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EncenadorasCaririMAltiplas-Barbosa-2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS 
 
 
 
 
 
 
 
 
MARIA LUCIVANIA DE LIMA BARBOSA 
 
ENCENADORAS DO CARIRI EM 
MÚLTIPLAS FUNÇÕES-trajetos 
possíveis para a atuação polifônica no 
teatro de grupo 
 
 
 
 
 
 
 
 
NATAL/RN 
2018 
 
 
 
 
 
MARIA LUCIVANIA DE LIMA BARBOSA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ENCENADORAS DO CARIRI EM MÚLTIPLAS FUNÇÕES- trajetos possíveis para a 
atuação polifônica no teatro de grupo 
 
 
Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação 
em Artes Cênicas da Universidade Federal do Rio 
Grande do Norte- UFRN como requisito parcial para 
obtenção do grau de Mestra 
 
Área de concentração: Artes Cênicas 
Linha de pesquisa: Práticas investigativas da cena: 
poéticas, estéticas e pedagogias 
 
Orientação: Drª. Larissa Kelly de Oliveira Marques 
Coorientação: Dr. Robson Carlos Haderchpek 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Natal- RN 
2018 
 
 
 
 
 Universidade Federal do Rio Grande do Norte - UFRN 
Sistema de Bibliotecas - SISBI 
Catalogação de Publicação na Fonte. UFRN - Biblioteca Setorial do Departamento de Artes - DEART 
 
 Barbosa, Maria Lucivania de Lima. 
 Encenadoras do Cariri em múltiplas funções : trajetos 
possíveis para a atuação polifônica no teatro de grupo / Maria 
Lucivania de Lima Barbosa. - 2018. 
 211 f.: il. 
 
 Dissertação (mestrado) - Universidade Federal do Rio Grande do 
Norte. Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes. Programa de 
Pós-graduação em Artes Cênicas, Natal, 2018. 
 Orientadora: Prof.ª Dr.ª Larissa Kelly de Oliveira Marques. 
 Coorientador: Prof. Dr. Robson Carlos Haderchpek. 
 
 
 1. Atuação de encenadoras. 2. Encenação teatral. 3. Grupo de 
teatro. 4. Atuação polifônica. I. Marques, Larissa Kelly de 
Oliveira. II. Haderchpek, Robson Carlos. III. Título. 
 
RN/UF/BS-DEART CDU 792.02 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO 
UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO NORTE 
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES 
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM ARTES CÊNICAS 
 
 
FOLHA DE APRESENTAÇÃO 
 
A Defesa de Dissertação do trabalho intitulado “ENCENADORAS DO CARIRI EM 
MÚLTIPLAS FUNÇÕES- trajetos possíveis para a atuação polifônica no teatro de grupo”, de 
autoria da discente Maria Lucivania de Lima Barbosa, contou com a participação da seguinte 
Banca Examinadora: 
 
___________________________________________ 
Profª. Drª. Larissa Kelly de Oliveira Marques 
(Presidente – PPGArC/UFRN) 
 
__________________________________________ 
Prof. Dr. Ernani de Castro Maletta 
(Membro Externo à Instituição – UFMG) 
 
__________________________________________ 
Profª. Drª. Luciana de Fátima Rocha Pereira de Lyra 
(Membra Interna – UERJ colaboradora do PPGArC/UFRN) 
 
____________________________________________ 
 
Profª. Drª. Robson Carlos Haderchpek 
(Membro Interno - PPGArC/UFRN) 
 
