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Introdução Na primeira unidade, tivemos como objetivo ampliar e conceituar currículo. De certa forma, recorremos ao conteúdo que será trabalhado nessa segunda etapa, as Teorias do Currículo. A grande diferença entre as primeiras discussões e as que serão aqui estabelecidas estão no campo da história. As teorias e suas análises serão apresentadas buscando, na medida do possível, isenção de qualquer juízo de valor acerca de sua validade ou não no campo educacional. As Teorias do Currículo que dão forma à essa unidade estão classi�cadas conforme �gura 1. Unidade 2 - Teorias do Currículo Franciane Heiden Rios Iniciar Figura 1. Teorias do Currículo. Fonte: Elaborado pela autora, 2019 Nessa unidade, portanto, o objetivo é compreender como os estudos e processos teóricos ao longo do tempo mudaram de perspectiva ao conceber o currículo escolar, sua intencionalidade, funcionalidade e, consequentemente, sua relação com o processo de ensino-aprendizagem. É fato que o exercício da imparcialidade é algo “perigoso” e, até mesmo, discutível, a�nal, como já vimos, também lemos e aprendemos a partir de um lugar social. Entretanto, conhecer a amplitude do conteúdo nos permite assumir, quando necessário, a posição de críticos ou de defensores dessa ou daquela abordagem com o que, popularmente, é conhecido como “conhecimento de causa”. Assim, teremos como objetivo principal nessa segunda unidade apresentar as Teorias do Currículo, caracterizando-as, conceituando-as e as localizando no tempo histórico para, a partir dessas características, enquanto objetivos especí�cos: 1. Compreender a concepção de escola, professor e aluno em cada abordagem; 2. Compreender a organização do processo ensino-aprendizagem, proposto por cada abordagem apresentada; 3. Identi�car elementos que permanecem de cada perspectiva na atualidade. Para uma melhor leitura e análise do conteúdo aqui apresentado, algumas perguntas servirão como base em cada corrente de pensamento, são elas: - Em qual sociedade emerge essa perspectiva de currículo? - O que a sociedade atribui como objetivos à escola nesse momento histórico? Esperamos que, após a análise dos aspectos históricos das teorias do currículo, possamos indagar e observar como as relações de poder interferem na constituição do currículo escolar, ampliando seus sentidos e signi�cados. Desejamos a todos bons estudos! 1. Teorias do Currículo: uma visão geral O currículo escolar consiste na sistematização das experiências e objetivos de aprendizagens adotados nas redes e sistemas de ensino. Essas experiências, organizadas em conteúdos, áreas, habilidades, competências, experimentações, práticas e outras ações relacionadas às práticas pedagógicas serão propostas e deverão ser vivenciadas pelos estudantes, para que esses, ao �nal, contemplem os objetivos iniciais. Portanto, no currículo escolar estão os conteúdos de área a serem abordados no processo de ensino-aprendizagem e as propostas metodológicas utilizadas. Nessa perspectiva, a teoria curricular permite compreender e descrever os fenômenos dessa prática, possibilitando compreender o objeto e intenções de um determinado grupo social nesse processo formativo, que se estabelece tendo a escola enquanto espaço privilegiado. Essa é a primeira evidência importante a ser destacada: as Teorias do Currículo consistem no campo teórico que estuda o currículo e, teoria, propõe a compreensão do objeto e intenções. Nesse caso, o currículo, a partir de determinado grupo social, a�rmação que será melhor ampliada em cada escola teórica. Saiba mais Teoria é o conjunto de princípios fundamentais de uma ciência. Com origem do grego theoria que no contexto histórico signi�cava observar ou examinar. A evolução do termo designa o conjunto de ideias sobre determinado tema, que objetiva transmitir uma noção geral de alguns aspectos da realidade. Também é possível compreender teoria como hipótese ou opinião sobre algo. As Teorias do Currículo são classi�cadas em: Tradicionais, Críticas e Pós-Críticas, cada qual com suas análises e objetivos relacionados e ancorados ao modelo social vigente à época e à intencionalidade formativa esperada da escola, que serão apresentadas nos capítulos subsequentes. Relembrando: Na unidade 1, vimos que as Teorias Tradicionais emergem da visão e�cientista, tendo sua origem e pragmática nas relações industriais e no modelo produtivo que se instaura após a Revolução Industrial. Já as Teorias Críticas e, posteriormente, as Teorias Pós-Críticas, partem da visão progressivista, considerando a amplitude das relações humanas no processo de efetivação dos currículos. 