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Gestarparirmaternar-Saraiva-2020

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
 
 
 
 
CAMILA RABELO COUTINHO SARAIVA 
 
 
 
 
 
 
 
GESTAR, PARIR E MATERNAR: o nascimento de um filho mediado pela 
internet e mídias sociais em Natal/RN 
 
 
 
 
 
 
 
Natal 
 2020 
 
CAMILA RABELO COUTINHO SARAIVA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
GESTAR, PARIR E MATERNAR: o nascimento de um filho mediado pela 
internet e mídias sociais em Natal/RN 
 
 
 
Natal-RN 
2020 
Dissertação apresentada em cumprimento parcial às 
exigências do Programa de Pós-Graduação em 
Estudos da Mídia da UFRN-Universidade Federal do 
Rio Grande do Norte, para obtenção do grau de Mestre. 
 
Orientadora: Profa. Dra. Maria Angela Pavan 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Centro de Ciências 
Humanas, Letras e Artes - CCHLA 
Saraiva, Camila Rabelo Coutinho. 
 Gestar, parir e maternar: o nascimento de um filho mediado 
pela internet e mídias em Natal/RN / Camila Rabelo Coutinho Sa-
raiva. - Natal, 2020. 
 128f.: il. color. 
 
 Dissertação (mestrado) - Centro de Ciências Humanas, Letras e 
Artes, Programa de Pós-Graduação em Estudos da Mídia, Universi-
dade Federal do Rio Grande do Norte, 2020. 
 Orientadora: Profa. Dra. Maria Ângela Pavan. 
 
 
 1. Estudos da mídia - Dissertação. 2. Mediação cultural - Dis-
sertação. 3. Produção de sentido na comunicação - Dissertação. 4. 
Histórias de vida - Dissertação. 5. Autoetnografia - Dissertação. 
6. Parto - Dissertação. I. Pavan, Maria Ângela. II. Título. 
 
RN/UF/BS-CCHLA CDU 316.774 
 
 
 
 
 
Elaborado por Heverton Thiago Luiz da Silva - CRB-15/710 
 
 
 
 
DEDICATÓRIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
À minha mãe, 
Às minhas filhas, 
A todas as mães. 
 
AGRADECIMENTOS 
Agradeço, antes de tudo, a Deus por ter permitido a minha vida e as das minhas filhas. 
Agradeço a minha mãe, que foi morada para mim na Terra, minha primeira professora, melhor 
amiga, por me amar incondicionalmente. Por ser minha maior incentivadora, participando ati-
vamente desde os primeiros esboços de projeto até a revisão final da dissertação. Agradeço ao 
meu pai, por sempre acreditar no meu potencial, me estimulando a vencer os desafios e por 
estar sempre ao meu lado, firme como uma rocha. 
Agradeço ao Vinícius, amor da minha vida, que realizou meu maior sonho: o de ser 
mãe. Por ter permanecido o meu lado, sendo meu apoio, companheiro de jornada. Por ter me 
amado, em todas as circunstâncias, mesmo quando enfrentamos juntos situações impensáveis. 
À Giulia, que me introduziu no universo da maternidade, ensinando o que é amar alguém in-
condicionalmente. A Sophia, por ser luz na minha vida, motivo para viver, renascer e me rein-
ventar. 
À Maria Ângela Pavan, por ser não apenas uma orientadora, mas uma amiga, com quem 
troquei ideias e confidências. Seu olhar tão atento e perspicaz, fez com que o trabalho fosse 
conduzido com muito conhecimento, humanidade e amor. 
Aos pesquisadores amigos Chris, Leandro, Danielle, Paulo, Juliana Campos e Luiza por 
tantas contribuições relevantes ao projeto desde a sua concepção até a conclusão. 
Às mulheres concederam as entrevistas por serem tão generosas em compartilhar as-
pectos tão íntimos para contribuir com minha pesquisa. À Clarissa de Leon e às doulas Associ-
ação Potiguar de Doulas por permitirem que eu participasse das reuniões do pré-natal coletivo 
no Espaço Moara e das Rodas de Gestantes, no Parque das Dunas. 
Aos amigos do PPGEM pelas trocas intelectuais e pela agradável companhia durante o 
período do mestrado. À Capes, pela bolsa recebida durante parte do tempo de trabalho de pes-
quisa. 
À minha amiga-prima-irmã Giovanna por ter cuidado de mim e das minhas filhas, fa-
zendo por nós muito mais do que eu poderia pedir a alguém. À Heliana e à Louise por tanto 
amor e dedicação à minha família. À Lelena por toda a generosidade e amor com a Sophia. 
Às doulas que me acompanharam durante meus dois partos, Nicole Passos e Bella 
Ramjeet, por terem me proporcionado experiências lindas, fortalecedoras e transformadoras. 
A todos os amigos e familiares que me apoiaram durante a minha trajetória acadêmica, 
direta ou indiretamente. Seria impossível nomear um a um, mas guardo no coração cada con-
tribuição e serei eternamente grata por toda a ajuda que recebi. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Depois que um corpo 
comporta 
outro corpo 
nenhum coração 
suporta 
o pouco” 
Alice Ruiz 
 
RESUMO 
 
Esta pesquisa é uma investigação de como é o processo de busca por informação na internet e 
mídias sociais digitais durante as fases da gestação, parto e maternidade. A centralidade da 
mídia no mundo contemporâneo faz com que os períodos relativos ao nascimento de um filho 
sejam perpassados por conteúdos midiáticos que influenciam a vivência de mulheres. Este 
contexto cria uma ambiência em que a sociedade está inserida, é a midiatização da maternagem. 
Ao mesmo tempo, as mulheres têm a possibilidade de buscar assuntos de interesse em páginas 
na internet e em mídias sociais digitais, bem como podem compartilhar suas vivências, dúvidas 
e anseios, gerando uma experiência mediada do nascimento de um filho. Temos como objetivo 
entender como se dá a busca de informações na internet e mídias sociais pelas gestantes e mães 
em Natal (RN). Para realização do trabalho escolhemos os teóricos Barbero (2003, 2006 e 
2014), Lopes (2014), Braga (2012) e Silverstone (2002). O parto enquanto ritual de passagem 
(GEERTZ, 1989) e suas estruturas sociais e culturais no Brasil é tratado para se entender o 
contexto em que a maternidade está inserida. Para compreender a dinâmica dos vínculos de 
sentido (TRINDADE; PEREZ 2019) das mulheres foram realizadas entrevistas em 
profundidade com três mulheres de classe média de Natal (RN). Acompanhamos todo o 
processo para registrar suas histórias de vida (MAIA, 2006 e 2019) e os momentos de sua vida. 
A dissertação também conta com uma autoetnografia (WALL, 2006, e PEREIRA, 2017) da 
maternidade juntamente com um resumo dos principais conteúdos acessados durante suas 
vivências de gestação, parto e maternagem. A consideração final é que as mulheres buscam na 
internet e mídias sociais informações sobre o assunto. E a forma como cada uma desenvolve a 
sua busca está associada a fatores como escolaridade, redes de afeto, história de vida e 
condições de saúde da gestação-bebê. 
Palavras-chave: estudos da mídia; mediação cultural; produção de sentido na comunicação; 
história de vida; autoetnografia; parto. 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
This research is an investigation of the process of searching for information on the internet and 
digital social media during the stages of pregnancy, childbirth and motherhood. The media's 
centrality in the contemporary world means that periods related to the birth of a child are per-
meated by media content that influences the experience of women. This context creates an en-
vironment in which society is inserted, it is the mediatization of motherhood. At the same time, 
women have the possibility to search for topics of interest on websites and digital social media, 
as well as sharing their experiences, doubts and desires, generating a mediated experience of 
the birth of a child. We aim to understand how pregnant women and mothers look for infor-
mation on the internet and social media in Natal (RN). To carry out the work we chose the 
theorists Barbero (2003, 2006 and 2014), Lopes (2014), Braga (2012) and Silverstone (2002). 
Childbirth as a ritual of passage (GEERTZ, 1989) and its social and cultural structures in Brazil 
is treated to understand the context in which motherhood isinserted. In order to understand the 
dynamics of the meaning bonds (TRINDADE; PEREZ 2019) of women, in-depth interviews 
were conducted with three middle-class women from Natal (RN). We follow the entire process 
to record their life stories (MAIA, 2006 e 2019) and the moments of their lives. The dissertation 
also has an autobiography (WALL, 2006, and PEREIRA, 2017) of motherhood together with a 
summary of the main contents accessed during their experiences of pregnancy, childbirth and 
motherhood. The final consideration is that women search the internet and social media for 
information on the subject. And the way each one develops their search is associated with fac-
tors such as education, networks of affection, life history and health conditions of the preg-
nancy-baby. 
Keywords: media studies; cultural mediation; production of meaning in communication; life 
history; autoethnography; childbirth. 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
FIGURA 1 - Infográfico com principais resultados Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre 
Parto e Nascimento …………………………….……………………….………............... p. 24 
FIGURA 2 – Terceiro mapa das mediações de Jesús Martín-Barbero .................................. p.46 
FIGURA 3 – Convite para “Roda de Gestantes de Outubro” de 2018 realizada pela Associação 
Potiguar de Doulas (APD).................................................................................................... p. 49 
FIGURA 4 - Foto da Roda de gestante de outubro de 2018, no Parque das Dunas, em Natal 
(RN)...................................................................................................................................... p. 50 
FIGURA 5 – Foto da Roda de gestante de outubro de 2018, no Parque das Dunas, em Natal 
(RN)...................................................................................................................................... p. 51 
FIGURA 6 - Convite para a “Roda de gestante” de outubro de 2018 realizada no Parque das 
Dunas, produzido pela Associação Potiguar de Doulas (APD)............................................. p. 52 
FIGURA 7- Foto da observação etnográfica na “Roda de gestante” realizada em novembro de 
2018, no Parque das Dunas, em Natal.................................................................................. p. 53 
FIGURA 8 - Convite para encontro do Pré-natal coletivo, promovido no Espaço Moara, em 
Ponta Negra, Natal (RN) em 6 de outubro de 2018.............................................................. p. 54 
FIGURA 9- Foto do encontro do grupo de Pré-natal coletivo realizado em 6 de outubro de 
2018, no Espaço Moara, no bairro de Ponta Negra, em Natal 
(RN)...................................................................................................................................... p. 55 
FIGURA 10 – Registro fotográfico do encontro do grupo de Pré-natal coletivo realizado em 20 
de outubro de 2018, no Espaço Moara, no bairro de Ponta Negra, em Natal (RN).............. p. 56 
FIGURA 11 - Registro fotográfico do encontro do grupo de Pré-natal coletivo realizado em 20 
de outubro de 2018, no Espaço Moara, no bairro de Ponta Negra, em Natal (RN).............. p.57 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE TABELAS 
 