_____________________________________________ 
Maria Lucivania de Lima Barbosa 
 (Discente) 
 
Natal, 28 de março de 2018. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Dedico esta dissertação às encenadoras Cecília Raiffer e Carla Hemanuela que compuseram o 
estudo de caso para desenvolvimento da pesquisa que deu origem a esta dissertação, a prática 
de cada uma é significativa no meu processo de formação como artista. Dedico também aos 
grupos Coletivo Atuantes em Cena, o qual integro, a Cia Engenharia Cênica e a Trupe dos 
Pensantes por serem o projeto de vida de muit@s artistas da Região do Cariri. Dedico 
especialmente a minha família, que é tão presente no meu caminhar: a minha mãe Irene, ao 
meu pai Antônio, ao meu esposo Emanoel Siebra, aos meus irmãos Edson, Edvan, Luciana, 
Edno, Eduardo, Luana e Lucélia. 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Agradeço primeiramente ao programa de Pós-graduação em Artes Cênicas da 
UFRN, por ter acolhido o meu projeto para desenvolvimento de pesquisa para escrita da 
dissertação. 
Agradeço a CAPES (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível 
Superior) pela concessão da bolsa pelo período de realização desse mestrado. 
Agradeço a minha orientadora Larissa Kelly de Oliveira Marques pelo 
acolhimento da minha pesquisa, pela disponibilidade e desejo de se aventurar junto a mim no 
universo do desconhecido, pelas palavras de fé, de paciência, de persistência, pela 
tranquilidade que me fez tecer a escrita sem grandes momentos de desespero e pela amizade. 
Agradeço ao meu coorientador Robson Carlos Haderchpek que em todos os 
momentos esteve aberto para procurar caminhos possíveis na resolução de minhas questões 
como pesquisadora, pela paciência e trabalho de mediação nos momentos de orientação, 
possibilitando que eu descobrisse os meus próprios caminhos como pesquisadora. 
Aos membros da banca, o professor Dr. Ernani de Castro Maletta (UFMG), a 
professora Drª. Luciana Lyra (UERJ e colaboradora a UFRN), o professor Dr. Robson Carlos 
Haderchpek (UFRN) e a professora Drª Larissa Kelly Marques (UFRN) pela disponibilidade 
de compor a banca examinadora e pelas horas de empenho dedicadas a correção desta 
dissertação, também pelo comprometimento individual do professor Dr. Ernani Maletta que 
em vários momentos desde a qualificação colocou-se disposto no acompanhamento do 
desenvolvimento do trabalho. Do mesmo modo, a professora Drª Luciana Lyra, que a partir de 
sua contribuição no momento da qualificação da pesquisa fez com que eu olhasse para as 
minhas questões a partir de outros ângulos, intensificando desse modo o estudo a partir de 
outros paradigmas. 
À meu amigo Luiz Renato, que desde os primeiros momentos do mestrado se 
prontificou a colaborar com o desenvolvimento da pesquisa, corrigindo a escrita, provocando-
me no desenvolvimento de algumas questões, pontuando outras, enfim, realizando uma 
orientação precisa e encorajando na descoberta de novos caminhos. 
À meu amigo Eudes Filho, pela paciência, disponibilidade e pelas várias horas 
dedicadas a correção da escrita. 
À meu grande amigo Ulisses Benjamim, por estar sempre presente mesmo 
estando morando e outro Estado, e pela correção do resumo em outra língua. 
 
 
 
À minha irmã caçula Lucélia Lima, pelo amor e por redigir parte das entrevistas, 
mesmo com uma vida acadêmica intensa e sem tempo. 
Agradeço a todos os professores do Programa de Pós-Graduação em Artes 
Cênicas da UFRN, que contribuíram direta e indiretamente com o andamento desta 
dissertação. 
Agradeço as artistas Cecília Raiffer e Carla Hemanuela que se tornaram um motor 
pulsante para geração de questões ligadas ao processo de pesquisa para desenvolvimento 
dessa dissertação. 
Agradeço ao grupo de teatro Coletivo Atuantes em Cena, o qual integro, pelos 
sonhos, afetos, desafetos, luta, companheirismo, amadurecimento e caminhos que trilhamos 
ombro a ombro: Bárbara Leite, Emanoel Siebra, Eudes Filho, Jamal Coerleone e Nilson 
Matos. 
Obrigada a todos os integrantes da Cia Engenharia Cênica e Trupe dos Pensantes 
por terem aberto as suas portas para que eu pudesse buscar respostas para minhas questões 
pessoais. 
Gratidão ao grupo Ninho de Teatro, pela luta e resistência artística que traçamos 
juntos, sobretudo na manutenção da sede que compartilhamos. 
Agradeço a todos @s artistas com quem pude experimentar a cena como 
encenadora, em especial a Raimundo Lopes, que não integra o grupo Coletivo Atuantes em 
Cena, mas caminha junto conosco ao compor o elenco de O Pequeno Príncipe desde o seu 
início. 
À Emanoel Siebra, o meu esposo, presente em todos os momentos de minha vida, 
inclusive nas noites em claro que passei escrevendo a dissertação. 
À minha família, que mesmo não compreendendo, em alguns momentos, as 
minhas escolhas, mantiveram-se sempre ao meu lado, encorajando-me nas descobertas. 
Gratidãoà turma do chafurdo, minha turma de mestrado, pela leveza com que 
cada uma e cada um conduziu o seu trabalho dissertativo e por terem me possibilitado o afeto, 
durante o tempo em que estive residente em Natal-RN. 
Obrigada ao Seu Aristeu, Dona Bernadete, Anadeje, Milena Lenore, que foram 
minha família em Natal. 
Agradeço, por fim aos amigos e parceiros de luta da região do Cariri, pelas boas 
energias emanadas na minha ida para o mestrado. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Toda grande viagem começa com desorientação. Crianças giram naturalmente umas às 
outras de olhos vendados antes de uma aventura. Alice cai na toca de um coelho e muda de 
tamanho ou viaja através de um espelho e entra em seu país das maravilhas. Nós todos, 
público e artistas, temos de permitir que uma pequena desorientação pessoal, prepare o 
caminho da experiência.” 
Anne Bogart, 2011 
 
 
 
