 92). 
A defesa dos grupos acatólicos, no entanto, não ficou apenas no discurso da 
Maçonaria. Em diversas ocasiões, as Lojas puderam colocar a “teoria em prática”, 
oferecendo apoio concreto – dentro da defesa da liberdade de pensamento – para o 
assentamento e a expansão das missões protestantes. 
É nesse sentido que o Diário do Rio de Janeiro, editado pelo maçom Saldanha 
Marinho, protestava, nos anos de 1860 e 1861, contra a detenção arbitrária de 
portugueses calvinistas por subdelegados na cidade do Rio de Janeiro (VIEIRA,1981, 
pp. 124-125). Também em 1860, o presbiteriano Ashbel Green Simonton relatou que 
um vigário luterano em São Paulo realizava seus serviços religiosos num salão 
maçônico alugado, que mais tarde seria oferecido gratuitamente ao vigário devido a sua 
impossibilidade de honrar com o aluguel (VIEIRA, 1981, pp. 140). A utilização de 
salões maçônicos para cultos não foi exclusividade de apenas uma denominação, tendo 
o primeiro pastor batista brasileiro, Antônio Teixeira Albuquerque, feito sua profissão 
 
1191 
 
de fé e sido ordenado pastor na Loja George Washington, em Santa Bárbara, no ano de 
1880 (OLIVEIRA, 2005, pp. 250-251). A proteção maçônica se estendeu para a 
República, tendo beneficiado o pastor metodista Phelippe Revale de Carvalho, que, ao 
ser atacado por um motim liderado por um vigário local em Cataguases, foi resgatado 
por ação dos maçons filiados à Loja Cataguazense, em 1895 (ANDRADE, 2004, pp. 64-
65). O próprio Salomão Ginsburg, também ele um maçom, recorreu, no ano de 1892, à 
proteção da Maçonaria frente a uma turba que o ameaçava na cidade baiana de 
Queimadas (GINSBURG, 1970, pp. 80-82). A Maçonaria deu nova prova de apoio 
quando recorreu o reverendo Ginsburg em Macaé, tendo os maçons lutado – inclusive 
fisicamente – contra os amotinados que desejavam impedir a pregação do missionário 
protestante naquele município (GINSBURG, 1970, pp. 110-111). 
Seja pela defesa dos próprios princípios, seja pela oposição sistemática ao 
ultramontanismo, fato é que a Maçonaria dispensou ajuda aos grupos protestantes nas 
mais diversas ocasiões, tanto no Império quanto na República. A relação entre os 
maçons e protestantes era tão próxima, que não era incomum conversão de maçons 
“leigos” às novas agremiações religiosas ou participação de pastores na Maçonaria, 
como foi o caso do batista Salomão Ginsburg e do presbiteriano Álvaro Reis. Para uma 
análise mais profunda das relações entre as igrejas protestantes e a Maçonaria, cabe um 
estudo mais direto sobre o caso particular da trajetória do missionário Salomão 
Ginsburg em um município fluminense. 
 
Da Polônia ao Brasil: um resumo de trajetória de Salomão Ginsburg 
Dentre todos os missionários protestantes que adentraram o Brasil no século 
XIX, Salomão Ginsburg certamente teve a trajetória mais singular. Salomão Luis 
Ginsburg (aliás Shlomo Ludwig Ginsburg) nasceu em 1867, no seio de uma família 
judia da cidade polonesa de Suwalki, à época parte do Império Russo. Aos seis anos de 
idade, Ginsburg foi enviado para residir com seus avôs maternos, judeus alemães, na 
cidade de Koenigsberg, no então recém-unificado Império Alemão. Ginsburg 
permaneceu na Alemanha até o fim de seus estudos, tendo relatado que recebeu uma 
educação laica – ou “ensino dos gentios”, como o pai de Ginsburg, que era rabino, havia 
descrito – no Liceu de Koenigsberg. Após o término de seus estudos, em ano não 
especificado, voltou para a Polônia apenas para se desentender com seu pai, que 
planejava casá-lo e inicia-lo no ofício rabínico, tendo se retirado para a Inglaterra em 
 
