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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE COMUNICAÇÃO SOCIAL ETHOS POLÍTICO NAS CAPAS DO JORNAL AGORA RN: UMA ANÁLISE DA IMAGEM DE ROGÉRIO MARINHO Águida Maria da Silva Cunha NATAL 2018 ÁGUIDA MARIA DA SILVA CUNHA ETHOS POLÍTICO NAS CAPAS DO JORNAL AGORA RN: UMA ANÁLISE DA IMAGEM DE ROGÉRIO MARINHO Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como exigência parcial para a obtenção do diploma de graduação em Comunicação Social (Jornalismo). Orientador: Prof. Dr. Adriano Medeiros Costa NATAL 2018 FOLHA DE APROVAÇÃO Ethos Político nas capas do jornal Agora RN: uma análise da imagem de Rogério Marinho Águida Maria da Silva Cunha Trabalho de conclusão de curso apresentado à Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN, como exigência parcial para a obtenção do diploma de graduação em Comunicação Social (habilitação em Jornalismo). Data da Aprovação: 05/12/2018 BANCA EXAMINADORA: Professor Dr. Adriano Medeiros Costa (Orientador) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Professora Dr.ª Michelle Ferret Badiali (Membro) Universidade Federal do Rio Grande do Norte – UFRN Professor Ms. Fernando da Silva Cordeiro (Membro externo) Universidade Federal Rural do Semi-árido – UFERSA NATAL / 2018 Dedico esse trabalho a Deus por todas as bênçãos com que Ele tem me presenteado diariamente. A Nossa Senhora de Lourdes, por sua poderosíssima intercessão e por nunca deixar sua filha desamparada. E a Santa Terezinha do Menino Jesus, por ouvir minhas preces e por se mostrar poderosa na simplicidade de uma rosa. AGRADECIMENTOS Agradeço a Deus, primeiramente, por ser o condutor de minha vida, por me dar forças para seguir quando eu quero parar e por sempre se mostrar presente nas pequenas coisas. Pelos inúmeros aprendizados durante a caminhada e durante um ano tão difícil e cheio de adversidades. Obrigada, Senhor, porque mesmo diante de minha pequenez, Tu não desistisses de mim. Agradeço também a Nossa Senhora, por ser essa mãe tão generosa que nunca desempara seus filhos e os entende e estende sua mão sempre que necessário. À minha família, que mesmo sem compreender exatamente o meu caminhar, me apoiou e deu forças durante toda essa caminhada. Obrigada por ser meu sustento, minha base, a família que eu não trocaria por nenhuma outra e pelas inúmeras diferenças que nos torna únicos. Um agradecimento em especial a minha avó, Expedita, não há nada a dizer que possa expressar melhor minha gratidão que um “eu te amo”. Quero agradecer especialmente a minha mãe Márcia, por me dar a luz e acreditar sempre em mim; ao meu pai Sandro e a sua esposa Mariana, sinto suas vibrações mesmo tão longe; ao meu avô, Antonio, por ser um grande homem; a Elizangela, pelo amor; a Ednalva, por estar sempre pronta a ajudar; a Fátima, por estender a mãe quando preciso. Ao meu orientador, que me ajudou em diversas situações durante toda a graduação, e que agora eu tenho a honra de ter sua orientação em um trabalho tão importante para mim como esse. Obrigada por todas as palavras de incentivo e por ser sempre tão compreensivo com seus alunos. Você é um docente e tanto. As minhas amigas (sim, amigas, no feminino, pois uma mulher forte sempre está cercada de outras mulheres fortes) que estiveram comigo durante todo este ano e que extrapolaram os limites do amor fraternal, muito obrigada! A Bruna, por todos os anos de amizade; a Vitória, por ser mais que amiga, mas uma irmã de vida; a Suzana, presente de Nossa Senhora em minha vida; a Alana, minha amiga querida que topa qualquer parada; a Alynne, a amizade mais inesperada do ano, mas que me rendeu bons aprendizados; a Marília, outra amizade inesperada, que foi meu incentivo para seguir adiante com a monografia. Agradeço a todas essas mulheres que marcaram minha vida de alguma forma, muito obrigada por tudo. Eu amo vocês. Aos meus amigos de graduação, por todo o incentivo e todas as risadas compartilhadas, sentirei muita falta de vocês. Um abraço especial a Alencar, a Danilo e a Pedro. Quero agradecer também a Denis, por ter sido luz durante todos os anos da graduação e por ter cumprido com louvor seu papel em minha vida. Muito obrigada, por tudo. Você é grandioso, nunca se esqueça do seu valor. A todos os que acreditaram em mim, muito obrigada! Eu estou me tornando jornalista e vocês fazem parte dessa história. RESUMO A presente pesquisa se propôs a analisar o ethos político do deputado federal Rogério Marinho representado nas capas do jornal Agora RN. Como metodologia, a pesquisa utilizou o conceito de ethos político para Patrick Charaudeau. As capas analisadas foram publicadas no período de 24 de abril a 15 de setembro. Para a análise, foi realizada uma contextualização política que buscou verificar quais as relações entre o cenário político e a representação de Rogério Marinho. Além disso, foram apresentados os conceitos de opinião pública, quais suas implicações para o debate político e como a mídia desempenha seu papel de mediadora dessa relação. Verificou-se também como age o jornalismo político e quais as consequências de sua atuação no processo político. Por fim, foram discutidas quais as instâncias do discurso político e seus lugares de fabricação, para Charaudeau. Palavras-chave: Jornalismo Político, Opinião Pública, Ethos Político, Discurso Político. ABSTRACT The present research aimed to analyze the political ethos of federal deputy Rogério Marinho represented on the covers of the newspaper Agora RN. As a methodology, the research used the concept of political ethos for Patrick Charaudeau. The analyzed covers were published from April 24 to September 15. For the analysis, a political contextualization was carried out that sought to verify the relationships between the political scenario and the representation of Rogério Marinho. In addition, the concepts of public opinion were presented, their implications for the political debate and how the media plays its role as mediator of this relationship. It was also verified how political journalism acts and what are the consequences of its performance in the political process. Finally, the instances of political discourse and their places of fabrication were discussed for Charaudeau. Keywords: Political Journalism, Public opinion, Political Ethos, Political speech. SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO ........................................................................................... 12 2 IMPRENSA E OPINIÃO PÚBLICA ............................................................ 14 2.1 Opinião Pública: conceituação ............................................................ 14 2.2 Democracia e opinião pública ............................................................. 16 2.3 Mídia e opinião pública ........................................................................ 17 3 JORNALISMO E POLÍTICA ....................................................................... 22 3.1 Cenário de Representação Política (CR-P) ......................................... 25 4 DISCURSO POLÍTICO .............................................................................. 30 4.1 Setores da ação social ........................................................................ 33 4.2 Discurso político: lugares de fabricação .............................................. 34 5 ETHOS POLÍTICO .....................................................................................36 5.1 Ethé de credibilidade ........................................................................... 37 5.1.1 Ethos de sério ..................................................................... 38 5.1.2 Ethos de virtude .................................................................. 38 5.1.3 Ethos de competência ......................................................... 39 5.2 Ethé de identificação ........................................................................... 39 5.2.1 Ethos de potência ................................................................ 39 5.2.2 Ethos de caráter .................................................................. 40 5.2.3 Ethos de inteligência ........................................................... 40 5.2.4 Ethos de humanidade.......................................................... 40 5.2.5 Ethos de chefe .................................................................... 41 5.2.6 Ethos de solidariedade ........................................................ 41 6 METODOLOGIA ........................................................................................ 42 6.1 A importância da capa para o jornal impresso .................................... 42 6.2 Jornal Agora RN: o impresso no caminho inverso dos grandes veículos de comunicação ............................................................................................ 45 7 RESULTADOS E DISCUSSÕES ............................................................... 47 7.1 Rogério Marinho: construção do ethos político ................................... 49 7.1.1 Jornal Agora RN, edição 42, dia 24 de abril de 2017 .......... 49 7.1.2 Jornal Agora RN, edição 79, dia 16 de junho de 2017 ........ 50 7.1.3 Jornal Agora RN, edição 103, dia 20 de julho de 2017 ....... 51 7.1.4 Jornal Agora RN, edição 132, dia 30 de agosto de 2017 .... 53 7.1.5 Jornal Agora RN, edição 143, dia 15 de setembro de 2017 55 7.2 O jornalismo político e sua interferência no debate político ................ 56 7.3 Consequências da formação do ethos político para Rogério Marinho 58 8 CONSIDERAÇÕES FINAIS ....................................................................... 60 9 REFERÊNCIAS ......................................................................................... 