RESUMO 
 
Na pesquisa de mestrado que deu origem a esta dissertação a autora investigou a atuação de 
encenadoras em múltiplas funções e as interferências que essa forma de atuação provoca n@s 
demais envolvid@s na criação teatral, o que foi identificado como formação de um discurso 
polifônico. A atuação polifônica é entendida como a possibilidade de @ artista desenvolver 
seu objeto cênico numa relação de apropriação dos demais discursos advindos dos artistas que 
compõem a criação teatral. Para discutir sobre essa questão a autora apresenta como estudo de 
caso as artistas que atuam na região do Cariri, no sul do Ceará: Cecília Raiffer, que é 
encenadora e dramaturga da Cia Engenharia Cênica; Carla Hemanuela, que é encenadora e 
figurinista-cenógrafa do grupo de teatro Trupe dos Pensantes; e sua própria atuação como 
encenadora, iluminadora e coreógrafa no Coletivo Atuantes em Cena. Com base na 
investigação aqui registrada, a autora considera que as encenadoras pesquisadas vêm 
construindo sua poética numa relação dialógica e horizontal com @s demais envolvid@s. 
Nesse sentido, a pesquisa contribuiu para um estudo sobre a prática de criação teatral numa 
vertente que se dá pelo viés da troca entre os conhecimentos d@s envolvid@s, o que facilita a 
prática de autonomia na cena teatral e fortifica o trabalho grupal. 
Palavras-chave: Atuação de encenadoras. Encenação teatral. Grupo de Teatro. Atuação 
polifônica. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
In the master's research that gave rise to this dissertation, the authoress investigated the 
performance of the directress in multiple functions and the interferences that this form of 
action provokes in the others involved in the theatrical creation, what was identified as the 
formation of a polyphonic discourse. Polyphonic performance is understood as the possibility 
of artist developing his or her scenic object in a relation of appropriation of the other 
discourses coming from the artists that make up the theatrical creation. To discuss this issue, 
the authoress presents as a case study the artists who work in the region of Cariri, in the south 
of Ceará: Cecília Raiffer, who is the directress and playwright of Cia Engenharia Cênica; 
Carla Hemanuela, who is the stage directress and costume designer of the theater group Trupe 
dos Pensantes; and her own acting as a directress, enlightener and choreographer in the 
Coletivo Atuantes em Cena. Based on the research recorded here, the authoress considers that 
the researched directresses have been constructing their poetics in a dialogical and horizontal 
relation with the other envolved. In this sense, the research contributed to a study about the 
practice of theatrical creation in a way that is due to the bias of the exchange between the 
knowledge of the involved ones, which facilitates the practice of autonomy in the theatrical 
scene and fortifies the group work. 
Key-words: Performance of directress. Staging theatrical. Theater group. Polyphonic 
performance. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
LISTA DE FIGURAS 
 
Figura 1 Encenadora Lucivania Lima. 16 
Figura 2 Encenadora Cecília Raiffer. 16 
Figura 3 Encenadora Carla Hemanuela. 17 
Figura 4 Altar de orações na casa da Dona Dorinha. 60 
Figura 5 O altar e a banca cabaçal. 61 
Figura 6 Altar do espetáculo "Poeira" do grupo Ninho de Teatro, estreado em 2016. 62 
Figura 7 Altar do espetáculo "O Sagrado e Profano, as Vozes de uma Cidade", do 
Coletivo Atuantes em Cena, estreado em 2016. 
62 
Figura 8 Altar ao fundo da imagem do espetáculo de dança "Alafia" da Alysson 
Amâncio Cia de Dança, estreado em 2014. 
63 
Figura 9 Altar do espetáculo "O Menino Fotógrafo" da Cia Engenharia Cênica e 
grupo Ninho de Teatro, estreado em 2011. 
63 
Figura 10 Imagem do Teatro Rachel de Queiroz. 67 
Figura 11 Imagem do Teatro Municipal Marquise Branca 84 
Figura 12 Espetáculo O Menino Fotógrafo. 101 
Figura 13 Registro do diário de bordo do espetáculo O Menino Fotógrafo. 102 
Figura 14 Registro do diário de bordo do espetáculo O Menino Fotógrafo. 102 
Figura 15 Registro do diário de bordo do espetáculo O Menino Fotógrafo. 103 
Figura 16 Registro do diário de bordo do espetáculo O Menino Fotógrafo. 103 
Figura 17 Registro dos atores a partir do jogo com as palavras. 105 
Figura 18 Espetáculo Doralinas e Marias. 106 
Figura 19 Registro do diário de bordo do espetáculo Doralinas e Marias. 107 
Figura 20 Registro do diário de bordo do espetáculo Doralinas e Marias. 107 
Figura 21 Registro do diário de bordo do espetáculo Doralinas e Marias. 108 
Figura 22 Procedimento DITA. 112 
Figura 23 Registro do diário de bordo de Carla Hemanuela. 112 
Figura 24 Croqui que deu origem ao cenário do espetáculo Marcas. 116 
Figura 25 Cenário-figurino do espetáculo Marcas. 116 
Figura 26 Imagem de cena do espetáculo Marcas. 117 
Figura 27 Espetáculo Alô Brasil. Imagem do arquivo pessoal do grupo. 117 
Figura 28 Espetáculo Alô Brasil. 118 
Figura 29 Espetáculo Doralinas e Marias. Cena: A janela de Sofia. 122 
Figura 30 Espetáculo Doralinas e Marias. Cena: A varanda de Sofia. 122 
Figura 31 Espetáculo O Pequeno Príncipe. Cena O 1º lamento do principezinho às 
rosas. 
123 
Figura 32 Cena O 2º lamento do principezinho às Rosas. 124 
Figura 33 Registro de diário de bordo da encenadora. 126 
 