1192 
 
1882, indo residir junto de um tio materno que morava em Londres (GINSBURG, 1970, 
pp. 21-24). 
A inadequação de Ginsburg aos planos religiosos de seu pai certamente foi 
resultado de sua vivência na Alemanha. Criado por seu avô materno, a quem Ginsburg 
chamou de “muito instruído, largamente viajado e de ideias livres” (GINSBURG, 1970, 
pp. 22), Salomão Ginsburg havia convivido, em Koenigsberg, com uma sociedade 
prussiana pautada na moral cristã e nos valores liberais. Possivelmente, a absorção 
desses valores formou um indivíduo alheio à rígida ortodoxia judaica, daí sua retirada 
para a Inglaterra5. 
O período que Ginsburg viveu na Inglaterra – entre 1882 e 1890 – é crucial para 
se entender a formação desse “personagem missionário”. É justamente na Inglaterra que 
Salomão Ginsburg viria a desenvolver um interesse mais profundo pelo Cristianismo, 
sobretudo pela ação de uma atividade missionária especialmente voltada à comunidade 
judaica, exercida, segundo apontam vários indícios, pelos pregadores da London 
Society for Promoting Christianity Amongest the Jews6. 
Embora não mencione o nome da London Society, tudo indica que Salomão 
Ginsburg foi convertido por ação dessa instituição. Sobre a primeira vez que ouviu uma 
pregação direcionada à comunidade judaica, Ginsburg relata: 
Um domingo à tarde, ao passar pela casa de cultos, eu encontrei um 
missionário aos judeus, um judeu convertido, que me convidou para ouvi-lo 
pregar aos judeus na Missão Mildmay, sobre o capítulo 53 do livro de Isaías. 
Eu estava muito interessado nesse capítulo da Bíblia, por causa de um 
episódio que me acontecera quanto ainda estava na Polônia e, se não fosse o 
tal episódio, talvez não tivesse ido ouvi-lo (GINSBURG, 1970, pp. 24). 
A conversão de Salomão Ginsburg ocorreu cerca de três meses após esse 
primeiro encontro, quando suas restantes dúvidas religiosas foram supostamente 
dissipadas pela pregação de um certo reverendo chamado John Wilkinson. Esse mesmo 
reverendo recebeu a profissão de fé de Ginsburg, sendo o recém-converso expulso da 
casa de seu tio e recebido em um “abrigo de judeus convertidos”7. Ginsburg relata 
 
5 Importante destacar que o plano original de Ginsburg era se retirar para os Estados Unidos – país onde a 
moralidade cristã e sobretudo os valores liberais estavam mais enraizados do que em qualquer nação 
europeia –, estando a Inglaterra na rota da viagem de embarque para o Novo Mundo. Segundo o relato do 
missionário, sua permanência na Inglaterra se deu pela penúria financeira que se encontrava, embora se 
possa conjecturar que a residência de um seu familiar naquele país possa ter influenciado sua decisão 
(GINSBURG, 1970, pp. 24). 
6 Instituição voltada exclusivamente para a conversão dos judeus ingleses, a London Society foi fundada 
em 1809 por Joseph Samuel Frey, curiosamente também ele um judeu polonês convertido (SMITH, 1981, 
pp. 275-276). 
7 A mera existência de tal instituição revela que os conversos eram costumeiramente expulsos de suas 
casas e isolados de suas comunidades. 
 