2. Teorias Tradicionais A primeira abordagem a ser estudada centra-se nas perspectivas das Teorias Tradicionais do currículo. Essas abordagens concebem, à priori, o processo ensino- aprendizagem como uma prática mecânica de memorização, consideram a escola como espaço para aquisição de habilidades intelectuais e o professor representando a �gura central do processo. As abordagens curriculares têm sua origem nos Estados Unidos e sua base é conservadora, baseada em princípios industriais do Taylorismo e Fordismo, transpondo o modelo organizacional e administrativo das empresas aos espaços educativos. 2.1. Bobbitt e o Taylorismo O principal teórico da perspectiva tradicional curricular foi John Franklin Bobbitt (1876-1956), estadunidense que, em 1918, propôs o funcionamento da escola tal qual qualquer outra empresa comercial ou industrial. Para ele, o sistema escolar deveria ser capaz de especi�car os resultados que pretendia obter, estabelecendo, assim, métodos precisos e e�cientes para esses �ns, sua palavra de ordem era a e�ciência. Suas premissas tinham como base teórica a Teoria da Administração Econômica de Frederick Taylor (1856-1915). A relação comercial e industrial proposta por Bobbitt faz-se pertinente diante da sociedade americana. Esse período é marcado pela ascensão econômica dos Estados Unidos e, consequentemente, com o modelo econômico capitalista que se desenha, com a expansão industrial, a necessidade de mão-de-obra especializada e ampliação de mercados consumidores. Nesse sentido, o currículo escolar precisava acompanhar as demandas sociais e, portanto, sua efetivação deveria ter como base a gestão e organização, dependendo, efetivamente, de processos mecânicos e burocráticos. Assim, o processo educacional dependia apenas de alguns elementos fundamentais operacionalizados. Figura 2. Sistema de operacionalização do processo educacional. Fonte: a autora com base em Silva (2017, p. 17). Na �gura 2, é possível observar um processo industrial, em linha de produção, transposto para o processo educacional. Segue-se à ideia de uma sequência linear, com divisão de tarefas clara e objetiva. Nesse sentido, o aprendizado é “recebido” e o conhecimento, “transmitido”. Você quer ver? Tempos Modernos – Charlie Chaplin: esse �lme retrata a vida urbana nos Estados Unidos no ano de 1930, evidenciando os modos de produção industrial baseados na divisão e especialização do trabalho e em linha de montagem, tais como o Taylorismo e o Fordismo. Acesse: https://www.youtube.com/watch? v=3tL3E5fIZis&ab_channel=ICDPCursoseTreinamentos- CursosnaBaixadaSantista-SP Diante desse modelo educacional, os currículos acabam por ser hegemônicos, etnocêntricos e, supostamente, neutros. Silva (2007) reforça que as teorias tradicionais pretendem ser apenas isso: "teorias" neutras, cientí�cas, desinteressadas. Na Figura 3 é possível identi�car as principais palavras relacionadas à perspectiva tradicional: Figura 3. Nuvem de palavras – Teorias Tradicionais Fonte: Elaborado pela autora, 2019. https://www.youtube.com/watch?v=3tL3E5fIZis&ab_channel=ICDPCursoseTreinamentos-CursosnaBaixadaSantista-SP Glossário Hegemônicos : sinônimo de supremacia, in�uência preponderante exercida por determinado grupo, pessoa ou pensamento. Etnocêntricos : visão de mundo característica de quem considera oseu grupo étnico, nação ou nacionalidade socialmente mais importante do que os demais. Retomando aos níveis de currículos evidenciados na unidade 1 (um), teremos aqui a discussão e aferição apenas daquele currículo tido como