62 12 INTRODUÇÃO Diante dos avanços tecnológicos nas transmissões e nas formas de se “fazer” jornalismo, os veículos de comunicação tradicionais ou de massa (impresso, rádio e TV) sofreram com a dissolução de seu público (audiência) e tiveram de buscar estratégias para chamar a atenção dos seus leitores/ouvintes/espectadores. Com o advento da internet, as informações circulam quase que instantaneamente ao momento em que o fato acontece, com isso, o conteúdo jornalístico principalmente o produzido pelos jornais impressos se tornou cada vez menos atrativo, devido ao tempo de produção do jornal. Considerando que os veículos de comunicação de massa tiveram que reinventar suas estratégias para despertar o interesse do seu público, nos jornais impressos se destaca a utilização da primeira página (ou capa) como parte da estratégia, visando criar uma identidade do veículo, por meio da distribuição dos elementos gráficos, e chamando a atenção do leitor para seu conteúdo. Por meio das capas dos jornais também é possível visualizar como o veículo de comunicação se posiciona sobre determinados temas. Pode-se afirmar, seguramente, que essas mudanças não ocorreram apenas com os jornais de circulação nacional, mas também em jornais locais que dependem diretamente dos assinantes e principalmente do número de patrocinadores para manter suas atividades em execução. Assim, é perceptível que os jornais locais adotaram as mesmas estratégias para conseguir espaço e público no mercado de notícias locais, à vista disso, apresenta-se aqui o objeto deste trabalho, o jornal impresso Agora RN. O veículo de comunicação Agora RN, curiosamente, fez o caminho oposto da maioria dos jornais impressos, ele surgiu primeiro como um portal de notícias online e, atualmente, existe também na versão impressa. O periódico possui tiragem diária de 10.000 exemplares e alcança um número considerável de pessoas, principalmente pelo fato de ser distribuído gratuitamente pela cidade do Natal. No presente, existem apenas dois jornais impressos em circulação na cidade, Tribuna do Norte e Agora RN. O jornal Agora RN foi escolhido para esta pesquisa por trazer elementos em suas primeiras páginas que, associados ao contexto local e o cenário 13 nacional da política no Brasil, ajudam a compreender o momento político da época em que as edições foram impressas e também como os jornais utilizam estratégias discursivas a fim de influenciar a opinião pública. Além disso, foi observado a frequente representação da figura do deputado Rogério Marinho nas capas deste jornal. Diante disso, surgiram alguns questionamentos: como o Jornal Agora RN apresenta o personagem do deputado Rogério Marinho em suas capas? Em que medida isso reflete o momento político? Qual o ethos político construído pelo deputado em suas “falas” nas capas? Existe alguma tentativa, por parte do Agora RN, de moldar a opinião pública a favor ou contra o político? Quais são as estratégias utilizadas? Para responder tais questionamentos, recorremos à obra Discurso Político, de Patrick Charaudeau, mais especificamente ao conceito de ethos político para analisar as capas em que Rogério Marinho é representado. Além disso, faremos um breve passeio sobre o conceito de opinião pública e como a mídia se relaciona com essa “instituição” em uma sociedade democrática. Discorreremos também sobre o Jornalismo Político e o Discurso Político, segundo Charaudeau. 14 1 IMPRENSA E OPINIÃO PÚBLICA 1.1 Opinião Pública: conceituação A democracia é um regime em que os governantes eleitos pelo povo governam de acordo com a opinião pública (AZAMBUJA, 2008, p.294). Esta é usada pelo governo como justificativa para tomadas de decisões, a fim de uma constante aprovação por parte da sociedade. Como afirma Sena (2007, p.270), a opinião pública é “quase uma força abstracta que nenhuma constituição prevê de forma institucionalizada, mas cuja expressão constitui o fundamento implícito de todas as democracias”. Para tratar sobre o tema é necessário refletir, ainda que superficialmente, sobre seu conceito. A definição de opinião pública é complexa, por se tratar de um fenômeno social em que todos parecem ter certa noção, entretanto esbarra na dificuldade de uma formulação sólida. De acordo com Azambuja (2008, p.295), entende-se que a opinião consiste em julgar verdadeiro um fato ou uma afirmação, mas admitindo que talvez estejamos enganados. É uma convicção mais ou menos profunda, que nos leva a afirmar uma coisa e a proceder de um certo modo; mas é uma convicção que não tem infalibilidade, a certeza de uma verdade cientifica. Já o conceito de público, de acordo com dicionários, se trata daquilo que é de todos, não é particular, e que se refere ao povo em geral. Logo, a opinião pública seria o julgamento desenvolvido a respeito de algum fato, sendo essa convicção compartilhada pela maioria da população de uma nação. Para complementar, destaca-se a contribuição de Gabriel Tarde para o conceito, citado por Azambuja (2008, p. 295), “é um grupo momentâneo e mais ou menos lógico de julgamentos que, respondendo a problemas propostos, em dado momento, é partilhado por numerosas pessoas do mesmo país, do mesmo tempo, da mesma sociedade”. É fato que a opinião pública não é compartilhada por todas as pessoas de uma sociedade, mas por uma maioria, pois, considerando a individualidade de cada um, seria impossível que todos compartilhassem da mesma visão para variados assuntos. Assim, surge a questão: seria então a opinião da maioriaa opinião pública? Não. De acordo com Azambuja (2008, p.297), a opinião da maioria só será opinião pública, quando a minoria se submete a ela sem o uso 15 da força. Para isso, é conveniente existir um acordo entre minoria e maioria sobre a legitimidade da última em impor seu modo de pensar à sociedade. Mas se a opinião da maioria é caracterizada como um crime aos olhos da minoria, uma situação intolerável, digna de ser repelida pelo uso da força, então, para Azambuja, já não se pode considerar a opinião da maioria como opinião pública. Diversos autores tentaram definir o que seria opinião pública, porém, como reconhecido por Steinberg, citado por Sena (2007, p.271), “opinião pública não é facilmente susceptível de definição científica. É um subproduto de processos educacionais bem como do crescimento dos meios de comunicação de massa”. Novelli (1999, p.103), em sua tese “Imagens Cruzadas: Opinião Pública e Congresso Nacional”, esquematiza quatro pontos que dificultam a conceituação da opinião pública segundo Figueiredo e Ceverllini (1995). Resumidamente, são eles: (1) os fenômenos da opinião pública podem pertencer a diversas áreas do conhecimento, como Sociologia, Comunicação, Ciência Política, entre outros; (2) a expressão “opinião pública” faz parte de um conjunto de conceitos considerado clássicos para algumas ciências, como Ciência Política; (3) a amplitude da ideia sobre opinião pública faz com que qualquer conceituação se torne limitada; e (4) a grande vinculação da opinião pública às pesquisas de opinião não colabora para conceituar um fenômeno que é anterior a ascensão das pesquisas de opinião. Apesar de toda a dificuldade em se definir opinião pública, será adotado, para este trabalho, o conceito cunhado por Figueiredo e Ceverllini (1995): todo fenômeno que, tendo origem em um processo de discussão coletiva e que se refira a um tema de relevância pública (ainda que não diga respeito a toda a sociedade), esteja sendo expresso publicamente, seja por sujeitos individuais em situações diversas, seja em manifestações coletivas (FIGUEIREDO; CERVERLLINI 1995, p.116). Para todos os efeitos, diante da falta de consenso entre os autores sobre o conceito de opinião pública, e a necessidade de prosseguirmos o trabalho, cremos que os conceitos aqui refletidos são suficientes para finalizar a explanação sobre a ideia de opinião pública. 16 1.2 Democracia e opinião pública Retomando a associação da Democracia ao conceito de opinião pública, temos por Democracia, também denominada de governo popular ou governo de opinião (AZAMBUJA, 2008, p.294), um regime político em que predomina a liberdade de imprensa, o respeito aos direitos civis e constitucionais, liberdade de organização e expressão do pensamento político, eleições livres, entre outras características. A partir do século XX, a opinião pública, tal como vista no tópico anterior, ganha expressividade na forma de governar dos políticos eleitos, uma vez que eles buscam na opinião pública uma fonte de legitimação política (NOVELLI, 1999, p.101). Compreendido, inicialmente, o elo de união entre a opinião pública e a democracia, podemos afirmar, de acordo com Amaral (2000, p.197), que “tem- se, consensualmente, como pré-requisito da democracia representativa, a existência de uma opinião pública autônoma servida por meios de comunicação de massas antes de tudo livres, isentos, ou plurideológicos ou não-uniformes, ou não-unilaterais”. Essa é a condição ideal para existir uma opinião pública, pois “só existe opinião pública, se houver informação, acesso aos mais diversos assuntos que porventura interessam aos cidadãos” (SENA, 2007, p.295). Por outro lado, Azambuja (2008, p.298) afirma que Para que haja opinião pública e, portanto, para que exista democracia, é necessária uma certa homogeneidade social, e o ambiente mais favorável é a nação. Esta supõe uma comunidade espiritual entre seus membros, uma unidade moral e política sobre a qual as divergências de opinião são como ondas que somente agitam a superfície. Quando o povo está subdividido em facções inimigas e irreconciliáveis, que pensam de modo diverso sobre as linhas fundamentais e os problemas essenciais do Estado, e não estão dispostas a se respeitarem mutuamente, não se pode formar uma opinião pública. Assim, também, quando os indivíduos e os grupos se desinteressam absolutamente dos problemas coletivos, quando cada um cuida exclusivamente dos próprios interesses e ignora e descura do interesse geral, não há opinião pública, nem haverá democracia. Podemos concluir que para existir opinião pública em regime democrático deverá simultaneamente haver o interesse da população sobre os problemas essenciais do Estado; o acesso à informação de forma livre e isenta 17 para o conhecimento desses problemas; e certa homogeneidade social para a obtenção de uma unidade moral e política na sociedade. 