1193 
 
também que seu batismo foi realizado logo após esses eventos, sendo um verdadeiro 
espetáculo público conduzido por Wilkinson “perante uma multidão de três mil 
pessoas” (GINSBURG, 1970, pp. 26-30). 
A rotina de Ginsburg, posterior a sua expulsão e recolhimento no “abrigo dos 
judeus”, se resumia, na maior parte, ao aprendizado de um ofício – a tipografia, a qual 
se dedicou durante três anos – e ao comparecimento aos serviços religiosos. 
Eventualmente, tentou pregar à comunidade judaica de Londres, tendo sido espancado 
e, posteriormente, excomungado pelos rabinos locais (GINSBURG, 1970, pp. 30-32). 
Por recomendação do pregador Charles Spurgeon – com quem nosso personagem havia 
se correspondido por cartas para buscar orientação em sua vida religiosa –, Ginsburg 
viria ainda a ingressar no Regions Beyond Missionary Training College, onde seria 
preparado para o exercício de um ministério missionário (GINSBURG, 1970, pp. 36-
37). Mesmo após o ingresso nesta instituição, Ginsburg ainda haveria de tentar novas 
pregações aos judeus ingleses, tendo sido novamente ameaçado e espancado 
(GINSBURG, 1970, pp. 38-40). Os constantes perigos e dificuldades enfrentados por 
Ginsburg fizeram com que o missionário repensasse sua atuação entre os judeus, 
conformando-se com a possibilidade de atuar no exterior. É nesse sentido que Salomão 
Ginsburg desvia sua atenção ao Brasil, sendo convidado por Sarah Kalley – esposa do 
missionário Robert Kalley – a se dirigir ao Brasil e lá assumir um posto missionário 
entre os congregacionais. Antes, porém Ginsburg deveria fazer uma espécie de “estágio 
probatório” em Portugal, onde deveria residir por alguns meses para aprender a língua 
portuguesa, antes de finalmente ingressar em seucampo missionário (GINSBURG, 
1970, pp. 40-42). 
Ginsburg no Brasil e o município de São Fidélis nos primórdios da 
República 
Depois de levantar severas polêmicas entre os portugueses, Ginsburg resolve se 
retirar daquele país quando acreditou que sua segurança estava ameaçada. O missionário 
havia desembarcado em Portugal em fevereiro de 1890, se retirando daquele país 
somente alguns meses depois e chegando ao Rio de Janeiro em junho do mesmo ano 
(GINSBURG, 1970, pp. 43-46). Conforme havia sido sugerido pela senhora Kalley, 
Ginsburg, buscou refúgio entre os congregacionais da Igreja Evangélica Fluminense, 
mas sua filiação àquela denominação foi muito breve, tendo Ginsburg passado para o 
lado dos batistas apenas um ano após sua chegada ao Brasil. 
 