 
TABELA 1 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Brasil pela base de dados 
Datasus ................................................................................................................................ p. 25 
 
TABELA 2 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Rio Grande do Norte pela 
base de dados Datasus ......................................................................................................... p. 26 
 
TABELA 3 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto em Natal pela base de dados da 
Prefeitura do Municipal do Natal ........................................................................................ p. 26 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
1 – O PARTO MIDIATIZADO NO BRASIL 
1.1 – INTRODUÇÃO ............................................................................................... p. 10 
1.1.1- Histórico dos últimos 70 anos do parto no Brasil ..................................................... p. 18 
1.1.2- Análise sociológica da mulher nos três momentos relacionados à maternidade (gestação, 
parto e maternagem) ............................................................................................................ p. 27 
1.1.3- Midiatização e mediação da gestação, parto e maternagem ...................................... p. 35 
 
2- HISTÓRIAS DE VIDAS DE MULHERES QUE SÃO MÃES: A MEDIAÇÃO 
DA MATERNAGEM .................................................................................... p. 43 
2.1- Gestar ........................................................................................................................... p. 66 
2.2- Parir ............................................................................................................................ p. 73 
2.3- Maternar ........................................................................................................................p. 81 
 
3- AUTOETNOGRAFIA DA MATERNAGEM ........................................... p. 88 
3.1- Gestar ............................................................................................................................ p. 91 
3.2- Parir .............................................................................................................................. p. 98 
3.3- Maternar ..................................................................................................................... p. 109 
 
4 – CONSIDERAÇÕES FINAIS ..................................................................................... p. 118 
Referências bibliográficas ................................................................................................. p. 123 
10 
 
 
1 – O PARTO MIDIATIZADO NO BRASIL 
1.1- INTRODUÇÃO 
O nascimento de um filho é um acontecimento que muda a vida de qualquer mulher. O 
corpo se transforma, as emoções e a mente se voltam para a geração de uma nova vida. 
Independente da personalidade, tornar-se mãe é uma experiência única, difícil de ser comparada 
com qualquer outra já vivida. Como encarar este momento é algo bastante particular para cada 
uma, mas que diz muito sobre uma construção social e cultural acerca do feminino e do que se 
espera de uma mãe. 
As etapas de gestação, parto e maternidade podem ser analisadas sobre o prisma da 
teoria latino-americana da mediação cultural e midiatização. No presente trabalho pesquisamos 
como estas fases são tratadas na cultura brasileira, por meio dos discursos que são encontrados 
na mídia e por pessoas comuns em seus ambientes de convívio social, sejam eles mediados ou 
influenciados por outros discursos midiáticos. 
A gestação é um período de planejamento, principalmente quando se trata do primeiro 
filho, no qual a mulher formula as suas expectativas acerca de si mesma como mãe. Durante as 
40 semanas de gravidez ela pensa como deseja se colocar no mundo na estreia do seu novo 
papel social. O parto tem grande importância neste processo, pois é um ritual de passagem 
(MACY & FALKNER, 1979), que marca a entrada no universo da maternidade. 
Por esse motivo, nesta pesquisa o assunto será tratado de forma mais aprofundada, pois 
as escolhas que as mulheres fazem acerca do parto dizem muito da sua história de vida, das 
suas expectativas, sonhos e anseios. O Capítulo 1 é composto, portanto, por uma análise sobre 
a midiatização do parto no Brasil, que começa com uma revisão bibliográfica da obra de Martín-
Barbero (2003, 2006 e 2014). 
O autor nos mostra como a comunicação ocupa uma posição de destaque na vida de 
pessoas comuns na contemporaneidade. No entanto, a forma como os “receptores” fazem uso 
do conteúdo que acessam não pode mais ser encarada como uma viade mão única, em que cabe 
apenas reproduzir e receber as mensagens. Outros autores como Braga (2012), Castells (2013), 
Lopes (2014), Santaella (2003) e Silverstone (2002) contribuem para a discussão, pois nos 
ajudam a pensar como o assunto maternidade por ser tratado dentro dos estudos acadêmicos da 
área da Comunicação e, mais especificamente, dentro dos Estudos da Mídia. 
No primeiro capítulo também fazemos uma análise sociológica de como a maternidade 
está inserida na nossa cultural. Habermas (2012) nos ajuda a entender como existe uma 
11 
 
“superestrutura” com relação ao nascimento de um filho que determina como as instituições e 
relações de poder operam, de forma que o “mundo da vida” das mulheres seja perpassado por 
estes conceitos, deixando pouca abertura para que individualmente elas tenham controle sobre 
o que ocorre no momento do parto. 
Além disso, o parto é uma prática social que sofre influência das relações sociais e 
culturais onde se insere. Como descreve Geertz (1989), a cultura não é um poder, que pode ser 
atribuído a acontecimentos sociais, comportamentos, instituições e processos. “ela é um 
contexto, algo dentro do qual eles podem ser descritos de forma inteligível – isto é, descritos 
com intensidade” (GEERTZ, 1989, p. 24). 
Para verificar quais são os valores, regras e padrões de comportamentos que 
identificamos como sendo próprios da cultura brasileira, analisei empiricamente como as 
pessoas se comportam coletivamente quando o assunto é gestação, parto e maternidade a partir 
de relatos em reuniões de pré-natal coletivo realizadas no Espaço Moara, em Natal (RN), 
durante o segundo semestre de 2018. 
A observação etnográfica realizada detectou, então, que os casais que participam das 
reuniões no Espaço Moara o fazem com o objetivo de obter informações acerca do parto normal 
e Parto Humanizado. As falas dos participantes evidenciam como se dá a relação entre 
indivíduos de acordo com o ambiente onde estão inseridos. Além disso, é possível perceber 
como o comportamento é moldado pelo o que se espera das pessoas dentro de um grupo social 
(GEBAUER & WULF, 2004; MERLEAU-PONTY, 1999). A partir da forma como se 
expressam diante do outro, em uma situação pública, podemos compreender em que contexto 
se dão as relações entre as mães e quem as cerca, o conhecimento, as instituições e o poder. 
Completei a análise com um breve histórico do parto no Brasil na segunda metade do 
século XX e início do XXI, por entender que a forma de se encarar o parto tem a ver com 
aspectos culturais e sociais (LUZ, 2014). Com isso, é possível compreender como o evento 
parto sofreu mudanças significativas durante os últimos 70 anos, até se chegar ao cenário em 
que se encontra hoje. 
As principais alterações se devem ao fato de a maioria dos partos ter mudado de 
ambiente, passando de nascimentos que ocorriam em casa, com a assistência de parteiras 
tradicionais e cercado de familiares, para ocorrer dentro de hospitais, assistido por médicos 
obstetras e com o uso de tecnologia e uma cascata de intervenções. Para tratar sobre esta 
mudança de perspectiva com relação ao parto apresentarei algumas pesquisas recentes, de 
diversas áreas do conhecimento, a respeito do assunto como Carneiro (2011), Diniz (2005) e 
Jones (2009). 
12 
 
Uma das consequências desta realidade para as brasileiras é que o país é um dos 
campeões mundiais em número de cirurgias cesarianas, conforme dados do Inquérito Nacional 
sobre Parto e Nascimento, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz. Segundo a pesquisa, 
realizada entre os anos de 2011 e 2012, 52% das mulheres têm seus filhos por meio da cirurgia 
cesariana. O percentual é ainda mais alto quando se considera exclusivamente a sua incidência 
na rede privada, chegando a 88% do total. 
A recomendação da Organização Mundial da Saúde é que até que no máximo 10% dos 
nascimentos ocorra por meio da cesárea, pois apenas em casos específicos e pontuais é que se 
aplica a necessidade da intervenção cirúrgica. O Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento 
detectou que, todos os anos, mais de 1 milhão de mulheres são submetidas à cirurgia cesariana 
sem que haja uma justificativa clínica real para isso. O procedimento as expõe a maiores riscos 
de morbidade e mortalidade, além de aumentar sem necessidade os custos com a saúde 
(SOUZA et al., 2010). 
Alguns grupos de mulheres brasileiras têm buscado outras formas de viver este 
momento, seguindo os preceitos defendidos pelo Movimento pela Humanização do Parto 
(DINIZ, 2005). Elas ainda são a minoria no país, mas têm como uma das suas principais 
estratégias a busca por informações científicas atualizadas em termos da assistência ao parto. 
Diante deste cenário, interessa responder: como as mulheres se informam sobre 
gestação, parto e maternagem? O processo de busca por informações as ajuda a fazer melhores 
escolhas? A experiência com a gestação, parto e maternagem é mais adequada às suas 
expectativas, sonhos e crenças com as informações e redes de apoio em mídias sociais digitais 
e internet? 
Para responder a estas perguntas, explorei diversas possibilidades metodológicas para 
se utilizar no trabalho. A opção escolhida foi, portanto, se fazer um trabalho de campo para 
verificar na prática como as mulheres utilizam dos recursos tecnológicos para apoiar as suas 
escolhas durante a gestação, parto e maternagem. Esta é a base do segundo capítulo. 
Para entender o percurso de cada uma delas foram realizadas entrevistas presenciais 
com um questionário semi-estruturado, desta forma, foi possível colher dados com 
profundidade. A partir dos relatos de cada mulher, tive acesso às suas histórias de vida e, 
posteriormente, os depoimentos foram classificados em categorias e analisados pela 
pesquisadora. 
As participantes foram selecionadas com a participação em três encontros de pré-natal 
coletivo realizados no Espaço Moara, duas rodas de gestantes da Associação Potiguar de 
Doulas, realizadas no Parque das Dunas e também nas aulas semanais de Kundalini Yoga que 
13 
 
