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MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE ARTES CURSO DE LICENCIATURA EM DANÇA LUAN SALES DO NASCIMENTO A HETEROGENEIDADE DAS DANÇAS URBANAS: ferramentas corporais diferenciadas NATAL- RN NOVEMBRO/2020 LUAN SALES DO NASCIMENTO A HETEROGENEIDADE DAS DANÇAS URBANAS: ferramentas corporais diferenciadas Trabalho apresentado ao curso de Licenciatura em Dança do Departamento de Artes da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, como requisito para a obtenção do Grau de Licenciado em Dança. Orientação: Prof. Dr. Marcos Bragato. NATAL – RN NOVEMBRO/2020 A HETEROGENEIDADE DAS DANÇAS URBANAS: ferramentas corporais diferenciadas NASCIMENTO, Luan Sales do. A HETEROGENEIDADE DAS DANÇAS URBANAS: ferramentas corporais diferenciadas. Artigo (Trabalho de Conclusão de Curso II – Curso de Licenciatura em Dança - CLD, Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Natal-RN, 2020). Defesa de Trabalho de Conclusão de Curso apresentado em 20/11/2020 BANCA EXAMINADORA ____________________________________________________________ Prof. Dr. MARCOS BRAGATO LICENCIATURA EM DANÇA / UFRN ORIENTADOR ____________________________________________________________ Prof. Dr. THIAGO CHELLAPPA INSTITUTO HUMANITAS / UFRN EXAMINADOR INTERNO ____________________________________________________________ Prof. Dr. THIAGO MANCHINI DE CAMPOS UNIP/SP EXAMINADOR EXTERNO Nascimento, Luan Sales do. A heterogeneidade das danças urbanas : ferramentas corporais diferenciadas / Luan Sales do Nascimento. - 2020. 39 f.: il. Monografia (licenciatura) - Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Curso de Licenciatura em Dança, Natal, 2020. Orientador: Prof. Dr. Marcos Bragato. 1. Corpos. 2. Heterogeneidade. 3. Danças urbanas. 4. Layout. 5. Aprendizagem. I. Bragato, Marcos. II. Título. RN/UF/BS-DEART CDU 793.3 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN Sistema de Bibliotecas - SISBI Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART Elaborado por Luan Sales do Nascimento - CRB-X RESUMO A presente pesquisa visa elucidar sobre as diferenças existentes quando se aborda um mesmo tema relacionado à dança na heterogeneidade dos corpos em ambientes diferenciados. Depreende-se sobre quais ajustes metodológicos devem ser aplicados, para que o rol vocabular afeto às danças urbanas seja mais bem apreendido, e aponta as dificuldades ou facilidades de tais ajustes em ambientes onde existem os mais variados tipos de corpos e necessidades de se locomover. A problemática do estudo se concentra na heterogeneidade dos corpos em ambiente escolar e não escolar, a se considerar no ensino das Danças Urbanas sem a perda da meta de determinado padrão vocabular afeto, a quaisquer, das subdivisões das danças urbanas. E talvez, com esse foco, entender como o ensino da dança pode ser melhor realizado através do entendimento de que tipos de corpos formam e são formados nas respectivas subdivisões das Danças Urbanas. Para tal entendimento, faz-se um mapeamento corporal de modo a resultar em um layout corporal em cada estilo dentro das danças urbanas. PALAVRAS-CHAVE: Corpos. Heterogeneidade. Danças Urbanas. Layout. Aprendizagem. ABSTRACT The current researche aims to elucidate the existing differences when approaching the same theme related to dance in the heterogeneity of bodies in different environments. It drift´s apart of what methodological adjustments should be applied, so that the vocabulary list related to urban dances is better understood, and points out the difficulties or facilities of such adjustments in environments where there are the most varied types of bodies and needs to get around. The problematic of the study focuses on the heterogeneity of bodies in a school and non-school, environment to be considered in relation to the teaching of Urban Dances without losing the goal of a certain vocabulary pattern, affecting any, of the subdivisions of urban dances. And perhaps, with this focus, to understand how dance teaching can best be accomplished through the understanding of what types of bodies form and are formed in the respective subdivisions of Urban Dances. For this understanding, a body mapping is done in order to result in a body layout in each style within urban dances. KEYWORDS: Bodies. Heterogeneity. Urban Dances. Layout. Learning. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO: um olhar para a heterogeneidade das danças urbanas 3 2. UM PANORAMA: a nomeação e o uso 6 3. FERRAMENTAS DIFERENCIADAS: uma solução 19 3.1. Layout Corporal 20 4. A SINGULARIDADE NAS SUBDIVISÕES DAS DANÇAS URBANAS 25 4.1 Aspectos da Singularidade 26 5. A HETEROGENEIDADE COMO FERRAMENTA DE ENSINO 28 5.1. Ajustar-se às Subdivisões: observar a heterogeneidade dos corpos 28 5.2 As Danças Urbanas como Ajustes Pedagógicos 30 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 33 3 1. INTRODUÇÃO: um olhar para a heterogeneidade das danças urbanas As danças urbanas se aproximam de modos diferentes a públicos diferentes. Como o ensino delas pode trabalhar a diversidade de corpos dentro de uma sala de aula? Essa pergunta pode se constituir em objetivo específico em cenários diferenciados os quais as danças urbanas ainda carregam traços marcadamente pulverizadores entre o senso comum; em sua difusão para o entretenimento, terapêutico ou para o ensino escolar e não escolar. Dentro das danças urbanas, um mesmo corpo pode se desvencilhar das técnicas, particularidades articulares ou musculares de um estilo para o outro, ainda mais da energia e trejeitos que é particular de cada um? Sempre fica uma marca que não se consegue esconder. Dessa forma, podemos olhar para os praticantes e entender o quão difícil pode ser um aprendizado de determinado estilo, mas em outro ser mais fluido devido às particularidades corporais trabalhadas e exigidas. Este estudo analisa quais as contribuições que as Danças Urbanas podem proporcionar nos corpos que as pratiquem no que tange o entendimento da aceitação da heterogeneidade dos corpos, dos quais produz as Danças Urbanas e por elas é produzido. De quantas formas podemos olhar um mesmo objeto? No ensino da dança, corpos diversos exigem perspectivas diferenciadas porque o que se pode vislumbrar é do terreno da heterogeneidade; e tal terreno requer diversidade de estratégias. Essa diversidade pode ajudar no entendimento de como se comportam e tendem a ser em ambientes diferentes de aprendizagem. E, também, podemos observar um tipo de dança, com seu vocabulário de passos e gestos, e se ater a diversas abordagens sobre um determinado procedimento. Isso pode ser atestado na diversidade de metodologias dedicadas ao ensino de um tipo de dança para que, uma diversidade de corpos, seja contemplada com o mesmo conhecimento sem perda vocabular de um para outro, pelas diversas diferenças que encontramos na vasta variedade de alunos. A pergunta a fazer quando não se encontra na literatura dedicada ao tema é: Quais estratégias