 
 
Figura 34 A “Engenharia” juntamente com atrizes e atores do Cariri no processo de 
montagem do espetáculo “Perdoa-me por me traíres”. 
128 
Figura 35 A “Trupe” - parte dos integrantes. 130 
Figura 36 Os "Atuantes". 132 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
SUMÁRIO 
 
INTRODUÇÃO........................................................................................................................10 
1. ENCENAR NO TEATRO DE GRUPO: tecendo fios para uma atuação polifônica.........16 
1.1 Tecer fios para se buscar uma atuação polifônica..............................................................17 
1.2 Encenar, arte de perceber-projetar-provocar- criar- compor UNIversos..........................21 
1.2.1 Tessitura histórica...........................................................................................................26 
1.3 O lugar da criação em grupo.............................................................................................43 
2. (PARTE I) ESTUDO DE CASO: ATUAÇÃO DE ENCENADORAS EM DIVERSAS 
FUNÇÕES NA CRIAÇÃO CÊNICA- uma questão da formação do sujeito...........................52 
 2.1 Daqui do Cariri..................................................................................................................52 
 2.2 Múltiplas funções- umaquestão da formação do sujeito..................................................66 
2.2.1 Cecília Raifer- uma encenadora-dramaturga na Cia Engenharia Cênica.....................66 
2.2.2 Carla Hemanuela- uma encenadora-figurinista-cenógrafa na Trupe dos Pensantes....74 
2.2.3 Lucivania Lima- uma encenadora-iluminadora-coreógrafa no Coletivo Atuantes em 
Cena.........................................................................................................................................82 
2. (PARTE II) ABORDAGENS METODOLÓGICAS DESENVOLVIDAS PELAS 
ENCENADORAS EM SALA DE ENSAIO............................................................................91 
2.1 Redes operativas para a atuação polifônica: uma primeira configuração......................91 
2.2 Redes operativas para a atuação polifônica: uma segunda configuração......................95 
2.2.1 Cecília Raiffer...............................................................................................................95 
2.2.2 Carla Hemanuela........................................................................................................108 
2.2.3 Lucivania Lima............................................................................................................119 
2.3. A construção de si e a construção d@ outr@: a poética de encenar a partir de múltiplos 
discursos.................................................................................................................................127 
2.3.1 A Cia. Engenharia Cênica e a descoberta da dramaturgia em sala de ensaio............128 
2.3.2 A Trupe dos Pensantes e o encontro com o figurino-cenário.......................................130 
2.3.3 O Coletivo Atuantes em Cena e o contato com a iluminação e a dança.......................132 
2.4 Construção poética para a atuação polifônica................................................................134 
CONSIDERAÇÕES FINAIS................................................................................................139 
REFERENCIAL TEÓRICO..................................................................................................144 
APÊNDICE............................................................................................................................148
10 
 