formal. Entendidos como normatização e prescrição, com indicação de conteúdos disciplinares e objetivos formativos, incorrendo à ideia de currículo como sinônimo de matriz ou grade curricular. Para quem pensa, organiza e estrutura o currículo, seus objetivos são práticos: indicar o que é preciso aprender e como o currículo pode ensinar, desenvolvendo instrumentos para medir se, de fato, o estudante aprendeu ou não o que foi proposto. A grosso modo, seria o processo avaliativo da aprendizagem. Nessa perspectiva, o aprender “[...] consiste em adquirir informações que preparem o sujeito intelectual e moralmente para adaptar-se à sociedade” (EYNG, 2007, p.119), sendo valorizado aquele “[...] que propicia a formação de reações estereotipadas, de automatismos, denominados hábitos, geralmente isolados uns dos outros e aplicáveis, quase sempre, somente às situações idênticas em que foram adquiridos [...]” (MIZUKAMI, 1986, p. 14). Para re�etir um pouco sobre as adaptações relativas à intelectualidade na sociedade, observemos a imagem abaixo: Figura 4. Meme Nota �scal Fonte: Mineiro de butina, 2015 Há tempos essa imagem povoa as redes sociais e nos faz pensar sobre as especi�cidades do trabalho e o valor pago pela prestação de serviços. Se utilizarmos essa imagem e o texto dela para re�etirmos sobre as proposições curriculares de Bobbitt, poderíamos, de forma super�cial, entender que a escola deveria apenas ensinar a “apertar o parafuso”, já que o “parafuso a ser apertado” seria indicado ao sujeito no seu dia a dia. Por isso, os conhecimentos que ele precisaria adquirir seriam técnicos e objetivos: como usar o equipamento para apertar o parafuso e como apertar o parafuso da forma correta. Divagações acerca do “porquê apertar o parafuso?” “Para quê serve o parafuso no conjunto da estrutura?” Ou, “é possível otimizar o funcionamento da máquina sem esse parafuso?” Não caberiam nesse momento, ao menos para o sujeito para qual o currículo prevê apenas “apertar o parafuso”. Diante do exemplo, é perceptível que a metodologia tradicional recai na transmissão de conteúdos e conhecimentos, de forma lógica, processual e sistematizada, no qual o professor – detentor do saber – expõe o que sabe, o aluno – sujeito passivo – absorve e reproduz, se a reprodução for satisfatória, estariam aptos os estudantes para a vida ocupacional adulta. Essa forma de organização e de concepção de currículo pendura até a década de 1960, quando as concepções críticas de currículo passam a tomar o protagonismo nas discussões. Você quer ver? q Entrevista com Mário Sérgio Cortella, �lósofo, professor e consultor, que fala sobre as virtudes e defeitos do taylorismo na atualidade. Ele está lançando o livro "Vida e Carreira: um Equilíbrio Possível?", em parceria com Pedro Mandelli. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=4S2JpjvU_Tw 3. Teorias Críticas O principal argumento das Teorias Críticas é o de que não existe teoria neutra, ou seja, é impossível conceber um currículo sem considerar as relações de poder imbricadas em seu processo de construção. A�nal, são essas relações que, implícitas ou explícitas, de�nem as disciplinas e conteúdos que reproduzem o modelo social e, consequentemente, as desigualdades. Concebe, portanto, o currículo como um campo social de lutas e um espaço cultural. A não neutralidade do processo educacional, identi�cada pelas Teorias Críticas, é o divisor e diferenciador dessas teorias para a perspectiva tradicional. 3.1. Contexto social As perspectivas críticas do currículo datam da década de 60, período de emergência dos movimentos sociais e culturais, que criticavam abertamente o modelo social vigente e suas organizações, principalmente, no campo econômico e cultural. Assim, no campo educacional, a crítica ao modelo tradicional tinha como uma de suas bases teóricas a dialética-crítica de Karl Marx (1818-1883) que, para Silva (2009, p. 29) “[...] efetua uma completa inversão nos fundamentos das teorias tradicionais [...]”, colocando em questão os arranjos sociais e educacionais. Na estrutura de seu pensamento, outros teóricos, mesmo tendo