1194 
 
Não nos cabe aqui aprofundar a discussão sobre as razões que levaram o 
missionário a essa nova conversão, dada a complexidade do tema. Embora Ginsburg 
alegasse razões puramente teológicas para essa ação – referentes sobretudo à análise da 
questão batismal (GINSBURG, 1970, pp. 63-65) –, Edson Douglas de Oliveira aponta 
também que as rusgas entre Gisnburg e o pastor responsável pela Igreja Evangélica 
Fluminense, João Manoel Gonçalves dos Santos, podem ter influenciado em sua decisão 
de abandonar aquela congregação (OLIVEIRA, 2017, pp. 60-61). Seja como for, a 
passagem de Ginsburg ao meio denominacional batista alterou consideravelmente suas 
percepções teológicas no Brasil, tornando sua mensagem missionária mais exclusivista. 
O ingresso na Igreja Batista parece também ter dado ao missionário a liberdade 
adequada para a reprodução de suas próprias convicções religiosas, haja visto que os 
batistas eram conhecidos pelo que Cavalcanti chamou de “agressividade evangélica e 
anticatólica” (CAVALCANTI, 2001, pp. 84). 
Em 1893, Ginsburg volta da Bahia, onde estava para assumir temporariamente a 
direção da missão batista naquela região, se estabelecendo em Niterói por convite do 
missionário William Bagby, líder da missão batista no Brasil. Apesar de apreciar a vida 
na capital do estado do Rio de Janeiro, Ginsburg assiste com preocupação a eclosão da 
Revolta da Armada, escolhendo, por razões de segurança, se retirar daquela cidade e se 
deslocar para Campos dos Goytacazes. Embora uma igreja batista já estivesse 
organizada naquela região, Ginsburg relata que, ao momento de sua chegada, “o 
trabalho estava reduzido a quase nada” (GINSBURG, 1970, pp. 87-91). 
Como de praxe, o estabelecimento de Ginsburg naquela cidade resultou em 
polêmicas e ataques mútuos entre o missionário e o clero católico local, polêmicas 
levadas a cabo sobretudo por meio da imprensa. A atividade de Ginsburg em Campos, 
embora interessantíssima, não é foco da nossa análise no presente artigo. Cabe apenas 
destacar que essa cidade de tornou uma espécie de “quartel general” do missionário no 
Norte Fluminense, tendo nosso personagem se utilizado de sua residência em Campos 
para espalhar sua pregação também entre os municípios próximos. Dentre esses 
municípios estava São Fidélis, que merece um estudo mais profundo de nossa parte. 
São Fidélis encontra suas raízes históricas nos aldeamentos indígenas erguidos 
pelos freis capuchinhos Ângelo de Lucca e Vitório de Cambiasca às margens do rio 
Paraíba do Sul, ainda no final do século XVIII. Elevado à condição de cidade em 1870, 
o município de São Fidélis viveu sua época áurea entre 1870 e 1888: nessa época 
fundaram-se jornais, casas de comércio e profissionais liberais se multiplicaram, o porto 
 
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local escoava a produção das regiões vizinhas e os trilhos de ferro ligavam São Fidélis a 
Cambuci e Mirecema (PALAZZOLO, 1963, pp. 167-169). O progresso econômico 
vivido pela cidade teria entrado em declínio com a abolição: os fazendeiros locais, que 
já enfrentavam dificuldades com a queda do preço do açúcar (OLIVEIRA, 2017, pp. 
77), experimentaram uma acentuada crise econômica após o 13 de maio, tendo os 
libertos abandonado em massa as fazendas bem em época de colheita (PALAZZOLO, 
1963, pp. 171) (ARAÚJO, 1942, pp. 197). 
À crise econômica se sucedeu uma intensa crise política, resultado da transição 
de regime para a República e da inserção do município dentro dos mecanismos do novo 
sistema federativo. A ascensão do coronel João Lopes da Silva, aliado do coronel José 
Joaquim Alves da Cunha – chefe político influente no Norte Fluminense –, esbarrou nas 
pretensões políticas do governador Baltasar da Silveira, de quem Lopes era desafeto. 
Determinado a destruir o prestígio político de João Lopes, o governador incumbiu seu 
chefe de polícia de buscar em São Fidélis um rival à altura, que foi encontrado na figura 
do escrivão Victorino Villela. As eleições de 1891 consolidaram a crise política em São 
Fidélis: vendo seu candidato naufragar nas eleições, o governador mandou oitenta 
praças das forças estaduais para suprimir o processo eleitoral. Frente à resistência dos 
eleitores que se encontravam na Câmara Municipal, as forças estaduais abriram fogo, 
cometendo verdadeiro massacre (ARAUJO, 1942, pp. 148-152). O caos político se 
perpetuou, tendo as disputas entre Villela e Lopes se estendido até o século XX. 
É esse cenário, marcado pela decadência política e econômica, que Ginsburg 
encontra quando chega a São Fidélis em 1894. Mesmo sem ter plena consciência disso, 
ao menos no início, Ginsburg estaria adentrando um território extremamente polarizado 
e hostil, sofrendo as consequências dessa hostilidade não muito tempo após sua 
chegada. De fato, a chegada de nosso personagem missionário acrescentaria ainda 
novos elementos ao delicado contexto fidelense da época. 
A atuação de Ginsburg entre perseguições e transformações em São Fidélis 
Se deslocando de Campos, onde havia estabelecido residência em 1893, 
Salomão Ginsburg chegou em São Fidélis no ano de 1894, afirmando que naquele 
município “haviam alguns interessados” em seu trabalho (GINSBURG, 1970, pp. 93). 
Ao que parece, a chegada de Ginsburg já era esperada pela população local, haja visto 
que, tão logo seu culto foi iniciado – em casa particular e com alguns poucos fiéis –, 
uma multidão se apressou e cercou o local. Sobre esse episódio o missionário relata: 
 