 
INTRODUÇÃO 
 
Quando comecei a escrever a introdução desta dissertação, tive muitas dúvidas de 
como iniciá-la, se seria pela abordagem de minhas motivações para o desenvolvimento da 
pesquisa que gerou esta escrita, ou se seria pela abordagem da temática. Na verdade, a ideia 
norteadora era costurar a temática do texto com as minhas impressões como autora que está 
envolvida com o que se pesquisa, já que uma coisa está continuamente ligada à outra. Queria 
apresentar uma escrita que partisse da compreensão de que minha atuação artística se 
estabelece pelas relações que desenvolvo na união com outras pessoas, o que gera também as 
discussões em torno do objeto de estudo. 
Portanto, começo por dizer que a questão da coletividade sempre esteve presente 
no meu processo de formação humana, tanto pelas questões ligadas à minha própria natureza, 
como pelas escolhas artísticas que fui realizando ao longo da minha trajetória. A natureza me 
fez nascer numa família com quatro irmãos e três irmãs, portanto a questão do 
compartilhamento e do entendimento de que cada ser humano é único está presente na 
construção de minha identidade. 
Comecei a fazer teatro na adolescência, e, desde então venho percebendo que a 
atuação de artistas, reflete as experiências vivenciadas por cada um e cada uma na relação 
com outros artistas. Graduei-me em Licenciatura em Teatro pela Universidade Regional do 
Cariri-URCA, a qual também me direcionou para esse entendimento e, por fim, após criar, 
juntamente com outros parceiros e parceiras, o grupo Coletivo Atuantes em Cena, a questão 
do compartilhamento, da coletividade e da grupalidade se fortificou na minha formação, o que 
aflorou o meu desejo de buscar compreender como as relações coletivizadas e 
conscientemente compartilhadas podem possibilitar a formação de artistas que exerçam suas 
funções de forma horizontal. 
Com isso, nesta escrita discuto, sobre a atuação de encenadoras em várias funções 
presentes na criação teatral e os reflexos dessa atuação na prática dos demais artistas que se 
fazem presentes no processo criativo. Busco, pois, compreender de que forma essa atuação 
amplia as possibilidades de formação d@ artista para uma atuação polifônica. A ideia de 
atuação polifônica é amplamente discutida pelo artista e autor Ernani Maletta (2016) e a partir 
dela são costuradas todas as demais abordagens da temática em questão. 
Segundo Maletta (2016) a atuação polifônica acontece quando @ artista se 
apropria dos múltiplos discursos presentes na encenação e a partir deles constrói o seu próprio 
objeto cênico. Quando Maletta discute isso, ele leva em consideração que o teatro é uma arte 
11 
 
 
polifônica, ou seja, é uma arte que se estabelece pela presença de várias vozes que 
simultaneamente criam uma unidade discursiva, o espetáculo teatral. 
Entendendo que a atuação polifônica no Teatro se faz a partir da presença de 
múltiplas vozes, ou seja, as vozes do elenco, a voz da luz, do cenário, do figurino, da 
dramaturgia, enfim, de todos os elementos que compõem a encenação, então passei a pensar 
sobre os caminhos possíveis para que @ artista pudesse atuar de forma polifônica. Diante 
disso, cheguei à hipótese de que para atuar polifonicamente @ artista precisa, antes de tudo, 
ter o contato com os elementos da encenação. Com isso, o quanto antes esses elementos 
estiverem presentes no ato da criação em sala de ensaio, melhor será para que os mesmos 
compreendam que a cena é articulada por múltiplas vozes. A partir da presença dessas 
múltiplas vozes caberia ao artista desenvolver sua arte de forma polifônica, ou buscar 
princípios possíveis que se articulem para a sua atuação polifônica. 
Nessa direção nasceu o desejo de buscar compreender de que modo a atuação de 
encenadoras que exercem outras funções na criação da cena vem sendo articuladas por elas a 
fim de que @s artistas possam ter o contato com esses elementos ao longo do processo 
criativo. A partir disso, também objetivou-se buscar compreender como se daria a recepção 
por parte d@s demais integrantes a ponto de possibilitar que os mesmos pudessem se 
apropriar do discurso advindo de cada elemento na articulação de seu próprio discurso. 
Partindo dessa questão, tomei como estudo de caso a prática de três encenadoras 
que desenvolvem outras funções na criação da cena. Considero, pois a minha atuação como 
encenadora que trabalha a questão da iluminação e da dança nos processos criativos. A 
segunda encenadora é Cecília Raiffer que exerce a função como dramaturga, e a terceira 
encenadora é Carla Hemanuela que exerce a função como figurinista-cenógrafa, que, vale 
dizer, o uso do hífen na palavra figurinista-cenógrafa se refere ao fato de que Carla 
Hemanuela cria esses elementos de forma muito híbrida, fazendo com que, muitas vezes os 
figurinos também se transformem em cenário e vice-versa. 
Ao discutir sobre a prática dessas encenadoras, também abordo o espaço de 
criação teatral das mesmas, ou seja, os seus grupos e cia teatrais, pois considero que elas 
constrõem as suas poéticas pelas relações desempenhadas no contato com @ outr@. Nesse 
sentido, trago referências sobre o Coletivo Atuantes em Cena, o qual integro, a Trupe dos 
Pensantes, que é o grupo de Carla Hemanuela e a Cia Engenharia Cênica que é o espaço 
criativo de Cecília Raiffer. 
O processo de pesquisa que gerou o levantamento de dados para desenvolvimento 
desta escrita dissertativa se deu da seguinte forma: entrevistas semi-estruturadas e estruturadas 
12 
 