como ponto inicial a crítica ao modelo estabelecido, acabam por se fragmentar em campos diferentes dentro dessa https://www.youtube.com/watch?v=4S2JpjvU_Tw abordagem, pois, adotam como de�nidores sociais efetivos elementos diferentes: o econômico (dialética marxista) e, outros, o cultural. Figura 5. Nuvem de palavras – Teorias Críticas Fonte: Elaborado pela autora, 2019. Os principais autores dessa corrente de pensamento são: Louis Althusser (1918- 1990), Pierre Félix Bourdieu (1930-2002), Jean Claude Passeron (1930), Christian Baudelot, Roger Establet e, no Brasil, o destaque é para o educador Paulo Freire. 3.2. Perspectiva curricular Nessa perspectiva crítica, o debate estava centrado no fato da escola, enquanto sistema social, operar como reprodutora da ideologia e das práticas econômicas questionáveis: A escola contribui para esse processo não propriamente através do conteúdo explícito de seu currículo, mas ao espalhar, no seu funcionamento, as relações sociais do local de trabalho. As escolas dirigidas aos trabalhadores subordinados tendem a privilegiar relações sociais nas quais, ao praticar papéis subordinados, os estudantes aprendem a subordinação. Em contraste, as escolas dirigidas aos trabalhadores dos escalões superiores da escala ocupacional tendem a favorecer relações sociais nas quais os estudantes têm a oportunidade de praticar atitudes de comando e autonomia. (SILVA, 2009, p. 33) É da insatisfação com a perspectiva excludente dos currículos escolares e da evidente despreocupação da educação com o processo de aprendizagem dos estudantes que, na modernidade, os conceitos de: “ideologia, reprodução cultural e social, poder, classe social, capitalismo, relações sociais de produção, conscientização, emancipação e libertação, currículo oculto, resistência” (SILVA, 2007, p. 17) passam a incorporar as análises e propostas educativas. A�nal, disciplinas e conteúdos são reprodutores ideológicos, transmissores de princípios e perpetuadores de interesses atuando de “[...] forma discriminatória: ela inclina as pessoas das classes subordinadas à submissão e à obediência, enquanto as pessoas das classes dominantes aprendem a comandar e controlar.” (SILVA, 2009, p. 32). E a escola, de forma implícita, contribui para a reprodução do modelo ao se apropriar das relações sociais do local de trabalho – ora, na perspectiva tradicional a aprendizagem operava como uma “linha de montagem”. Podemos identi�car nas Teorias Críticas uma primeira vertente de pensamento: a crítica à cultura capitalista escolar. Você quer ver? Escolas transformadoras - A transformação da sociedade começa na escola. Conheça o projeto que envolve empatia, trabalho em equipe, criatividade e protagonismo para transformar alunos em agentes transformadores do ambiente em que vivem. As "Escolas Transformadoras" do Instituto Alana e projeto Ashoka fazem a diferença. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=bkYrNhHEKnU Michel Whitman Apple, Michael Young e Basil Bernstein são teóricos de destaque do pensamento marxista em relação ao currículo escolar. Suas duras críticas à premissa da “escola enquanto transmissora de conhecimento” – ideário tradicional -, partiam da abordagem crítico-marxista, de�nidos pelos pressupostos epistemológicos da dialética. Para esses autores, o homem é sujeito histórico, dotado de capacidade para transformar e in�uir na realidade, sendo: “[...] o conhecimento [...] produto da compreensão do mundo social, onde coexistem a negação e a contradição e as manifestações da consciência dos sujeitos como produto de seu ser social.” (LEITE, https://www.youtube.com/watch?v=bkYrNhHEKnU2006, p. 488). Assim, os currículos, como se estruturam e se organizam, são diretamente responsáveis pela apreensão e manutenção da sociedade de classes e reprodução das desigualdades. Especi�camente, essas análises permitem a Bernstein, posteriormente, avançar no conceito de currículo oculto. Glossário Dialética : lei que caracteriza a realidade como um movimento dinâmico e contraditório, caracterizados em três momentos sucessivos: tese, antítese e síntese, que se manifestam, simultaneamente, no movimento e nas contradições de origem econômica na história da humanidade. 