pedagógicas devem ser ajustadas em acordo com determinado ambiente social apresentado em determinada instituição? Quais ajustes devem ser realizados sem a perda do foco do padrão de determinada subdivisão das danças 4 urbanas? Como o conteúdo vocabular pode se alterar quando se considera a heterogeneidade dos corpos? É uma problemática que se faz muito presente no contexto do aproveitamento de corpos que se apresentam diferenciados. Nas danças urbanas, essa temática ganha novas particularidadespor possuir diversas camadas de entendimento e motivações que por elas transpassam na sua história, dentro dos mais diversos estilos existentes nesse gênero. Caroline G. M. Valderramas e Dagmar A. C. F. Hunger (2009) defendem que os professores de Street Dance, como chamam, ensinem baseados na experimentação em aula e na percepção da propriocepção de seus alunos. No entanto, antes mesmo de observar a turma, o professor de danças urbanas deve observar a heterogeneidade corporal dentro das subdivisões das danças urbanas, o que estimula o uso de métodos e vocábulos específicos para o ajuste pedagógico. E a heterogeneidade é moldada pela “expressividade individual”, o tipo de ajuste que o cérebro realiza a partir de mapas corporais quando introduz o corpo como conteúdo mental (DAMÁSIO, 2011). Grosso modo, os padrões corporais nos apontam a especificidade de determinada prática. Mas nas danças urbanas essas particularidades são ainda mais relevantes pela contenção de subdivisões de estilos que carrega e a variação da ênfase corporal presente em cada uma delas. Nos diversos modos de dançar, pode-se observar o que cada um irá determinar o seu padrão corporal e a maneira de dançar. No balé, por exemplo, é possível observar um genérico padrão corporal e estético: Dentre as características esperadas da bailarina destaca-se a verticalidade corporal mantida pela noção do eixo alinhado à coluna vertebral e por um corpo magro e leve, forçando uma determinada conduta estética (ANJOS; OLIVEIRA; VELARDI, 2015, p.439). Além do corpo magro e linearizado, força e flexibilidade solicitada pelo treinamento do que se nomeia como balé, é importante ressaltar a existência de padrões diferenciados mesmo em uma prática secular como o balé. No balé, nas danças urbanas ou em qualquer outra forma de dança, sugere-se observar o que o corpo carrega e nele está contido para se vislumbrar a estratégia de ajustes com determinado rol vocabular. 5 O que cabe é apontar padrões que existem, e entender como cada corpo funciona nas dadas subdivisões das danças urbanas para saber como os padrões se misturam, invertem ou mudam completamente de um estilo para o outro dentro delas. Para tal análise acerca da heterogeneidade dos corpos que compõem as danças urbanas, este estudo se concentra em dois aspectos. O primeiro trata do conceito do que se cunha como danças urbanas, e do entendimento como esse termo surge e se populariza. Considera-se a criação do movimento Hip-hop bem como a caracterização subdivisões das danças urbanas, com o intento de mapear suas particularidades corporais e elucidar panoramicamente sobre a origem de cada um dos estilos. Em outro momento, tais particularidades são localizadas dentro das subdivisões no que diz respeito a braços e pernas que auxiliam na constituição de cada dança. Se há predominância de membros inferiores ou superiores, se há movimentos isolados ou globais. Para que, então, possa-se aspirar um melhor entendimento quanto aos corpos que fazem as danças urbanas, e como se pode ajudar, especialmente iniciantes nas modalidades, a se identificarem enquanto sujeito dançante ao ganhar maior ou menor ênfase em alguma parte do corpo a depender do estilo escolhido dentro das danças urbanas. Inicia-se, portanto, com um panorama sobre a nomeação e o uso dos termos relacionados às danças urbanas. Em seguida, busca-se entender o layout corporal aplicado às singularidades das subdivisões das danças urbanas, e destacam-se seus aspectos particulares. Este estudo é finalizado com o vislumbre da heterogeneidade como ferramenta de ensino; observar a heterogeneidade dos corpos e pensar que as danças urbanas também permitem ajustes pedagógicos. Vale lembrar a existência ainda escassa de estudos na área das chamadas street dances como lembra Thiago Negraxa (2015). De acordo com o autor, a origem e formação das danças urbanas estiveram assentadas na transmissão oral em fenômeno assemelhado com a história das danças populares e sociais, com a interrupção de seu registro para, depois, exibir-se nos musicais e videoclipes. 6 2. UM PANORAMA: a nomeação e o uso O que são as Danças Urbanas? É possível que a depender dos praticantes a maneira com que um conteúdo seja ministrado se altere? E se sim, por qual motivo? Que mudanças podem acarretar na diferenciação em aprendizes em condições sociais e corporais diversas? Na tentativa de responder tais indagações recorremos a autores como Rafael R. Cristino (2019); Adriana C. Lopes (2007); Marcelo R. Bento (2005); Ana C. Ribeiro e Ricardo Cardoso (2011); Caroline G. M. Valderramas e Dagmar A. C. F. Hunger (2007) que podem nos auxiliar na qualificação da problemática da heterogeneidade corporal nas danças urbanas e as possibilidades de ajustes metodológicos. Como primeiro passo, devemos primeiro entender os motivos e causas para assim compreender os fenômenos que cercam as danças urbanas. Desse modo, para iniciarmos nosso estudo, devemos entender, embora brevemente, o que são Danças Urbanas e como elas podem auxiliar no entendimento de métodos de ensino a públicos heterogêneos, imersos em contextos os quais os fazem divergir quanto ao corpo com que dançam. Autores como João B. J. Félix (2006), Caroline G. M. Valderramas e Dagmar A. C. F. Hunger (2007) e Vanessa G. dos Santos (2016) afirmam que as danças urbanas podem ser divididas em diversos estilos de dança por suas características e diferenças musicais principalmente em estilos como o locking, popping, b.boying, krump, e o freestyle. Percebemos então que ao tratarmos a dança como tipos de estratégias vocabulares, os mesmos méritos devemos possuir acerca do entendimento dessas danças para que possamos entendê-las e deixar que nos atinjam das mais diferentes formas. Então como aferir a movimentação adequada para quaisquer tipos de aluno? O professor de dança deve tratar as particularidades das Danças Urbanas de modo a aproximar tais particularidades de início distintas. Gerar significado e identidade com qualquer estilo que compõem as danças urbanas requer ajustes contínuos. Justamente a diversidade formadora das danças urbanas se torna um facilitador de possibilidades corporais para os praticantes, seja aquele neófito ou aquele que se dedica integralmente à prática das subdivisões. Antes de nos debruçarmos sobre elas, faz-se necessário a análise e o recorte de 7 alguns termos precursores que moldaram a prática na generalidade, e servem para categorizar o entendimento do que se alcunha como danças