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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIENCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais JOSÉ AVELINO DA HORA NETO DINÂMICA DE EXPANSÃO URBANA DE CEARÁ-MIRIM/RN: ASPECTOS LOCAIS E METROPOLITANOS? Dissertação N.º 30/PPEUR. NATAL – RN AGOSTO/2015 JOSÉ AVELINO DA HORA NETO DINÂMICA DE EXPANSÃO URBANA DE CEARÁ-MIRIM/RN: ASPECTOS LOCAIS E METROPOLITANOS? Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Estudos Urbanos e Regionais, do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Estudos Urbanos e Regionais. Orientadora: Prof.ª Dr.ª Maria do Livramento Miranda Clementino NATAL – RN AGOSTO/2015 Ficha catalográfica Ata À minha querida vovó Biu, Severina Galdino da Hora (in memorian), por ter me dedicado seu amor incondicional. AGRADECIMENTOS Meus agradecimentos mais sinceros para todos que durante esse longo percurso não permitiram que estivesse sozinho nos momentos de desânimo e incertezas. A todos que mencionaram palavras de conforto, estenderam a mão, compartilharam risadas e respeitaram, vez por outra, meu silêncio. Obrigado aos meus pais, André e Josenilda, que não mediram esforços para que esse trabalho se realizasse, seja no incentivo por meio de palavras, na ajuda financeira, no ombro amigo, no colo confortante, na confiança empreendida nas minhas ações e principalmente na certeza de que somos verdadeiramente uma família unida, meus sinceros agradecimentos. Aos meus irmãos, André Luís e Andressa, que nos mais diversos momentos por meio de pequenos gestos, me agraciaram com suas companhias nesse longo processo de amadurecimento entre irmãos. Sou grato pelo respeito e admiração que me depositam, sendo recíprocos meus sentimentos por vocês. Agradeço a atenção e ternura da minha avó materna Maria Luísa (Vovó Mariquinha), que nos olhares experientes, me ensinou a confiar em Deus acreditando sempre no poder de suas realizações: obrigado. Aos tios e tias que se fizeram presentes nessa caminhada, entre eles agradeço, especialmente, à minha tia, madrinha e amiga Josivânia Marisa, pelo exemplo que se tornou em minha vida, pelos conselhos, pela ajuda na revisão do texto, pelo papel que conquistou na minha vida. Muito obrigado. Pelo companheirismo, paciência e amor dedicados, a partir de meados dessa aventura acadêmica, agradeço a Rodrigo Oliveira. É raro encontrar pessoas que acrescentam à palavra amizade o significado de doação. Desse modo, agradeço àqueles que desde a graduação em geografia acompanham minha vida; Lídia Gabriela, Deickson Lennon, Emanuell Cavalcanti, Nádia, Monick, Priscila e Eloísa. Aos meus talentosos e afetuosos amigos que ajudaram na confecção da capa e revisão ortográfica, agradeço à Anaxágoras e Mônica Cavalcante. Aos meus amigos do PPEUR pelos quais os desafios, as angústias e superações foram compartilhados de maneira intensa, agradeço profundamente à Jenair, Rafael João, André, Haline, Paula, Valéria, Gabi, Raquel, Wagner, Pedro, Lucas e Gilka. Por fim, a todos os professores, funcionários e bolsistas do PPEUR, em especial à minha orientadora, professora Maria do Livramento, agradeço pela confiança construída ao longo dessa produção acadêmica, pelas conversas das quais surgiram os primeiros esboços para o presente estudo, pelos direcionamentos textuais e pela generosidade em me ceder espaço no grupo do Observatório das Metrópoles (Núcleo Natal) para a realização deste trabalho: meus sinceros agradecimentos. “Vivo no quase, no nunca e no sempre. Quase, quase – e por um triz escapo.” (A cidade sitiada – Clarice Lispector) RESUMO Este trabalho tem por objetivo compreender a dinâmica de crescimento da cidade de Ceará-Mirim considerando os aspectos que definem sua atual expansão urbana, ou seja, seu crescimento. Escolheu-se utilizar como aporte metodológico o conceito de espaço como produto e produtor das relações sociais, sendo o mesmo constituído por objetos e ações que se relacionam num processo dialético ao longo do tempo. Como instrumento de pesquisa, realizou-se estudo bibliográfico que caracterizasse os aspectos históricos de uso e ocupação do solo da região a fim de evidenciar os agentes que explicam sua configuração urbana atual. Em seguida, realizou-se o levantamento de dados secundários para uma análise das atividades econômicas do município e seus respectivos impactos na estrutura social local. Entre esses aspectos, a economia açucareira, mesmo em decadência, aparece como definidora dos limites de crescimento urbano. Na escala regional, outros fatores são discutidos abordando a influência dos processos urbanos formadores da Região Metropolitana de Natal (RMNatal), na qual Ceará-Mirim aparece integrada no nível muito baixo segundo estudo do Observatório das Metrópoles (2012). Contudo, destacamos que nos últimos anos principalmente no vetor de crescimento da BR 406, instalaram-se equipamentos de abrangência metropolitana. Esses objetos estão associados a um discurso imobiliário em que a possível “metropolização” aparece como impulsionadora de investimentos na área de expansão da cidade. Palavras-chave: Espaço, Dinâmica urbana, Metropolização. . ABSTRACT This study aims to understand the growth dynamics of Ceará-Mirim city considering the aspects that define its current urban sprawl. We chose to use as methodological approach the concept of space as a product and producer of social relations and the same constitutes by objects and actions that relate in a dialectical process over time. As a research tool, it took place bibliographical study that features the historical aspects of use and occupation, in order to evidence the regional ground agents that explain its current urban setting. Then, it was collected a secondary data of economic analysis activities from municipality and their impact on local social structure. Between these aspects, the sugar economy, even in decline, had appeared as defining the boundaries of urban growth. At the regional scale, other factors were discussed in a way of urban influence processes forming the Greater Natal (RMNatal), and Ceará-Mirim appears integrating into this scale in a very low level according to Metropolis Observatory (2012). However, we have pointed out that in recent years, especially in growth vector of BR 406, settled metropolitan scope equipment. These objects have been associating in a real estate sector's reasoning while the possible "metropolization" have been promoting as investments in the city's expansion area. Keywords: Space, Urban dynamics, Metropolis. LISTA DE FIGURAS Figura 1 – Localização de Ceará-Mirim 2015. ............................................................................... 20 Figura 2 – Macro zonas de Ceará-Mirim segundo o plano diretor. ............................................ 24 Figura 3 – Distribuição e características das propriedades agrícolas no médio vale do Ceará- Mirim. ............................................................................................................................... 27 Figura 4 – Foto do engenho Carnaubal na década de 50 do século XX. ................................. 28 Figura 5 – Réplica do cruzeiro erguido na fundação do povoado Boca da Mata. ................... 30 Figura 6 – Localizaçãodas demarcações do povoamento Boca da Mata. ............................... 31 Figura 7 – Largo da Matriz destacando à esquerda a imponente casa do Dr. José Inácio. .. 35 Figura 8 – Prédio da Intendência municipal no início do século XX. ......................................... 36 Figura 9 – Mercado Municipal. ......................................................................................................... 37 Figura 10 – Distribuição dos núcleos de ocupação em Ceará-Mirim. ....................................... 39 Figura 11 – Vetores de crescimento urbano de Ceará-Mirim por décadas. ............................. 40 Figura 12 – Macro zona Urbana de Ceará-Mirim. ......................................................................... 41 Figura 13 – Expansão urbana de Ceará- Mirim: Vetores de crescimento por décadas. ........ 42 Figura 14 – Abrangência de equipamentos de comércio............................................................. 44 Figura 15 – Abrangência de escolas de ensino fundamental. .................................................... 44 Figura 16 – Abrangência de escolas de ensino Médio. ............................................................... 45 Figura 17 – Abrangência de linhas de transporte ......................................................................... 45 Figura 18 – Abrangência de postos de saúde ............................................................................... 46 Figura 19 – Organograma: Hierarquia Dos Centros Urbanos. .................................................... 49 Figura 20 – Gráfico de Composição do PIB de Ceará-Mirim por Setores da Economia – 2008, 2010 e 2012 (em Mil Reais). ............................................................................. 54 Figura 21 – Gráfico de Evolução Agropecuária, Industrial e de Serviços em Ceará-Mirim – 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010 e 2012 (em Mil Reais). ................................. 55 Figura 22 – Feira livre de Ceará-Mirim. .......................................................................................... 56 Figura 23 – Prédio da Justiça Federal. ........................................................................................... 57 Figura 24 – Prédio do Ministério Público Estadual. ...................................................................... 