3.2.1. Currículo Oculto Apesar de não se constituir em uma teoria propriamente dita, o Currículo Oculto representa a dimensão implícita no processo educacional, aquilo que não é mensurável, mas que está cotidianamente na escola e reforça o aprendizado sociocultural. É a experiência e aprendizado não restrito aos aspectos formais dos currículos, é aquela que se dá na inter-relação professor-aluno-saber. Ao considerar, portanto, que o aluno aprende “coisas” além das previstas formalmente, assumimos que, de fato, não há neutralidade no processo de ensino e aprendizagem. Gonçalves (2002) reforça que o processo educacional é complexo, diferente em cada organização e, sendo assim, o currículo oculto emerge dessa contingência particular. Ao a�rmar que a educação formal, prevista no currículo escolar, é desempenhada indissociavelmente em seus aspectos explícitos e implícitos, o que queremos dizer? Na escola não se aprende apenas a ler, escrever e somar. Aprende-se práticas e conteúdos que são agentes de socialização. Aprende-se gírias, por exemplo, identi�cando determinados grupos e regionalidade, além de comportamentos não previstos no currículo escolar. São práticas sociais e de grupos que povoam a escola enquanto instituição social. Figura 6. Interação e socialização. Fonte: Shutterstock, 2019 Sabendo disso, é preciso evidenciar que o conhecimento aprendido na escola não é “[...] um produto estático [...] não é um conjunto isolado de informações, mas um comprometimento com uma determinada visão de mundo [...]. O conhecimento não é algo dado e acabado ou tampouco isolado com �m em si mesmo.” (ANASTASIOU apud LEITE, 1994, p. 189). Sendo assim, as relações do currículo oculto também acabam desenvolvidas no âmbito educacional, a�nal, são espaços de debates contextualizados que permitem a re�exão crítica e as multidimensões da educação como processo socializador. Esse papel socializador também foi muito importante nas críticas e propostas de Paulo Freire. Apesar desse teórico não ter elaborado efetivamente uma teoria curricular, é inegável sua contribuição no campo educacional, principalmente, ao propor um novo conceito de educação, considerando a função problematizadora da realidade. Você quer ler? Resumo de livro: Teorias de Currículo de Alice Casimiro Lopes e Elizabeth Macedo. Por: Idelsuite de Sousa Lima. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100- 15742013000300018 Entretanto, no cerne das teorias críticas, Bourdieu e Passeron propuseram afastar-se das análises marxistas e propor outro olhar para a reprodução social. Para eles, a reprodução social dá-se por intermédio da cultura, não pela “injeção” da cultura dominante, mas sim, pelo mecanismo de exclusão e desprezo da cultura dos “dominados”. 3.3. Movimento de Reconceptualização Essa transição do per�l de análise para a cultura, apesar de ter forte vertente marxista, diferencia-se dos primeiros teóricos apresentados, pois, aqueles não se identi�cavam com o aspecto subjetivo proporcionado pela cultura. A perspectiva da reprodução “dominantes X dominados” prevê também críticas ao modelo burocrático da vertente tradicional, tendo como estratégias a hermenêutica e a fenomenologia para explicar a in�uência da experiência cotidiana, pessoal e subjetiva na aprendizagem. Glossário Fenomenologia Hermenêutica http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0100-15742013000300018 Sendo assim, para esses pensadores, o currículo da escola está pautado na cultura dominante e, consequentemente, expressa esses anseios por meio do código cultural dominante. Para aqueles que fazem parte desse grupo, a compreensão do código torna-se fácil e corriqueira, já, para aqueles das “classes dominadas”, esse código parece indecifrável, resultando em uma perversa exclusão social. Para ilustrar e re�etir, observe a tirinha a seguir: Figura 7. Sistema Educacional Fonte: Filopso�a Hoje, 2019 Nela, é possível observar a crítica feita por esses pensadores. A abordagem favorece aqueles que estão “habilitados” a escalar a árvore e que, por isso, obterão êxito; enquanto os demais fracassarão e, consequentemente, acabarão excluídos do sistema educacional. A crítica, portanto, é estabelecida no fato da educação atuar como fator responsável pela exclusão social, eliminando do processo aqueles que não conseguem compreender a linguagem e os processos culturais das classes dominantes. 