1.3 Mídia e opinião pública Os estudos contemporâneos sobre o fenômeno da Opinião Pública não desconsideram a influência da mídia sobre a primeira. Aliás, como citado no tópico anterior, é por meio da mídia que o cidadão de uma sociedade democrática adquire conhecimento sobre os assuntos pautados pela opinião pública. Entretanto, a mediação realizada entre os meios de comunicação e a sociedade se apresenta um tanto quanto problemática, uma vez que não há como controlar a influência dessa mediação sobre a informação e a recepção da mensagem em cada indivíduo. Além disso, não se pode falar em acesso a informação neutra para a formação de uma opinião própria. Acerca da questão da neutralidade da informação e dos meios de comunicação, Sena (2007, p.273) afirma que os media não são simples veículos neutros da informação transmitida, pois fazem um exigente trabalho de enquadramento temático das questões que divulgam ao público, mas nem sempre informam atribuindo a mesma importância aos factos que as fontes enfatizam, sobretudo as mais próximas das elites políticas ou mesmo segundo os critérios de interesse e exigência públicos. Através dos interesses midiáticos, os acontecimentos angariam posição de destaque no meio social e se tornam pertinentes de obter interpretação e espaço dentro da opinião pública. O reconhecimento da mídia sobre um fato e a sua publicitação permite que haja, além de espaço, uma formação da opinião pública sobre ele. Todavia, não se pode creditar somente à imprensa a formação da opinião pública, de acordo com Sena (2007, p.293), as investigações realizadas pelos estudiosos sobre o tema demonstraram efeitos pouco significativos. A relação entre as questões sociais tratadas pela mídia e “o grau/ordem de importância atribuída pelo público-receptor dessas mensagens mediáticas, foi um dos grandes estudos que fez catapultar a ideia de que os media estabeleciam uma agenda temática e com isso influenciavam a opinião pública” (SENA, 2007, p.293). Ou seja, é a partir da agenda midiática que se pode verificar a influência da mídia sobre a opinião pública. Segundo a autora, 18 a agenda midiática está subdividida em três tipos: a agenda da mídia (agenda setting), a agenda das políticas públicas que é a dos atores políticos e a agenda dos interesses dos cidadãos ou da opinião pública. Para fins didáticos nos deteremos apenas sobre o conceito de agenda setting, visto que não será necessário, para os objetivos desse trabalho, entender o que é a agenda das políticas públicas; o conceito de opinião pública já foi citado nos tópicos anteriores. A teoria do agendamento ou agenda setting, bastante debatida entre os estudiosos da Comunicação, defende que “os consumidores de notícias tendem a considerar mais importantes os assuntos que são veiculados na imprensa, sugerindo que os meios de comunicação agendam nossas conversas” (PENA, 2015, p.142). Para essa teoria,a mídia não persuade o consumidor, mas influencia na formação e maneira como as pessoas apreendem as informações e seu conhecimento sobre o mundo. Posto que muitas pessoas têm a mídia como única fonte de informação sobre acontecimentos do mundo, são os veículos de comunicação que criam as imagens desses acontecimentos na mente delas, constituindo, assim, a ligação das pessoas com a realidade. A agenda setting propõe entender qual o impacto acumulativo da exposição desses consumidores a essa representação produzida pela mídia sobre a realidade. Os estudos baseados nessa teoria mencionam a confluência entre a agenda midiática e a agenda da opinião pública. “Entretanto, seus objetivos não são verificar mudanças de voto ou de atitude, mas sim a influência da mídia na opinião dos cidadãos sobre que assuntos devem ser prioritariamente abordados pelos políticos” (PENA, 2015, p.144). Isso quer dizer que, a relevância de um assunto na pauta da agenda pública cresce na medida em que aumenta a cobertura da mídia sobre o mesmo tema. Dessa forma, podemos concluir que a influência da mídia sobre a opinião pública não se dá diretamente, como na teoria da agulha hipodérmica, mas gradativa e acumulativamente, sendo a exposição frequente e cotidiana aos assuntos pautados nos veículos de comunicação determinante para o seu agendamento na pauta da opinião pública. 19 A ação da mídia nessa representação da realidade social forma a cultura e age sobre ela. No livro Teoria do Jornalismo, Felipe Pena (2015, p.145) cita três características básicas dessa ação segundo Neumann. A primeira é a acumulação, que discorre sobre a capacidade da mídia para criar e manter a relevância de um tema; o segundo é a consonância, em que as semelhanças nos processos produtivos de informação são mais significativas que as diferenças; e a terceira fala sobre a onipresença, que trata do consentimento do público em a mídia estar em todos os lugares, reconhecendo também a sua influência. As características identificadas por Neumann se relacionam com o descrito por Marilena Chauí em sua obra “Simulacro e Poder: uma análise da mídia”. Na obra, Chauí disserta sobre o fenômeno contemporâneo da personalização da opinião pública e da espetacularização do real. Chauí, citando Cristopher Lash, indica que os mass media não atribuem mais relevância as categorias de verdade e falsidade, mas as categorias de credibilidade, plausibilidade e confiabilidade. A autora descreve que “os fatos cederam lugar a declarações de ‘personalidades autorizadas’, que não transmitem informações, mas preferências, as quais se convertem imediatamente em propaganda” (CHAUÍ, 2006, p. 8). É necessário entender como o apoio para a credibilidade e confiabilidade é criado, pois existe uma substituição da informação pelas preferências das chamadas “personalidades”. De acordo com Chauí, o apelo à intimidade, à personalidade e à vida privada são fatores que possuem um caráter de controle da ordem social, e explica As relações interpessoais, as relações intersubjetivas e as relações grupais aparecem com a função de ocultar ou de dissimular as relações sociais enquanto sociais e as relações políticas enquanto políticas, uma vez que a marca das relações sociais e políticas é serem determinadas pelas instituições sociais e políticas, ou seja, são relações mediatas, diferentemente das relações pessoais, que são imediatas, isto é, definidas pelo relacionamento direto entre pessoas, e por isso mesmo nelas os sentimentos, as emoções, as preferências e os gostos têm papel decisivo. As relações sociais e políticas, que são mediações referentes a interesses e a direitos regulados pelas instituições, pela divisão social das classes e pela separação entre o social e o poder político, perdem sua especificidade e passam a operar sob a aparência da vida privada, portanto referidas a preferências, sentimentos, emoções, gostos, agrado e aversão (CHAUÍ, 2006, p.9). 20 A personalização da informação defendida por Marilena Chauí tem relação com a primeira característica descrita por Neumann, da acumulação, pois, nesses casos, a mídia tem a capacidade de criar o interesse sobre temas da vida privada, focando em sentimentos e emoções para ocultar questões políticas. Há, ainda, relação com a característica da onipresença, sendo permitido que a mídia esteja presente em todos os lugares, inclusive na vida privada. De acordo com Chauí, a consequência dessa personalização se reflete diretamente sobre a opinião pública, “em lugar da opinião pública, tem-se a manifestação pública de sentimentos” (CHAUÍ, 2006, p.10). No texto, ela faz menção as “sondagens de opinião” e relata que esse tipo de pesquisa não busca a expressão racional de interesses, direitos ou opiniões, mas as respostas não-formuladas e não refletidas criticamente, baseadas apenas nos sentimentos, nos gostos, nas predileções de cada persona. Com isso, podemos perceber três modificações ocorridas com a ideia e a prática da opinião pública, Chauí os intitula de deslocamentos. O primeiro é a “substituição da idéia de uso público da razão para exprimir interesses e direitos de um indivíduo, um grupo ou uma classe social pela idéia de expressão em público de sentimentos, emoções, gostos e preferências individuais” (CHAUÍ, 2006, p. 12). O segundo se trata da substituição do direito das pessoas de opinar individual e coletivamente, sendo essas opiniões expressadas por personalidades ou “formadores de opinião”, como intelectuais, artistas e jornalistas. O terceiro fala sobre a formação e mudança na forma de ocupação do espaço da opinião pública pelos grandes oligopólios de comunicação a nível internacional, que se constituíram sobre a mudança na relação dos meios de comunicação com o advento da internet e as tecnologias digitais. Chauí acredita que esses três deslocamentos concomitante a concentração do poder econômico midiático, a nível global, foi responsável por modificações no jornalismo e na sua rotina de trabalho. Esses conglomerados concentram os meios de comunicação tradicionais e digitais (impresso, rádio, TV e internet) e possuem uma relação econômica com o jornalismo, considerando o custo-benefício. Com os meios digitais, o fazer 21 jornalístico se tornou mais ágil, levando o jornalista a procurar meios de apuração rápidos. A consequência desse novo hábito de produção é um jornalismo inexato, apoiado em pesquisas sem profundidade (devido ao pouco tempo de produção) e em personalidades que ancorem as falas das matérias jornalísticas. “Rápido, barato, inexato, partidarista, mescla de informações aleatoriamente obtidas e pouco confiáveis, não-investigativo, opinativo ou assertivo, detentor da credibilidade e da plausibilidade, o jornalismo se tornou protagonista da destruição da opinião pública” (CHAUÍ, 2006, p.14). 