58 Figura 25 – Atual formação da Região Metropolitana de Natal .................................................. 70 Figura 26 – Eixos de Integração Metropolitana ............................................................................. 79 Figura 27 – Vista do embarque/desembarque de passageiros. ................................................. 81 Figura 28 – Lagoa de Extremoz. ...................................................................................................... 82 Figura 29 – Hotel às margens da lagoa de Extremoz. ................................................................. 82 Figura 30 – Estação em construção entre Extremoz e o distrito de Massangana (Ceará- Mirim). .............................................................................................................................. 83 Figura 31 – Diferenças entre a locomotiva e o VLT...................................................................... 84 Figura 32 – Estação Ferroviária de Ceará-Mirim. ......................................................................... 85 Figura 33 – Saída do VLT Na plataforma Ribeira (Natal/RN) em direção à Ceará-Mirim. ..... 85 Figura 34 – Localização da BR 101 no RN. ................................................................................... 86 Figura 35 – Distrito Industrial de Extremoz às margens da BR 101. ......................................... 87 Figura 36 – Macrozoneamento Ceará-Mirim-RN .......................................................................... 89 Figura 37 – Placa sinalizadora das obras de acesso ao aeroporto internacional Aluízio Alves. .......................................................................................................................................... 90 Figura 38 – Loteamento Rota Norte. Massaranduba BR 406/Ceará-Mirim-RN ...................... 91 Figura 39 – Mapa ilustrativo de anúncio do loteamento Rota Norte .......................................... 92 Figura 40 – Anúncio do loteamento Rota Norte ............................................................................ 92 Figura 41 – Equipamentos de Abrangência Metropolitana na BR 406/Ceará-Mirim-RN ........ 93 Figura 42 – Entrada do Aterro Sanitário Metropolitano, BR 406/Ceará-Mirim-RN. ................. 94 Figura 43 – Entrada do IFRN campus Ceará-Mirim, BR 406/Ceará-Mirim-RN. ....................... 95 Figura 44 – Planta do loteamento “Maninho Barreto”, BR 406/Ceará-Mirim-RN. .................... 96 Figura 45 – Casas populares do complexo Barretão, BR 406/Ceará-Mirim-RN. ..................... 97 Figura 46 – Vista do campo de treinamento e do estádio “Barretão” ao fundo, BR 406/Ceará- Mirim-RN. ........................................................................................................................ 97 LISTA DE TABELAS Tabela 1 – Área Colhida / Quantidade Produzida (Cana-de-Açúcar) em Ceará-Mirim .......... 53 Tabela 2 – Evolução de Unidade de Empresas em Ceará-Mirim – 2007 2010 e 2013. ......... 55 Tabela 3 – Destaque dos 10 Municípios Potiguares com maior concentração de indústrias empregados no segmento formal – 2012 (em %). ................................................... 59 Tabela 4 – Ceará-Mirim e Rio Grande do Norte: IDH (1991 2000 e 2010)............................... 61 Tabela 5 – Nível de integração na dinâmica da aglomeração da Região Metropolitana de Natal ................................................................................................................................. 72 Tabela 6 – Região Metropolitana de Natal: População, Área e Taxa de Crescimento populacional por Municípios. ........................................................................................ 74 Tabela 7 – Produto Interno Bruto A Preços Correntes E Produto Interno Bruto Per Capita - Região Metropolitana De Natal – RN. ........................................................................ 75 Tabela 8 – Índices de Desenvolvimento Humano na Região Metropolitana de Natal - 2010 76 Tabela 9 – Taxa de Alfabetização da Região Metropolitana de Natal – RN ............................. 77 Tabela 10 – Municípios da Região Metropolitana de Natal: crescimento da participação de entrada de pessoas por municípios segundo dimensões do movimento pendular. .......................................................................................................................................... 78 LISTA DE SIGLAS CBTU Companhia Brasileira de Trens Urbanos IBGE Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística IDH Índice de Desenvolvimento Humano IPEA Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada MCMV Minha Casa Minha Vida MST Movimento dos Sem Terra ONU Organização das Nações Unidas PIB Produto Interno Bruto PROALCOOL Programa Nacional do Álcool PRODETUR Programa de Desenvolvimento do Turismo REGIC Regiões de Influências das Cidades RMNatal Região Metropolitana de Natal VLT Veículo Leve Sobre Trilhos SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ......................................................................................... 14 2 O ESPAÇO URBANO DE CEARÁ-MIRIM .............................................. 20 2.1 A construção histórica .......................................................................... 26 2.2 O espaço urbano atual: as novas áreas de expansão ........................ 38 3 DINÂMICA NO CONTEXTO SOCIOECONOMICO: ASPECTOS LOCAIS48 3.1 O setor sucroalcooleiro e a agropecuária ........................................... 50 3.2Comércio e serviços .............................................................................. 55 3.3 A pequena indústria .............................................................................. 58 3.4 Indicadores de qualidade de vida ......................................................... 60 4 VETORES DE CRESCIMENTO URBANO: ASPECTOS METROPOLITANOS? ..................................................................................... 62 4.1 A cidade como locus das desigualdades ............................................ 63 4.2 Metropolização à brasileira ................................................................... 66 4.3 Um breve histórico da institucionalização da RMNatal ...................... 69 4.4 Ceará-Mirim na RMNatal ........................................................................ 73 4.5 Os eixos viários de integração metropolitana ..................................... 78 4.6 O vetor de crescimento da BR 406: equipamentos e usos ................ 90 5 CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................... 99 REFERÊNCIAS ..................................................................................... 103 14 1 INTRODUÇÃO As transformações socioespaciais provocadas pelo acelerado crescimento urbano brasileiro nas últimas décadas possibilitou uma configuração complexa nas atuais dinâmicas e atividades que compõem as cidades. Observa-se que o processo de industrialização e ampliação dos serviços da malha urbana foi consolidada pela implementação de equipamentos e infraestruturas que garantissem a expansão e fluidez do mercado. As cidades então se tornaram locus dessas transformações devido a concentração demográfica que catalisa e polariza os processos da ordem urbana. No Brasil, a partir da década de 1960, percebe-se a intensidade do processo de urbanização por meio da concentração demográfica nas regiões industriais, diminuição da população rural devido ao êxodo, queda nas taxas de natalidade, entre outros. Esse período marca a expansão das corporações capitalistas que difundiu e introduziu novas relações envolvendo a industrialização e a consequente urbanização, afetando tanto a organização social quanto as formas espaciais criadas pelo homem. Essa intensa urbanização se desenvolveu em meio a diversidades dos perfis citadinos. Santos (2013) descreve que alguns desses perfis são resultados da aceleração das macrocefalias metropolitanas, caracterizando um novo e complexo arcabouço de sistemas urbanos atualmente dinamizados por meio de múltiplos fluxos de informações e dos fluxos de matéria. Em meio a isso, cidades de menor porte como centros de zona e centros locais (IBGE, 2007) desenvolveram-se integradas a um crescimento espraiado, na lógica centro-periferia, estruturando-se um espaço intra-urbano, pelo qual Vilaça (2001) fundamenta sua organização pelas condições de deslocamento do ser humano, “seja como portador da mercadoria força de trabalho; como no deslocamento casa/trabalho; deslocamento casa/compras; casa/lazer/ escola, etc.” (VILAÇA, 2001, p.20). Considerando este nível de influência na hierarquia urbana, as cidades compõem redes cujos fluxos das atividades hegemônicas desenham um esqueleto de interações. Essa característica revela uma forma urbana marcada por usos e 15 funções diversas do espaço “à luz dos subprocessos econômicos, políticos e socioculturais” (SANTOS, 2012, p.11) nos diferentes momentos históricos. Localizada na Zona da Mata Nordestina, Ceará-Mirim é a expressão urbana da inter-relação entre o campo e a cidade desde o século XIX quando, no vale do rio que origina o nome da cidade, foi introduzida a cultura da cana-de-açúcar. Entretanto, o contexto de reestruturação produtiva da agroindústria canavieira, a cidade que até então tinha esta atividade como base da economia local, começou a sofrer transformações dessa ordem a partir da década de 1960. Essa estrutura socioeconômica foi fundamental na atração de fluxos migratórios e de serviços que consolidaram a sede do município como importante centro regional, sendo classificado pelo