urbanas. Termos como o Hip-hop, Dança de Rua e Street Dance fazem parte das transformações históricas desencadeadas no movimento. ❖ HIP-HOP Em meados da década de 60-70, surge nos Estados Unidos um movimento cultural chamado Hip-Hop. Este movimento traz consigo valores e estética próprios, os quais as vozes de quem o compunham eram ouvidas a partir de quatro pilares fundamentais desse movimento: o Mestre de Cerimônias conhecido como MC; Disc jockey, o DJ; a dança Breaking e o Grafitti como expressão visual. Assim como podemos constatar na afirmação de Adriana C. Lopes (2007), o Hip-Hop carrega a necessidade de uma transformação simbólica porque traz os anseios de um determinado grupo social: “[...] a principal finalidade desse movimento é alterar algumas representações que definem a realidade social e os sujeitos que dela fazem parte” (Ibid., p.1). Nesse movimento, a dança também ocupa sua primazia desde sua origem no chamado Breakdance. Em tradução literal, Breakdance é “dança quebrada”. Dessa forma, todas as danças surgidas em meio ao movimento Hip-hop recebem essa denominação de Breakdance, não pelos artistas que fazem a dança, e sim pelas diversas mídias do período como forma de generalizar a pluralidade de estilos dentro do movimento. Como afirma Klaylton Fernando Apud Marcelo R. Bento queBreakdance ou Breaking na realidade foi um rótulo criado pela mídia na época para generalizar alguns estilos distintos de dança, o B.boying, o Popping, o Boogaloo e o Locking, pois, originalmente, a dança B.boying era a representação da expressão corporal dentro do Hip Hop. Os outros estilos citados foram incorporados nas disputas e performances de dança. (Fernando Apud Bento, 2015, p.16-17). Contra o que é veiculado, entre aqueles que praticam os diversos estilos, como o Popping e o Locking, preferem chamar suas danças pelos respectivos nomes ao invés de generalizar com o termo Breakdance; nomeação não adequada para se referir às danças do Hip-Hop em sua totalidade. 8 ❖ DANÇA DE RUA No Brasil na década de 1980, é efetivada uma tradução direta da nomenclatura Street Dance, designada a essas variantes da dança dentro do movimento Hip-Hop, que não tinham cunho acadêmico, para Dança de Rua. No entanto, com certa liberdade ao mesclar ritmos próprios do país em caldeirão corporal que se avizinha como típico do lugar. A discussão sobre nomenclatura está ainda em voga porque a afirmativa de que a dança de rua é a dança que se realiza na rua é recorrente. Vale salientar da notoriedade com as grandes festas ao ar livre em Nova York. Mas, também, há quem perceba que essas danças não se realizam necessariamente na rua, mas sim em boates e casas noturnas, programas de televisão e propagandas. Em meados dessa mesma década, o brasileiro Nelson Triunfo “leva a dança, do meio mais abastado, ao resto do país. Triunfo devolve o Break à rua, seu lugar de origem. Parte para o interior da Bahia, onde se torna estrela, aos quinze anos, de seus Bailes Soul”. (VALDERRAMAS; HUNGER, 2007, p.4). De modo a tirar a dança dos holofotes midiáticos que foram dados a ela e a recolocar na fala dos artistas urbanos. De modo geral, o termo “Dança de Rua” é ainda muito utilizado entre nós brasileiros, mas face às restrições sociais e discriminação de sua prática e seus praticantes quando sobe à cena aparece outra denominação provavelmente mais palatável: Danças Urbanas. (Ribeiro; Cardoso, 2011). ❖ DANÇAS URBANAS Danças urbanas é um termo tido como mais adequado ao se referir às Danças de rua, Street Dance e as danças do Hip-Hop porque traz em sua nomenclatura um conceito de dança que é criado e produzido em contexto urbano. Também por não se limitar às danças estadunidenses, como a inclusão do Dance Hall de origem Jamaicana, por exemplo. Isso provavelmente gera ampla aceitação entre os praticantes brasileiros. 9 Assim, populariza-se e se projeta a partir dos anos 2002 e 2003 (RIBEIRO; CARDOSO, 2011), em parte por retirar à imagem de “marginalização” grudada ao termo Dança de Rua, e, também como forma de aglutinar às danças advindas da cultura Hip-Hop como também as que são adjacentes em contextos urbanos diferenciados. Atualmente, o termo é popularmente conhecido no Brasil e no mundo, graças à disseminação em mídias sociais como na plataforma Youtube com diversos canais que tratam a dança, e são utilizadas em videoclipes, comerciais e shows. Com um público diversificado por sua faixa-etária, assim como os corpos e maneiras de se expressar com particulares modos e sintaxes coreográficas. Tais características diversas das danças urbanas proporcionam o layout diferenciado de corpos que eles dançam. Cabe aqui a descrição dos componentes das subdivisões das danças urbanas e seus modos de se dar a ver. Identificar e explicar apenas os estilos que são unanimidade acerca do pertencimento ou não às Danças Urbanas, sem ramificações ou separação de técnicas dentro do próprio estilo, podem auxiliar no processo e entendimento de formação corporal, cinestésica e muscular do indivíduo. ❏ Passos sociais Criados nas famosas Block Parties, os passos sociais1 são compostos de movimentos sem sistematização completa. Organizados na diversão e movimentação da maioria, sem a necessidade de formalização e de fácil compreensão, são geralmente introduzidos pelos MCs, os que comandam os bailes. A maior parte dos passos é nomeada com os próprios nomes de quem os inventou, como o passo BART SIMPSON, ou por objetos e ações do cotidiano como é o caso do RUNNING MAN. Isso possibilita uma dança amplamente praticada, sem julgamentos quanto a maneira de se realizar porque se tratava de aspectos vinculados ao ritmo e espacialidade do que propriamente domínio de uma técnica corporal. (VALDERRAMAS; HUNGER, 2007). No Brasil, os passos sociais se popularizaram 1 Link com os passos sociais mencionados e ainda outros: https://www.youtube.com/watch?v=Xk152KP-Nbk. 10 com os Bailes Charmes ou Bailes Funk, na cidade do Rio de Janeiro, na década de 1980, logo depois são modificados em decorrência do encontro com nossa ritmicidade e aspectos culturais locais. Imagem 01 - Baile na cidade do Rio de Janeiro Fonte: Alexandre Figueiredo, 2012. ❏ Breakdance Consagrada como a dança do Hip-Hop, o Breakdance/Breakdancing/Break ou Breaking é uma dança que tem seu início juntamente com o movimento cultural/social mais tarde chamado de movimento Hip-Hop. Dançada constantemente nos eventos e festas, começa a ser sistematizada em fundamentos para categorização da dança. São eles: TOPROCK (a dança em pé); FOOTWORK (trabalho com os pés no chão); FREEZES (pausas em uma pose) e POWER MOVES (movimentos que exigem força) (DORNELAS, 2017). O Breakdance expressa vigor especialmente por seus giros acrobáticos. Ganha espaço na cultura pop quando está presente em diversos filmes do gênero de dança e em videoclipes musicais. Torna-se referência quando se quer falar sobre a dança do Hip-Hop, o que pode acarretar uma imagem distorcida sobre sua unicidade e sobre a existência de outras danças da cultura Hip-Hop. 11 Imagem 02 - B-boys Fonte: Desmond Louw / Mobile Media Mob, 2016. ❏ Locking Locking é uma das danças que sofre com a generalização apressada ao se referir às danças como parte do movimento Hip-Hop com um termo único. Criada por Don Campbellock, ressalta a movimentação dos membros superiores e a movimentação das articulações e paradas e retomadas súbitas do movimento, com paradas constantes na posição “LOCKING”. (EJARA, 2004). Entretanto, engana-se quem acredita ser o Locking uma dança voltada apenas aos membros superiores. As pernas do Locker (quem a pratica) devem ser bem alongadas, capacitadas a golpes rápidos e trocas precisas de pés. O travamento súbito dos joelhos promove a sensação de quebra. Dessa forma o Locking se torna uma dança rápida, precisa e cheia de vida. É necessário que seus praticantes sempre estejam cientes do que está ao seu redor para incrementar a sua dança, seja com alguma brincadeira ou se utilizando de qualquer objeto que esteja ao seu alcance. 