22 2 JORNALISMO E POLÍTICA Como visto no capítulo anterior, a representação apresentada à população de uma sociedade democrática se dá por meio dos veículos de comunicação. Vimos também que para validar suas atitudes, muitos governantes recorrem à opinião pública. Sendo assim, é necessário reconhecer o papel fundamental da mídia na mediação entre os interesses políticos e os da sociedade. Segundo Lima (2004, p.176), a mídia tem se transformado em “palco e objeto privilegiado das disputas pelo poder político na contemporaneidade”, isso é resultado da onipresença dos meios de comunicação, consentida pela maioria da população, proporcionando ao jornalismo o feito de ser a praça social onde os fatos políticos são veiculados e onde a notícia aparece como equivalente a realidade (BARRETO, 2006, p.12). Outra questão relevante para discutir a relação entre jornalismo e política, é considerar a centralidade da mídia na sociedade, conforme Miguel (2002), é necessário “o reconhecimento de quea mídia é um fator central da vida política contemporânea”. Amplamente discutida por Lima (2004), a noção de centralidade, segundo ele, está sendo aplicada nas ciências sociais igualmente para pessoas, instituições e ideias-valores. Para considerar a centralidade da mídia em uma sociedade é necessário existir um sistema nacional de telecomunicações (impresso, internet, rádio e televisão) consolidado. De acordo com Lima (2004), a maioria das sociedades contemporâneas estão centradas na mídia; ela possibilita a construção de conhecimento público acerca das tomadas de decisões por parte dos seus membros nas diferentes esferas da atividade humana. Em decorrência disso, Lima destaca que o papel mais importante que a mídia desempenha decorre do poder de longo prazo que ela tem na construção da realidade através da representação que faz dos diferentes aspectos da vida humana (...) e, em particular, da política e dos políticos. É através da mídia – em sua centralidade – que a política é construída simbolicamente, adquire um significado (p.51). Segundo Novelli (1999), cada vez mais a comunicação age como ator e instituição política. “O jornalismo surge como campo interpretativo da atualidade e loccus especial do confronto político” (p.123). Com base nisso e na citação de Lima (2004) destacada acima, podemos afirmar que o jornalismo 23 político ao tentar reconstruir, diariamente, a realidade dos acontecimentos do cenário político, sejam esses relacionados a medidas ou a pessoas públicas, se torna o campo interpretativo e local onde se realiza o confronto político perante a sociedade. Relacionados à centralidade da política nas sociedades democráticas, principalmente em relação à situação brasileira, estão alguns pressupostos defendidos por Lima. Um deles considera que a mídia está substituindo os partidos políticos nas suas funções mais tradicionais. A primeira substituição acontece quando a mídia passa a exercer a função de mediadora entre candidatos e eleitores na corrida eleitoral. Lima acrescenta que outras funções dos partidos políticos foram absorvidas pela mídia, como (a) definir a agenda dos temas relevantes para a discussão na esfera pública, (b) gerar e transmitir informações políticas, (c) fiscalizar a ação das administrações públicas, (d) exercer a crítica das políticas públicas, (e) canalizar as demandas da população junto ao governo (LIMA, 2004, p.191). Atribui-se também a mídia uma crescente “personalização” da política, dando preferência a cobertura jornalística dos candidatos e não dos partidos. Destarte, a política, o processo político e as disputas políticas estariam sendo representadas por pessoas (políticos) e não por propostas políticas alternativas (partidos) (LIMA, 2004, p.52). Considerando que o contato feito entre representantes e representados em uma democracia é mediado pela mídia, essa mesma mídia influencia o agendamento da opinião pública e também substitui os partidos políticos em algumas de suas funções perante a sociedade, é perceptível certa adaptação por parte dos políticos a prática jornalística. Weber (2004, p. 266) acredita que “todos os sujeitos políticos cobiçam a aprovação pública, tornando-se dependentes de outras visibilidades não específicas do campo político”. Por consequência, os políticos estão sempre buscando construir uma boa imagem junto aos veículos de comunicação e, para isso, eles utilizam diversas estratégias a fim de tentar controlar as impressões da audiência (ALVERNE; MARQUES, 2013). As estratégias as quais Alverne e Marques se referem, foram descritas por Weber (2004), a autora afirma que a “imagem pública é uma estratégia de ‘visibilidade de resultados’”, e completa que para concretizar essa visibilidade 24 (...) cada instituição e cada sujeito político mantém um sistema estratégico, administrado por especialistas, com objetivo de conquistar e produzir opiniões públicas e privadas, apoio, adesões, participação direta e indireta; geração de votos; aquisição de objetos e idéias; ocupação de espaços informativos e relações com as mídias. Para tanto, são construídas estruturas de produção em série de informações, propaganda eventos, discursos e produtos da simbologia da política, assim como planejados os modos de relacionamento com as mídias e de aferição de opiniões. (WEBER, 2004, p.267). De acordo com Weber (2004), a constituição da imagem pública é mantida como “fator vital à visibilidade e reconhecimento de instituições e ‘sujeitos da política’ (partidos, governos, políticos, ideologias, governantes)” (p.260). A discussão sobre a imagem pública é indispensável, uma vez que é inerente ao exercício da política e concerne à coisa pública (p.262). Weber também se refere a imagem pública da política quanto dispositivo acionado pelos pactos e disputas de poder, entre sujeitos, instituições e mídias, é o fator axial de funcionamento da comunicação contemporânea, entre organizações, indivíduos e sociedades que necessitam de visibilidade favorável nos planos pessoal, institucionais, político e mercadológico (Weber, 2004, p.261-262). Essas disputas de poder são abordadas por Alverne e Marques (2013) quando afirmam que a Comunicação e a Política guardam certa autonomia e influência um sobre o outro. Suas relações se mostram complexas e envolvem negociações, tensões e barganhas. Barreto (2006, p.14) corrobora com esse pensamento no sentido de acreditar que o relacionamento entre jornalismo e política é historicamente polêmico e intercomplementar, está envolto em circunstâncias de pressões e contrapressões de bastidores “bem como nos interesses econômicos das empresas jornalísticas, ao mesmo tempo em que o imperativo de informar bem é socialmente cobrado”. O interesse econômico também é um fator relevante no jornalismo político, como afirma Barreto (2006, p.13), “toda essa teia que se estabelece entre jornal/jornalismo e poder agrega interesses de parte a parte, além de preocupações mercadológicas, já que a notícia é um produto”. A monopolização dos veículos de comunicação reflete essas preocupações mercadológicas, uma vez que, em um sistema capitalista, o jornalismo depende diretamente da quantidade de anunciantes. Sobre isso, Miguel (2002) explica que a monopolização do mercado de comunicação implica em uma 25 uniformização dos produtos jornalísticos, principalmente pelo fato de que os grandes órgãos de mídia compartilham da mesma “visão de mundo”, isso “inclui em especial o compromisso com a ordem capitalista” (p.164). Sobre a concentração midiática, Marilena Chauí expõe que (...)os meios de comunicação tradicionais (jornal, rádio, cinema, televisão) sempre foram propriedade privada de indivíduos e grupos, não podendo deixar de exprimir seus interesses particulares ou privados, ainda que isso sempre tenha imposto problemas e limitações à liberdade de expressão (...). Hoje, porém, os dez ou doze conglomerados de alcance global controlam não só os meios tradicionais, mas também os novos meios eletrônicos e digitais (...) (CHAUÍ, 2006, p.13). Em complemento a Chauí, Miguel (2002) expressa que a convergência tecnológica foi a responsável pelo agrupamento de indústrias de informação e entretenimento, de aparelhos eletrônicos e da telefonia em megaconglomerados, que também possuem participação em outros ramos de produção. “As empresas de mídia são em grande parte dependentes de outras grandes firmas capitalistas, suas anunciantes” (p.164), essa afirmação sintetiza onde queremos chegar ao falar dos interesses mercadológicos sobre a relação jornalismo e política. Com isso, recorremos a Miguel, mais uma vez, ao alegar que “num ambiente de acerbo conflito de interesses, é inimaginável que os meios de comunicação sejam os porta-vozes imparciais do debate político” (p.161). 