REGIC (Regiões de Influências das Cidades), no fim da década de 1970, como centro de zona e posicionando-se entre as cinco maiores aglomerações urbanas do estado do Rio Grande do Norte naquele período (CLEMENTINO, 1995). No entanto, com o desmonte da agroindústria canavieira nos últimos anos, observa-se uma gradativa mudança no papel da cidade de Ceará-Mirim como centro urbano regional. Essa mudança é confirmada por indicadores e índices que validam o surgimento de arranjos econômicos ligados ao setor de serviços, desencadeando uma nova dinâmica socioeconômica na cidade e, consequentemente, influenciando sua configuração urbana. Essas mudanças são acompanhadas de uma perda de centralidade, no que se refere a influência da cidade na rede urbana regional, como comprovado pelo REGIC (IBGE, 2007) quando classifica Ceará-Mirim como centro local, hierarquicamente abaixo de centro de zona descrito nos estudos da década de 1970 (CLEMENTINO, 1995). Além dos fatores locais de transformação econômica que provocaram uma mudança na hierarquia urbana, Ceará-Mirim vem gradualmente inserindo-se na dinâmica da Região Metropolitana de Natal (RMNatal). As regiões metropolitanas são expressões contemporâneas do processo de urbanização, que se aproximam da definição de aglomerações urbanas por concentrar atividades, serviços e pessoas como sugere Ribeiro (2010, p. 3), 16 mancha contínua de ocupação, constituída por mais de uma unidade municipal, envolvendo intensos fluxos intermunicipais com comutação diária, complementaridade funcional, agregados por integração socioeconômica decorrente de especialização, complementação e/ou suplementação funcional. A classificação dessas aglomerações é associada ao caráter metropolitano ou não metropolitano, cujo o grau de integração funcional dos municípios que fazem parte do aglomerado é utilizado como critério de avaliação dos processos de metropolização. O IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) diferencia as aglomerações urbanas das regiões metropolitanas a partir dos processos urbanos de metropolização: O conceito aglomerações urbanas, que embora semelhante ao de região metropolitana, serve para designar outros espaços urbanos, situados em nível sub-metropolitano, que congregam mais de uma cidade, notadamente cidades que começariam a experimentar o processo de conurbação. (MATOS, 2000, p.2) A relação evolutiva do desenvolvimento das aglomerações urbanas em regiões metropolitanas revela uma análise da região como espaço de concentração das atividades urbanas estabelecidas no polo de importante ordem econômica, capaz de influenciar outras áreas que a circundam. Segundo estudo do Observatório das Metrópoles (2012) a RMNatal está classificada como aglomeração urbana não metropolitana por apresentar em sua área de influência municípios com alto, médio, baixo e muito baixo grau de integração ao polo, com predominância dos dois últimos níveis. As variáveis que são utilizadas na definição dessa classificação estão relacionadas ao crescimento populacional; produção e distribuição da riqueza; ocupação do território; mobilidade populacional e grau de urbanização. Ceará-Mirim é um dos municípios que se inserem na RMNatal desde sua institucionalização em 1997. Contudo, o município ainda apresenta nível muito baixo de integração metropolitana conforme as variáveis consideradas para a determinação desse nível. A natureza dessa configuração permite uma relação complexa dos fenômenos urbanos que implicam na dinâmica de crescimento da cidade, sendo necessária uma análise sócioespacial que compreenda não apenas a escala local, mas também macrolocal, ou regional. Partindo dessa contextualização,objetiva-se com este estudo compreender a dinâmica de crescimento da cidade de Ceará-Mirim considerando os fatores que 17 definem sua atual expansão urbana. E, a partir dessa atividade, transcrever a caracterização dos objetos que contemplam os novos arranjos urbanos de Ceará- Mirim, revisar sua relação com os aspectos da dinâmica local e apontar sua inserção na RMNatal. Para desenvolver este trabalho foi empregado como aporte metodológico o conceito de espaço como produto e produtor das relações sociais, sendo o mesmo transformado e transformador dos objetos e ações constituintes desse processo dialético ao longo do tempo. Nessa condição, será compreendido no conceito de espaço geográfico definido por Milton Santos como conjunto de fixos e fluxos que permitem modificações e novos significados a partir de ações (SANTOS, 2012). Agregados a essa noção, os objetos constituintes do espaço “assumem novas funções adquirindo novos valores em períodos históricos da estrutura social” (CASTRO, 1992, p.13). Baseados nesse conceito, podemos identificar a dinâmica entre os objetos e as ações do espaço urbano atual de Ceará-Mirim a partir das funções já exercidas como centro de importância regional, de forma a compreender as novas funções desses objetos frente aos processos de produção espacial. Como ponto de partida duas perguntas são lançadas: i. A estrutura histórica baseada na agroindústria canavieira ainda delimita e influencia a configuração urbana de Ceará-Mirim? ii. A metropolização de Natal interfere na definição dos novos arranjos urbanos? Para responder essas perguntas e atingir os objetivos destacados foram utilizados como procedimentos de pesquisa dados secundários, pesquisa documental, pesquisa bibliográfica, visita in loco e confecção de mapas visando caracterizar a realidade do objeto de estudo discutido nos três capítulos em que se divide este trabalho. O primeiro capítulo, intitulado “O espaço urbano de Ceará-Mirim”, é a compilação de dados que resultaram na descrição do município quanto a sua forma e características territoriais considerando o aporte teórico em Santos, 2012. A seguir, o primeiro subcapítulo, A construção histórica da cidade, é categorizado com o objetivo de debater a atual dinâmica urbana por meio do entendimento dos processos que definiram a atual conformação. O trabalho de levantamento histórico 18 foi realizado mediante pesquisa bibliográfica sobre o processo histórico de ocupação da cidade, estudo de documentos históricos e pesquisa em acervo fotográfico. No segundo subcapítulo; O espaço urbano atual: as novas áreas de expansão, é destacado a relação entre o uso e ocupação do solo e sua influência quanto à forma e configuração do espaço. Para isso, foram consideradas como referências analíticas o plano diretor da cidade e Siqueira Neto (2011) com estudos relacionados às novas áreas urbanizadas. No segundo capítulo, a “Dinâmica no Contexto Socioeconômico: Aspectos Locais” são discutidos as atividades econômicas do município e seus respectivos impactos na estrutura social. Consideramos a análise de dados secundários atualizados de institutos de pesquisa como IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) e IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada). Também foi organizada pesquisa in loco para apresentar um panorama dos aspectos discutidos nos respectivos subcapítulos; O setor sucroalcooleiro e a agropecuária; A pequena indústria; Indicadores de qualidade de vida. No terceiro e último capítulo, que tem por título “Vetores de crescimento urbano: Aspectos metropolitanos?”, os aspectos relacionados à escala macrolocal da dinâmica urbana ceará-mirinense são destacadas. Inicialmente no primeiro subcapítulo, As cidades como locus das desigualdades, os fenômenos urbanos que consolidam a cidade capitalista como locus do desenvolvimento e da segregação são discutidos embasados no referencial teórico da área. No segundo subcapítulo, Metropolização à brasileira, uma discussão sobre os fenômenos relacionados à metropolização é destacada como resultado dessa configuração urbana complexa, sugerindo que há um “problema metropolitano” (LEFEVRE, 2009) a partir de uma inadequação entre território funcional da metrópole e sua organização institucional. No terceiro subcapítulo; Um breve histórico da institucionalização da RMNatal, é descrita a formalização da região metropolitana especificando os níveis de integração entre os municípios de acordo com metodologia adotada pelo Observatório das Metrópoles (2012). No quarto subcapítulo; Ceará-Mirim na RMNatal, os aspectos da cidade em âmbito macrolocal são analisados por meio da 19 comparação de dados secundários dos últimos levantamentos feitos pelo IBGE, PNUD e Observatório das Metrópoles. No quinto subcapítulo, Os eixos viários de integração metropolitana, os fluxos relacionados a integração da cidade de Ceará-Mirim ao polo metropolitano são destacados considerando três vias de acesso: a ferrovia, a BR101 e a BR 406. A pesquisa in loco foi realizada nos três eixos de integração viária de Ceará-Mirim com a RMNatal a fim de identificar as funções atuais dessas vias e caracterizar os possíveis objetos artificiais metropolitanos materializados em território ceará- mirinense. Somente na BR 406 são identificados equipamentos de abrangência metropolitana nas áreas de expansão urbana da cidade, que logo foram mapeados e caracterizados no último subcapítulo; O vetor de crescimento da BR 406: Equipamentos e usos. Nas Considerações Finais são relacionadas as transformações produtivas da cidade de Ceará-Mirim nas últimas décadas e sua inserção gradual no processo de metropolização de Natal como agentes que explicam os atuais vetores de expansão urbana da cidade. Além disso, uma reflexão sobre o objeto de estudo é apresentada a título de análise para composição de um quadro futuro. 