eram conduzidos pela própria pesquisadora para gestantes. Todos estes eventos aconteceram 
ao longo de seis meses, de julho de 2018 a dezembro de 2018. 
Além de ter o objetivo de escolher as mulheres que concederiam as entrevistas em 
profundidade, os relatos presentes nos grupos relacionados ao assunto maternidade foram 
registrados em um caderno de campo e apresentados à orientadora durante o desenvolvimento 
do trabalho. Algumas percepções foram incluídas em trechos da dissertação e outras serviram 
para analisar os depoimentos daquelas mulheres que concederam entrevistas, a partir de uma 
observação etnográfica (ANGROSINO, 2009). 
As falas das reuniões dos grupos de gestantes e mães foram gravadas, mediante 
consentimento dos participantes, e foram feitos também registros fotográficos. A participação 
nestes grupos que reuniam o nosso público alvo permitiu uma busca detalhada por modelos, 
que passou por observação e entrevistas junto à comunidade em estudo. 
A partir destes encontros foram feitas entrevistas informais para identificar as mulheres 
que seriam convidadas para participar da entrevista em profundidade. Foram escolhidas duas 
mulheres de classe média na cidade de Natal/RN, com diferentes histórias de vida, mas com 
algo em comum: o fato de estarem gestantes durante o período da primeira rodada de 
entrevistas. 
Elas responderam presencialmente um questionário semi-estruturado que trazia 
questões relativas ao processo por busca de informações durante gestação, parto e maternagem. 
Os dados coletados por meio das entrevistas foram divididos em blocos e tratam sobre as 
condições socioeconômicas de cada mulher; as condições clínicas da gestação-bebê; o processo 
de busca por informações sobre o parto (midiatização e mediação); e como avaliam que as 
informações acessadas contribuíram para a experiência do parto. 
Posteriormentefoi incluída mais uma gestante no trabalho. Ela estava morando na 
Espanha, portanto, o questionário foi enviado por e-mail. O relato desta mulher complementou 
o trabalho pelo fato de também ser do Rio Grande do Norte (Natal), ter tido a experiência de 
viver a gestação em diversos países e ter escolhido dar à luz a seu bebê em território espanhol, 
o que traz a riqueza de um novo olhar para o parto a partir de uma outra localidade. 
Investigar como se dá esta relação individual e também coletiva das mulheres da nossa 
cultura com os assuntos relacionados ao nascimento de um bebê é o foco desta parte da 
dissertação. Por meio das análises, verifiquei como o que as mulheres usam a história oral para 
relatarem sobre suas experiências de vida (MAIA, 2019), fazendo com que elas se tornem 
produtoras de conteúdo midiático, influenciando as pessoas com as quais se relacionam, e 
14 
 
também sofrendo influência do que assistem, leem, acessam na internet e em mídias sociais 
digitais (LOPES, 2014). 
A partir do terceiro mapa das mediações proposto por Martín-Barbero (2010), discuti 
como as mídias sociais digitais e sites de busca na internet reconfiguram as relações das 
mulheres com conteúdos relacionados à maternidade. Analisei como se dão as mutações 
culturais contemporâneas, tendo como eixos a temporalidade/formas de espaço e 
mobilidade/fluxos. A crise da experiência moderna do tempo, se manifesta na transformação 
profunda da estrutura da temporalidade, no culto ao presente, no debilitamento da relação his-
tórica com o passado e na confusão dos tempos que nos prende à simultaneidade do atual. 
Sacramento (2014) destaca como as biografias comunicacionais permitem que se 
entenda, a partir das histórias individuais das pessoas retratadas, as mediações culturais 
implícitas em suas falas. A identidade é, portanto, formada na relação entre o “um” para o 
“outro”. No presente trabalho a história de vida foi a técnica utilizada por se tratar de uma 
pesquisa qualitativa, pois o nosso objetivo é entender em profundidade e particularidade o 
comportamento de pessoas ou coletividades. 
Com um levantamento de dados “direto na fonte”, ou seja, a partir dos relatos das 
próprias mulheres, consegui analisar suas falas e desenvolver uma teoria baseada na empiria 
(MARTINEZ, 2015, p. 76). O questionário foi elaborado e dividido em blocos de perguntas 
com objetivos de se levantar informações específicas sobre cada entrevistada. 
Se no Capítulo 2 apresento o caminho percorrido por mulheres na sua trajetória pessoal 
durante o “tornar-se mãe”, por que não, apresentar aos leitores o meu próprio? A minha 
trajetória como mãe e o trabalho como pesquisadora sobre o assunto se misturam de tal maneira 
que há um entrelaçamento das duas esferas, contribuindo para que um enriqueça o outro. 
Desta forma, o Capítulo 3 é composto por uma autoetnografia da maternagem, permeada 
por dados encontrados em minhas buscas por referências informativas desde a primeira 
gestação, parto e maternagem, complementadas pelo o que vivi com a segunda gestação que 
ocorreu concomitantemente com o presente trabalho. Fizemos, então, uma revisão bibliográfica 
sobre o tema recorrendo a Pereira (2019), Santos (2017) & Wall (2006), para entender como 
aplicar os conceitos ao meu próprio relato no percurso informativo durante a gestação, parto e 
maternagem. 
Apresento, então, páginas em mídias sociais digitais, na internet, livros, filmes e séries 
de televisão que fui buscando durante a minha vivência. Fazer uma autoetnografia permitiu que 
eu inserisse o meu olhar diante do objeto de estudo proposto, já que eu poderia me colocar no 
ambiente da pesquisa, analisando como a cultura em que estamos inseridos opera também no 
15 
 
meu jeito de maternar. Para fazer este relato em um trabalho acadêmico conto sobre o que vivi, 
com meus anseios, emoções e planejamento, e, ao mesmo tempo, analiso quem eu sou, em que 
contexto estou inserida e quais fatores contribuíram para compor a minha história de vida. 
É como se visse o meu próprio depoimento como se fosse de uma outra pessoa. Para 
tanto, utilizei as mesmas categorias que desenvolvi para compreender os dados das 
entrevistadas para analisar o meu relato. O resultado, é uma pequena amostra que reflete sobre 
a posição da mulher brasileira que se torna mãe diante das suas relações pessoais, do seu lugar 
no mundo e das escolhas que faz acerca do nascimento de um filho. 
Ao longo do desenvolvimento do trabalho continuei buscando diversos materiais 
relacionados ao tema como vídeos, livros, textos, filmes, séries, páginas em redes sociais, 
grupos de gestantes e mães. Apresento estes conteúdos para que contribuir com futuras 
pesquisas sobre o assunto ou como fonte de informação para outras mães que também queiram 
ter um conhecimento mais aprofundado sobre os temas tratados. 
Durante a primeira gestação, minhas buscas se deram no sentido de me preparar para o 
parto e os primeiros cuidados com o bebê, então apresento um breve resumo dos livros 
“Conscious pregnancy: a Kundalini Yoga guide to conception, pregnancy and birth” 
(KHALSA, 1983) e “Bountiful, beautiful, blissful: experience the natural power of pregnancy 
and birth Kundalini yoga and meditation” (GURUMUKH, 2004). 
Para me situar sobre o cenário do parto no Brasil, assisti a sequência de três filmes do 
documentário “O renascimento do parto”, (CHAUVET & DE PAULA, 2013). Posteriormente, 
na segunda gestação, aprofundei sobre o tema com os outros dois filmes da trilogia que tratam 
sobre Violência Obstétrica e casos bem sucedidos de hospitais, clínicas e casas de partos com 
uma abordagem da Humanização do Parto, que foram lançados em 2018 (CHAUVET & 
MOISES, 2018; CHAUVET, 2018). 
Diante destas informações, ficou claro que no Brasil, uma mulher só consegue 
concretizar seus planos com relação às escolhas durante a maternidade se estiver empoderada 
(BERTH, 2019). O conceito desenvolvido por Berth (2019) nos ajuda a perceber que o sistema 
(hospitalar, médico, institucional, legal, etc) na rede privada direciona quase todas as gestantes 
para uma cirurgia cesariana, conforme foi tratado mais detalhadamente no Capítulo 1 da 
dissertação. 
Se deseja fugir desta estatística, é necessário que as mulheres tenham a noção da 
estrutura onde ela está sendo inserida, sob pena de não suportar as pressões que virão de muitos 
lados para que ela passe por uma cirurgia cesariana. Não nos cabe neste trabalho problematizar, 
no entanto, o motivo de a realidade brasileira ser assim, desta forma. O que nos interessa 
16 
 