 
que foram realizadas tanto com as encenadoras como com @s integrantes d@s gruposem 
quem elas integram; acesso aos diários de bordo dos espetáculos conduzidos pelas 
encenadoras; acesso aos portfólios artísticos das encenadoras; leitura da dissertação de 
mestrado e da tese de doutorado de Cecília Raiffer, em que ela contextualiza sua prática como 
artista e o processo de encenação como prática pedagógica, respectivamente; acesso ao vídeo 
da defesa de TCC da encenadora Carla Hemanuela em que ela faz um estudo sobre a atuação 
da Trupe dos Pensantes; participação em eventos promovidos pela Trupe dos Pensantes, como 
a Trupe em Ação III; e leitura de livros, artigos, dissertações e teses que dialogaram com 
questões específicas relacionadas à temática da dissertação. 
Sobre as entrevistas é importante dizer que as semi-estruturadas foram realizadas 
com as encenadoras Cecília e Carla Hemanuela, já as entrevistas estruturadas foram realizadas 
com os grupos Trupe dos Pensantes, Coletivo Atuantes em Cena e a Cia Engenharia Cênica. 
A entrevista à encenadora Carla Hemanuela foi realizada em 17 de Fevereiro de 2017 e a 
entrevista à encenadora Cecília foi realizada no dia 18 de fevereiro de 2017. Quanto à 
entrevista ao Coletivo Atuantes em Cena se deu em 03 de Novembro de 2017, a entrevista à 
Trupe dos Pensantes foi realizada em 15 de Novembro de 2017 e a entrevista à Cia 
Engenharia Cênica aconteceu no dia 15 de Dezembro de 2017. 
O fato de eu ser autora e também elemento discursivo das questões abordadas me 
fez optar por escrever a maior parte da dissertação na primeira pessoa do plural, e em alguns 
momentos na primeira pessoa do singular. Nesse sentido o “nós” é condizente com o “eu” 
autora e o “eu” artista, com isso não quero necessariamente separar os “eus” que me 
compõem, mas fortificar a ideia de que neste momento o “eu” autora sistematiza a prática do 
“eu” artista. Além do mais o “nós” também abrange a ideia de que esta escrita é tecida por 
muitas mãos, as minhas, as de minha orientadora, e as do meu coorientador ancorados na voz 
de alguns autores e autoras. Em relação à utilização da primeira pessoa do singular se fará 
quando a discussão abordar minha prática artística especificamente e as minhas memórias, 
fora esse momento apenas na introdução e na conclusão também utilizarei a primeira pessoa 
do singular, por considerar as motivações para o desenvolvimento da pesquisa que gerou esta 
dissertação e as análises diante do registro da pesquisa que ocupam o espaço da minha 
individualidade. 
Outra questão bastante recorrente na escritura deste texto é o uso do símbolo “@” 
como representativo do artigo ligado ao feminino e ao masculino. Quando comecei a registrar 
as primeiras impressões ligadas à construção desta dissertação sentia-me muito incomodada 
quando necessitava generalizar algumas questões e para isso utilizava expressões no sentido 
13 
 
 
masculino, como, por exemplo, “os encenadores que trabalham no teatro de grupo” quando na 
verdade estou me referindo a encenadoras e encenadores que trabalham no teatro de grupo, 
portanto a fim de romper alguns paradigmas, do ponto de vista da escrita, decidi usar o 
símbolo “@” para não beneficiar nenhum dos sexos frente ao pensamento que gere a 
discussão, sobretudo no sentido da generalização. Agora quando me referir à práticas das 
encenadoras o uso do artigo se fará no feminino e quando me referir às referências de autores 
e autoras o uso do artigo também se fará de acordo com a forma que o autor ou a autora a 
escreveu, mesmo que a ideia d@ autor (a) esteja ligada a generalização diante de alguma 
questão. 
O texto se divide em dois capítulos distintos, sendo que o segundo capítulo é 
subdividido em duas partes. Os capítulos estruturam a discussão da seguinte forma: 
Capítulo 1: Este capítulo enfoca na prática d@ encenador (a) que desenvolve sua 
arte atrelad@ a um grupo de teatro ou cia, discute-se como a estrutura desses coletivos 
influenciam na forma como @ encenador (a) desenvolve a sua prática, e na forma como @s 
demais artistas lidam com a composição da cena teatral. Para abordar a questão discutimos 
primeiramente a ideia de atuação polifônica a partir da referência do autor Ernani Maletta 
(2016), nesse sentido apresentamos os caminhos que serão percorridos ao longo da escrita na 
busca pela construção da atuação polifônica nas práticas das encenadoras Cecília Raiffer, 
Carla Hemanuela e Lucivania Lima. Com isso, três pontos são levantados: a atuação d@ 
encenador (a) como artista que na sua construção media as relações entre os elementos que 
compõem a cena; a prática do teatro que se faz em grupo como espaço de troca de saberes e 
espaço de atuação dessas encenadoras; e o exercício da atuação em funções diversas, que 
ampliam o contato com determinados elementos da cena teatral. 
Sobre a atuação d@ encenador (a) discute-se que ao passo que esse ou essa artista 
assume a postura como mediador (a), as relações estabelecidas ao longo da criação se tornam 
mais horizontais, possibilitando que a troca entre as criações na sala se ensaio sejam mais 
efetivadas. Tocando na questão da horizontalidade entre as relações, e tendo como foco a 
figura de encenadoras, a escrita se envereda pela contextualização histórica sobre a encenação 
moderna, que aconteceu na segunda metade do século XIX e na primeira metade do século 
XX, e considera que o movimento foi propício à descoberta de novas possibilidades de 
construção da cena que não partisse único e exclusivamente do texto, como era de costume 
acontecer no momento precedente à encenação moderna. A partir da segunda metade do 
século XX, o movimento das artes cênicas se transformou consideravelmente. Surge a 
performance como linguagem e com isso a descaracterização de um fazer cênico engendrado 
14 
 