12 Imagem 03 - Locker em Batalha de Locking Fonte: Hip hop international, 2020. ❏ Popping Se existe alguma dança chamada frequentemente de Break por conta de sua divulgação em toda mídia durante seu início, essa dança é o Popping; especialmente pelo significado da palavra Break: pausa ou quebra. E para um estilo que tem por base a contração e relaxamento muscular, a presença de “quebras” é algo recorrente. Criada por Sam Salomon ou Boogaloo Sam como se tornou conhecido após formar seu grupo de Popping, o Boogie. O Popping se apresenta na precisão do controle da contração e relaxamento muscular em coordenação com as batidas da música, dos seus graves e ênfases rítmicas. Mas o popping está repleto de técnicas subjacentes, como o WAVE, TUTTING, ISOLATION e, também, o ROBOT (PIMENTEL, 2020), além do acentuado controle muscular. Essas e outras técnicas são tão populares por si só, que muita das vezes não se liga ao Popping, de certa forma até gerando dúvidas acerca de cada uma dessas ser, separadamente, jáum estilo de dança. 13 Imagem 04 – Popper Fonte: Pinterest, [21--] 2 ❏ House Dance A dança House surge juntamente com o desenvolvimento de técnicas de discotecagem avançadas nas quais os DJs começaram a mixar seus hits e não mais apenas arranhar os discos antigos de vinis. Assim como a invenção e uso de Softwares que auxiliavam nas suas criações, o que origina ao que conhecemos hoje como música eletrônica. Nela, os pés e pernas estão em sincronia com a música e ocorre um balanço constante chamado de Jackin, que se realiza de baixo para cima. A dança House sofre influência de outras danças consolidadas no âmbito artístico como o sapateado americano e a salsa, como afirma David F. Vieira (2018). 2 [21--] se refere ao século XXI. Esta forma foi usada devido à inexistência do ano de publicação da imagem, mas tendo-se a certeza em qual século ela se deu. 14 Imagem 05 - House Dance Fonte: Centro coreográfico da cidade do Rio de Janeiro, 2018. ❏ Dance Hall O Dance Hall tem sua origem nas ruas da Jamaica quando seus praticantes levam a energia e mobilidade dos quadris para a dança. Às vezes generalizada junto a outros estilos subjacentes e/ou também vindos da Jamaica como o Ragga, recebe também o nome de Dança Afro. Diferencia-se por ser uma das primeiras a trazer as danças produzidas no país para fora de seu âmbito e ser incorporada no que se entende como Danças Urbanas. Como outras danças afrodescendentes, aparece juntamente com novo estilo musical. O Dance Hall acompanha o Raggamuffin. (SOUZA, 2015). Com ênfase no quadril e peitoral, expostos acentuadamente, essa dança ganha espaço no mundo com o advento das mídias sociais, e viabiliza o conhecimento e prática das danças de matrizes africanas em sua generalidade. Vale notar que sua movimentação remete ao trabalho cotidiano para conferir maior significação aos passos, as chamadas danças de trabalho. 15 Imagem 06 e 07 – Dancehall Fonte: Pinterest, [21--]; Wikidança, 2013. ❏ Vogue Antes mesmo de se popularizar com a música Vogue da cantora Madonna, a dança Vogue se molda junto ao movimento de liberdade trans e LGBT nos Estados Unidos, na metade da década de 1960. Munidos de algumas edições da revista Vogue, o que surge como uma brincadeira de imitação das poses das capas nas prisões do país durante forte repressão aos homossexuais, ganha espaço em boates e clubes gays chamadas Ballrooms (bailes). A dança é caracterizada por formas lineares e poses, assim como são as capas da Revista Vogue. Como uma forma de expressão da comunidade gay, o Vogue se realiza com traços de glamour e frenesi. Ele se divide basicamente em três modos: OLD WAY, NEW WAY E VOGUE FEMME (HANDS PERFORMANCE, CATWALK, DUCKWALK E FLOOR PERFORMANCE). (SCHIJEN, 2019). 16 Imagem 08 - Voguer em poses Fonte: Flávia Pereira, [21--]. ❏ Waacking Semelhante à dança Vogue, o Waacking também tem seu início na comunidade gay dos Estados Unidos em clubes e eventos específicos para esse público como forma de expressão comunitária. Possui características com a movimentação do Locking, mas não guarda relação de origem com ela. Diferentemente do Vogue, realiza-se sobre a rotação e flexibilidade dos punhos, cotovelos e ombros. Com movimentos e transições rápidas, exige acentuada precisão em detrimento da forma final, a pose. Suas poses são menos singelas, diferentemente do Vogue que simula uma sessão de fotos. A noção de performance está presente; talvez por esse motivo podemos notar como grande parte das coreografias querem demonstrar poder e superioridade; a presença do Waacking é muito utilizada em coreografias femininas de K-pop. (GOMES, 2015). 17 Imagem 09 - Movimentos de Waacking Fonte: Pinterest, [21--]. ❏ Krump Ser violento, para não ser violento. Essa frase contraditória é uma das diversas formas de definição que podemos ter do Krump. Originada de uma dança anterior chamada de Clown Dance, seus criadores Lil C e Tight Eyes propõem uma postura agressiva e explosiva antes não presenciada nas Danças Urbanas. Ao retirar a porção de brincadeira de sua antecessora, o Krump aparece em um cenário de lutas e confrontos no qual a agressividade toma conta dos movimentos como uma ação de força (SILVA, 2018). Usada como canal para a liberação de raiva com movimentos firmes e frenéticos, a musculatura se apresenta rígida e socos e chutes são direcionados ao ar com extremo controle do fluxo do movimento, para que não seja apenas alguém brigando com o ar. “Cara de mau”, alternância dos braços, pisadas fortes no solo, são algumas das características dessa dança. 