investigar nesta pesquisa, portanto, é o que as mulheres fazem diante deste cenário e como a 
busca das informações sobre gestação, parto e maternidade apoia as escolhas que ela faz. 
Com Bondia (2002) apresento uma reflexão sobre a diferença entre informação, 
conhecimento e experiência. Os conceitos se aplicam ao que, de fato, ocorre durante o parto, 
pois não basta se informar, é preciso que o conteúdo acessado seja colocado em prática na forma 
de conhecimento para que haja uma experiência coerente o que foi planejado por cada mulher. 
Martín-Barbero (2010) nos ajuda a refletir como os conteúdos digitais acessados não 
implicam em uma mudança de atitude com relação à prática, pois a velocidade da internet não 
dá espaço para que sejam vividos rituais, que fazem parte da entrada no mundo da maternidade. 
Gutman (2013, 2014 e 2016) nos conta sobre como a maternidade impacta no estado 
psicológico das mulheres, pelo fato de representar uma oportunidade de vivenciar processos de 
renascimento para a mãe a partir da presença do seu bebê. 
A primeira temporada da série australiana “Turma do peito” (O’Donell, 2017) trata 
sobre como o universo da maternidade pode ser diverso, com personagens exemplificam como 
a experiência de ser mãe tem inúmeras possibilidades. No entanto, para a pesquisa é importante 
observar que mesmo passandoem um outro país (Austrália) a série apresenta diversos pontos 
em comum com a realidade das brasileiras. 
A experiência de ter que decidir sobre o tipo de parto que teria ao mesmo tempo que 
precisei lidar com o início do tratamento do câncer de mama também é retratada no Capítulo 3, 
de forma que será possível que o leitor entenda a importância de uma mulher ser bem informada 
quanto ao nascimento do seu filho. 
Como explica Santos (2017) a autoetnografia ajuda a pensar a relação do pesquisador 
com o objeto ou tema pesquisado. Além da vivência com o parto, conto as reflexões que faço 
na trajetória como mãe e pesquisadora. Esta experiência é salpicada de vivências e referências 
que acessei conforme os desafios da maternidade foram se apresentando. Este é o caso do livro 
Besame Mucho (GONZALES, 2015), no qual o pediatra espanhol Carlos Gonzalez explica a 
necessidade de os bebês de serem amamentados, receberem colo e estarem perto de suas mães 
na sua mais tenra infância. 
Também fazem parte dos meus conteúdos acessados páginas em mídias sociais digitais, 
principalmente no Facebook, que apresentam postagens e contam com outras mães e 
especialistas que tratam sobre temas como Criação com Apego, introdução alimentar, 
amamentação prolongada, feminismo e parto humanizado. Algumas das referências mais 
importantes na minha trajetória são apresentadas também no capítulo da autoetnografia para 
que se entenda a forma como conduzi minha trajetória. 
17 
 
Além de páginas na internet que acessei, assisti filmes de ficção e documentários que 
trazem uma abordagem mais sensível sobre temas acerca da geração de um filho. O 
documentário, “A Parteira” (DOOLAN, 2018) conta a história de uma parteira tradicional do 
Rio Grande do Norte que, em pleno século XXI, continua ajudando bebês a virem ao mundo 
de forma natural e em casa. 
Filmes que tratam sobre a maternidade como “O olmo e a gaivota” (2014), dirigido por 
Petra Costa e Lea Glob; “O que esperar quando se está esperando” (2012), dirigido por Kirk 
Jones; “Pequenos Espiões 4” (2011), dirigido por Robert Rodrigues; Tully (2018), dirigido por 
Jason Reitman; “Um evento feliz” (2012), dirigido por Rémi Bezançon; nos ajudam a entender 
como as mães são retratadas no cinema. As tramas evidenciam como a indústria 
cinematográfica fornece, em alguns casos, modelos de consumo, como conceitua McCracken 
(2003), acerca da maternidade. Em outros casos, as tramas propõem reflexões sobre o que gerar 
e ter um bebê pode representar na vida destas mulheres, sobre como é possível traçar caminhos 
não tão convencionais, que fogem dos estereótipos românticos sobre o que é “ser mãe”. 
Com a proposta de trabalho descrita acima, o objetivo é contribuir para o 
desenvolvimento da pesquisa no Brasil dando visibilidade a questões relativas ao universo 
feminino, território ainda pouco explorado no mundo acadêmico. Ao contar sobre experiências 
reais, baseadas em histórias de vida, recorremos a documentos (relatos) pouco convencionais 
nos estudos das Ciências Humanas, resgatando conhecimentos e saberes muitas vezes 
colocados em segundo plano, já que outras formas de documentação como texto impressos e 
fotografias são considerados mais “isentos”, “reais”, “fidedignos”. 
O objetivo é dar visibilidade às vozes das mulheres, para que suas questões sejam 
representadas, ouvidas e compreendidas, de forma que outras pesquisas possam surgir no 
sentido de contribuir com outras histórias e vivências femininas. Analisando histórias de vida 
de pessoas de uma mesma comunidade podemos verificar se encontramos padrões de valores 
culturalmente compartilhados. Isso é possível no trabalho quando investigamos a forma como 
interpretamos dentro de uma sociedade conjuntos normativos que podem ser acionados em 
diferentes situações, de acordo com as experiências de pessoas-indivíduos. (KOFES, 2015). 
A reflexão pode servir como exemplo para que se entenda que há algumas questões que 
são individuais de cada mulher e outras que se relacionam mais à cultura em que elas estão 
inseridas. Vivendo em uma sociedade midiatizada, nossas experiências pessoais são 
perpassadas pelo o que acessamos, compartilhamos, lemos e assistimos, pois, estes conteúdos 
nos fornecem modelos sobre o que é ser mãe e como devemos encarar este papel. 
18 
 
Este trabalho, porém, não tem a intenção de esgotar o assunto da busca de informações 
sobre gestação, parto e maternidade. Este é um tema amplo e que, com um recorte direcionado 
para responder ao problema de pesquisa, leva a novos questionamentos que não poderão ser 
esgotados no prazo de dois anos previstos para a conclusão do trabalho. 
No entanto, é importante destacar, antes de se adentrar na pesquisa propriamente dita 
que este percurso informativo percorrido por cada mulher apresentado na dissertação, pode ter 
resultados não esperados. 
 Quando buscam informações as mulheres o fazem para que elas apoiem suas escolhas. 
No entanto, as consequências deste processo não conduzem unicamente para a ação livre, o 
sucesso e a concretização dos planos. Em alguns casos, depois de muito de informarem, as 
mulheres podem se ver diante de uma encruzilhada em que não há nenhum caminho garantido, 
sendo conduzidas igualmente àquelas que não se informaram para um desfecho que não 
esperavam. 
Ao buscarem informações, as mulheres experimentam uma certa liberdade de se fazer 
escolhas. Porém, como se informam, se posicionam de acordo com o que descobrem e o que de 
fato ocorre com elas, é, portanto, o resultado do trabalho que será apresentado a seguir. 
 
1.1.1- Histórico dos últimos 70 anos do parto no Brasil 
 
O nascimento de um filho é um acontecimento marcante para a vida de qualquer mulher. 
O corpo se transforma, as emoções e a mente se voltam para a geração de uma nova vida. 
Independente do perfil de cada mulher, é uma experiência difícil de ser comparada com 
qualquer outra já vivida. A forma de encarar este momento é algo bastante particular de cada 
mulher e diz muito sobre uma construção social e cultural acerca do feminino e o que se espera 
de uma mãe. 
A mulher não passa passivamente pelo processo de gestação e seu modo de vida também 
não permanece intacto, pois a gestante precisa passar por adaptações psicológicas importantes 
(MACY & FALKNER, 1979, p. 22). Ela se adapta à condição de geradora de uma nova vida, 
à condição de mulher sem filhos para a de mãe. 
Neste tópico tratarei especificamente sobre o parto, pois o evento pode ser considerado 
um ritual de passagem que faz com que a mulher se torne mãe. O período de gestação é uma 
etapa em que a mulher se prepara para a chegada do bebê, colocando em jogo suas aspirações, 
desejos e projeções do que imagina que seja ser mãe. O parto representa, então, o desfecho de 
um período de planejamento e espera que abra as portas para a vivência real da maternidade. 
19 
 
A gravidez pode ser vista como uma oportunidade para o desenvolvimento pessoal 
(MACY & FALKNER, 1979). No entanto, este processo de amadurecimento não é automático 
nem na gravidez, nem na maternidade biológica. “A transição para a vida plenamente adulta 
por meio da constituição de uma família não se completará a não ser que a mulher se adapte 
bem à sua nova tarefa e à sua nova situação” (MACY & FALKNER, 1979, p. 27). 
Os autores esclarecem que a chegada de um filho caracteriza uma crise, que é 
considerada uma ação que poderia der ocasionada por uma ameaça ou uma promessa. 
“Representa o desafio apresentado quando a situação habitual é alterada ou perturbada, ou 
quando está a ponto de o ser – quando os nossos velhos padrões de comportamento já não são 
eficientes”. (MACY & FALKNER, 1979, p. 22). É importante destacar que muitas vezes o 
termo crise é atrelado à ideia de algo negativo, mas ela também pode ser determinada por um 
acontecimento feliz, como o recebimento de uma herança ou o nascimento de um filho.Ainda que o parto seja um evento relativamente seguro na sociedade moderna industrial, 
ele ainda constitui um grande misterioso acontecimento. Sem levar em conta algumas 
singularidades ocasionadas por emergências, “(...) é ele quiçá o trabalho mais difícil executado 
pelos seres humanos. Não é à toa que se chama “trabalho”. E, todavia, até recentemente, a exata 
natureza do trabalho a realizar e o modo de fazê-lo permaneceram ocultos” (MACY e 
FALKNER, 1979, p. 27). Conforme contextualiza Luz (2014), a maneira como se lida com o 
parto tem a ver com aspectos sociais e culturais, e a forma como os partos estão acontecendo 
atualmente no Brasil é resultado de transformações que ocorreram principalmente nos últimos 
70 anos. Antes disso, o nascimento era visto como um acontecimento natural, que ocorria 
normalmente em casa e era assistido por mulheres, fossem elas familiares ou parteiras. A 
proposta deste trabalho é discutir a realidade brasileira em relação ao parto e fazer uma breve 
análise dos pontos em comum com outros países e sua influência. 
Diniz (2005) descreve que, a partir da segunda metade do século XX, no modelo de 
parto dominante nos países industrializados passou a ser hospitalar. Em um primeiro momento 
as mulheres passavam pelo parto inconscientes, mediante sedação, mas a prática caiu em desuso 
e elas voltaram a viver o parto acordadas, porém, com uma série de intervenções. “(...) as 
mulheres “deveriam viver o parto (agora conscientes) imobilizadas, com as pernas abertas e 
levantadas, com o funcionamento de seu útero acelerado ou reduzido, assistidas por pessoas 
desconhecidas” (DINIZ, 2005, p.629). Elas também estariam separadas de seus parentes e 
pertences e seriam submetidas a uma cascata de procedimentos. 
 