4. Teorias Pós-Críticas Inicialmente, é preciso compreender que, assim como aponta Ribeiro (2016), a complexidade do campo curricular di�culta estabelecer “as fronteiras entre - pensadores - críticos e pós-críticos.” (p. 285), sendo perceptível um avanço híbrido, incorporações sistêmicas de conceitos e re�exões que, por vezes, superam essa dicotomia, evidenciando o dinamismo teórico, acolhendo premissas pós-modernas com premissas tipicamente modernas: totalidade, emancipação, autonomia, transformação social. Você quer ver? Zygmunt Bauman – O que é pós-modernidade? Pós-modernidade é um conceito que norteia críticas e defesas de alguns pensadores contemporâneos, mas que possui difícil apreensão. Zygmunt Bauman traz o episódio histórico que teria marcado o primeiro dia da pós- modernidade para esclarecer o que caracteriza este período - são elementos comuns a muitos de nós. Acesse: https://www.youtube.com/watch?v=aCdUuQycl6Q Assim, as teorias pós-críticas são contemporâneas à pós-modernidade e trazem em seu âmago uma concepção do currículo como multiculturalista, evidenciando a diversidade presente nos vários cenários sociais, sejam elas de: “identidade, alteridade, diferença, subjetividade, signi�cação e discurso, saber-poder, representação, cultura, gênero, raça, etnia, sexualidade, multiculturalismo” (SILVA, 2007, p. 17). Figura 8. Nuvem de palavras – Teorias pós-críticas. Fonte: Elaborado pela autora, 2019. https://www.youtube.com/watch?v=BsgMxLaCPXI&t=10s Sua perspectiva analítica critica a desvalorização do desenvolvimento cultural e histórico de alguns grupos étnicos em detrimento de outros, e os conceitos da modernidade, como razão e ciência. Em relação ao currículo, acredita na incerteza e no indeterminado, questionando abertamente o conceito de verdade, valorizando mais o processo de construção que originou as premissas que se assumiram enquanto “verdades”. Os currículos passam a atuar como práticas de subjetivação , de signi�cação e discurso produzidos nas relações de saber-poder. Glossário Subjetivação: algo particular, próprio do ser, de caráter individual. Compostos por saberes, conteúdos e propostas, resultado de seleção e representação da cultura, deveriam produzir identidades heterogêneas e diversas , que num processo dialógico e ético, culminam na emancipação e no exercício da cidadania. Essa perspectiva multiculturalista refuta o currículo hegemônico- da cultura branca, europeia, machista e heteronormativa- abrangendo questões de gênero, raça, etnia e sexualidade. Silva (2009) de�ne multiculturalismo como: “[...] um movimento legítimo de reivindicação dos grupos culturais dominados [...] para terem suas formas culturais reconhecidas e representadas na cultura nacional” (p. 85). Essa perspectiva de cunho liberal ou humanista prega valores de tolerância, respeito e convivência harmoniosa entre as diferentes culturas, sendo principal: “[...] tolerar e respeitar a diferença,porque sob a aparente diferença, há uma mesma humanidade” (SILVA, 2009, p. 86). Outra questão importante nas pós-criticidade são as questões de gênero . Com o crescente movimento e estudos feministas, o predomínio da cultura patriarcal que perpetua a desigualdade entre mulheres e homens torna-se alvo recorrente de críticas. O início dessa problemática se dá no acesso das mulheres à escolarização, posteriormente, no próprio currículo: que propunha distinções entre as disciplinas consideradas masculinas ou femininas. Veja um exemplo a seguir: Figura 9. Disciplinas femininas. Agosto de 1959. Fonte: Núcleo de Documentação Histórica, 2017 Da esquerda para a direita: aluna trajando um avental de práticas de cozinhar e aluna com um avental de servir