 
num molde específico, @s artistas da performance além de exercerem a sua autonomia, 
também se lançaram na construção de novos parâmetros sobre o pensamento artístico. 
Outra questão abordada também sobre a cena teatral a partir da segunda metade 
do século XX é o movimento de teatro independente da América Latina, que ao buscar a 
configuração de uma prática genuína, provocou o exercício da autonomia entre @s artistas 
envolvid@s nas questões teatrais do período. A partir desse pensamento enveredamos na 
discussão sobre o movimento de teatro de grupo no Brasil, que através da prática pelo 
processo coletivo e colaborativo fortificou a percepção de um fazer construído pelas relações 
horizontais. A questão do fazer teatral em grupo também é desenvolvida no sentido de 
considerarmos o espaço do grupo como lugar de construção poética, portanto a prática das 
encenadoras Cecília, Carla Hemanuela e Lucivania se estabelece pelo contato que cada artista 
desempenha no seu grupo ou cia teatral. 
Capítulo 2: O segundo capítulo discute o processo de formação das encenadoras 
na construção de habilidades que possibilitam a prática das mesmas em funções diversas na 
construção cênica e a forma como a atuação é sistematizada em sala de ensaio a fim de que o 
elenco e demais artistas ligad@s ao processo criativo possam dialogar com a construção de 
cada elemento abordado. Com isso, o capítulo está subdividido em duas partes, a primeira 
enfoca na abordagem dos percursos trilhados pelas encenadoras, verificando os rastros que 
possibilitaram a atuação das mesmas em múltiplas funções. Essa primeira parte também faz 
um apanhado sobre a região do Cariri, lugar em que os coletivos abordados na pesquisa 
atuam. Assim, discute-se de que forma essa região através de suas manifestações artísticas e 
culturais tem sido impulsionadora na multiplicidade de manifestações artísticas presentes no 
lugar. A segunda enfoca na abordagem metodológica construída por cada encenadora a fim de 
possibilitar que os artistas possam ter contato com os elementos construídos por elas ao longo 
da criação. Ao focalizar na forma de atuação dessas artistas o capítulo como um todo também 
consideraa abordagem das bases que constituem a prática de cada grupo em específico. 
O capítulo focaliza também na voz d@s artistas que trabalham diretamente com 
as encenadoras e discute como as práticas dessas encenadoras vêm sendo acessadas no 
processo de criação de cada artista. A ideia de atuação polifônica é discutida no capítulo pelo 
entendimento de que a partir dos caminhos apresentados pelas encenadoras no ato da criação 
de espetáculos, @s demais artistas começam a dialogar de forma mais próxima com os 
elementos daquela composição, o que amplia as possibilidades de atuação polifônica. O 
capítulo discute também a relação que a prática das encenadoras, a partir do ângulo criativo 
15 
 
 
de cada uma resulta na formação poética dessas artistas, poética essa que se constrói pelas 
relações de troca entre @s que fazem a cena teatral conjuntamente. 
Por fim, entende-se que a questão sobre atuação polifônica está ancorada na ideia 
que cada vez mais @ artista busca meios para que sua arte seja construída pela relação que se 
estabelece com os demais elementos da cena. Os caminhos para atuar polifonicamente são 
diversos, mas o processo de desenvolvimento da pesquisa realizada em prol desta escrita 
mostrou que, antes de tudo, para atuar polifonicamente @ artista precisa ter contato com 
todos os elementos da encenação teatral, mesmo que imagéticos, a partir desse contato é que 
cada um (a), poeticamente construirá a sua arte levando em consideração a presença dos 
múltiplos discursos que ajudam na construção de seu próprio discurso. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
16 
 
 
1. ENCENAR NO TEATRO DE GRUPO: tecendo fios para uma atuação polifônica 
 
Quando descobri a arte de encenar me dei conta do 
quanto necessito do outro. Não que a prática como 
atriz não me tivesse atentado para isso, mas @ 
encenador(a), ao tomar a função de condutor (a), é 
provocad@ a perceber a individualidade do outro e a 
coletividade que disso se faz. E descobri que fazer 
Teatro é também, dentre tantas outras coisas, um ato 
de conquista e de sedução. Um namoro pelo qual é 
necessário apaixonar-se diariamente, retroalimentar-
se. Nessa arte de encenar, percebi o quanto o outro é 
de fato importante no meu processo de aprendizagem, 
como a troca se efetiva no processo, como a gratidão é 
bem vinda, quando o trabalho em equipe se faz 
presente. O Teatro deve ser mesmo esse ponto de 
encontro entre eu e tu, entre tudo o que sabemos e 
principalmente o que não sabemos. E penso que ele 
sempre resistirá a tudo que fuja dessa organização 
coletiva (BARBOSA, 2016, relato de diário de bordo). 
 Figura 1 Encenadora Lucivania Lima. Fotógrafo Souza Junior 
 