20 2 O ESPAÇO URBANO DE CEARÁ-MIRIM O município de Ceará-Mirim está localizado na faixa litorânea do Estado do Rio Grande do Norte, com área territorial de 724, 377 km² e a uma distância de 31 km da capital do estado, Natal. Seus limites geográficos são os municípios de Maxaranguape (ao Norte e a Leste), Taipu (a Oeste), Ielmo Marinho, São Gonçalo do Amarante (ao Sul) e Extremoz (ao Sul e a Leste). Figura 1 – Localização de Ceará-Mirim 2015. Fonte: Produzido por ALMAPAS, 2015. Segundo dados do IBGE (2010) a população alcançava o número de 68.141 habitantes. Ainda segundo o mesmo Censo, 52,1% da população residiam na zona urbana da sede municipal e 49,4%, na zona rural, esse dado revela a relevância da área rural na grande extensão territorial do município. 21 Desde 1997, o município pertence à Região Metropolitana de Natal (RMNatal). Apresenta a posição a mais distante do polo, mas corresponde a 27,2% da área total da RMN (IBGE, 2010). O espaço urbano atual de Ceará-Mirim possui em sua gênese características que evidenciam o domínio de agentes políticos e econômicos que denotam uma riqueza de informações quanto ao seu uso e forma. A partir da noção de espaço como “conjunto indissociável de sistemas de objetos e ações” (SANTOS, 2012, p. 22) podemos reconhecer o espaço urbano da cidade por meio de categorias analíticas como a configuração territorial, rugosidades, função e forma. Ao utilizar o espaço como recurso metodológico de análise, Santos (2013) afirma que ele é formado a partir de sistemas de objetos e sistemas de ações indissociáveis, solidários e também contraditórios. O primeiro elemento, os objetos, são hoje cada vez mais artificiais devido a técnica e as intencionalidades sociais que transformam, criam e substituem os objetos naturais em artificiais. Essa lógica ressalta que esses objetos são criados e reproduzidos a partir de um dado momento histórico com as condições sociais e técnicaspresentes. Sendo assim, Através da presença desses objetos técnicos: hidroelétricas, fábricas, fazendas modernas, portos, estradas de rodagem, estradas de ferro, cidades, o espaço é marcado por esses acréscimos, que lhe dão um conteúdo extremamente técnico. (SANTOS, 2012, p. 63) Portanto, os sistemas de objetos interagem com os sistemas de ações. Esse último é resultante de necessidades naturais e criadas que apontam uma função, “essas funções de uma forma ou de outra desembocam nos objetos” (SANTOS, 2012, p.82). Trata-se então da ação humana sobre os objetos, seu valor, sua função e seus significados fazendo com que, De um lado, os sistemas de objetos condicionam a forma como se dão as ações e, de outro, o sistema de ações leva à criação de objetos novos ou se realiza sobre objetos preexistentes. É assim que o espaço encontra a sua dinâmica e se transforma. (SANTOS, 2012, p.63) Como citado acima, o espaço é produzido a partir das relações entre os objetos criados e as intencionalidades das ações sobre eles. Essa dinâmica é estabelecida historicamente pela sociedade ali instalada, o que demonstra o surgimento de territorialidades que Sack (1986) define como expressões geográficas 22 de poder, sendo um meio pelo qual o espaço e a sociedade são inter-relacionados. Constata-se então que as características do espaço são construídas socialmente por intermédio de estruturas e processos que delimitarão sua forma e função. Portanto, o espaço não é interpretado como algo que contenha uma natureza cristalizada, impregnado de uma natureza prévia. Seus significados derivam dos investimentos feitos sobre ele, por meio de técnicas onde não há espaços sem as práticas que lhe conferem sentido. Em tempo, estudar o espaço da cidade é consequentemente pensar no urbano como a materialização da divisão espacial do trabalho e do processo de reprodução do capital, onde o mesmo se estabelece mediante a ação humana, modificando e o transformando no sistema de objetos e ações. No caso de Ceará-Mirim, a origem do seu espaço urbano é relatada por Castro (1992) como “sítio primitivo” localizado às margens do rio de mesmo nome, onde a cidade fundamentou-se por uma dinâmica econômica proporcionada pelo comércio, que, por sua vez, era aquecido pelo vigor da atividade canavieira na região, implantada desde o século XIX. A região do médio vale do rio Ceará-Mirim classificou-se como um objeto natural importante para a construção e desenvolvimento da atividade açucareira em meados do século XIX. Essa atividade econômica incentivou a criação de objetos artificiais que desencadearam no surgimento do núcleo urbano de Ceará-Mirim. A consolidação da cidade no município marca o processo de expansão urbana que não foi restrito apenas a um conjunto denso e definido de edificações, mas para Rolnik (2012, p.12) “demonstra a predominância da cidade sobre o campo [...] Periferias, subúrbios, distritos industriais, estradas e vias expressas recobrem e absorvem zonas agrícolas num movimento incessante de urbanização”. Segundo o Plano Diretor de Ceará-Mirim (CEARÁ-MIRIM, 2006) são consideradas urbanas aquelas áreas que atendem simultaneamente aos seguintes critérios: I – Definição legal pelo Poder Público; 23 II – Existência de, no mínimo, quatro dentre os seguintes equipamentos de infraestrutura urbana: a) malha viária com canalização de águas pluviais; b) rede de abastecimento de água; c) rede de esgoto; d) distribuição de energia elétrica e iluminação pública; e) recolhimento de resíduos sólidos urbanos; f) tratamento de resíduos sólidos urbanos; Desse modo, até a década de 1970, o espaço urbano do município de Ceará- Mirim que concentrava apenas o núcleo considerado sede do poder municipal, onde a atividade açucareira juntamente aos serviços proporcionaram a urbanização da local. Contudo, uma dinâmica urbana independente daquela expressa na sede municipal surge na zona litorânea, ocasionando a segmentação do município em duas áreas urbanas, uma vez que ocorreram processos de urbanização diferenciados. A figura a seguir destaca em vermelho as zonas urbanas segundo o plano diretor da cidade; 24 Figura 2 – Macro zonas de Ceará-Mirim segundo o plano diretor. Fonte: Cedido pelo IDEMA (Instituto de Desenvolvimento Econômico e Meio Ambiente) A mancha urbana de ocupação nos distritos litorâneos de Ceará-Mirim aponta para um crescimento independente das dinâmicas de crescimento percebidas na sede. Tal fato pode ser explicado como reflexo das dinâmicas metropolitanas ligadas à atividade turística, que enfatiza o sol e as praias dos municípios costeiros da Região Metropolitana de Natal, colocando o turismo como uma importante atividade econômica para o município atualmente. A atividade turística é considerada eixo estratégico, sendo objeto de ações prioritárias do poder público municipal. No plano diretor de Ceará-Mirim (2006) é destacada a região dos distritos litorâneos como potencial zona de interesse turístico e lazer, “onde é possível o desenvolvimento de planos e programas de interesse turístico, bem como a uso econômico da área para dar suporte ao desenvolvimento da atividade” (CEARÁ-MIRIM, p.26, 2006). 25 Segundo Lopes (2008), a porção urbana que abrange grande parte da faixa litorânea do município, ou seja, os núcleos de praia Jacumã, Muriú e Porto Mirim, tem sido alvo de investimentos imobiliários de grande porte voltados para o turismo, como infraestruturas de condomínios e resorts. Esse litoral tem sido, conforme Fonseca (2005), núcleo de segundas residências e local de veraneio o que constitui em uma das modalidades de turismo. Em Ceará-Mirim, a principal tendência do mercado são as praias de Jacumã e Muriú. Nessa lógica, Clementino (2009) observa que essa configuração evidencia novas territorialidades, emergentes do crescimento populacional, incremento do setor de serviços e, principalmente, o turismo como alavancador de novos processos e espaços econômicos. A autora ainda complementa; O turismo, cujo crescimento pelo litoral, via binômio sol e mar, evidenciam e ampliam a tendência do processo de conurbação entre polo e as localidades costeiras urbanizadas, propiciando o distanciamento das relações existentes entre tais localidades e a sede do seu próprio município. (CLEMENTINO, 2009, p.5) Diante disso, é evidente o surgimento de novos arranjos urbanos decorrentes não só da atividade turística, mas também da própria dinâmica de expansão urbana do município, sendo essa proporcionada por fatores que podem se relacionar pelas dinâmicas local e regional. Como anteriormente fundamentado em Santos (2008) revisamos sobre o espaço enquanto um produto social, que está em permanente processo de transformação. Logo, para estudá-lo devemos considerar sua totalidade, uma vez que, os elementos que atuam dialeticamente na produção do espaço, não são compostos apenas de fatos passados, mas também de presente, resultando aí sua dinâmica. Com vistas a observar os fatores que hoje definem os novos arranjos faz-se necessário, inicialmente, inventariar o espaço por sua configuração territorial desde a origem da cidade de Ceará-Mirim, sendo essa a proposta do próximo tópico. 