1196 
 
Cerca das 19 horas, começamos nossa primeira reunião, cantando alguns 
hinos, e logo afluiu uma multidão dumas mil pessoas, que ficou em frente da 
casa. (...) Chefiando essa multidão, estava um velhinho muito vivo, que me 
informaram depois ser o chefe político do lugar. Ser chefe político é uma 
posição importante no Brasil. Tinha um filho como delegado de polícia e 
outro como tabelião. Os três eram os principais políticos da cidade, da região 
e talvez do Estado, e, como tais, eram hábeis para encobrir uma parte de sua 
perversidade (GINSBURG, 1970, pp. 93, grifo nosso). 
Apesar da multidão não ter invadido o local de cultos – o que Ginsburg entendeu 
ser um sinal de proteção divina –, uma pedra tacada contra a casa acaba acertando a 
testa de Corina Manhães, filha de um auxiliar de Ginsburg, que cai desacordada. 
Rapidamente o missionário cancela seu culto, remarcando-o para o dia seguinte. Seus 
planos, no entanto, não saem conforme o esperado: convocado para comparecer à 
delegacia no dia seguinte, Ginsburg acaba preso, sendo enviado a Niterói para responder 
pelos crimes de “desordem pública” e “desrespeito às autoridades” (GINSBURG, 1970, 
pp. 93-97) (CRABTREE, 1962, pp. 127). 
Conforme observado por Oliveira e relatado na edição de 29 de julho de 1899 do 
Jornal Fidelense, o tabelião descrito por Ginsburg como filho do chefe político local 
seria justamente Victorino Villela, enquanto o delegado de polícia que deteve o 
missionário seria seu irmão, Agostinho Villela (OLIVEIRA, 2017, pp. 88-89). Sobre o 
“velhinho muito vivo”, pai dos indivíduos supracitados e identificado por Ginsburg 
como “chefe político”, cabe conjecturar que sua posição era informal, haja visto queo 
próprio Elysio de Araújo, contemporâneo aos acontecimentos, nada menciona sobre tal 
figura. 
A perseguição promovida contra Salomão Ginsburg e seu rebanho é 
notadamente singular pela ausência de uma figura recorrente nos relatos persecutórios 
do missionário: o padre da paróquia. De fato, em nenhum momento Ginsburg menciona 
que o episódio ocorrido naquele município foi obra de conspirações do clero local, pelo 
contrário, o missionário atribui toda a culpa diretamente à família Villela. Os insultos 
proferidos pelo “chefe político” contra Ginsburg, que havia ido até a delegacia de São 
Fidélis ser inquerido pelo delegado, revelam que as atividades do missionário em 
Campos haviam atraído a atenção dos fidelenses. Oponentes do missionário trataram de 
espalhar boatos estapafúrdios – provavelmente originados em Campos – que afirmavam 
que as cerimônias de batismo conduzidas pelo missionário batista em rios da região não 
raramente se convertiam “em uma cerimônia indecente” (GINSBURG, 1970, pp. 75). 
Se os Villela acreditavam ou não nesses boatos, não é relevante, mas fato é que os 
 