18 O Krump (1992) é uma das mais novas danças, e ainda se impõe em festivais, eventos, shows, clipes e filmes. Imagem 10 - Agressividade no Krump Fonte: Lyricsja.tumblr, 2011. ❏ Twerk O conhecido “Funk Gringo”, o Twerk é uma dança de origem completamente diferente do Funk brasileiro (ALMEIDA, 2020). A dança se desenvolve em clubes de strip nos Estados Unidos e possui sua dinâmica corporal voltada às técnicas e movimentos dos glúteos. O estilo ganhou maior visibilidade na década de 2010 ao aparecer em vídeos clipes de cantoras como Miley Cyrus, Rihanna e Nicki Minaj. O que chega a ocorrer com o próprio movimento Hip-Hop e as danças que o constituem. Possui proximidade com as músicas do Hip-Hop, e deixa os clubes para ganhar as pistas e batalhas de dança quando se mistura a outras danças urbanas. O layout apresenta sensualidade e confere ritmicidade com movimentação rés ao chão, que são acrobáticos, como é comum em clubes de strip. No Brasil, disputa 19 atenção com o Funk brasileiro, mas pouco a pouco cada vez mais as dançarinas estão aderindo a movimentos e ao estilo do Twerk. Imagem 11 - Aula de Twerk Fonte: Stef Streb, 2019. 3. FERRAMENTAS DIFERENCIADAS: uma solução Nota-se que as subdivisões existentes dentro das danças urbanas divergem quanto às suas origens, no layout de formação corporal e na expressividade que cada uma carrega. A compreensão das particularidades das subdivisões existentes é fundamental para que seja possível aproveitar a pluralidade existente dos corpos diferenciados em uma dada turma de praticantes. A heterogeneidade de corpos dos alunos é algo plausível com as danças urbanas. É possível nelas encontrar a correspondência da heterogeneidade com os modos diferentes de dançar, e se aperfeiçoar em determinados aspectos corporais com treino do que seja mais apropriado ao praticante. As diferentes técnicas, que 20 conformam os estilos, talvez possam ajudar em maior proximidade com o aluno e, também, contribuir na representatividade das particularidades individuais. Face à diversidade de procedimentos presente nas danças urbanas, faz-se obrigatório a apresentação de questões pertinentes específicas geridas nas subdivisões. 3.1. Layout Corporal Um primeiro ponto de análise deve partir da busca pelo entendimento do que essas subdivisões agregam ou desenvolvem no corpo, e como cada técnica trabalha de forma a se diferenciar uma da outra, especialmente nos quesitos empenho, flexibilidade, agilidade, potência, e, também, possíveis problemas que possam ser gerados face à diversidade. Os Braços nas Danças Urbanas É interessante pensar em como cada parte do corpo se comporta porque os braços são membros muito particulares em cada uma da subdivisão das danças urbanas. Em algumas delas, os braços passam a ter um papel mais incisivo e isso confere uma dada individualidade do praticante. Simultaneamente, temos danças as quais o trabalho do braço acompanha o restante do corpo quando confere maior ênfase na sustentação do que propriamente estar isolado a desempenhar um papel diferente das demais partes. Pode-se observar isso em dançascomo o House, Twerk e o Breakdance. Nesta, temos um acentuado trabalho muscular bem. É importante que o B-boy primeiramente sustente o peso de seu próprio corpo, para então em seguida se aventurar nos POWERS MOVES como podemos observar na afirmação do B-boy Vouks (apud. Kuschke, 2016): [...] Também faço trabalhos específicos pra cuidar do corpo todo, especialmente os braços. [...] Muitas flexões e paradas de mão, assim você pode se sentir confortável com o seu próprio peso corporal e fortifica os músculos do braço e corpo. Na fala do B-boy Vouks podemos inferir que, segundo sua visão, o Breakdancer que não trabalha a força e explosão em seus braços não consegue 21 evoluir na modalidade às categorias mais avançadas e profissionais. Tendo em vista que um dos grandes destaques desse estilo ocorre por conta dos braços, dentro dos Power moves e freezers. Imagem 12- Força no Braço Fonte: © Naim Chidiac/Red Bull Content Pool, 2016. Na diversidade das danças urbanas encontramos danças que não exigem um trabalho de força e potência muscular nos membros superiores, mas estão voltadas para um trabalho global de flexibilidade. Uma mobilidade articular acentuada pode ser observada em danças como o Waacking, Locking e Vogue. Temos outras que investem nas poses e no glamour dos corpos como o Vogue. Ela se utiliza do incomum em posições que parecem desconfortáveis para simular as imagens de capa da revista Vogue em seu layout: Vogue ou voguing é uma dança moderna altamente estilizada que se caracteriza por posições típicas de modelos com movimentos corporais definidos por linhas e poses. Inspirado pela revista Vogue, o voguing é caracterizado por poses semelhantes a das modelos integradas com movimentos angulares e lineares de braços, pernas e tronco. [...] O estilo de dança proporciona uma grande queima calórica por ser um forte exercício aeróbico, o tônus muscular, trabalhando braços e pernas com precisão e agilidade e postura e flexibilidade com as poses e formas exigidas (MENINA, 2018, p.1). O Waacking, por sua vez, tido como ''primo do Vogue'', utiliza-se dessa premissa articular, porém com foco na agilidade ao invés de poses. Tonificar a 22 musculatura por meio do trabalho de força e potência pode não ser tão vantajoso nesse estilo que busca a flexibilidade e mobilidade articular dos membros superiores. Imagem 13 – Flexibilidade Fonte: Regnault, 2011. As Pernas nas Danças Urbanas Em contrapartida, há danças dependentes de acentuada movimentação dos membros inferiores, quando ocupam papel acentuado em sua generalidade. O Breakdance com as seções FOOTWORK e TOP ROCK requer trabalho especialmente dedicado às pernas. Outras danças urbanas também dedicam atenção especial às pernas em sua movimentação, como é no caso Locking, que fornece base importante para o Twerk e se inicia como se desenvolve no Popping no passo Boogaloo. Esse cenário se adensa com a chegada de um estilo, e esse estilo é a House dance. Prioritariamente dançada com os membros inferiores; os membros superiores acompanham a movimentação principal. House Dance tem influência de muitos elementos de dança, tais como: Dança Afro, latinas (principalmente salsa), brasileiras, jazz, sapateado, e até mesmo contemporânea. [...] No House Dance há uma ênfase nos ritmos e riffs sutis da música, e os pés os segue de perto. Esta é uma das principais características que distingue o 23 House, da dança que foi feita para disco music antes do House music e que é dançado atualmente. (MARIANA, 2010, p.1). O House nasce para ser dançado com os membros inferiores, mas, assim como outras danças, tem seu complemento no que se faz acima das pernas. Como se agita na onda gerada pelo Jacking, por exemplo, através da expressão e consonância dos braços para que não haja a perda do fluxo do movimento, a resistência muscular prevalecerá para o House Dance. Imagem 14 - Ênfase nas pernas Fonte: © Dance Centre Myway 2020/mywaydance.com, [21--]. Mas também temos as danças que se utilizam das pernas como apoio de movimento ou como o precursor dele. É o caso do Popping que, baseado na contração muscular, exige que o Popper use a musculatura das pernas de forma a acompanhar a batida da música, ao flexionar e estender rapidamente as pernas, o que fornece a impressão de explosão. E esse estilo acaba [...] muitas vezes criando passos que, assim como o robot, remetem ao ilusionismo. A técnica foi responsável pelo surgimento de um dos movimentos mais famosos do mundo da dança, o back slide, criado pelo dançarino Bill Bailey na década de 50 e imortalizado anos mais tarde por Michael Jackson com o nome de moonwalk. (PIMENTEL, 2020, p.2). 