26 2.1 A construção histórica A ocupação do território ceará-mirinense denota ter iniciado nas relações do intenso comércio ilegal do pau-brasil (abundante na região) entre franceses, holandeses e os índios Janduís que habitavam às margens do rio Ceará-Mirim no início do século XVI. O projeto colonizador português caminhava a passos lentos no início deste século, na província do Rio Grande, principalmente na várzea do rio Ceará-Mirim, cujo nome deriva do vocábulo indígena “Ce-ará-mirim”, que significa “canto do papagaio pequeno” (CASTRO, 1992, p.15). As relações amistosas entrefranceses, holandeses e indígenas agregada à uma resistência no processo de aculturação e desapropriação das terras provocou uma situação de risco quanto à perda do território por parte dos portugueses. Assim, a partir da vinda de expedições colonizadoras chefiadas por Manoel Mascarenhas Homem no fim do século XVI “com a ideia fixa de usar a força contra os índios” (SENNA, 1974, P. 361) o território foi pontualmente reconquistado em duras lutas entre portugueses e nativos. Essas expedições deflagraram no massacre da população indígena que se opunha à ocupação portuguesa, população essa relatada por Senna (1974, p.355): No início da ocupação portuguesa (1599-1600) a zona polarizada CEARÁ- MIRIM – GUAJIRU continha umas 16 aldeias mais ou menos afastadas, abrigando uma população nativa de 11.200 pessoas, na proporcionalidade de 700 por unidade geográfica. [...] Isto depois dos massacres, degolamentos, incêndios e emigrações para a região tapuia ou cariri. Essa era a situação do homem no começo do século XVI na zona apreciada. Logo após o estabelecimento dos portugueses (1597) foram implantadas por concessão do 2º Capitão–Mor Jerônimo de Albuquerque (Donatário1 da capitania do Rio Grande) 23 sesmarias2 na ribeira do Ceará-Mirim e arredores. Andrade (2004, p.56) descreve que dentre as inúmeras atribuições que competiam aos donatários estavam as de “doar terras em sesmarias a pessoas cristãs e a de escravizar os índios a fim de usá-los no trabalho”. As sesmarias, estrutura fundiária característica do Brasil colonial, tinham por fundamento fixar o domínio territorial português na colônia por meio da doação de 1 Donatário: Indivíduo que recebeu uma doação de alguma sesmaria. Senhor de capitania hereditária 2 Sesmaria: Lote de terra concedida pelo Rei de Portugal a fim da apropriação e cultivo. 27 grandes latifúndios a pessoas de confiança da coroa. Essa estrutura concentradora e excludente seria base para as futuras atividades agrícolas implantadas na região do Ceará-Mirim. Segundo Cascudo (2002, p. 258) [...] desde março de 1602 houve ocupação na várzea ou ao longo do Rio Seara, terras aproveitadas para lavoura e pequena criação de gado. Por todo século XVII incontável foi o número de sesmarias dividindo toda região com maior ou menor utilidade agrícola, notadamente de proprietários de Extremoz. O autor citado descreve que nos primeiros anos de ocupação, o vale do rio Ceará-Mirim3 teve como atividades econômicas dominantes a criação de gado e a agricultura de subsistência. Desse modo, podemos inferir que a ocupação inicial do território ceará-mirinense esteve sempre relacionada a atividades agropastoris devido às condições naturais favoráveis encontradas na região do médio vale do rio (Figura 3). Figura 3 – Distribuição e características das propriedades agrícolas no médio vale do Ceará- Mirim. Fonte: (ANDRADE, 1956, Apud CASTRO, 1992) editado pelo autor. É somente no século XIX que o vale do rio Ceará-Mirim receberá o cultivo da cana-de-açúcar, cultura largamente introduzida desde o início da colonização 3 Vale do Rio Ceará-Mirim: A denominação vale do rio Ceará-Mirim é uma construção humana. O rio Ceará-Mirim nasce no município de Lages e tem sua foz no município de Extremoz, percorrendo 120 km. Mas a área em que foram instalados os engenhos de açúcar, localizada no seu baixo curso, ocupa apenas 25 quilômetros do seu curso e 2 quilômetros de largura. Será essa área de 50km² que receberá, na linguagem da região, a denominação “vale do Ceará- Mirim. 28 portuguesa. Destaca-se assim a implantação do primeiro engenho em 1840 por Antônio Bento Viana, o engenho Carnaubal (Figura 4). Figura 4 – Foto do engenho Carnaubal na década de 50 do século XX. Fonte: Acervo de Gibson Machado. Nesse momento histórico, o espaço econômico do Rio Grande do Norte antes dedicado principalmente ao cultivo do algodão e à pecuária extensiva no interior da província sofrera modificações ocasionadas tanto por fatores naturais quanto econômicos. Monteiro (2002, p.166) explica que “a seca ocorrida entre os anos de 1844 e 1846 dizimou o rebanho bovino, desarticulando esta atividade, diminuindo os lucros gerados pela exportação do algodão, levando os proprietários rurais a buscarem uma atividade mais sólida para investir”. Motivados por esses fatores, os proprietários rurais voltaram os olhares para a Zona da Mata e passaram a investir no cultivo da cana-de-açúcar no médio vale do rio Ceará-Mirim. Essa atividade redimensionara a configuração desse território e acarretara o surgimento de uma sociedade baseada nas relações engenho/casa- grande, considerando o engenho como “unidade de produção mais importante, em torno do qual outros espaços se estruturavam, refletindo a configuração desse território” (GOMES, 1997, p. 25). 29 Foi nesse cenário de prosperidade econômica que o presidente da província, João Capistrano Bandeira de Mello, ressaltou na sua Fala à assembleia legislativa provincial em 13 de julho de 1874 (FALAS, 2001 p.44-45) a importância do vale do Ceará-Mirim em relação às outras áreas da província onde a cana era cultivada: A terra, o primeiro elemento de produção, temol-a de sobejo, e da melhor qualidade. É sobretudo notável nesta província o rico Valle do Ceará Mirim, onde a canna, uma vez plantada, torna-se quase perpetua, mediante um pequeno trabalho, a sua grandeza e quantidade despertão com razão o enthusiasmo no viajante, extasiado ante a uberdade de um solo abençoado, e que compensa em demasia os serviços do agricultor laborioso. Logo, as terras férteis do vale utilizadas inicialmente para a prática da agricultura e pecuária foram ocupadas e direcionadas para o cultivo da cana-de- açúcar. Esse fato dinamizou as relações sociais e econômicas do território e provocou o surgimento de uma sociedade urbana, que no caso, desde os primórdios, esteve relacionada à atividade agrícola. Como podemos observar no decorrer dessa descrição historiográfica sobre o município as relações econômicas, a produção do espaço está concentrada nas mãos de agentes dominantes, latifundiários, senhores, ou seja, dos grupos hegemônicos, que transformam e moldam os espaços de acordo com seus interesses e valores específicos. Esses agentes se relacionam a uma construção histórica comum da zona da mata nordestina onde as relações sócio-históricas estiveram circunscritas pelo sistema patriarcal, de estrutura colonial, com base no catolicismo. Nesse contexto, Haesbaert (2006, p.121) sintetiza a ideia de território afirmando que o mesmo “é o produto da relação desigual de forças, envolvendo o domínio ou controle político-econômico do espaço [...].” Assim, o estabelecimento e ascensão de uma classe social, cujo poder se estendia além dos engenhos e casa grande, possibilitara ritmo e dinamismo necessário para a construção do território urbano de Ceará-Mirim, inicialmente denominado como povoado, o Boca da Mata. Como destacado, a partir da ocupação territorial advinda da introdução de economias agropastoris como forma de dominação do território e por último com a implantação da monocultura da cana-de-açúcar (em meados do século XIX) as complexidades das relações sociais permitiram o estabelecimento de um povoado 30 denominado Boca da Mata, onde existiam roçados de algodão, cereais e algumas matas, de onde se extraia madeira para construção (SENNA, 1974, p.454). Castro (1992, p. 19) relata o surgimento desse povoado destacando que no século XIX “foi construída uma pequena casa comercial, erguido um cruzeiro, marcando o nascimento do povoado, e organizada uma feira”. Ainda sobre a origem desse povoado, Senna (1974, p. 454) corrobora dizendo que, O povoamento originou-se no ponto de cruzamentodas estradas que seguiam para o sertão, provenientes de Natal e Extremoz, e das que partiam do povoado de jacoca e praias do Norte, rumo aos engenhos, que já se haviam estabelecido, às margens do rio. Ao poente desse cruzamento Francisco de Bernardo de Gouveia construiu também, uma pequena casa comercial. Nesse ponto, foi organizada uma feira e erguido um cruzeiro, marco do nascente povoado. Um ponto relevante na descrição do autor é a incorporação de uma apropriação simbólica do território com erguimento de um cruzeiro (Figura 5), o que demonstra um significado maior, para Corrêa (1996) um significado de pertencimento – a terra pertence a alguém – não necessariamente como propriedade, mas com o caráter de apropriação. Figura 5 – Réplica do cruzeiro erguido na fundação do povoado Boca da Mata. Fonte: foto de autoria própria, 2012. 31 Abaixo, na Figura 6 uma tabela de localização das demarcações iniciais do povoado é apresentada. Nela, são destacados quatro cruzeiros (ao Nascente, ao Poente, ao Sul e ao Norte) e seus respectivos pontos de referência. Figura 6 – Localização das demarcações do povoamento Boca da Mata. Fonte: SENNA, 1974, editada pelo autor. É importante observar na figura acima que os pontos de cruzamento de estradas referem-se respectivamente, ao que hoje corresponde à Linha Férrea (Natal- Extremoz- Ceará-Mirim), às estradas litorâneas (Trairi – Potengi – Jacoca – Carnaubal – Quiri – Maxaranguape – Oceano) e aos cruzamentos centrais do povoado. Essa descrição demonstra o grau de importância que os eixos de integração viária já exerciam mesmo antes do estabelecimento da cidade. Esses mesmos pontos de cruzamento atualmente são representados pela linha férrea que interligava Ceará-Mirim aos municípios do litoral sul e agreste e a RN 160 que liga a cidade aos municípios de Maxaranguape e Rio do Fogo. Percebe-se então que Ceará-Mirim possuía uma ligação viária mais acentuada com o chamado Sertão do que com a Capital do Estado. Isso é consequência de uma maior relevância econômica que outros centros urbanos possuíam em relação à Natal. 