No Brasil, aí se incluem como rotina a abertura cirúrgica da musculatura e tecido erétil 
da vulva e vagina (episiotomia), e em muitos serviços como os hospitais-escola, a 
20 
 
extração do bebê com fórceps nas primíparas. Este é o modelo aplicado à maioria das 
pacientes do SUS hoje em dia. Para a maioria das mulheres do setor privado, esse 
sofrimento pode ser prevenido, por meio de uma cesárea eletiva (DINIZ, 2005, p. 
629). 
 
Um aspecto importante com relação à temporalidade é que o projeto de modernidade da 
Europa Ocidental reforça a ideia de que no futuro estão as possibilidades, ao mesmo tempo que 
evoca uma ruptura com o passado. Esta análise pode ser utilizada para se analisar a forma como 
o parto é encarado no Brasil, pois o que se relaciona a este evento que tem a ver com a tradição, 
ao passado e ao conhecido é visto, de uma forma geral, como pior ou um retrocesso, ao passo 
que a tecnologia, a medicina e as intervenções médicas são encaradas como coisas que apontam 
para o futuro. 
Desta forma se faz um julgamento de valor acerca do passar do tempo de forma que o 
melhor está sempre no que está por vir, como sendo resultado de uma evolução e de um 
desenvolvimento. “Desta maneira, a partir do final do século XVIII, a história é concebida como 
um processo de melhora contínua e crescente da humanidade” (ROCHA & DE LA ROCHE, 
2019, p. 61). 
Permeado por violências e restrições à expressão da individualidade da mulher, muitas 
que não se identificam com esta abordagem hegemônica de se encarar o parto, integram um 
movimento social que tem ganhado força e representatividade junto à mídia, chamado 
comumente no Brasil de Movimento pela Humanização do Parto. Este movimento também 
ocorre em outros países há mais de 30 anos e recebe nomes diferentes de acordo com sua 
localidade (DINIZ, 2005). O movimento tem como algumas de suas principais bandeiras a 
defesa do uso racional e apropriado da tecnologia na assistência ao parto, a assistência baseada 
em evidências científicas atualizadas e a qualidade na interação entre parturiente e seus 
cuidadores (DINIZ, 2005). 
Apesar de esta luta não ser nova, ganhou novos contornos e projeção com o acesso à 
internet e mídias sociais digitais, que são espaços que garantem mais visibilidade aos pleitos 
femininos. Como afirma Carneiro (2011) as mulheres que buscam por um parto “mais natural” 
geralmente são de classe média e possuem perfis bastantes diversos, com crenças e histórias de 
vida distintas, mas o que as une é o fato de estarem conectadas por mídias sociais e blogs, com 
a possibilidade de trocarem informações e relatos. 
Luz (2014) corrobora com esta visão afirmando que fazer valer o direito da gestante de 
escolher como e onde dar à luz, munindo-a de informações para uma tomada de decisão cons-
ciente, é uma das principais bandeiras de um movimento feminino que cresce a cada dia no 
21 
 
Brasil, principalmente por meio de redes sociais e blogs. Tal movimentação por parte das 
mulheres fez com que o assunto também ganhasse repercussão junto à mídia tradicional. Nos 
últimos anos a grandes veículos de circulação nacional têm dado visibilidade a diversos 
movimentos sociais, dentre eles o que luta por mudanças no tipo de assistência ao parto 
praticada atualmente no Brasil (DINIZ, 2005). 
Ao longo de sua história, o Movimento pela Humanização do Parto contou a com o 
apoio e o incentivo de movimentos feministas, de mulheres e de direitos humanos (LUZ, 2014). 
Jones (2009) confirma que a humanização do nascimento passa por uma mudança nas mulheres, 
que estabeleceram diálogo com grupos feministas, de mães, consumidoras, ativistas do 
nascimento e da amamentação. Segundo o autor, a imprensa pode ter papel fundamental no 
debate público sobre a importância de mudar a maneira como estão ocorrendo os nascimentos. 
Ele destaca, ainda, que este diálogo vem sendo promovido, principalmente, nas mídias sociais 
digitais, como alternativa à mídia de massa, que tende a reproduzir o discurso dominante. 
Martin (2006) explica que grande parte da forma como a assistência hospitalar 
tradicional encara o parto se deve a uma série de “metáforas médicas” presente na literatura 
médica que tratam sobre o corpo da mulher como uma máquina. Desta forma, o principal 
objetivo da “máquina-corpo” é produzir, no caso, um bebê perfeito. A imagem é bastante 
significativa e condiciona toda a lógica que rege o modelo de assistência médico/hospitalar em 
vigência em várias partes do mundo ocidental, inclusive, no Brasil. A partir desta concepção, a 
forma como o evento parto é tratado nos manuais de obstetrícia segue uma lógica mecanicista, 
na qual o que é esperado que ocorra e os prazos considerados “normais” devem acompanhar 
parâmetros muito bem delimitados. 
Em suma, o imaginário médico justapõe duas imagens: o útero como máquina que 
produz o bebê e a mulher como a trabalhadora que produz o bebê. Em alguns 
momentos, as duas talvez se juntem, de maneira consistente, como a mulher-
trabalhadora cujo útero-máquina produz o bebê (MARTIN, 2006. p.117). 
Esta lógica industrial também está alinhada à forma como a temporalidade passou a ser 
encarada na Europa Ocidental moderna. A concepção de tempo reforça que o futuro é algo 
promissor, cheio de possibilidades e esperança. Ao mesmo tempo, provoca uma ruptura com o 
passado, como sendo algo que deve ser superado, que está ultrapassado. Podemos analisar que 
a transição dos partos que ocorriam em domicílio até a primeira metade do século XX e 
passaram a ser em hospitais, se encaixa nesta visão. Nascer em casa passou a ser visto como 
uma prática rudimentar, tradicional e, portanto, pior e mais arriscado. 
22 
 
Ao mesmo tempo, a tecnologia e as intervenções médicas são encaradas como coisas 
que apontam para o futuro. Portanto, o parto hospitalar e centrado no médico é considerado 
pela sociedade como melhor, fruto de uma evolução e de um desenvolvimento. “Desta maneira, 
a partir do final do século XVIII, a história é concebida como um processo de melhora contínua 
e crescente da humanidade” (ROCHA & DE LA ROCHE, 2019, p. 61). 
No nosso país a consequência maisevidente desta transição dos partos para o ambiente 
doméstico para o hospitalar é o salto significativo no número de cirurgias cesarianas. Segundo 
o Inquérito Nacional sobre Parto e Nascimento1, coordenado pela Fundação Oswaldo Cruz, 
52% das mulheres têm seus filhos por meio da cirurgia cesariana. O número é ainda mais alto 
quando se considera exclusivamente a sua incidência na rede privada, chegando a 88% do total. 
Segundo dados da pesquisa, todos os anos mais de 1 milhão de mulheres são submetidas à 
cirurgia cesariana, sem que haja uma justificativa clínica real para isso2. O procedimento as 
expõe a maiores riscos de morbidade e mortalidade, além de aumentar sem necessidade os 
custos com a saúde. 
A pesquisa destacou também, que entre as mulheres que tiveram o parto vaginal 
predominou um modelo de atenção bastante medicalizado, ignorando as melhores práticas 
disponíveis na literatura médica mais atualizada, observada em outros países. Dentre as 
intervenções mais comuns aplicadas estão a restrição à liberdade de movimento (ficaram 
restritas ao leito), falta de alimentação durante o trabalho de parto, uso de medicamentos para 
acelerar o trabalho de parto (ocitocina sintética intravenosa), episiotomia (corte entre a vagina 
e o ânus), posição de litotomia (deitada de costas), com uso frequente de manobra de Kristeller 
(empurrando a barriga para baixo). O inquérito da Fundação Oswaldo Cruz destaca que estes 
procedimentos, quando realizados sem indicação clínica, causam dor e sofrimento e são 
desaconselháveis pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como procedimento de rotina.
 A Nascer no Brasil também constatou que apenas 5% das mulheres consegue ter um 
parto natural, isto é, sem as intervenções descritas anteriormente. O padrão foi notado em todas 
as regiões do país, evidenciando que a medicalização do parto é uma prática disseminada por 
todo o território brasileiro. A título de comparação, no Reino Unido, o índice de partos naturais 
chega a 40%. 
 