2.1 Cenário de Representação Política (CR-P) Para melhor compreendermoscomo se organiza a relação jornalismo e política, discorreremos acerca do conceito de Cenário de Representação Política (CR-P) e suas hipóteses. Estudado por Venício A. de Lima (2004), o Cenário de Representação Política está situado dentro de uma tradição mais ampla dos estudos nas ciências humanas. Para isso, o autor se refere aos conceitos de imaginário social1 e da cultura política2, antes de recorrer ao conceito gramsciano de 1 Segundo Baczko (1985, p.299-314, passim, apud, LIMA, 2004, p.179): “Os imaginários sociais constituem [...] pontos de referência no vasto sistema simbólico que qualquer coletividade produz e através do qual [...] ela se percebe, divide e elabora os seus próprios objetivos. [...] O imaginário social é uma peça efetiva e eficaz do dispositivo de controle da vida coletiva e, em especial, do exercício da autoridade e do poder. [...] A influência 26 hegemonia3. Entre esses conceitos, Lima toma a hegemonia como referência teórica básica para situar o Cenário de Representação Política (CR-P). Faz-se necessário analisar a expressão Cenário de Representação Política para melhor compreendê-la. Dessa forma, temos a palavra “cenário” que, para o autor, significa espaço onde ocorre algum fato, por consequência é possível afirmar que a hegemonia se decompõe em diversos cenários específicos que incorporam todas as suas características. Os cenários “se constituem e se realizam no espaço em que o sentido da vida e das coisas é construído, isto é, no espaço das representações” (LIMA, 2004, p. 182). As representações, de acordo com Lima, podem se “referir apenas à existência de uma realidade externa aos meios pelos quais ela (realidade) é dos imaginários sociais sobre as mentalidades depende em larga medida da difusão destes e, por conseguinte, dos meios que asseguram tal difusão. Para garantir a dominação simbólica é de importância capital o controle destes meios, que correspondem a outros tantos instrumentos de persuasão, pressão e inculcação de valores e crenças. [...] os mass media fabricam e emitem, para além das informações centradas na atualidade, [...] os imaginários sociais: as representações globais da vida social, dos seus agentes, instâncias e autoridades [...]". 2 Almond (1990, p.143-44, apud, LIMA, 2004, p.179-80) define a teoria da cultura política nos seguintes quatro pontos: “(1) Ela consiste em um conjunto de orientações subjetivas relativamente à política numa população nacional ou um subconjunto de uma população nacional. (2) Ela tem componentes cognitivos, afetivos e avaliativos: ela inclui conhecimento e crenças a respeito da realidade política, sentimentos com relação à política e adesão a valores políticos. (3) O conteúdo da cultura política é o resultado da socialização infantil, da educação, da exposição à mídia e de experiências adultas com a estrutura e o desempenho social, econômico e do governo. (4) A cultura política afeta a estrutura e o desempenho político e governamental; os constrange, mas certamente não os determina. As setas causais entre cultura e desempenho e estrutura apontam nos dois sentidos”. 3 Hegemonia, para Williams (1979, p.113 e 115-16, passim, apud, LIMA, 2004, p.180- 81), “é todo um conjunto de práticas e expectativas sobre a totalidade da vida: nosso senso e alocação de energia, nossa percepção de nós mesmos e nosso mundo. É um sistema vivido - constituído e constituidor de significados e valores que, ao serem experimentados como práticas, parecem confirmar-se reciprocamente. (...) Em outras palavras, Hegemonia é no seu sentido mais forte uma 'cultura', mas uma cultura que tem também de ser considerada como o domínio e a subordinação vividos de determinadas classes. Uma Hegemonia vivida é sempre um processo. (...) É um complexo realizado de experiências, relações e atividades, com pressões e limites específicos e mutáveis. (....) Além disso, ela não existe apenas passivamente como forma de dominação. A Hegemonia tem que ser continuamente renovada, recriada, defendida e modificada. Também é continuamente resistida, limitada, alterada e desafiada por pressões que não são as suas próprias pressões. Temos então de acrescentar ao conceito de Hegemonia o conceito de contra-hegemonia e de Hegemonia alternativa que são elementos reais e persistentes da prática". “É importante assinalar, todavia, que a definição de Williams, ao destacar a dimensão simbólica, não abarca características da hegemonia como a liderança intelectual e moral da(s) classe(s) hegemônica(s); o consenso como forma de dominação política mais eficaz do que a coerção; e a articulação hegemônica como resultado de alianças entre classes e/ou frações de classe. Essa última característica é que possibilita à hegemonia constituir-se naquilo que Gramsci chamou de "equilíbrio instável" e que lhe dá uma certa estabilidade ou inércia relativa, diferentemente dos CR-PS que, apesar de se constituírem como partes do hegemônico, sendo predominantemente simbólicos, são, portanto, menos duradouros” (LIMA, 2004, p.181). 27 representada (teoria mimética)” ou podem se referir não só a realidade refletida, mas também “à constituição desta mesma realidade”. Assim, para o autor, “representação significa não só representar a realidade, mas também constituí-la”. Desse modo, temos que o CR-P é é o espaço específico de representação da política nas ‘democracias representativas’ contemporâneas, constituído e constituidor, lugar e objeto da articulação hegemônica total, construído em processos de longo prazo, na mídia e pela mídia, sobretudo na e pela televisão (LIMA, 2004, p.182). O CR-P se diferencia do conceito de hegemonia ao enfatizar o “papel central da mídia na construção do hegemônico” (LIMA, 2004, p.186). O autor ressalta o caráter da mídia em ser “constituidor da” e “constituído pela” realidade e completa as ‘representações’ que a mídia faz da ‘realidade’ (media representations) passam a constituir a própria realidade. Aqui está o fundamento para a hipótese de que o CR-P, construído na e pela mídia, define e delimita o próprio espaço da realidade política no mundo contemporâneo. O conceito de CR-P, definido por Lima, se constitui em três pressupostos que formam a base para seu entendimento, são eles: (1) a existência de uma sociedade centrada na mídia; (2) o exercício de uma hegemonia; e (3) a existência da televisão como meio dominante. O primeiro pressuposto retoma a centralidade da mídia nas sociedades contemporâneas já abordada anteriormente, todavia é preciso aliar esse pressuposto ao conceito de hegemonia. Lima (2004) reflete que os meios de comunicação eletrônicos transformaram a mídia no “‘aparelho privado de hegemonia’ mais eficaz na articulação hegemônica (...), na capacidade de construir/definir os limites do hegemônico (da realidade) dentro dos quais ocorre a disputa política” (p.191). O CR-P atribui a mídia, principalmente a televisão, “um papel central na tarefa contemporânea de ‘cimentar e unificar’ o bloco social hegemônico” (p.192). O segundo pressuposto está relacionado ao exercício da hegemonia e implica uma “sociedade ‘ocidentalizada’, com alto grau de socialização política; o Estado amplia-se, constituindo-se de uma sociedade política (aparelho coercitivo) e de uma sociedade civil” (p.193). O exercício da hegemonia também implica não ser possível ser “dominante antes de ser dirigente, isto é, 28 sem que se detenha o consentimento da maioria da população”, a partir disso, a “conquista do consenso hegemônico passa a ser o problema político central”. Esse pressuposto acarreta também em uma permanente possibilidade de que “classes ou frações de classe protagonizem disputas internas (intra- hegemônicas) e/ou externas (contra-hegemônicas) pela direção e pelo consenso”. O terceiro pressuposto não será abordado, uma vez que, não é necessário para o entendimento do conceito nem para osobjetivos deste trabalho. Isto posto, podemos abordar as duas hipóteses defendidas por Lima que se referem ao conceito de CP-R. Mas antes será necessário explicar os conceitos de traços permanentes e constelações simbólicas. O primeiro conceito se refere aos elementos que estão presentes na mídia, mas que são anteriores a ela, como os que formam o nosso imaginário social e a nossa cultura política. Esses elementos são estruturais e constituem “os traços permanentes (residuais, persistentes) de nossa formação cultural” (LIMA, 2004, p.196). Já as constelações simbólicas são elementos transitórios que “evocam traços culturais profundamente arraigados na tradição de nosso imaginário social e de nossa cultura política” (p.197). As constelações assumem uma “posição temporária de dominância dentro do CR-P sem que se altere a correlação de forças básica que constitui a sustentação material da hegemonia na sociedade civil”. Apresentados os conceitos de traços permanentes e constelações simbólicas, podemos observar as duas hipóteses apresentadas por Lima (2004) que se referem ao CR-P. PRIMEIRA HIPÓTESE: O CR-P dominante, embora não prescreva os conteúdos da prática política, demarca os limites dentro dos quais as idéias e os conflitos políticos se desenrolam e são resolvidos, podendo neutralizar, modificar ou incorporar iniciativas opostas ou alternativas; SEGUNDA HIPÓTESE Um candidato em eleições nacionais e majoritárias dificilmente vencerá as eleições se não ajustar sua imagem pública ao CR-P dominante. A alternativa é a construção de um CR-P contra-hegemônico ou alternativo (p.198). Sobre as duas hipóteses, Lima aponta que a correta “identificação de constelações simbólicas (elementos transitórios) eventualmente dominantes na representação política em uma conjuntura nacional e/ou internacional” é decisivo para a compreensão do CR-P em períodos não eleitorais. 