24 No Popping existe uma diversidade de modos que trabalham isoladamente as partes do corpo como técnica Isolation. E com os membros inferiores não é diferente; há sempre uma busca pelo efeito ilusionista que desafia a compreensão de passos como o Moonwalk, por exemplo. Nele, peso, recuos e avanços se conformam no andar para trás e deslizam. Michael Jackson contribui para popularizar esse modo de se mover, especialmente a partir da performance da música Billie Jean do Álbum Thriller (1983), se transforma em ícone e se torna parâmetro na atração de jovens para o mundo da dança. Imagem 15 - Michael Jackson realizando o Moonwalk Fonte: tvtropes.org, [21--]. Através de movimentações como a do ícone Pop acima, é perceptível a maneira com que as pernas fazem parte do todo nesta dança. Não de modo a estar em total ênfase como se encontra no House Dance, porém sendo tão significativa quanto. De toda forma essa maior ou menor utilização das pernas acontece de modo natural, muita das vezes para deslocamentos interessantes e de impressionar, assim como o Moonwalk. 25 4. A SINGULARIDADE NAS SUBDIVISÕES DAS DANÇAS URBANAS Faz-se necessária a descrição de cada uma das subdivisões quando conferem a singularidade dos corpos a cada uma delas e os efeitos a elas atrelados. Quando falamos de danças Urbanas associamos à cultura Hip-Hop, que carrega historicamente a tentativa de representação de comunidades urbanas afro- estadunidenses e latinas junto ao ambiente urbano. É justamente no “caldeirão” da cultura Hip Hop que se dá o surgimento e formação do conjunto de particularidades inscrito nas subdivisões, nos diferentes modos de se movimentar, vestir e se portar. Mas não só do movimento Hip-Hop vivem as danças urbanas. As danças precursoras da cultura Hip-Hop como o Breakdance, Locking e Popping apresentam o layout de seus criadores e intérpretes: adolescentes e jovens adultos héteros masculinos. No entanto, como contraponto a esse layout, surgem duas danças: o Vogue e o Waacking. Ancoradas especialmente na maior mobilidade dos quadris e nos desenhos mais amplos dos braços. Foi aí, nas estruturas do mundo ballroom, que nasceu o voguing — um estilo de dança inspirado nas poses que as modelos faziam nas páginas da Vogue, e igualmente influenciado pelos hieróglifos do Antigo Egito e pelos movimentos de ginástica. Frequentemente, a persona adotada pelos voguers era uma paródia codificada da feminilidade tradicional, que tanto glorificava como subvertia ideais de beleza, sexualidade e classe. Como um ball-goer descreve no documentário de Jennie Livingston Paris is Burning, “para nós, os balls são o mais perto que alguma vez estaremos de toda aquela realidade de fama, fortuna, estrelato e ribalta.” (SCHIJEN, 2019, p.4). Nesses Ballroons (bailes), nos quais ocorrem os encontros e festas da comunidade gay, na década de 1980, é possível visualizar o novo cenário que se molda nas danças urbanas. Nele, os dançarinos podem buscar outra similaridade entre a dança e o indivíduo que a pratica. O voguing era uma forma dos ball-goers contarem a sua história, mas também uma resposta à crise da SIDA3. Também eraalgo satírico, divertido e cómico, com os participantes a copiarem as poses das modelos da Vogue através de posições paradas ou movimentos que replicavam o ato de maquilhar ou arranjar o cabelo.(SCHIJEN, 2019, p.4). 3 SIDA (Síndrome de Imunodeficiência Adquirida). Mais informações, disponíveis em: https://www.atlasdasaude.pt/publico/content/hiv-e-sida-tudo-sobre-suas-diferencas. nov. 2020. https://www.vogue.pt/a-divina-trindade-da-feminilidade https://www.vogue.pt/a-divina-trindade-da-feminilidade https://www.vogue.pt/voguing-historia-danca https://www.vogue.pt/voguing-historia-danca 26 O Waacking também aparece com esse intuito de sátira de episódios na vida urbana do período, mas difere do Vogue pela dinamicidade de sua movimentação e nas poses típicas da cultura queer: Quando nos voltamos para a compreensão da dança e sua contextualização histórica e como ela se dá na prática, vemos os sujeitos envolvidos em atividade que os colocam em situações de exposição de seus gestos rítmicos, assim estando diretamente ligado com a exposição que o individuo se coloca perante o que está externa a ele, dessa forma podendo estar mais vulnerável a percepção social. (GOMES, 2015, p.16). Hoje, tais modos de se mover não se restringem ao ambiente gay; a prática de ambas as danças se encontra disseminada em “ambiente hétero”, homens e mulheres, idosos e crianças. As danças urbanas trazem consigo particularidades e estilos diversos justamente por essa heterogeneidade de corpos, e a maneira de se expressar corporalmente. Imprime como uma marca de cada uma das subdivisões dela no mundo em sua generalidade. Essa marca, particular de cada uma das danças urbanas, é o passaporte contra a confusão estabelecida pelo senso comum de definição do termo Breakdance como única via quando são diversos os modos de se mover e dançar. 4.1 Aspectos da Singularidade Ao falarmos da singularidade das danças urbanas, referimo-nos à maneira de se portar e agir mediante as suas subdivisões; o que motiva cada movimento e não apenas a reprodução de passos. A generalidade apressada não dá conta do entendimento das motivações em cada uma delas, o como se posiciona face à singularidade: mais satírico no Waacking, com a consciência muscular precisa no Popping, a sensualidade no Twerk ou a “agressividade” no Krump e no Breakdance. No entanto, esse traço da “agressividade” está bastante presente nas danças urbanas face às raízes do próprio movimento Hip-Hop. Um ambiente de conflitos entre gangues e de mortes entre pessoas da mesma comunidade. Para, então, descarregar essa rivalidade e agressividade de modo a não ocasionar mais impactos negativos, tudo isso é levado para a pista de dança. Nela, pode-se 27 demonstrar sua capacidade, defender sua equipe e se sobrepor ao adversário de maneira não violenta. O Breakdance é o primeiro estilo a ser referendado quando se associa ao lugar do escoamento de impulsos “agressivos”. Mas recentemente apareceu outra dança que pode ocupar também esse lugar: o Krump serve como uma dança apaziguadora. A estética do Krump pode ser: forte, feroz, agressiva, violenta, assustadora, sarcástica, cômica, etc., de acordo com o personagem do krumper; através destas imagens as percepções e sensações se afloram na construção de uma session (sequência de dança) proposta pelo krumper: Inicia-se com o Start-Off, Krump (técnica), Buck (feeling da dança), Get-Off ou Liveness, Hype (presença- conexãocypher), Concept (história, ideia, mensagem, metáfora). Os krumpers tem o dom dançar constantemente