1 Essa foi a primeira pesquisa a oferecer um panorama nacional sobre a situação da atenção ao parto e nascimento 
no Brasil. No total, 23.894 mulheres foram entrevistadas. A pesquisa foi realizada em maternidades públicas, 
privadas e mistas (maternidades privadas conveniadas ao SUS) e incluiu 266 hospitais de médio e grande porte, 
localizados em 191 municípios, contemplando as capitais e também as cidades do interior de todos os estados do 
Brasil. A coleta de dados se iniciou em fevereiro de 2011 e terminou em outubro de 2012. 
2
 Apesar de muitos médicos oferecerem justificativas para a realização das cirurgias cesarianas, a maioria delas 
não é clinicamente, segundo evidências científicas mais recentes. (SOUZA et al., 2010). 
23 
 
A pesquisa destaca ainda que os partos em que enfermeiros obstétricos ou obstetrizes 
são os responsáveis primários pela assistência ao parto vaginal, aumentam as chances de partos 
espontâneos e diminuem as intervenções desnecessárias, sem comprometer a saúde da mãe e 
do bebê. No Brasil, esta não é a realidade encontrada, pois apenas 15% dos partos são assistidos 
desta maneira e geralmente ocorre em regiões mais pobres, onde não há médicos. Isso é 
resultado, então, de uma situação de falta de acesso a obstetras e não de uma confiança de que 
o enfermeiro obstetra tem a capacitação necessária para assistir um parto. 
Segundo o inquérito, 70% das mulheres começa o pré-natal com o desejo de ter um 
parto vaginal. No entanto, recebem pouco apoio para esta decisão. Na rede privada, apenas 15% 
do total conseguem realizar o que haviam planejado quando é o primeiro parto. Apesar da 
escolha inicial por um parto vaginal, ao longo do pré-natal as mulheres mudam de ideia, o que 
leva a crer que a orientação do obstetra pode estar levando a uma maior aceitação da cesariana. 
Um terço das mulheres que optou pela cirurgia cesariana desde o começo relata como principal 
motivo para a escolha o medo da dor. 
 Outro aspecto detectado pela pesquisa é a relação que se faz entre nível de satisfação 
recebido nos hospitais pela mãe e bebê durante o parto e pós-parto. O inquérito nacional 
detectou que os aspectos relativos à relação entre profissionais de saúde e parturientes como 
tempo de espera para o atendimento, respeito, privacidade, clareza nas explicações, 
possibilidade de fazer perguntas e participação nas decisões, influenciam na satisfação relatada 
pelas mulheres com o atendimento. Foi observado que a forma como são tratadas as parturientes 
varia de acordo com a classe social, raça, escolaridade e região do Brasil, sendo a Norte e a 
Nordeste com os priores resultados. Fica claro, portanto, que há uma elitização da qualidade do 
atendimento. 
Também foi analisada a saúde mental materna pela pesquisa. A depressão materna é um 
tema relevante, apesar de pouco estudado no país, e foi detectada em 26% das mães de 6 meses 
a 18 meses após o parto, sendo mais frequente nas mulheres com baixa condição social e 
econômica, nas pardas e indígenas, nas que não possuem companheiro, nas que não desejavam 
a gravidez e nas que tinham três ou mais filhos. Destaca-se a importância da insatisfação com 
o atendimento prestado à mãe e bebê durante a internação para o parto e pós-parto como fator 
associado. A depressão pós-parto tem influência negativa na saúde da mulher, da família e 
dificulta o estabelecimento do vínculo mãe-bebê, prejudica o aleitamento materno, que é 
importante para o desenvolvimento da criança sob diversos aspectos. 
 
24 
 
FIGURA 1 - Infográfico com principais resultados Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre 
Parto e Nascimento. 
 
CRUZ, Oswaldo Cruz. Infográfico com principais resultados Nascer no Brasil: Inquérito Nacional sobre Parto e 
Nascimento. Sumário executivo temático da pesquisa: a mãe sabe parir, e o bebê sabe como e quando nascer. 
Disponível em: http://www6.ensp.fiocruz.br/nascerbrasil/principais-resultados2/ Acesso 12/02/2020 
A Organização Mundial de Saúde (OMS)3 emitiu um relatório sobre taxas de cesáreas 
no Brasil e destaca que a cirurgia é uma intervenção efetiva para salvar a vida de mães e bebês, 
porém apenas quando indicada por motivos médicos. Ao nível populacional, taxas de cesárea 
25 
 
maiores que 10% não estão associadas com redução de mortalidade materna e neonatal. Isto é, 
não se justificam cientificamente. 
Apesar de o Inquérito Nascer no Brasil ser a pesquisa mais representativa em termo de 
número de mulheres ouvidas e abrangência no país, como o objetivo desta pesquisa é retratar a 
realidade dos nascimentos em Natal, levantei dados sobre a via de nascimento no Rio Grande 
do Norte e no Brasil, a título de comparação, junto ao Ministério da Saúde, na base de dados 
Datasus, onde não há dados relativos aos municípios, apenas ao Estado. O período selecionado 
para se fazer a pesquisa foi entre os anos de 2016 e 2018 pelo fato se serem os três últimos anos 
disponíveis na base de dados no momento da coleta, já que esta dissertação foi desenvolvida 
entre 2018 e 2020. 
Na base de dados do Datasus foram utilizados os seguintes filtros para se chegar ao 
resultado que será apresentado a seguir: linha (unidade da federação); coluna (tipo de parto); 
conteúdo (nascimento por ocorrência). Os resultados evidenciam que no país o percentual de 
nascimentos via cirurgia cesariana chega a representar mais da metade do total, se mantendo 
praticamente estável nos últimos três anos, com 55,93% em 2018; 55,66% em 2017 e 55,39% 
em 2016. 
 
TABELA 1 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Brasil pela base de dados 
Datasus 
 
Ano-Tipo 
de parto 
Vaginal Cesáreo Ignorado Total 
2018 1.295.541 (43,99%) 1.647.505 (55,93%) 1.886 (0,06%) 2.944.932 
2017 1.294.034 (44,26%) 1.627.302 (55,66%) 2.199 (0,07%) 2.923.535 
2016 1.272.411 (44,52%) 1.582.953 (55,39%) 2.436 (0,08%) 2.857.800 
 
Quando se analisa o cenáriodo Rio Grande do Norte, a participação das cesáreas é ainda maior, 
chegando a 62,35% em 2018, 61,63% em 2017 e 60,52% em 2016. Com estes dados, é possível 
concluir que a situação do Rio Grande do Norte é ainda mais tendenciosa para a cirurgia cesa-
riana e, portanto, as mulheres que desejam um parto normal, enfrentam ainda mais resistência 
sistemática. 
26 
 
TABELA 2 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto no Rio Grande do Norte pela 
base de dados Datasus 
 
Ano-Tipo 
de parto 
Vaginal Cesáreo Ignorado Total 
2018 18.243 (37,5%) 30.331 (62,35%) 67 (0,013%) 48.642 
2017 17.856 (37,42%) 28.791 (61,63%) 62 (0,013%) 46.709 
2016 18.056 (39,31%) 27.786 (60,52%) 67 (0,014%) 45.909 
 
Esta dissertação de mestrado trata sobre a realidade da assistência ao parto enfrentada 
pelas mulheres no período de gestação, parto e nascimento em Natal. Para retratar o cenário, 
recorri à Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura Municipal do Natal, que enviou as infor-
mações solicitadas por e-mail. Ressalto que, para que pudesse comparar os dados municipais 
com os nacionais e estaduais, utilizei também o total de nascimentos nos anos de 2016, 2017 e 
2018, como pode ser verificado abaixo. 
Com 11.606 nascimentos registrados em 2016, 6.797 (58,56%) se deram via cirurgia 
cesariana, enquanto 4.798 (41, 34%). Já no ano seguinte, as cesáreas chegaram a 59,63% e os 
partos vaginais 40,27%. Em 2018, 59,93% dos bebês nasceram via cirurgia cesariana e os de 
parto vaginal representaram 40,01%. Os três anos analisados permitem concluir que em Natal 
a maioria dos bebês nasce por meio de procedimento cirúrgico e pelo fato de a representativi-
dade de cada tipo de parto permanecer praticamente estável, com variações menores do que 
dois pontos percentuais no período analisado, evidencia que há um padrão no tipo de conduta 
com relação aos nascimentos, que tende para o lado da cirurgia cesariana. 
 
TABELA 3 – Dados sobre os nascidos vivos por tipo de parto em Natal pela base de dados da 
Prefeitura do Municipal do Natal 
 
Ano-Tipo 
de parto 
Vaginal Cesáreo Ignorado Total 
2018 4.899 (40,01%) 7.338 (59,93%) 7 (0,05%) 12.244 
2017 4.600 (40,27%) 6.812 (59,63%) 10 (0,08%) 11.422 
2016 4.798 (41,34%) 6.797 (58,56%) 11 (0,09%) 11.606 
 
 
Mulheres que engravidam se deparam com a realidade de assistência ao parto brasileira, 
quer se identifiquem com ela ou não. No presente trabalho nos interessa investigar qual é o 
caminho que as mulheres tem percorrido na busca por informações sobre o parto. Onde se 
informam, quais são suas expectativas, que postura adotam, o que sentem, como relatam a sua 
experiência são alguns dos questionamentos que norteiam esta pesquisa. 
27 
 