29 Já para os períodos eleitorais, Lima faz algumas considerações: (1) “As eleições majoritárias nacionais fazem com que os partidos tentem utilizar em seu benefício (...) os símbolos e as tradições culturais nacionais para que sejam identificados como mais próximos do CR-P dominante” (p.199); (2) “A disputa pela presidência (...) sempre envolve a tentativa de manipulação de símbolos nacionais (...). O CP-R será mais adequado a eleições presidenciais em regimes presidencialistas” onde a figura de principal líder do executivo está ligada a uma só pessoa (p.200); (3) Os candidatos em disputa eleitoral representam interesses em conflitos na “competição intra-hegemônica entre classes e/ou frações de classe do bloco histórico no poder” ou entre “classes e/ou frações de classe do bloco histórico que defendem a manutenção da hegemonia dominante” e “classes e/ou frações de classe que buscam (na luta contra-hegemônica) uma nova articulação hegemônica (ou alternativa)”; (4) A competição citada no tópico anterior se torna "mais facilmente identificável se houver polarização de candidatos nas sociedades com sistemas partidários historicamente frágeis (como é o caso brasileiro) ou em decadência” (p.201); (5) Deve-se considerar o impacto desestabilizador ou de reforço que a conjuntura nacional e/ou internacional pode provocar na relação do CR-P dominante com o processo eleitoral, isso ocorre sempre que a conjuntura for capaz de trazer à tona “elementos ‘permanentes’ preexistentes no imaginário e na cultura política”. Assim, a análise dos efeitos do jornalismo político e suas implicações sobre a opinião pública vai além do agendamento de pautas, mas também influencia na popularidade de candidatos e políticos, no resultados de eleições e plebiscitos. Além de ser peça primordial da promoção de pessoas públicas no âmbito da sociedade. 30 3 DISCURSO POLÍTICO Na obra “Discurso Político”, Patrick Charaudeau (2017) situa aquilo que ele chama de “palavra política” na convergência das relações entre linguagem, ação, poder e verdade. O autor acredita que a palavra política “se inscreve em uma prática social, circula em certo espaço público e tem qualquer coisa que ver com as relações de poder que aí se instauram” (p.16). O campo político possui relações de força em que, de acordo com Charaudeau, é possível determinar quando são tratadas concomitantemente e em interação “as questões da ação política, de sua finalidade e de sua organização; as instâncias que são partes interessadas nessa ação; os valores em nome dos quais é realizada essa ação”. A palavra política é uma prática social pois é formada pela linguagem e ação, ambas possuem uma relação de autonomia uma para com a outra, mas também de interdependência recíproca e não simétrica. Toda linguagem emana de um sujeito que apenas pode definir-se em relação ao outro, segundo um princípio de alteridade (sem a existência do outro, não há consciência de si). Nessa relação, o sujeito não cessa de trazer o outro para si, segundo um princípio de influência, para que o outro pense, diga ou aja segundo a intenção daquele. Entretanto, se esse outro puder ter seu próprio projeto de influência, os dois serão levados a gerenciar sua relação segundo um princípio de regulação. Princípios de alteridade, de influência e de regulação são fundadores do ato de linguagem que o inscrevem em um quadro de ação, em uma praxiologia do agir sobre o outro (p.16). Diante disso, Charaudeau afirma que todo ato de linguagem “está ligado à ação mediante relações de força que os sujeitos mantêm entre si” (p.17), essas relações constroem o vínculo social. A ação política determina, idealmente, a vida social pois visa a organizar a sociedade para a obtenção do bem comum, mas permite que a comunidade tome decisões coletivas (CHARAUDEAU, 2017). É preciso que os indivíduos que compõem a comunidade entendam-se para a elaboração de um projeto comum, decorrente de um objetivo para alcançar o bem comum. A elaboração desse projeto pressupõe a existência de um espaço de discussão, onde serão elaborados, além do projeto, os meios escolhidos que serão utilizados para tal fim. Em seguida, é necessário que um compromisso de ação seja firmado por um representante do coletivo e que ele utilize os meios já discutidos por aqueles que estão sendo representados. Uma vez como representante do 31 coletivo, este será “obrigado a prestar contas de seus atos perante a coletividade, que deve prever mecanismos de controle dos atos praticados por seus representantes” (p.18). Posto isto, Charaudeau completa que Daí resulta uma organização política que compreende um espaço de discussão dos objetivos a definir (tanto nos partidos, sindicatos e outros grupos associativos quanto nas mídias), um modo de acesso à representação do poder (eleições) e modalidades de controle (...). Vê- se que a linguagem não está ausente do desenrolar da ação política, já que esse espaço depende de um espaço de discussão. Depois dessa explanação sobre a ação política, Charaudeau expõe as instâncias implicadas na ação, subdividindo-as em duas: instância política e instância cidadã. A primeira “é delegada e assume a realização da ação política”, já a segunda “está na origem da escolha dos representantes do poder”. A instância política, segundo o autor, encontra-se em contradição, pois ela chegou ao poder por uma vontade cidadã, mas esta, não estando encarregada dos negócios de Estado, não conhece as regras de seu funcionamento e ignora as condições de realização da ação política. A instância política, que é de decisão, deve, portanto, agir em função do possível, sendo que a instância cidadã a elegeu para realizar o desejável (p.19). Para o autor, citando Habermas, a instância política está entre dois processos opostos: “a produção comunicativa de um poder legítimo [...] e a constituição dessa legitimação pelo sistema político, com a qual o poder administrativo estabeleceuma relação reflexiva” (1990 apud CHARAUDEAU, 2017, p.19). O poder administrativo remete às regras da ação política, isso implica as “relações de dominação, pois se trata de organizar a ação social, de regulá-las por leis e sanções e de evitar ou repelir tudo que poderia se opor a essa vontade de agir” (p.22). Já o poder comunicativo busca a dominação legítima, “porque é o povo seu iniciador e depositário” (p.22), a dominação legítima “se encontra permanentemente ameaçada por uma sanção física (golpe de Estado), institucional (derrubada do governo) ou simbólica (descrédito)” (p.19). Com base no exposto por acima, concluímos que “ao espaço de discussão que determina os valores responda um espaço de persuasão no qual a instância política, jogando com argumentos da razão e da paixão, tenta fazer a instância cidadã aderir à sua ação”. Os valores determinados pelo espaço de discussão citados por Charaudeau são, basicamente, as ideias que defendemos no espaço de 32 discussão. As relações entre os indivíduos de uma sociedade determinam um conjunto de valores que “desempenham o papel de princípio de decisão e cujo domínio seria coletivo” (p.20). A propriedade coletiva do conjunto de valores “cria entidades abstratas (Estado, República, Nação) que garantem os direitos e deveres dos indivíduos”, esses valores se “agrupam sob a figura de um terceiro, de um outro, como uma ideia em que todos são, ao mesmo tempo, responsáveis e desapossados”. Assim, acrescenta Charaudeau que é “pela existência dos espaços de discussão e de persuasão, lugares de construção dos valores dos quais dependem a ação, que o campo político é (...) o ‘governo da palavra’, mas apenas para uma parte”. Conforme o autor, O governo da palavra não é tudo na política, mas a política não pode agir sem a palavra: a palavra intervém no espaço de discussão para que sejam definidos o ideal dos fins e os meios da ação política; a palavra intervém no espaço de ação para que sejam organizadas e coordenadas a distribuição das tarefas e a promulgação das leis, regras e decisões de todas as ordens; a palavra intervém no espaço de persuasão para que a instância política possa convencer a instância cidadã dos fundamentos de seu programa e das decisões que ela toma ao gerir os conflitos de opinião em seu proveito (p.21). Diante dessa afirmação, Charaudeau afirma que “o espaço político é fragmentado em diversos espaços de discussão, de persuasão, de decisão que ora se recortam, ora se confundem, ora se opõem” (p.23). Com isso, passaremos a concepção de poder político que, segundo o autor, resulta do diálogo de dois componentes da atividade humana: “o do debate de ideias no vasto campo do espaço público, lugar onde se trocam opiniões” (p.22) e o “do fazer político no campo mais restrito do espaço político, onde se tomam decisões e se constituem atos”. Os dois campos se definem e se legitimam reciprocamente, pois exigem processos de regulação que se desenvolvem em um jogo de dominação; nessa relação existe uma mistura de linguagem e ação, em que a linguagem domina o debate de ideias e a ação domina o fazer político. Para ficar mais claro a relação entre os dois campos, Charaudeau explana que O primeiro é o lugar de uma luta discursiva na qual muitos golpes são permitidos (manipulação, proselitismo, ameaças/promessas etc.), estando em jogo a conquista de uma legitimidade por meio da construção de opiniões; o segundo é o lugar onde se exerce o poder de agir entre uma instância política que se diz soberana e uma instância cidadã, sendo o desafio o exercício de uma autoridade mediante uma dominação feita de regulamentação e de sanção. Vê- 33 se, uma vez mais, não apenas como a linguagem se funde à ação, mas também como a palavra política é cheia de armadilhas. (...) A palavra política deve se debater entre uma verdade do dizer e uma verdade do fazer, uma verdade da ação que se manifesta por meio de uma palavra de decisão e uma verdade da discussão que se manifesta mediante uma palavra de persuasão (ordem da razão) e/ou de sedução (ordem da paixão). 