nestes paradoxos, transformando o agressivo e assustador no belo e extraordinário. (SILVA, 2018, p.10). Por muitas vezes confundida como uma dança violenta, o Krump se dirige para o lado oposto. A tensão e a raiva podem nela existir, porém não dominam a ponto de ensejar violência; está dissipada na movimentação dos corpos. Cristiane C. Fonseca (2008) destaca que: a dança enfatiza movimentos de forma estética, levando o sujeito a uma reflexão dele mesmo, como modo de vida e cultura. Propondo que dançar é um meio dos indivíduos constituírem sua experiência com o mundo através do movimento promovendo resgate de sentimentos ocultos e oprimidos, provocando efeitos positivos na imagem corporal. (MELO; INGUAGGIATO apud FONSECA, 2017, p.13). Deve-se ressaltar o aspecto de reordenamento individual, não apenas do Krump, possibilitado por todas as subdivisões das danças urbanas. Talvez elas sejam capazes de fazer com que o indivíduo conheça mais um pouco sobre si próprio. Até conseguir, com o passar do tempo, numa prática consistente na subdivisão escolhida, moldar sua postura em relação à maneira que se impõe socialmente e na dança. As danças urbanas colaboram para reafirmação individual, provavelmente em função da gama de estilos, suas subdivisões, as quais carregam um arsenal para o repertório corporal. Entender a diversidade pode ser o início de um processo de introjeção das nuances presentes nelas, as danças urbanas. 28 5. A HETEROGENEIDADE COMO FERRAMENTA DE ENSINO Por fim, e não menos importante, partimos para o que se deve compreender dessas particularidades em nosso cotidiano enquanto licenciados em dança e professor de danças urbanas: o olhar sensível à heterogeneidade dos corpos ao mostrarmos essas possibilidades existentes nas danças urbanas para interessados e praticantes. 5.1. Ajustar-se às Subdivisões: observar a heterogeneidade dos corpos Ao tratarmos de danças urbanas, reiteradamente devemos considerar a existência da multiplicidade de corpos com suas habilidades e restrições; e, também, como, na posse de determinada subdivisão, o indivíduo interage com a pluralidade de procedimentos em dança. E que tais procedimentos são instâncias organizadoras da expressão corporal e do entendimento enquanto indivíduos. Dessa maneira, esses mesmos corpos devem entender o que querem deixar transpassar através deles de modo que sua forma de estar e expressar façam mais sentido dentro de algumas das subdivisões das danças urbanas. Como abordamos na Introdução, e reiteramos agora, as danças urbanas promovem uma singularidade no universo diverso das danças existentes na atualidade, sejam destinadas à criação de produtos artísticos em dança seja como expressão de determinado agrupamento social: um mesmo corpo tem a opção da escolha do aprendizado de determinado procedimento ao invés de outro dada a quantidade de modos de dançar em um mesmo lugar, as danças urbanas. Se isso é uma solução, também pode ser um problema face às dúvidas de se experimentar layouts díspares como o Breakdance e o Vogue. O importante a se considerar é a necessidade de que a percepção do praticante esteja, não somente apta, mas “aberta” às necessidades dessa diversidade, se essa for a escolha. Não adianta o/praticante/artista/intérprete/aluno se encontrar em uma “bolha” para a criação de sua persona dentro das danças urbanas, mas se faz necessário o acolhimento das instruções básicas e fundamentais, e a garantia da disponibilidade face ao desafio imposto pela diversidade de se mover/dançar. 29 O professor de danças urbanas é o espelho no qual o praticante poderá buscar melhor explicação de como opera seu entendimento do pensamento corporal, aquilo que diz respeito a si mesmo como a cinestesia e aquilo que configura um determinado layout, aquilo que é cinético. Neste caso, é preciso considerar os mecanismos para a facilitação dessa tarefa; por exemplo: seja uma energia “invisível” contaminadora de aluno em aluno através da “ondinha”, e pelo próprio corpo como acontece com a técnica WAVE, criar impulsos elétricos ou então construtos imaginários com o TUTTING, isso tudo se tem em uma única dança que é o POPPING. A estratégia de associação metafórica a determinado passo facilita aaprendizagem e o conhecimento da ideia de cada movimento nos corpos dos alunos. Temos, portanto, na associação imagética com gestos e movimentos do cotidiano um território que facilita a explicação de um determinado passo, e não somente a sua inserção no espaço-temporal, para que possa ecoar no praticante as múltiplas camadas para fazê-lo. Assim, proporcionar a aproximação com os modos das danças urbanas e o corpo do praticante aceitar o desafio de incorporar o vocabulário e desenvolver a sintaxe coreográfica ao experimentar diferentes ênfases corporais. Aqui a parceria do que se pode expressar com a sintaxe coreográfica e o que pode ser privativo ao corpo do praticante. Estímulos imagéticos são acompanhados por estímulos visuais e sonoros, e aqui com ampla repercussão porque elas, as danças urbanas, são desenvolvidas especialmente a partir da sonoridade; sonoridades, diga-se face à natureza de sua diversidade na ajuda na formação do layout das subdivisões. A dança, grosso modo, é uma ferramenta de extrema importância para o indivíduo na compreensão individual de seu lugar no mundo. Ela trabalha as possíveis associações e interpelações entre corpo e conteúdo mental, e, também, colabora na comunicação corporal dos momentos de atrelamento, seja alegre ou triste, no prazeroso ou desconfortável. No ensino escolar, deve-se ater à capacidade de um corpo se expressar e dessa “expressividade” depreender as possibilidades no cenário fulgurante e diversificado das danças urbanas. Iluminar a partir dessa “expressividade individual” as instruções e normativas seguidas por cada uma das subdivisões. Imagina-se o 30 sucesso de determinado padrão vocabular se relevar os aspectos concernentes à “expressividade individual” quando carrega restrições e estímulos a serem superados. Portanto, um determinado padrão vocabular não deve ser esquecido, e sim inserido nos sucessivos momentos do processo de aprendizagem. Mas isso deve ser exposto depois do primeiro contato com determinada subdivisão, uma primeira aproximação com os elementos constituintes das danças urbanas. Projeta-se que cada aluno possa demonstrar as capacidades corporais à medida do avanço em direção à conformação do layout de determinada dança. A tarefa é simultânea à categorização e análise de “pontos fortes” ou “pontos fracos” somados pelo praticante, e a partir deles explorar potencialidades e a diminuição das dificuldades no desenvolvimento do layout. 