32 Vale ressaltar que no período em questão (anterior a 1855) o povoado Boca da Mata era uma localidade pertencente à Freguesia de São Miguel do Guajiru4 com sede na Vila Nova de Extremoz do Norte5. Portanto, a importância do erguimento dos cruzeiros (ver figura 6) como símbolo demarcatório nos remete a um período sublinhado pela presença da igreja como principal agente na gestão territorial. Teixeira (2009, p. 281) afirma que ainda no século XIX mesmo após a implantação das políticas pombalinas a igreja na província do Rio Grande Norte apresentava um papel fortemente administrativo já que, A sede da paróquia se situava na aglomeração mais importante localizada em sua jurisdição territorial, fosse ela uma povoação, uma vila ou uma cidade. Numa época em que os cartórios inexistiam, era a paróquia que possuía, através de seus registros de batismos, de casamentos e de óbitos, informações fundamentais para a população local, inclusive de caráter etnográfico. (TEIXEIRA, 2009, p. 281) Destacamos assim que o início da organização da configuração territorial do espaço, nesse caso, passa pelo domínio do sagrado, precedendo a gestão laica do território, de forma que “a bênção de Deus acompanhava de muito perto as primeiras ações com vistas ao estabelecimento definitivo dos homens.” (TEIXEIRA, 2009, p. 167). É por meio dessa estrutura de dominação político-econômica associada à apropriação simbólica que se constituem os primórdios do núcleo urbano primitivo ceará-mirinense. De acordo com Castro (1992) esse núcleo urbano primitivo está assentado em terrenos que anteriormente pertenciam aos engenhos Espinheiro, na porção oriental, e Diamante, no lado ocidental da cidade, o que evidencia a relação existente entre disponibilidade de terras dos engenhos e crescimento urbano. 4 Freguesia de São Miguel do Guajiru: A Aldeia de Guajiru, situada a margem esquerda da lagoa de mesmo nome, era um centro de resistência que contava com o auxílio de incursões francesas e holandesas, interessadas no comércio de pau-brasil. As constantes penetrações estrangeiras pelos vales e tabuleiros Potiguares e Janduís, assanhavam o gentio que o colonizador tinha em mira exterminar, coisa que só conseguiu pelo processo bárbaro da degradação e da intriga. O aldeamento, porém, não produziu os frutos ambicionados. Os índios trazidos pelos portugueses ali alojados não suportaram os limites de sua ação e começaram a conspirar. A Companhia de Jesus, então no Brasil, procurou parlamentar pacificamente com os elementos locais estabelecidos na Aldeia de Guajiru, resultando no estabelecimento da Freguesia de São Miguel do Guajiru. 5 Vila Nova de Extremoz do Norte: A Vila Nova de Extremoz do Norte, a primeira do Estado, foi fundada em 1758, por Bernardo Coelho Gama Casco. Fora sempre povoada, com terrenos e plantios desde o início do Séc. XVII. 33 Outro fator limitante para o crescimento urbano de tal povoado é o rio Ceará- Mirim, que se encontra ao norte do sítio primitivo. Todas as construções erguidas nesse sítio se estabeleceram na margem esquerda do rio, distanciando-se alguns metros dos terrenos alagadiços de várzea, possuindo uma altitude de treze metros em sua menor elevação. Sucessivamente, foi no sítio primitivo que pequenos comerciantes estabeleceram suas moradias e seus respectivos comércios, de sorte que abasteciam os engenhos da região do vale e serviam como entreposto comercial para os viajantes que seguiam rumo a Extremoz e Natal. O dinamismo comercial atrelado ao enriquecimento dos donos de engenho desencadeou uma mudança profunda na organização territorial do antigo povoado como destaca Castro (1992, p.15): Em 1855 a sede do município de Vila Nova de Extremoz do Norte passa a ser a povoação de Boca da Mata, com o nome de Vila de Ceará Mirim. Essa transferência foi motivada pelas facilidades apresentadas por aquele local, em relação às atividades comerciais que se realizavam com os engenhos instalados no Vale do Ceará Mirim. Mais tarde, em 1858, Vila Nova de Extremoz do Norte se transformou no município de Ceará Mirim. No que concerne às mudanças no âmbito da gestão territorial, a lei provincial 321 de 18 de agosto de 1855, que marca a elevação do povoado à vila e consequentemente a transferência da sede do município de Vila Nova de Extremoz para a Vila de Ceará-Mirim, foi suspensa pela resolução 345 de 4 de setembro de 1856. A suspensão da lei de elevação e transferência de sede foi condicionada à construção da cadeia e da intendência municipal (casa de câmara). Por isso, somente dois anos depois, em 30 de julho de 1858 a povoação de Boca da Mata foi finalmente elevada à categoria de vila, com o título de vila do Ceará-Mirim. A partir de 1858, como descrito acima, o povoado de Boca da Mata toma foros de vila. O processo de transformação dos aldeamentos e povoados em vilas está intimamente ligado ao desenvolvimento urbano, ou pelo menos ao pensamento urbanístico “modernizador” do período em questão. Para Maia (2005) esse pensamento no século XIX é a anunciação de “uma vida nova, vida esta muitas vezes promulgada pelas ‘novas’ ideias que vão repensar o espaço, em especial o das cidades, que se tornam cada vez mais o locus da modernidade”. 34 Esse pensamento urbanístico, que teve início no Iluminismo do século XVIII, influenciou a política administrativa da coroa portuguesa desde a Era Pombal e se estendeu até o século XIX na forma de movimentos modernistas. Muito embora a vila de Ceará-Mirim seja estabelecida apenas na segunda metade do século XIX, já no Brasil império, ela demonstra um ato administrativo expressivo, marcante na reorganização do território da primitiva aglomeraçãourbana, de modo que, [...] tal mudança revela igualmente interesses relacionados à organização do território, sendo, às vezes, motivada por contendas políticas no interior das próprias localidades. Em todo caso, o papel administrativo das aglomerações urbanas, que se afirma ao longo do tempo, se relaciona profundamente à questão do desenvolvimento dos municípios, forma de organização do território. (TEIXEIRA, 2009, p.446) Com isso, o autor revela o papel de ruptura que a vila representa quanto ao uso, forma e função dos antigos aldeamentos e povoados. Desse modo, é importante considerar que o título de vila transcende a questão econômica da localidade, pois a titulação também fazia parte de uma política deliberada da coroa portuguesa para a urbanização da colônia. Tal ideia política perpassa e chega ao Brasil Império. A expressão dessa ruptura se expressou na forma arquitetônica da vila, nos edifícios públicos, no traçado das ruas, nas praças e nas casas de particulares. Ao que consta, a vila do Ceará-Mirim situava-se em “terreno geralmente desigual” próximo ao leito do rio, onde se estabeleceu o antigo povoado Boca da Mata (NOBRE, 1971, p.189). Ainda sobre sua forma, o autor comenta que “seria uma vila bem edificada e elegante, se os fundadores tivessem aproveitado o terreno elevado e plano, onde já existem alguns prédios”. No próprio relato do autor existe uma perspectiva diferenciada quanto ao traçado urbano português6 tão difundido no Brasil colonial e que nesse momento histórico abre espaço para outras concepções urbanísticas, entretanto, todas 6 Urbanismo português: O urbanismo português possui características marcantes quanto à sua morfologia urbana, entre elas se destacam: a seleção de locais topograficamente dominantes como núcleos iniciais dos aglomerados urbanos; a íntima articulação dos traçados das cidades com as particularidades topográficas locais; a estruturação das cidades em núcleos distintos, com malhas urbanas diferenciadas, correspondendo cada uma delas a diferentes unidades de crescimento; a localização de edifícios singulares em sintonia com a topografia e o importante papel desses edifícios na estruturação dos traçados urbanos; a lenta estruturação formal das praças urbanas, associadas a diferentes núcleos geradores e a funções distintas. 35 europeias, que eram consideradas as mais desenvolvidas na época. Nessa discussão, Santos (1985, p.40) comenta que, As propostas de desenvolvimento a partir do fim do século XIX apontam para uma trajetória retilínea, cheia de determinação e que passa pela cidade [...] sem se importar muito com os efeitos não desejados que causa. Não há novidade; é um tempo em que tradições antigas estão sendo superadas, enquanto são propostos novos modelos de articulação da sociedade. Castro (1992, p.19) caracteriza as casas mais imponentes da vila destacando que são “geminadas dos dois lados, sem recuo lateral ou frontal, possui amplos aposentos e grandes quintais, e paredes, em geral, de tijolos duplos”. Entre os prédios particulares construídos no período, destaca-se o do Dr. José Inácio Fernandes Barros, Juiz de Direito (lado esquerdo da Figura 7). Nobre (1971, p.190) no ano de 1877 relata a construção desse edifício, antecipando que “será por tal forma completo, que não deixará coisa alguma a desejar e nada a imaginar”. Figura 7 – Largo da Matriz destacando à esquerda a imponente casa do Dr. José Inácio. Fonte: Acervo de Gibson Machado. Sobre a arquitetura dos prédios públicos da vila, o autor ainda acrescenta que além do paço municipal, onde se localizava a intendência do município (Figura 8), destacava-se o cemitério público, a pequena casa que serve para açougue, e um excelente prédio em que funcionam as escolas públicas da vila, fundado e oferecido ao governo pelo Coronel Manoel Varela do Nascimento, Barão do Ceará-Mirim. 