3.1 Setores da ação social A política nasceu com o objetivo de organizar a vida dos indivíduos em sociedade, para isso exerce várias atividades de regulamentação social, como: regular as relações de força, para manter ou pacificar situações de conflitos; legislar, decretando dispositivos que orientem o comportamento dos indivíduos para garantir o bem comum; e distribuir e repartir tarefas, instituindo um sistema de delegação e de representação, mais ou menos hierarquizado, para definir os papéis e as responsabilidades em sociedade (CHARAUDEAU, 2017, p.27). Os três modos de regulação demonstram como a política é “um espaço de ação que depende dos espaços de discussão e de persuasão que, para serem válidos, devem ser divididos em domínios, pois toda sociedade tem necessidade de reconhecer e classificar as trocas realizadas” (p.27). Para a organização desses espaços, é necessário, de acordo com Charaudeau, a estruturação de setores de ação social, “lugares de organização globalizante das relações de força que mantêm, entre elas, relações estreitas. Podem ser determinados quatro principais: o jurídico, o econômico, o midiático, o político” (p.28). Cada setor tem sua responsabilidade perante a sociedade, segundo o autor, o desafio do setor jurídico é regulamentar os conflitos sociais; o desafio do setor econômico é regular o mercado; o desafio do setor midiático é regulamentar a circulação da informação; e o setor político (e aqui a noção enfocada em um sentido restrito) tem como desafio estabelecer regras para a governança, distribuindo tarefas e responsabilidades mediante a instauração das instâncias legislativas e executivas. “Esses quatro setores, sempre mantendo sua finalidade específica, interagem uns com os outros e às vezes encontram-se mesmo em relação de interdependência”. Apesar da interação, 34 cada setor age e é estruturado segundo um dispositivo próprio, por isso é possível distingui-lo, “assim, estamos autorizados a autonomizar o campo do político e a descrever seu dispositivo de funcionamento, porém, sem perder de vista que os outros campos estão estritamente ligados a ele” (p.30). 3.2 Discurso político: lugares de fabricação Para Charaudeau, todo e qualquer enunciado pode ter um sentido político; a situação de comunicação em que o discurso se encontra é que determina se ele é político ou não. “Não é o conteúdo do discurso que assim o faz, mas é a situação que o politiza” (p.40). Esse mesmo discurso político é fabricado e produz sentido conforme os modos de interação e a identidade dos participantes desse processo. Assim, o autor distingue três lugares de fabricação para o discurso político: a elaboração de um sistema de pensamento; o ato comunicativo; e o discurso político como comentário. O lugar do discurso político como sistema de pensamento é “resultado de uma atividade discursiva que procura fundar um ideal político em função de certos princípios que devem servir de referência para a construção das opiniões e posicionamentos” (p.40). Já o lugar de fabricação como ato de comunicação se refere “aos atores que participam da cena de comunicação política (...) Aqui, o discurso político dedica-se a construir imagens de atores e a estratégias de persuasão e de sedução, empregando diversos procedimentos retóricos”. O discurso político como comentário “não está necessariamente voltado para um fim político”. Esse tipo de lugar de fabricação de discurso tem mais a ver com a expressão da opinião de um sujeito do que com a necessidade de engajamento político. É muito utilizado pelos jornalistas que comentam atualidades políticas, sem se engajar diretamente com algum posicionamento. Posto isto, Charaudeau afirma que “estes diferentes lugares de fabricação do discurso político nãoestão evidentemente separados uns dos outros” (p.42). Logo, conforme o autor, “falar agora de ‘discurso político’ é tentar definir uma forma de organização da linguagem em seu uso e em seus efeitos psicológicos e sociais, no interior de determinado campo de práticas” (p.32). 35 Para ficar mais claro, Charaudeau cita Claude Lefort para explicar que o fenômeno político é “resultante de várias componentes” (p.45), são elas: os fatos políticos (decisões provenientes de autoridades); os fatos sociais (as formas como se organizam e se estruturam as relações sociais); os fatos jurídicos (como as leis regem o comportamento dos indivíduos em sua vida privada e em sociedade); e os fatos morais e psíquicos. A análise do discurso prevê que esses componentes deixam traços discursivos. Porém, aquela deve ir além de analisar somente as ideias encontradas nos discursos, pois, segundo Charaudeau, Talvez seja mesmo necessário deixar de crer que são as ideias que governam o mundo e precisar que apenas valem pela maneira como são transmitidas de uns para outros, pela maneira como circulam entre os grupos e como influenciam uns e outros, ganhando em contrapartida sua consistência. A política é um campo de batalha em que se trava uma guerra simbólica para estabelecer relações de dominação ou pactos de convenção. Consequentemente, o discurso das ideias se constrói mediante o discurso do poder, o primeiro pertencendo a uma problemática de verdade (dizer o Verdadeiro) e o segundo a uma do verossímil (dizer ao mesmo tempo o Verdade, o Falso e o Possível) (p.46). Contudo, na presente pesquisa nos limitaremos a definir discurso político, para Patrick Charaudeau, apenas com o exposto acima. Não nos aprofundaremos sobre a discussão da questão da Análise do Discurso, pois a não se faz necessário para alcançar os objetivos desse trabalho. 36 4 ETHOS POLÍTICO O conceito de ethos data da Antiguidade, Aristóteles, em sua obra Retórica, já propunha dividir os meios retóricos que exerciam influência sobre o auditório em três categorias: o logos, o ethos e o pathos. O primeiro corresponde ao domínio da razão e torna possível convencer usando argumentos que parecem razoáveis. Os dois últimos pertencem ao domínio da emoção, sendo possível sensibilizar e emocionar; a diferença entre os dois conceitos é que o ethos é voltado para o orador, para a imagem de si, e o segundo é voltado para o auditório. Segundo Charaudeau, o ethos se relaciona com a imagem daquele que fala, não sendo ela uma propriedade exclusiva do locutor, mas, antes disso, é a imagem que o interlocutor atribui ao locutor a partir do que ele diz. “O ethos relaciona-se ao cruzamento de olhares: olhar do outro sobre aquele que fala, olhar daquele que fala sobre a maneira como ele pensa que o outro o vê” (p.115). A partir disso, o autor reflete sobre a identidade do sujeito falante, essa identidade se apoia em dois componentes, o primeiro é a identidade social do locutor, que “dá direito à palavra e que funda sua legitimidade de ser comunicante em função do estatuto e do papel que lhe são atribuídos pela situação de comunicação”; o segundo componente é a construção da figura do que enuncia, “uma identidade discursiva de enunciador que se atém aos papeis que ele se atribui em seu ato de comunicação que se impõe a ele e das estratégias que ele escolhe seguir”. O sujeito, assim, constrói uma dupla identidade baseada naquela que é atribuída psicológica e socialmente e na que ele constrói para si. Ele não tem “outra realidade além da permitida pelas representações que circulam em dado grupo social e que são configurados como ‘imaginários sociodiscursivos’” (p.117). O ethos é passível de interpretação, pois não é totalmente voluntário, sendo assim, aquilo que o destinatário percebe pode não coincidir com a intenção original do locutor, construindo um ethos não desejado, fenômeno que acontece frequentemente na comunicação política. 37 Segundo Charaudeau, não se pode dizer que existem marcas específicas do ethos, devido aos diversos tipos de comportamentos do sujeito e ao conteúdo de suas propostas. E completa Não se pode separar o ethos das ideias, pois a maneira de apresentá-las tem o poder de construir imagens. (...) Separar as ideias do ethos é sempre um álibi que impede de ver que, em política, aquelas não valem senão pelo sujeito que as divulga, as exprime e as aplica. É preciso que este seja, ao mesmo tempo, crível e suporte de identificação à sua pessoa. (p.118). Tendo como base o exposto acima, o autor agrupa as figuras identitárias do discurso político em duas grandes categorias de ethos, o de credibilidade e o de identificação. Para ficar mais fácil a compreensão, está representado os dois ethé e suas subdivisões na figura abaixo. Figura 1 – Ethé de credibilidade e de identificação no discurso político e suas subdivisões. (Fonte: CHARAUDEAU, 2017, p. 119-166) A seguir, iremos nos aprofundar sobre os ethé caracterizados por Patrick Charaudeau (2017). 4.1 Ethé de credibilidade A credibilidade é o resultado da construção de uma identidade discursiva pelo sujeito falante a fim de que o outro o julgue como digno de crédito. Para 38 ser assim ser considerado, se tratando de um sujeito político, este deve satisfazer três condições, são elas: condição de sinceridade ou transparência – se o que ele diz corresponde ao que ele pensa; condição de performance – se existem meios de o político pôr em prática o que fala ou promete; e condição de eficácia – se o que ele diz e aplica é seguido de efeito (CHARAUDEAU, 2017). Logo, o ethé de credibilidade é “uma interação entre identidade social e identidade discursiva, entre o que o sujeito quer parecer e o que ele é em seu ser psicológico e social” (p.137). Dessa forma, “para responder a essas condições, o político procura construir para si o ethos de sério, de virtuoso e de competente” (p.120). 