5.2 As Danças Urbanas como Ajustes Pedagógicos A observação das particularidades corporais é chave quando se quer avançar na aprendizagem de determinada subdivisão das danças urbanas. Como alertamos, há a considerar a existência da “expressividade individual” especialmente em situação do ensino das bases e fundamentos de uma dança. É ela, a “expressividade individual”, quem molda os corpos de modo heterogêneo no processo que António Damásio chama de mapeamento corporal. O neurocientista António Damásio (2011) aborda a relação estabelecida entre cérebro e, consequentemente, conteúdo mental, e corpo. Para ele, o cérebro tem a capacidade de criar mapas corporais. O cérebro mapeia o corpo de modo integrado ao conseguir desenvolver o componente fundamental daquilo que virá a ser o self, ao introduzir o corpo como tema central. Segundo Damásio (2011), o mapeamento corporal é a chave para elucidar o problema da consciência, os sentimentos corporais e as emoções. Isso é realizado quando há a transmissão de informações sobre quantidades e qualidades, o efeito qualitativo de fundo na composição corporal, na modelagem da “expressividade individual”, que compõem as diversas paisagens dos fenómenos corporais. 31 Entender assim permite a inclusão do corpo como um tema natural em via de mão dupla, aspecto negligenciado pela literatura versada sobre educação; tal literatura se centra basicamente pela sociabilidade, no clássico entendimento da educação como networking sem considerar as estruturas sustentadoras dessa rede. Em cada corpo que se pode observar a exceção, as restrições frente ao ordenamento das instruções que geram determinada subdivisão. Observar a existência e as consequências da exceção permitem ajustes no ensino das danças urbanas. Por isso, deve-se considerar o grau de prontidão afeto a cada corpo porque é produto do mapeamento cerebral que se faz do corpo; especialmente, entre iniciantes que almejam a ultrapassagem de procedimentos necessários para a configuração do layout de determinada dança das danças urbanas. Considerar e detalhar os limites que se apresentam em determinado grupo de iniciantes é chave do sucesso do tipo de configuração corporal para uma adequada aprendizagem. Um cenário que não se encontra moldado, mas se constrói na rotina de ajustes pedagógicos no ensino de determinada subdivisão das danças urbanas. Nelas, são diversas as saídas frente à problemática da heterogeneidade corporal e, consequentemente, da “expressividade individual”. Uma delas está, reiteramos, na observância da diversidade corporal e no modo faseado de apresentar as instruções dos passos. O entendimento em como os corpos se movem em acordo com a sequência de passos de cada uma das subdivisões é fulcral no sucesso da aplicação pedagógica. Cada uma delas carrega seus elementos da força e o ponto de aplicação, na zona muscular na qual a força atua diretamente. Na posse desse entendimento, relevar outros elementos que podem atuar em escala ou simultaneamente. Referimos à orientação de uma dada direção, a linha de atuação e a intensidade dessa força. Deve-se, também, considerar a oportunidade do contato com iniciantes e praticantes proporcionado na formação do licenciando em dança no Estágio supervisionado obrigatório. Dele, o contato, a proximidade, a chance de se aplicar o entendimento da existência da heterogeneidade dos corpos e as possíveis estratégias de se apresentar determinada subdivisão. Operar, portanto, como se 32 encontrasse em um laboratório de testagem e aplicação das fases necessárias à aprendizagem do Popping ou Locking ou outra dança. Isso se dá quando se escuta e procura o entendimento das necessidades de cada praticante, como se move e se apresenta corporalmente, e o que ele pode acrescentar ao planejamento pedagógico; isto é, introduzir uma série de práticas moldáveis, saber esvaziar parte do seu conhecimento para que ele somado ao do aluno produza um novo cenário frente à “expressividade individual” e a heterogeneidade corporal. Portanto, é possível entender o estágio como uma ferramenta importante para esse entendimento em como funciona em um contexto escolar, e talvez ainda mais importante, como a aprendizagem possa ser instigada, potencializada e polida de acordo com a faixa-etária, personalidade e contexto social. Aqui, observar a realidade circundante é crucial mediante uma arte que tem suas origens nas ruas e em diferenciados ambientes sociais. E, finalmente, faz-se necessária a lembrança das danças urbanas como heterogênea no processo de sua modelagem enquanto modo de olhar e se portar no mundo, e, consequentemente, na constituição do layout do Break, Locking, Popping, House Dance, Dance Hall, Vogue, Waacking, Krump e Twerk. Tal modelagem produz e é produzida por corpos heterogêneos. 6. CONSIDERAÇÕES FINAIS Há quem considere dispensável ou desnecessário o ensino da dança na rede escolar. Quem postula tal posicionamento desconhece a quantidade e qualidade da informação gerada no conhecimento e na prática de qualquer dança. A dança, portanto, é geradora de informação sobre como se pode operar no mundo e produto desse mundo. Pode fornecer ao praticante a oportunidade para acessar mais sobre si mesmo, entender sua “expressividade”, ação facilitadora do entendimento do ambiente no qual se encontra. O estudo anatômico é uma dessaspossibilidades no que tange ao entendimento das modificações corporais oferecidas pelas danças urbanas, por se apresentar heterogênea e, assim, implicar na existência da heterogeneidade de corpos dos quais produz e por elas é produzido. 33 Temos, portanto, excelente ferramenta de exploração das capacidades corporais e da “expressividade individual” com as subdivisões das danças urbanas, para atuar em ambiente escolar e não escolar. O presente trabalho se centra na possibilidade que as danças urbanas têm ao operar com as diferenças corporais, a ponto de torná-las insignificantes perante à “expressividade individual“ e a corporeidade heterogênea que se encontra em toda parte; de modo a deixar cada vez mais fluído o contato do indivíduo com a dança, e olhar para a heterogeneidade dos corpos e ao mesmo tempo para as subdivisões das danças urbanas e dessa maneira possibilitar uma análise mais abrangente do entendimento do ensino e aprendizagem da dança. Dessa forma, compreendemos melhor a importância que devemos dar aos detalhes e trabalhos didáticos, vislumbrar uma compreensão no que se refere a entender o aluno e a realidade que o cerca, como também não medir esforços para que as dificuldades no aprendizado dos estilos das Danças Urbanas possam ser superadas. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ALMEIDA, Fabiana. Lembra o Funk, mas é Twerk! Saiba mais sobre esse estilo de dança urbana. saiba mais sobre esse estilo de dança urbana. 2020. Na ponta do Pé. Disponível em: https://www.napontadope.com/lembra-o-funk-mas-e-twerk-saiba- mais-sobre-esse-estilo-de-danca-urbana/. Acesso em: 19 set. 2020. ANJOS, Kátia Silva Souza dos; OLIVEIRA, Régia Cristina; VELARDI; Marília. A construção do corpo ideal no balé clássico: uma investigação fenomenológica. Escola de Artes, Ciências e Humanidades, Universidade de São Paulo. in: Revista Brasileira de Educação Física e Esporte. São Paulo. 2015. 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