à mesa. Como implicação, tem-se a perspectiva masculina - heterossexismo compulsório - como prática legítima e inquestionável no currículo escolar, sendo a crítica não apenas mais “[...] tolerada ou respeitada, mas sim, colocada permanentemente em questão”. (FOSTER, 2001, p. 25). Em termos curriculares, o multiculturalismo, nessa visão, pretende substituir o estudo das obras consideradas como de excelência da produção intelectual ocidental pelas obras consideradas intelectualmente inferiores produzidas por representantes das chamadas “minorias” – negros, mulheres, homossexuais. (FOSTER, 2001, p. 25) Com essas questões vindas à tona pelo movimento feminista, outras as acompanham: questões raciais e étnicas e de diversidade sexual ( a teoria queer, por exemplo) ganham forças e começam a ocupar espaços nos debates das teorias pós- críticas do currículo. A�nal, para esses movimentos pós-críticos, o currículo, necessariamente, precisa conceber a diversidade, tendo papel primordial na desconstrução de valores tidos como certos: A diversidade é um componente do desenvolvimento biológico e cultural da humanidade. Ela se faz presente na produção de práticas, saberes, valores, linguagens, técnicas artísticas, cientí�cas, representações do mundo, experiências de sociabilidade e de aprendizagem. Todavia, há uma tensão nesse processo. Por mais que a diversidade seja um elemento constitutivo do processo de humanização, há uma tendência nas culturas, de um modo geral, de ressaltar como positivos e melhores os valores que lhe são próprios, gerando um certo estranhamento e, até mesmo, uma rejeição em relação ao diferente. É o que chamamos de etnocentrismo. Esse fenômeno, quando exacerbado, pode se transformar em práticas xenófobas (aversão ou ódio ao estrangeiro) e em racismo (crença na existência da superioridade e inferioridade racial. (SOUZA, 2008, p. 18) Assim, ao �nal da análise das três grandes perspectivas acerca do currículo, principalmente das vertentes críticas e pós-críticas, faz-se possível compreender a pedagogia em seu potencial de transformação, no centro dos processos históricos. É possível compreender o papel da pedagogia na articulação do conhecimento, com a cultura e demais relações sociais, trazendo essas como temáticas centrais ao currículo. Esses fatores estão, portanto, incorporados nas normativas e documentos que regulamentam e organizam as práticas pedagógicas e o sistema educacional brasileiro, temas das nossas próximas unidades. Síntese Nesta unidade, conhecemos e discutimos as Teorias de Currículo Tradicional, Críticas e Pós-Crítica, tendo como principal objetivo identi�car suas características, autores, concepções de currículo e seus desdobramentos no processo educativo dos estudantes. Esperamos que, ao �nal dessa unidade, vocês identi�quem: Teoria Tradicional como: Modelo fabril, linear e baseado na cienti�cidade administrativa. Proposta curricular técnica. Centrado no papel transmissor da educação. Teoria Crítica: Destaque para os processos de socialização, interação e mediação. Discute o caráter reprodutor e hegemônico dos modelos tradicionais de currículo. Avança na percepção do currículo enquanto local de cultura, ideologia e relações de poder. Teoria Pós-Crítica como: Apresenta um variado conjunto de perspectivas analíticas. Crítica aos padrões rígidos. Busca pela superação das “verdades absolutas”. Assume a perspectiva do currículo enquanto discurso. Download do PDF da unidade Bibliografia ALMEIDA, G. B.; ALBUQUERQUE, M. J. Fazer pedagógico: inquietações dos educadores responsáveis pela formação dos pro�ssionais da educação. UCP, Ano 1, nº 1, 2001. ANASTASIOU,L.G.C. Educação Superior e Preparação Pedagógica: elementos para um começo de conversa. Jaraguá do Sul/UNERJ: Revista Saberes. Ano 2, v. 2, maio/agosto 2001. ______________. Relação Entre Saberes Pedagógicos e Saberes Cientí�cos, na formação inicial do licenciado e do bacharel. Joinville, Editora da Univille, 2003. GIL, Antonio Carlos. Metodologia do Trabalho cientí�co. 3.ed. São Paulo: Atlas, 1996. 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