 
1.1.2- Análise sociológica da mulher nos três momentos relacionados à maternidade 
(gestação, parto e maternagem) 
Uma discussão proposta por Habermas (2012) que se aplica à forma como o parto é 
encarado no Brasil é o paradoxo entre sistema e mundo da vida, que são os pilares constituintes 
da sociedade moderna. Neste tipo de organização social são necessários mecanismos para se 
controlar a sua racionalidade para que os processos funcionem. O sistema, composto por 
instituições, Estado e regulado pela moral e pelas leis operam com o objetivo de intermediar as 
relações sociais. O seu funcionamento independe dos desejos individuais dos que compõem a 
sociedade. “Nas sociedades organizadas na forma de Estado, surgem mercados de bens 
controlados por dinheiro, ou seja, por relações de troca simbolicamente generalizadas”. 
(Habermas, 2012, p. 298). 
Quando se fala de mundo da vida (HABERMAS, 2012), no entanto, estamos nos 
referindo ao universo particular de cada pessoa, que é composto por suas experiências, crenças 
e é expresso por meio da linguagem. A esfera do mundo da vida é a que relaciona à socialização 
e ao universo simbólico. 
Na verdade, as formações da sociedade não se diferenciam apenas de acordo com o 
grau de complexidade do sistema. Elas são determinadas, em maior ou menor grau, 
por complexos de instituições (grifo do autor) que ligam (idem) qualquer novo 
mecanismo de diferenciação sistêmica ao mundo da vida: a diferenciação segmentária 
é institucionalizada na forma de relações de parentesco; a estratificação, na forma de 
status; a organização estatal, na forma de poder político; e o primeiro mecanismo de 
controle, na forma de relações entre pessoas privadas detentoras de direito. As 
instituições correspondentes são as seguintes: os papéis do sexo e da idade, o status 
de grupos de descendência, o ministério político e o direito privado burguês 
(HABERMAS, 2012, p. 301). 
É o que pode ser relacionado ao paralelo estabelecido por Habermas com os conceitos 
de Marx de “base” e “superestrutura”. Segundo o autor, o primeiro tem a ver com os impulsos 
para uma diferenciação do sistema da sociedade, que vem da reprodução material. O complexo 
institucional, que liga o mecanismo sistêmico preponderante ao mundo da vida, conta como 
“base”, que se liga à sua inserção no espaço em que se move a intensificação complexificadora, 
possível em uma sociedade. A base seria, então, os problemas a serem levados em conta quando 
se tenta explicar a passagem de uma formação de sociedade para outra. A partir deles seriam 
propostas inovações, como é o caso da institucionalização de nível superior de diferenciação 
do sistema. 
28 
 
Os conceitos se aplicam à realidade do parto no país, pois a forma como o evento é 
encarado pela medicina e instituições de saúde segue, em grande parte das vezes, a lógica 
industrial, em que os recursos físicos de hospitais e maternidades devem ser utilizados com 
eficiência, de forma padronizada e impessoal. Mulheres que desejem viver este momento a 
partir de outros parâmetros, respeitando o tempo do bebê e confiando na fisiologia do corpo 
para um nascimento mais natural possível, precisam se valer de estratégias de resistência para 
ir contra o sistema. 
Individualmente elas não possuem força, pois o peso do “sistema” é muito maior do que 
o do “mundo da vida”, de forma que há uma relação de poder que pende para o lado 
institucionalizado, do que é padrão e o que vale para as maiorias. Se cada uma delas tentasse ir 
contra o sistema, o seu poder de ação seria pequeno, tendo em vista a força institucional da 
visão hegemônica do parto. 
Com o objetivo de unir forças e ir contra esta abordagem padronizada sobre o parto no 
Brasil, muitas destas mulheres se unem, formando um movimento social que ficou conhecido 
como Humanização do Parto, que possui representantes em todas as regiões do Brasil e também 
em outros países. 
Diante disto, é importante considerar que as construções sociais acerca dos processos 
de gestação, parto e maternidade são culturais. Consideramos o conceito de cultura de Geertz 
(1989) que a considera como sendo composta por estruturas de significado socialmente 
estabelecidas. É a partir dela que as pessoas fazem certas coisas como sinais de conspiração e 
se aliam ou percebem os insultos e respondem a eles, sem que estes atos sejam resultado de 
fenômenos psicológicos, características da mente, da personalidade, da estrutura cognitiva de 
alguém, ou o que quer que seja. 
Portanto, quando tratamos a forma como as mulheres se relaciona com cada uma destas 
etapas que orbitam ao redor da geração de um filho, estamos dizendo que elas se referem mais 
ao que a sociedade lhes oferece como opções de escolha para a construção de sua identidade 
própria, do que de uma escolha autônoma e livre, individualmente falando. Para o autor, para 
se compreender a cultura de um povo é necessário entender a sua normalidade, sem excluir a 
sua particularidade. Geertz (1989) oferece uma definição de cultura, que relaciona à sua 
perspectiva semiológica. 
Como sistemas entrelaçados de signos interpretáveis (o que eu chamaria de símbolos, 
ignorando as utilizações provinciais), a culturanão é um poder, algo ao qual podem 
ser atribuídos casualmente os acontecimentos sociais, os comportamentos, as 
instituições ou os processos; ela é um contexto, algo dentro do qual eles podem ser 
29 
 
descritos de forma inteligível – isto é, descritos com intensidade (GEERTZ, 1989, p. 
21). 
Neste trabalho interessa tratar sobre a cultura, como sistema simbólico, pois ela permite 
que possamos isolar sistemas simbólicos e a partir deste processo, caracterizar todo o sistema 
de uma forma geral. Os símbolos básicos, em torno dos quais ela é organizada, dá pistas sobre 
as estruturas subordinadas às quais são ligadas ou os princípios nos quais se baseia. Quando 
uma mulher faz uma escolha com relação ao tipo de parto que pretende ter, por exemplo, ela 
está implicitamente revelando seus valores e crenças acerca de si mesma e do lugar que ocupa 
na sociedade. 
Não é o intuito desta pequisa julgar os motivos que levam cada mulher a agir desta ou 
daquela determinada forma, mas podemos inferir que quando opta por seguir todas as 
recomendações médicas acerca do pré-natal e parto, sem questioná-las, ela considera que não 
possui capacidade para entender e discutir sobre o que ocorre com seu corpo e seu bebê. Para 
ela, cabe ao médico obstetra fazer tais julgamentos, pois ele estudou bastante sobre o assunto e 
tem experiência para decidir melhor por ela. Provavelmente ela considera que não é seu papel 
se informar por conta própria, confrontá-lo ou expor a sua vontade sobre como gostaria de 
vivenciar o parto. 
Ao passo que uma mulher que adota uma postura crítica com relação ao seu próprio 
parto provavelmente questiona os lugares sociais que é colocada, se vê como atuante nas suas 
escolhas e com liberdade para dar voz às suas convicções. “Deve atentar-se para o 
comportamento, e com exatidão, pois é através do fluxo de comportamento – ou, mais 
precisamente, da ação social – que as formas culturais encontram articulação (GEERTZ, 1989, 
p. 27)”. 
Um livro que trata sobre estas construções sociais e culturais acerca de processos 
biológicos femininos é o “A mulher no corpo: uma análise cultural da reprodução”, da 
antropóloga norte-americana Emily Martin. A autora apresenta como as mulheres se sentem 
fragmentadas, sem autonomia diante do mundo e como se forças externas as arrastassem por 
caminhos fora do seu controle. Alguns fatores podem estar relacionados a este sentimento, 
dentre eles Martin (2006) aponta as metáforas médicas, que pressupõem que o corpo da mulher 
tem como função primal a “produção” de um bebê. Estes termos associados a um universo 
fabril leva a separar a mulher do seu corpo e do seu bebê. Cada um dos componentes desta 
equação seria independente e com pouca relação entre eles: “trabalhador e trabalhadora, 
trabalhador e produto, trabalhador e trabalho e gerente e trabalhador” (MARTIN, 2006, p. 302). 
30 
 
A autora aponta que paralelamente a esta situação da fragmentação, as mulheres 
apresentam uma combinação rica de conscientização de mundos sociais e alternativos, que de 
forma a impor resistência a estas situações consideradas externas a elas (Martin, 2006). Ela 
sugere uma discussão acerca da ciência médica, que, segundo ela, é um código com aparência 
de abstrata, mas que, na verdade, conta uma história bem concreta, enraizada em nossa forma 
de hierarquia social e controle. 
Em geral, não ouvimos a história, ouvimos apenas os “fatos”, e é isso que, em parte, 
torna a ciência tão poderosa. Mas as mulheres – cujas experiências corporais são 
denegridas e destruídas pelos modelos que sugerem produção fracassada, desperdício, 
decadência, colapso – trazem literalmente dentro de si subsídios para confrontar a 
história contada pela ciência com uma outra história, baseada em sua própria 
experiência (MARTIN, 2006, p. 303). 
O livro trata sobre lutas e debates sobre menstruação, síndrome pré-menstrual, parto e 
menopausa, com o intuito de se discutir as terminologias, processos, significados e alocação de 
recursos. Dada a atual conjuntura, as mulheres não podem ter determinados tipos de trabalho, 
devido à força física, hormônios, tamanho ou à possibilidade de se ausentar da atividade por 
causa de gestações. Martin (2006) destaca que feministas estão buscando novas concepções do 
eu particular das mulheres. Isso se justificaria pelo fato de que, como as experiências de vida 
são bastante diversas entre homens e mulheres, eles desenvolvem “fronteiras muito mais rígidas 
ao redor do eu do eu as mulheres”. (MARTIN, 2006, p. 305). 
A autora cita como a identidade masculina frequentemente é construída tendo como 
base conceitos como abstrato, mental, cultural e ideal, enquanto, dicotomicamente, a feminina 
se associa ao concreto, corpo, natureza, real, mudança. No entanto, como a experiência 
feminina tem profundo envolvimento com processos concretos do nascimento, da criação dos 
filhos e dos afazeres domésticos, ela experimenta a vida como algo mutante e não dual. 
Como seus processos corporais são indissociáveis do seu eu, as mulheres tendem a 
justapor biologia e cultura, vislumbrando uma concepção de um outro tipo de ordem social. 
Para Martin (2006), quando as mulheres desenvolvem uma consciência sobre os seus processos 
corporais elas chegam à conclusão que não se identificam com os modelos culturais e que 
gostariam de vivenciar um mundo em que as oposições e separações atuais deixem de existir. 
No entanto, esta percepção não faz, necessariamente com que haja uma ação revolucio-
nária ou mudança social. Mas, apesar disso, as mulheres apresentam diversas alternativas de 
como o mundo poderia ser. Um dos pontos mais interessantes da pesquisa é que ela chega à 
conclusão de que mulheres de diferentes classes sociais expressam com a mesma consciência e 
clareza a resistência. 
31 
 