1197 
 
políticos da família reprovavam fortemente a chegada daquele missionário protestante 
ao município de São Fidélis. 
Detido em Niterói, Salomão Ginsburg consegue ser libertado ao comprovar 
inocência perante o governador Tomás Porciúncula. A pedido de Porciúncula, no 
entanto, Ginsburg escolhe não retornar imediatamente a São Fidélis, tendo o governador 
prometido ao missionário o apoio das forças estaduais se detivesse seu retorno até o fim 
da Revolta da Armada, que era, para o mandatário, a grande preocupação daquele 
momento. Terminado o movimento revoltoso em 13 de março, o missionário embarca 
para São Fidélis no mesmo mês, recebendo, para a grande surpresa dos Villela, o apoio 
das forças estaduais. Sobre esse episódio, o missionário fez um registro detalhado: 
Chegando a São Fidélis os soldados se apresentaram ao Delegado, que 
entendeu que eram mandados para que eles acabassem com os protestantes. 
No domingo de manhã, tivemos nosso culto regular. No culto da noite, um 
chefe político, para acabar com nosso trabalho, agora que tinham a força 
pública para auxiliá-los, como pensavam. Podeis imaginar a surpresa quando 
descobriram que a força estava ali exatamente para manter a paz. (...) Depois 
disto, nunca mais fomos perturbados (GINSBURG, 1970, pp. 100-101). 
Apesar de Ginsburg afirmar, com boa dose de triunfalismo, que os batistas de 
São Fidélis nunca mais foram perturbados, o historiador Léonard relata que 
manifestações antiprotestantes tiveram lugar no município, no ano de 1896 
(LÉONARD, 1963, pp. 112). Seja como for, a perseguição aos protestantes em São 
Fidélis se inseriu no contexto da disputa política entre Villela e o coronel João Lopes, 
ficando bastante marcada entre os meios evangélicos da época. De fato, Ginsburg relata 
que retornou a São Fidélis em algum momento para assistir a queda do delegado que o 
prendeu – Agostinho Villela –, que, uma vez removido de seu cargo por conta das 
mudanças políticas no Rio de Janeiro, acabou sendo preso pelo envolvimento em um 
tiroteio durante as eleições, episódio que terminou com três pessoas mortas. Apesar de 
tumultos e fraudes nas eleições fidelenses não serem incomuns, fato é que Ginsburg se 
colocou ao lado do chefe da atual situação, se referindo a esse coronel como um “amigo 
pessoal seu” (GINSBURG, 1970, pp. 101-102). Os indícios apontam que esse “coronel 
amigo” seria justamente João Lopes da Silva. 
A aliança com políticos locais não foi a única atitude que Ginsburg tomou em 
busca de proteção aos batistas no município de São Fidélis. De fato, antes mesmo da 
organização da Primeira Igreja Batista do município, em 27 de julho de 1894, Ginsburg 
fundou a Loja Auxílio à Virtude, no primeiro dia de junho daquele ano, embora a 
regularização da instituição só tenha se dado em 30 de outubro (CRABTREE, 1962, pp. 
 