4.1.1 Ethos de sério O ethos de sério é construído com a ajuda de diversos índices: corporais e mímicos; comportamentais; verbais; e que demonstram energia e capacidade de trabalho. Esse ethos se constrói igualmente com a ajuda de declarações do político a respeito de si mesmo e sobre as ideias que o guiam. Existe um limite para que essa imagem de sério não seja percebida de maneira negativa, o que Charaudeau chama de limite da austeridade. Para o autor, não é necessário que o indivíduo sério se passe por excessivamente austero ou que a seriedade seja “interpretada como uma marca de distância, (...) de pessoa altiva, fria e despretensiosa” (p.121). 4.1.2 Ethos de virtude O ethos de virtude exige que o político demonstre sinceridade, fidelidade, honestidade pessoal (essa imagem, em especial, remete à retidão e à sinceridade, tanto na vida pública quanto na vida privada) e lealdade com seus adversários. Essa imagem é resultado de uma construção temporal da vida daquele que se propõe a parecer/ser virtuoso. O ethos de virtude é importante ao político pois se supõe que ele, como representante do povo é quem dá o exemplo aos cidadãos. Como afirma Charaudeau, o ethos de virtude “(...) é uma resposta a expectativas fantasiosas da instância cidadã, na medida em que esta, ao delegar um poder, procura fazer-se representar por um homem ou por uma mulher que seja modelo de retidão e de honradez, ao menos, em uma visão 39 nobre da política” (p.124). Assim, devem ser reforçados nessa imagem a qualidade de ser transparente, ser direto e não se valer de métodos para ludibriar os cidadãos. 4.1.3 Ethos de competência O ethos de "competência" exige de seu possuidor, ao mesmo tempo, saber e habilidade. Espera-se que ele domine profundamente a área na qual exerce sua atividade e também deve provar possuir “os meios, o poder e a experiência necessários para realizar completamente seus objetivos,obtendo resultados positivos” (p.124). Deve também demonstrar que conhece o modo de funcionamento da vida política e saber agir de maneira eficiente. O autor explica que “é pela visão do conjunto do percurso de um político que se pode julgar seu grau de competência”, dessa forma são evidenciadas por esse ethos as características de seu percurso como herança, estudos, funções exercidas e experiência adquirida. 4.2 Ethé de identificação As imagens desse ethé são obtidas por meio do afeto social, “o cidadão, mediante um processo de identificação irracional, funda sua identidade na do político” (p.137). Elas são “destinadas a tocar o maior número de indivíduos”, desta maneira, percebendo a heterogeneidade de uma sociedade, os políticos se sentem “à vontade” para jogar com valores opostos para conquistar essa massa heterogênea. Deste modo, o político mostra-se, ao mesmo tempo, “tradicional, mas também moderno; sincero, mas igualmente sagaz; poderoso, mas simultaneamente modesto”. É possível destacar, dentre as imagens mais recorrentes que esse ethé apresenta, o ethos de: potência; caráter; inteligência; humanidade; chefe; e solidariedade. 4.2.1 Ethos de potência O ethos de potência nos remete a uma “força da natureza” (p.138), ele pode demonstrar uma figura de virilidade, mas também que o político é capaz de exercer uma violência verbal (insultos, ameaças ou bravatas) em relação a adversários políticos (CHARAUDEAU, 2017, p.139). Outras figuras mais 40 “brandas” também representam o ethos de potência, como a determinação de agir (ser um homem de palavra e de ação) e a proatividade. Esse imaginário sempre leva em consideração o contexto social, e o que é considerado bom ou ruim para aquela sociedade. 4.2.2 Ethos de caráter O ethos de caráter não pode ser confundido com o de potência. Apesar de também se tratar de força, o ethos de caráter se relaciona com a “força do espírito”. Esse imaginário é marcado pela vituperação, provocação, polêmica e advertência, mas ao mesmo tempo pelo controle de si, pela coragem, pelo orgulho, pela firmeza e pela moderação. Todas essas figuras podem acarretar em um aumento de popularidade, mas também na perda de prestígio, caso elas sejam “usadas” da forma incorreta. 4.2.3 Ethos de inteligência Esse ethos é utilizado para “provocar a admiração e o respeito dos indivíduos por aquele que demonstra tê-lo e assim os faz aderir a ele” (p.145). A inteligência para o sujeito político é percebida pelo cidadão não só em função da maneira como “ele age e fala durante os acontecimentos políticos”, mas também em como se comporta na sua vida privada. Para o político é interessante demonstrar a coerência entre sua origem social, sua formação (aqui podem ser incluídos os títulos universitários e passagens por grandes universidades) e seus comportamentos atuais. Mas o político deve, além disso, demonstrar certa “malícia” e, conforme o autor, “saber jogar com o ser e o parecer: saber dissimular certas intenções, fazer crer que se têm certos objetivos para melhor atingir seus fins” (p.146). 4.2.4 Ethos de humanidade De extrema importância para o político, o ethos de humanidade é mensurado pela capacidade de “demonstrar sentimentos, compaixão com aqueles que sofrem, mas o é também pela capacidade de confessar suas fraquezas, de mostrar quais são seus gostos, até os mais íntimos” (p.148). Esse ethos é difícil de manipular porque na política é preciso estar com os 41 sentimentos sob controle, mas “para ser um homem público, não é preciso ser menos homem”. 4.2.5 Ethos de chefe “Mais que os precedentes, o ethos de “chefe” se direciona para o cidadão” (p.153), afirma Charaudeau. Essa imagem é construída para que o outro “adira, siga, identifique-se a este ser que supostamente é representado por um outro si-mesmo idealizado”. Tomando a relação de reciprocidade entre instância política e instância cidadã, o ethos de chefe “orienta mais diretamente o espelho ora para o sujeito político, ora para o sujeito cidadão” (p.154), por isso algumas são ambivalentes. Essa imagem destaca a relação de dependência do político e do cidadão, sendo manifestada por meio de figuras de guia (supremo, pastor e profeta), de soberano e de comandante. 4.2.6 Ethos de solidariedade O político deve demonstrar ser uma pessoa que não só está atento às necessidades dos outros, mas que compartilha dessas necessidades e se torna responsável por elas. A solidariedade não é sinônimo de compaixão. A solidariedade distingue-se por ser igualitária e recíproca, uma vontade de querer estar junto do grupo; já a compaixão se trata de se emocionar com o sofrimento alheio, mesmo não fazendo parte dele. Para o político, ser solidário é mostrar que as opiniões (ou as decisões) dos membros de seu grupo são partilhadas e defendidas por ele. (...) Para que se manifeste essa solidariedade, é preciso, portanto, uma ideia, circunstâncias (sobretudo quando o grupo está ameaçado) que desencadeiem esse movimento identitário. Todo movimento de solidariedade passa por um processo de identificação de um grupo por meio de um ideia, um valor. (p.164) 42 5 METODOLOGIA Os conceitos abordados nos capítulos anteriores formam a base para a análise do objeto de estudo desse trabalho. Para cumprir os objetivos dessa pesquisa, utilizaremos o conceito de ethos político, segundo o linguista Patrick Charaudeau, para analisar a representação do deputado federal Rogério Marinho nas capas do jornal impresso Agora RN. A pesquisa será realizada utilizando cinco capas do impresso citado em que são recorrentes a figura do deputado. Para tal, serão analisadas as capas das edições: n.º 42 (24/4/2017); n.º 79 (16/6/2017); n.º 103 (20/7/2017); n.º 132 (30/8/2017); e n.º143 (15/9/2017). A escolha das capas é justificada por apresentar a figura do deputado, com reproduções, em forma de discurso direto, das declarações do próprio deputado, e que se associam diretamente a fatos acontecidos no cenário político brasileiro da época. Faremos, ainda, um paralelo com o conceito de opinião pública aqui visto4, a fim de verificar como o veículo de comunicação age em seu papel de mediador do debate político e se existe intenção por parte do jornal de agendar determinados debates em torno da imagem do deputado federal. Pois, segundo Lima (2004), a mídia absorveu funções que anteriormente eram delegadas aos partidos políticos; elas são, como já citadas, (a) definir a agenda dos temas relevantes para a discussão na esfera pública, (b) gerar e transmitir informações políticas, (c) fiscalizar a ação das administrações públicas, (d) exercer a crítica das políticas públicas, (e) canalizar as demandas da população junto ao governo (p.191). Por fim, analisaremos quais os resultados da construção das imagens para o deputado federal, se a formação do seu ethos político foi positiva ou negativa, tendo por base o já disposto5 sobre o tema. 5.1 A importância da capa para o jornal impresso Nos últimos anos, a apresentação visual dos jornais impressos se modificou significativamente. Com a chegada das mídias audiovisuais, os 4 Ver capítulo 2. 5 Ver capítulo 6. 43 meios impressos tiveram que adaptar seu conteúdo a ascensão dessas novas mídias, sobretudo da televisão. Segundo Carvalho (2008, p.223), os jornais “passaram a utilizar uma profusão de imagens, cores e títulos chamativos, num espaço que outrora era monocromático e uniformemente ocupado por blocos de texto, na tentativa de atrair e estimular o interesse dos seus leitores”. A adaptação realizada pelos jornais tem por objetivo transformar o jornal impresso em um produto mais atraente para o seu leitor, uma vez que o número de tiragens dos jornais impressos no Brasil caiu aproximadamente 41%6 entre dezembro de 2014 e o mesmo período de 2017. Dessa forma, para construir uma identidade