Este tipo de reflexão nos leva à discussão sobre a maneira pela qual o indivíduo – no 
caso a mulher - e o social operam sobre gestação, parto e maternidade. Levando em 
consideração o que propõem Gebauer & Wulf (2004) a relação do homem com o mundo se dá 
por meio de uma relação recíproca em que o sujeito se constitui e se relaciona com um mundo 
pré-existente e estruturado, que, por sua vez, constitui o indivíduo. 
Desta forma, não é possível definir qual das duas relações (do eu para o mundo ou do 
mundo para mim) se estabelece primeiro ou se há uma hierarquia entre elas. Como eles 
explicam o sujeito-agente sobre influência de outras pessoas com as quais mantém contato, 
exercendo influência em seu mundo ao lhe fornecer exemplos, palavras, imagens, etc. É 
importante destacar, que o sujeito sofre a influência do seu meio e de outros de forma ativa, 
integrando-os ao seu ser e à sua forma de ver e agir no mundo. 
Podemos pensar que esta visão funciona também para as concepções sobre os processos 
de gestar, parir e maternar. Como cada mulher concebe cada fase ligada ao nascimento de um 
filho tem a ver com uma concepção individual, que, por sua vez é constituída por suas vivências, 
acessos, convivências com outras pessoas e o mundo. “O eu, como os outros, é uma categoria 
aberta, pensada de maneira tal que ambos os lados se constituam mutuamente” (GEBAUER & 
WULF, 2004, p. 118). 
É ao que Merleau-Ponty (1999) se refere quando diz que entre minha sensação e mim 
há sempre um “saber originário”, que impede minha experiência ser clara para si mesma. 
“Experimento a sensação como modalidade de uma existência geral, já consagrada a um mundo 
físico, e que crepita através de mim sem que eu seja seu ator” (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 
291). 
Esta relação fica bastante evidente quando se observa os relatos de mulheres que 
participam de grupos de gestantes e mães em Natal, nos quais fiz observação etnográfica para 
esta pesquisa. Um destes grupos é o de Pré-Natal Coletivo que ocorre no Espaço Moara, voltado 
para cuidados da gestação e parto, que realiza reuniões quinzenais para casais grávidose 
apresenta temas relacionados ao assunto, além de realizar consultas individuais às gestantes. 
Em uma das reuniões pude observar diversos relatos que trazem à tona esta mescla entre 
universo individual e compartilhado que habita em cada um. Em seu momento de apresentação 
uma das gestantes, que será identificada neste trabalho pelas iniciais para que seja preservada a 
identidade, afirmou: “É muito bom poder contar com um espaço como este, em que podemos 
acessar informações de qualidade. Pelo o que já vimos, o que existe aí é que eles querem 
empurrar uma cesariana para nós” (M.F., 6 de outubro de 2018) 
32 
 
Pela fala é possível inferir que há um processo de identificação com o parto normal, 
evidenciada na fala da gestante pelo fato de o Espaço Moara ter um discurso assumidamente a 
favor da Humanização do Parto. No entanto, o que esta mulher diz é que esta visão de priorizar 
o parto normal em detrimento de outras vias de nascimento não é o compartilhada em todos os 
espaços sociais em que o casal transita, como é o caso do consultório médico onde eles realizam 
o pré-natal, que “querem empurrar uma cesariana para nós” (R.P., 6 de outubro de 2018). 
Diante desta afirmação, é possível também apontar que o próprio ato de falar constitui 
uma ação em si. “Os atos de fala constroem um tipo de palco, sobre o qual ocorre um demonstrar 
na forma de uma execução cênica” (GEBAUER & WULF, 2004 p. 129). Esta mulher só se 
referiu ao fato de a médica tentar forçar uma via de nascimento que ela não quer pelo fato de 
saber estar inserida em um contexto em que os outros participantes compartilham da visão de 
que o parto normal é o mais indicado, em casos de gravidez de risco habitual, e a cirurgia 
cesariana deveria ser indicada apenas em casos específicos em que mãe e bebê estariam em 
risco efetivo. 
Pode-se dizer que diante do grupo, cada um dos integrantes opera dentro de regras de 
encenação. Assumem-se papéis diante do que cada um imagina que seja esperado de si dentro 
de valores compartilhados culturalmente. No caso, o encontro se dá em um espaço que é 
conduzido por uma enfermeira obstétrica, defensora e ativista da Humanização do Parto. Há 
uma reunião formada principalmente por casais que estão esperando um bebê e todos se 
assentam em forma de círculo em um tatame no chão. 
A organização da sala pressupõe que, mesmo havendo claramente uma liderança da 
enfermeira que conduz o encontro, que os outros integrantes são chamados a participar 
ativamente, seja se apresentando ou respondendo aos questionamentos da enfermeira sobre o 
tema tratado. Neste cenário, é possível perceber operando a cultura da encenação. (GEBAUER 
& WULF, 2004) 
Na duplicação mimética nós vemos um surgimento de um distanciamento da práxis 
da ação, ao invés da liberdade no sentido enfático. Duplicação significa ao mesmo 
tempo separação daquilo que é dado. No jogo, o corpo natural do homem duplica-se: 
o jogador cria para ele um segundo corpo, um corpo lúdico (GEBAUER E WULF, 
2004, p. 121). 
Estas tais regras são parte fundamental na produção do mundo. Agimos segundo elas 
quando produzimos mundos simbólicos e interagimos com outras pessoas. São elas também 
que condicionam as práticas sociais, de forma que reproduzimos o que os outros fazem, o que 
é considerado “normal” ou esperado em cada situação cotidiana. É o que os autores chamam 
33 
 
de “mimese social”. Ela se relaciona à capacidade de compreender, expressar e representar 
formas de comportamento humano, ações e situações. 
É o que foi possível observar em diversas falas dos casais presentes no encontro, quando 
dizem da importância de se ter um espaço como aquele para se ter acesso a informações de 
qualidade sobre o parto. Grande parte dos casais era inexperiente no assunto e ao se depararam 
também pela primeira vez com a forma como são conduzidas as consultas de pré-natal em 
clínicas obstétricas tradicionais, percebem que a “regra do jogo” é ser conduzido para uma 
prática em que a maioria das gestações é levada para uma cirurgia cesariana, em que pouco 
importa os desejos e aspirações da mulher sobre como deseja viver o nascimento do seu filho. 
Um dos exemplos desta ideia é o participante que teve a sua identidade preservada, 
chamado neste trabalho de L.M. Ele se apresenta como “pai de primeira viagem” e afirma que 
é a favor de mais espaços “Moaras” pela cidade de Natal, o que significa que ele considera que 
espaço onde seja possível obter informações sobre parto normal com abertura para a 
participação de pais sem experiência, como ele, seja algo relevante. Ele também afirma ser 
importante multiplicar as informações sobre gestação e parto para que seja possível fazer 
escolhas, pois sempre quem tem conhecimento domina quem não tem. 
É provável que esta conclusão de que as informações compartilhadas nos encontros no 
Moara não estejam disponíveis em outros lugares, apenas a partir da sua experiência com a 
chegada do bebê, pois questões relacionadas a gestação e parto geralmente despertam pouco 
interesse de quem não está passando por isso. 
Os jogos permanecem presos aos traços de situações concretas. Nisso, eles sempre 
retornam a usos paradigmáticos, e abrangem sempre, além das caracterizações gerais, 
também os elementos sensíveis das apresentações e das ações lúdicas sem que estes 
tenham sido fixados de antemão. Por isso, os jogos só podem ser apreendidos em 
conceitos de forma incompleta. Eles permanecem, na essência, uma ação prática, 
mesmo quando eles se afastam da práxis (GEBAUER E WULF, 2004, p. 122). 
Trabalhando com a perspectiva da mimese social, faz-se necessário saber que a 
concepção de identidade da pessoa é relativizada, pois ela está inserida dentro do outro, do 
coletivo. A harmonia entre a mimese social e o jogo permite que se determine uma série de 
sinais de cada um deles. A mimese sempre se refere ao outro, que pode ser um outro jogador 
ou uma referência ao mundo. E participar deste jogo implica em existir fisicamente diante do 
outro, em sua porção corporal. Portanto, o existir enquanto homem pressupõe que não só a 
nossa mente está em operação, mas também o nosso corpo. É o que Merleau-Ponty (1999) se 
refere quando diz que minha sensação e minha percepção só podem ser designáveis se para 
mim forem sensações ou percepções. 
34 
 
Não posso nem mesmo conservar alguma potência de conhecer aos meus olhos ou aos 
meus ouvidos fazendo deles instrumentos de minha percepção, pois esta noção é am-
bígua, eles só são instrumentos da excitação corporal e não da própria percepção. Não 
há meio-termo entre o em si e o para si, e já que meus sentidos, sendo vários, não são 
eu mesmo, eles só podem ser objetos (MERLEAU-PONTY, 1999, p. 286). 
A relação desta ideia com o parto poderia parecer óbvia, mas dizer isto seria reduzi-la. 
É claro que a geração de um bebê implica no corpo ou nos corpos. É um novo corpo sendo 
gerado a partir de um corpo. Ainda que a mãe não precise ter consciência deste processo para 
que ele possa ocorrer, pois os órgãos e tecidos do bebê não dependem do seu conhecimento 
nem direcionamento mental, ela sabe que está lá, o sente mexer, percebe o seu corpo sendo 
modificado pelo crescimento do seu filho. 
Quanto ao parto, esta relação não pode ser vista apenas em sua superfície. Diante do 
avanço tecnológico acerca do parto e das possibilidades de intervenção médica no processo de 
nascimento de um filho, muitas vezes a mulher escolhe, ou é levada a viver este momento, sem 
que realmente esteja presente no momento. A literatura que trata sobre a história recente do 
parto mostra que durante um período do século XX para evitar a “dor”, as mulheres passavam 
pelo nascimento do filho desacordadas devido à medicação. (DINIZ, 2005). 
Este exemplo histórico não pode ser visto de forma unilateral, pois as situações do 
mundo cotidiano as relações miméticas são mútuas. Tanto a ordem social naquele momento

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