36 Figura 8 – Prédio da Intendência municipal no início do século XX. Fonte: Acervo de Gibson Machado. As ruas da vila, em descrição feita por Nobre (1971), eram, algumas delas, arborizadas e iluminadas por iniciativa particular. Isso demonstra o poderio econômico de alguns residentes desse centro urbano, poder que se expande ao âmbito simbólico e espacial, visto que começam a demarcar nos espaços da cidade valores que são específicos de uma classe. Todos esses traços arquitetônicos revelam o dinamismo político-econômico no qual era organizada a vila de Ceará-Mirim, onde o crescimento urbano esteve vinculado a uma classe social enriquecida pela agroindústria açucareira do tipo plantation, escravocrata e detentora de capital suficiente para “edificar” uma cidade no médio vale do rio Ceará-Mirim. Contudo, Senna (1974, p.460) acrescenta que [...] não se desenvolveram apenas os engenhos, com sua aristocracia escravocrata e canavieira, mas, sobretudo o comércio, momento em que o cel. Onofre José Soares construiu o Mercado Municipal, inaugurado a 27- 12-1881 e para onde foi transferida a feira, que até então era efetuada na Rua Grande, e em torno do qual cresceram pequenos estabelecimentos comerciais. [...] assim, também, uma sociedade de comerciantes enriquecidos, proprietários urbanos e rurais. O Mercado Municipal (Figura 9) agregara uma feira que logo fora destacada como uma das mais importantes da província. 37 Figura 9 – Mercado Municipal. Fonte: SENNA, 1939. Dessa maneira, em 9 de julho de 1882 a vila de Ceará-Mirim fora elevada à categoria de cidade, por projeto apresentado a 25 de maio de 1882 pelos deputados Augusto Leopoldo Raposo da Câmara, Pedro Soares de Araújo, Antônio Carlos Fernandes Pimenta e Galdino Procópio Rêgo. Ceará-Mirim, então, revelou-se como locus de um desenvolvimento urbano atrelado a uma economia rural, e, as quase três décadas (1855- 1882) foram determinantes para as formas pelas quais se estabeleceram os elementos urbanísticos, e, conjuntamente ao uso desses espaços que constituíram a cidade. Todos esses objetos implantados e construídos no espaço sob determinado período e dentro de um processo de ações que modificam e redefinem suas funções são chamados de rugosidades do espaço. Santos (2012, p. 140) descreve que Chamemos e acumulam em todos os lugares, o que resta do processo de supressão, acumulação, superposição, com que as coisas substituem, paisagem de rugosidade ao que fica do passado como forma, espaço construído. Em cada momento do processo social de reprodução do espaço são deixadas heranças visíveis por meio de suas formas ou arranjos. As rugosidades perceptíveis no espaço urbano atual da cidade de Ceará-Mirim representam produtos de divisões do trabalho, técnicas e tipos de capitais já passados, mas ainda cristalizados em suas formas. Afirmações que são importantes para destacarmos, visto que essas 38 formas carregam em si ideologias, valores e heranças que estão definindo e demarcando o espaço. Para que possamos entender como a dinâmica urbana de Ceará-Mirim se configura na atualidade é necessária uma caracterização de sua forma perante as transformações de suas funções ao longo do tempo. No próximo subcapítulo serão destacadas as delimitações do espaço urbano ceará-mirinense juntamente com as demandas de suas novas áreas de expansão. 2.2 O espaço urbano atual: as novas áreas de expansão No tópico anterior enfatizou-se a construção da configuração territorial da cidade de Ceará-Mirim considerando os objetos artificiais implantados desde o período de sua fundação. Hoje, partes desses objetos se configuram como rugosidades no espaço-tempo na cidade. Nesse contexto, apesar do declínio da produção canavieira no município a concentração fundiária ainda se apresenta como definidores no uso e ocupação do solo na região. Os núcleos populacionais, além dos limites dasede municipal, se desenvolveram sob diversos processos e morfologias. Segundo Lopes (2008) algumas localidades foram ocupadas de maneira espontânea, outras apresentam traçado regular e outras, ainda, seguem o traçado de rodovias e da ferrovia (Figura 10). Muitos desses distritos resultam de ocupações aos redores de engenhos, enquanto outras se desenvolveram próximas a terras favoráveis ao cultivo de lavouras, algumas mantendo-se ainda hoje suas bases produtivas. 39 Figura 10 – Distribuição dos núcleos de ocupação em Ceará-Mirim. Fonte: IDEMA, 2006, editado por Lopes (2008). A concentração fundiária, característica da economia açucareira implantada no vale do rio Ceará-mirim, implicou no limite da expansão urbana da sede do município no sentido norte, já que nessa região há terras pertencentes a Companhia Açucareira Vale do Ceará-Mirim. Segundo Araújo e Clementino (2006), diante do estoque de terras desocupadas, Ceará-Mirim apresenta uma grande concentração fundiária, a maior da Região Metropolitana de Natal, além de ser o município que detém o maior número de assentamentos rurais da região. Diante disso, com o desmonte da agroindústria, os vetores de crescimento da mancha urbana do município mostram que nas últimas décadas os sentidos sul, leste e oeste de crescimento da sede municipal apresentam eclosão considerável, justamente nos setores não ocupados pela indústria canavieira, demonstrados na figura a seguir: 40 Figura 11 – Vetores de crescimento urbano de Ceará-Mirim por décadas. Fonte: ARAÚJO; CLEMENTINO, 2006, editada pelo autor. A partir da figura acima é possível observar que os vetores de crescimento da sede municipal a partir da década de 1980 direcionam para o sentido sul, o que denota uma expansão ao longo da principal avenida da cidade, onde atualmente estão concentrados os principais estabelecimentos de comércio e de serviços, como resultado do desenvolvimento comercial (LOPES, 2008, p.34). Já na década de 1990 com a implantação de conjuntos e loteamentos habitacionais, os setores leste e oeste surgem com principais áreas de expansão. Em 2001, a cidade continua crescendo nos sentidos leste e oeste, sendo que a mancha urbana já apresenta concentração considerável nas margens da BR-406. Em 2004, segue o ritmo de crescimento Leste-Oeste e agora com crescimento sul, no sentido da BR 406. Para que possamos entender como se configura atualmente o crescimento urbano da sede municipal, consideramos o plano diretor de Ceará-Mirim (2006) como marco na definição das macrozonas do município. Segundo o mesmo, o 41 município se divide entre as macrozonas urbana, rural e de expansão urbana. Neste trabalho nos deteremos àquelas que compreendem a cidade, no caso, a macro zona urbana e a macro zona de expansão urbana. A macro zona urbana é caracterizada pela área do território municipal ocupada, decorrente do processo de urbanização, com características propícias a diversos usos, com infraestrutura básica já instalada e sistema viário definido, que permite a intensificação controlada do uso do solo. (CEARÁ MIRIM, 2006, p. 20). Essa área descrita corresponde a área da sede do município ocupada desde o século XIX até o início dos anos 2000. Essa região apresenta uma infraestrutura consolidada com equipamentos e serviços urbanos organizados em setores administrativos, subdivididos em sete bairros como mostra a Figura a seguir. Figura 12 – Macro zona Urbana de Ceará-Mirim. Fonte: CEARÁ-MIRIM, 2006. Os bairros de Santa Águeda, Novos tempos, Centro, São Geraldo, Passa e Fica, Luís Lopes Varela e Planalto representam no plano diretor a delimitação da sede municipal de Ceará-Mirim. Todas as novas áreas urbanas são consideradas extensão dos bairros já estabelecidos, porém regulamentadas por outra macrozona segundo o plano diretor; a macro zona de expansão urbana. 42 A macro zona de expansão urbana é representada pelos novos arranjos urbanos da sede municipal, encontrados fora dos bairros delimitados pela macrozona urbana. A região de expansão é caracterizada como “não submetida a processo de urbanização”, com baixa densidade e com sistema viário projetado onde se permite a instalação de infraestrutura por programas e projetos voltados a essa finalidade. Desde os anos 2000 loteamentos e projetos habitacionais estão se instalando nessa região, a maioria desses se encontra às margens da BR 406. O mapa a seguir destaca a região citada como área de expansão dos anos 2000 até os dias atuais. Figura 13 – Expansão urbana de Ceará- Mirim: Vetores de crescimento por décadas. Fonte: LOPES, 2008. Como o crescimento urbano das novas áreas de expansão junto a sede municipal são consequência do avanço imobiliário, nem sempre o poder público acompanha a demanda que exige serviços básicos e equipamentos urbanos destinados a população residente nesses locais. É imprescindível a noção de espaço e de seus elementos no planejamento urbano, principalmente no que diz respeito à oferta de equipamentos que favoreçam 43 um crescimento urbano com desenvolvimento local e qualidade de vida para a população. Em estudos recentes sobre a integração espacial das novas áreas aos serviços urbanos básicos constata-se a falta de abrangência dos principais equipamentos relacionados à saúde, educação, comércio e transporte. O descompasso entre o planejamento urbano e o processo de urbanização também é visível nas áreas de crescimento e expansão em Ceará-Mirim. Ao elaborar estudos referentes a abrangência dos serviços urbanos na cidade Siqueira Neto (2011) considerou tamanho, capacidade do equipamento urbano, faixa etária do usuário e densidade populacional para gerar buffers a partir de ferramentas de Sistema de Informação Geográfica que mostrem a distância desses equipamentos urbanos em relação as novas áreas. Considerando serviços básicos como comércio, escolas de ensino Fundamental e Médio postos de saúde e transporte, percebeu-se que apesar do surgimento de novos loteamentos e projetos de habitação, os serviços ainda se concentram na sede da cidade como observado nos produtos do estudo de Siqueira Neto (2011). Os loteamentos analisados compreendem essa nova área de expansão urbana ceará-mirinense às margens da BR 406. Identificou-se até então oito empreendimentos relacionados ao programa habitacional Minha Casa Minha Vida do Governo Federal, são eles: Novo Horizonte, São José, Condomínio Residencial Adriano, Natureza 1, Natureza 2, Maninho Barreto, Aloysio Franco e Guararapes, destacados na figura a seguir: 44 Figura 14 – Abrangência de equipamentos de comércio Fonte: SIQUEIRA NETO, 2011. Figura 15 – Abrangência de escolas de ensino fundamental. Fonte: SIQUEIRA NETO, 2011. 