1198 
 
172) (BOLETIM DO G.O.B., 1984, pp. 215). A citação de um pequeno trecho do 
discurso proferido por Ginsburg, à época da fundação da Loja em São Fidélis, dá prova 
da excitação do missionário naquele momento: 
Agora é prosseguir corajosos e decididos na campanha! Lutae com ardôr! 
Sêde varonis na batalha! Mãos à obra! A Virtude, auxiliada assim, por 
braços tão robustos, por corações tão frementes, por almas tão bem 
formadas, há de irradiar, qual pharol entre penhascos perigosos, por todos 
os recantos e seus contornos, deste campo ainda tão cheio de trevas 
(GINSBURG apud BOLETIM DO G.O.B., 1984, pp. 218). 
Não é razoável compreender a fundação da Primeira Igreja Batista e da Loja em 
São Fidélis, em datas tão próximas, como mera coincidência. De fato, mais singular 
ainda seria Ginsburg, como missionário protestante, ter atuado para a fundação de uma 
Loja antes da fundação de uma congregação religiosa. Consultando o livro de registros 
de membros da Loja Auxílio à Virtude, pude constatar que, à época da fundação 
daquela instituição (1894), Salomão Ginsburg era maçom de grau 32, segundo grau 
mais alto dentro da Maçonaria de rito escocês8. O livro de registros também indica que 
Ginsburg havia sido “iniciado” na Loja Progresso, de Campos, dado contraditório, haja 
visto que o missionário só chegou naquele município em 1893, já tendo Ginsburg 
referenciado sua filiação à Maçonaria durante sua passagem pelo município baiano de 
Queimadas, no ano de 1892. 
Dada a excitação de Ginsburg com a fundação da Loja de São Fidélis – o 
discurso do missionário, que naquela ocasião era 2º secretário da Loja, foi muito mais 
longo que o do próprio orador, Júlio Armond –, é possível supor que a fundação de uma 
instituição maçônica naquele município, que deu exemplo de grande perseguição aos 
protestantes, era um projeto pessoal seu. Nossa hipótese é que Ginsburg, maçom de 
elevado grau dentro da Ordem, pode ter convencido seus irmãos maçons da Loja 
Progresso a expandir a influência da Maçonaria para São Fidélis. Com essa ação, 
Ginsburg pode ter buscado, para além da expansão da própria Maçonaria, estabelecer 
um ponto de apoio aos protestantes naquele município. 
Um fato que corrobora nossa hipótese é uma edição do jornal O Fidelense, 
datada de 29 de julho de 1899. Sabemos que aquele periódico era de influência 
maçônica, já que seu redator faz uma invocação ao “Supremo Architecto do Universo” 
em uma das colunas do jornal. Essa edição é especialmente importante para o nosso 
estudo pois traz ataques sistemáticos a Victorino Villela – alcunhado de 
 
8 O grau 32 do rito escocês corresponde ao título de Sublime Príncipe do Real Segredo, fazendo parte, 
junto dos graus 31 e 33, dos chamados “graus administrativos” da Ordem (ARNOUT, 2017, pp. 43). 
 
1199 
 
“demonochrata” nas páginas do periódico –, acusado de vilipendiar o culto católico. 
Aparentemente, os desentendimentos entre Victorino Villela e um vigário local levaram 
o chefe político a invadir uma igreja em plena missa, tendo o redator d’O Fidelense 
tomado o partido do vigário imediatamente9. O redator do jornal ainda relembrou os 
ataques que o mesmo personagem havia feito a Salomão Ginsburg, apenas alguns anos 
antes. O objetivo da Maçonaria, por meio do jornal, era claro: formar uma frente 
comum contra os desmandos de Villela, unindo católicos, batistas e maçons em uma 
aliança comum contra o “demonochrata”. Até que ponto essa estratégia foi bem 
sucedida ainda não nos é possível afirmar, cabendo apenas observar que a introdução da 
Maçonaria e da Igreja Batista em São Fidélis alteraram significativamente o equilíbrio 
de poder local. 
Considerações finais 
O presente artigo não esgota todas as possibilidades de análise sobre a temática 
apresentada e nem temos a pretensão de atingir esse feito. Cabe apenas observar que a 
aliança entre maçons e protestantes, tantas vezes demonstrada ao longo desse estudo, sereproduz também dentro do município de São Fidélis, afundado em uma acentuada crise 
política e econômica nessa primeira década republicana. À tradicional rivalidade entre 
os coronéis Villela e Lopes, soma-se a atuação de diversos grupos que pleiteiam a 
expansão de sua própria influência sobre a sociedade local. Assim, podemos afirmar que 
a República significou, no caso específico de São Fidélis, a abertura de novas disputas 
políticas, econômicas, religiosas e sociais, que não raramente resultaram em violências 
brutais e violações de direitos. 
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Boletim do Grande Oriente do Brasil, Jornal Oficial da Maçonaria Brasileira. Edição 
de outubro e novembro de 1894. 
 
9 Os termos elogiosos com que o redator do jornal se refere ao vigário fidelense parecem reforçar nossa 
tese de que o clero local não esteve envolvido nas perseguições contra Salomão Ginsburg. 
 
1200 
 
 
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