45 Figura 16 – Abrangência de escolas de ensino Médio. Fonte: SIQUEIRA NETO, 2011. Figura 17 – Abrangência de linhas de transporte Fonte SIQUEIRA NETO, 2011. 46 Figura 18 – Abrangência de postos de saúde Fonte: SIQUEIRA NETO, 2011. O estudo de Siqueira Neto (2011) mostra que o crescimento urbano ocasionado pela especulação imobiliária apresenta também contradições dialéticas de produção desigual em todas as suas esferas de reprodução do espaço. Foi considerado no estudo acima equipamentos de serviços urbanos básicos e seus respectivos raios de abrangência que são referidos como buffer de abrangência, serve como um indicador, uma referência à distância máxima que o usuário deveria trilhar para obter determinado serviço urbano, levando em consideração um tempo de deslocamento satisfatório (SIQUEIRA NETO, 2011, p. 48). Percebe-se então que principalmente os equipamentos relacionados à Saúde, comércio (supermercados e lojas especializadas) e transportenão abrangem de maneira satisfatória os novos loteamentos localizados na macrozona de expansão urbana da cidade. Considerou-se também nessa avaliação a inexistência de um de transporte público interbairros regulamentados na cidade, o que resulta na concentração de serviços nas áreas com infraestrutura consolidada. Destaca-se então a importância do planejamento urbano como uma ferramenta para intervenção na localização de equipamentos de serviços urbanos, 47 visto que estes mantêm relação com aspectos físico-espaciais e sociais. Nesse ponto, a disponibilidades e acesso aos equipamentos urbanos torna-se essencial para a diminuição de fenômenos como a segregação residencial. No que se refere a segregação residencial, segundo Sabatine (2006) o mercado imobiliário e as racionalidades que nele se produzem são o centro de gravidade principal da evolução da segregação residencial nas cidades e no nosso continente. Diante disso, Castells (1981, p. 203-204) afirma que a distribuição das residências no espaço “produz sua diferenciação espacial e há uma estratificação urbana correspondente a uma expressão espacial, ocorre a segregação urbana. ” Essas novas áreas urbanas seguem o modelo centro-periferia de urbanização, característico dos países subdesenvolvidos, onde a concentração dos serviços urbanos é estruturada no centro da cidade, enquanto que a periferia se urbaniza desprovida de planejamento e subequipada. Portanto, a forma e o uso do espaço se configuram como elementos fundamentais para o entendimento da dinâmica urbana. No próximo capítulo analisaremos os principais usos do espaço urbano ceará-mirinense e suas implicações sociais. 48 3 DINÂMICA NO CONTEXTO SOCIOECONOMICO: ASPECTOS LOCAIS O espaço da cidade é concebido entre as relações políticas, econômicas, sociais e culturais. E nesse espaço percebemos a reprodução das relações de trabalho, de aplicação e utilização da técnica e do sistema de relações sociais, que por sua vez, requer uma infraestrutura necessária ao atendimento das demandas locais e de sua área de influência. O IBGE a partir do estudo Regiões de Influencias das Cidades (IBGE, 2007) define a hierarquia dos centros urbanos e suas regiões de influência associadas aos aspectos de gestão e da dotação de equipamentos e serviços. De acordo com esse estudo, Ceará-Mirim é inserido na rede urbana brasileira como centro local apresentando-se como cidade que possui uma centralidade e atuação que não extrapolam os limites do seu município, servindo apenas aos seus habitantes. Todavia, o papel desempenhado por Ceará-Mirim na rede urbana se transformou ao longo das décadas. Observa-se que em estudo do IBGE sobre Regiões de Influências das Cidades (CLEMENTINO, 1995), na década de 1970, a cidade estava classificada como centro de zona, cuja atuação também é restrita à sua área imediata, contudo, exercia funções de gestão elementares. Isso demonstra uma perda de poder de influência na hierarquia urbana regional, já que a posição nessa rede identifica o grau de importância exercido pela cidade na tomada de decisões e comando em áreas de influência. A seguir o organograma (Figura 19) mostra a relação hierárquica entre as categorias da rede urbana. 49 Figura 19 – Organograma: Hierarquia Dos Centros Urbanos. Fonte: elaborado pelo autor, por meio de dados do IBGE, 2007. Tendo em vista a mudança de posição frente a rede urbana brasileira nas últimas décadas, para entender a dinâmica no contexto urbano de Ceará-Mirim é necessário observar os meios reprodutores do capital que definem força de trabalho local e suas consequências sociais. Esses meios são representados principalmente pelos setores de serviços (sejam eles públicos ou privados), pelo comércio, indústria e agropecuária, enquanto os indicadores de qualidade de vida e desenvolvimento humano são considerados como análise da realidade social. Para iniciar essa análise consideramos primeiramente os fatores que influenciaram na caracterização desse perfil atual em Ceará-Mirim, no caso, a crise do setor sucroalcooleiro, que de modo contundente influenciou na estrutura socioeconômica da cidade, fazendo com que ela assumisse novas funções frente ao desenvolvimento do capital. Metrópole Capital Regional Centro Sub- Regional Centro de Zona Centro Local 50 3.1 O setor sucroalcooleiro e a agropecuária O setor sucroalcooleiro sempre se destacou na economia da região, no entanto, o mesmo enfrentou diversas crises ao longo do século XX e atualmente vive o desmonte de sua estrutura fomentada por fatores conjunturais que se agravam ao longo do tempo. Como a cana-de-açúcar é uma cultura agrícola temporária, o impacto social da crise no setor aumenta, uma vez que, boa parte dos empregos também dependem dos períodos de safra. Para que possamos entender os impactos sociais e econômicos desse setor na cidade devemos compreender o declínio desde seus primeiros sinais ainda no século passado. No início do século XX a baixa do preço do açúcar fez retrair a vida econômica da cidade de Ceará-Mirim, que depende do comércio açucareiro. Essa pequena retração caracterizou o início do declínio da produção dos engenhos fomentada ainda por questões que impediam o desenvolvimento desta atividade no Vale, entre elas, o regime de cheias do rio Ceará-Mirim. Outro fator decisivo para o declínio dos engenhos foi a utilização de técnicas rudimentares no cultivo e na produção de açúcar nos engenhos. De acordo com Bertrand (2010, p.89): A cultura do solo entre nós, infelizmente, ainda obedece a processos rudimentares obsoletos, que se remontam aos tempos primitivos. Com que tristeza, ouvimos nós, não há muito, dizer um especialista estrangeiro que os trabalhos da agricultura nesta terra eram ainda feitas como nos tempos do pai Adão! Nesse contexto, os grandes proprietários de engenho passaram a se apropriar de maiores parcelas de terra, em razão da crise do semiárido estimular a ocorrência do êxodo rural. Diante das dificuldades, os pequenos proprietários de terra iniciaram um processo migratório para o setor urbano, como resultado, muitos se transferiram para Natal, dedicando-se a diversas atividades como comenta Castro (1992, p. 30): A maior parte dos senhores de engenho, que se mantiveram como tal, faleceu ou não encontrou em seus descendentes quem se motivasse para prosseguir na atividade, pois alguns desses também já se haviam estabelecido como profissionais liberais na capital do Estado. 51 Segundo Morais (2005), não dispondo de recursos para modernizarem seus equipamentos, os senhores de engenho passaram a meros fornecedores de cana- de-açúcar e a agroindústria foi se consolidando no mercado local. A reestruturação produtiva possibilitou o advento dessas usinas, substituindo o engenho e projetando- as como principal unidade econômica da zona canavieira. O sistema de produção das usinas é semelhante ao dos engenhos apenas no fato da usina reunir os setores agrícola e industrial numa só empresa, mantendo, assim, o controle do cultivo da cana e da produção e comercialização do açúcar. Essa fusão, segundo Castro (1992) viabilizou a consolidação do capital industrial e financeiro no campo. A usina mudou as relações sociais e econômicas vigentes no período de apogeu dos engenhos, Melo (1975) explica que a realidade econômico-social representada pelas usinas, espelha uma nova maneira da relação capital-trabalho ou entre produtores e subordinados. O desaparecimento das áreas de aproximação entre esses (compadrio, o convívio entre os filhos dos senhores de engenho, catolicismo patriarcal) fizessem com que fossem acentuadas as distâncias e a estratificação social se tornasse mais rígida e opressiva. Nesse sentido, (MELO, 1975, p.48) complementa que: Sem ligação com