 
A generosidade é um elemento base para o 
procedimento criativo que defendo na minha prática 
artística e docente. Os elementos constitutivos da cena 
precisam estar em consonância com um sistema de 
sentido. Já afirmei e discuti várias vezes este delineio 
epistemológico, mas este sistema de sentido é para 
mim uma empreitada com o grupo que está em sala de 
ensaio comigo, configurado no suor do ensaio, no olho 
a olho, no encorajamento do ator, na liberdade de 
proposição do iluminador, do figurinista, do cenógrafo 
etc. – a proposta estética não pode ser minha, como 
encenadora/dramaturga não posso fazer nada em teatro 
sozinha, a proposta precisa ser nossa (FERREIRA, 
2017, p.75). 
Figura 2 Encenadora Cecília Raiffer. Foto de arquivo pessoal da encenadora. 
 
17 
 
 
A arte de encenar me possibilita gritar todos os 
estalos que tenho presos na garganta. Então, para 
mim, a encenação é mais do que uma arte, é 
também uma forma de manifesto, pois é no palco 
que “luto” por justiça, igualdade e, acima de tudo, 
respeito. Os trabalhos que estou como encenadora 
surgiram de inquietações minhas, que foram 
organizadas e logo compartilhadas com o grupo, 
que, juntamente comigo, irá executar a ideia, 
começando a fomentar debates ainda em um 
grupo pequeno de pessoas. Quando essa equipe 
está “esgotada” do assunto nas quatro paredes de 
ensaio, está na hora de se estender. É o momento 
em que o objeto de protesto, ou seja, o 
espetáculo, está pronto para ser compartilhado. 
Dessa forma, o debate se estende cada vez mais a 
cada apresentação (BEZERRA, 2018, 
depoimento escrito no dia 25/02/1018). 
Figura 3 Encenadora Carla Hemanuela. Foto do arquivo pessoal da encenadora. 
 
1.1 Tecer fios para se buscar uma atuação polifônica 
 
Iniciamos o texto com o relato de três encenadoras que, em plataformas distintas, 
registraram seus pontos de vista sobre a prática de conduzir espetáculos teatrais. Algumas 
especificidades conectas ao trabalho dessas três mulheres norteou o desenvolvimento da 
pesquisa para a escrita desta dissertação. A principal especificidade que as conecta, embora 
não esteja apontada nesses registros, relaciona-se à prática de condução de processos na 
função como encenadoras e na ocupação de outras funções constitutivas da cena teatral. Nesse 
sentido, seguindo a ordem com que os relatos são apresentados temos: Lucivania Lima como 
iluminadora e como bailarina, atuante no Coletivo Atuantes em Cena; Cecília Raiffer como 
dramaturga, atuante na Cia. Engenharia Cênica; e Carla Hemanuela como 
figurinista/cenógrafa, atuante na Trupe dos Pensantes. A atuação dessas encenadoras compõe 
o estudo de caso da seguinte questão: como a prática d@ artista que desenvolve mais de uma 
função cênica pode contribuir na formação de demais artistas para uma atuação polifônica? 
Vimos nos textos citados pelas três encenadoras as seguintes expressões: 
necessidade do outro, generosidade e compartilhamento. Elas utilizam essas expressões para 
designar o olhar que cada uma tem sobre o processo de criação e a relação tecida com @s 
18 
 
 
demais artistas que o integram. Ou seja, a prática cênica dessas artistas tem como base 
constitutiva o diálogo, a troca de conhecimentos e a percepção de que as potencialidades 
ligadas à construção de suas individualidades têm como referência a relação desenvolvida 
com @ outr@. 
Tomamos esses posicionamentos como elementos necessários para a criação 
cênica por parte dessas encenadoras e buscamos perceber de que forma esse fazer artístico 
pode ser congruente para a formação de artistas que atuam polifonicamente. Pontuamos, 
desde então, que a questão sobre a “atuação polifônica” está ligada à formação de artistas, 
mas os caminhos para essa formação são diversos, não existem métodos fechados. Nesse 
sentido, ao tomarmos como referência três encenadoras e três grupos de teatro, a nossa busca 
se faz em entender como @s artistas vêm tecendo fios que direcionam para a prática de 
“atuação polifônica”. 
Antes de qualquer coisa, é necessário entender o que temos considerado como 
“atuação polifônica”. Essa expressão, no contexto que trazemos para nossa discussão, tem 
como referência principal o estudo realizado pelo artista e autor Ernani Maletta (2016) sobre o 
assunto. A fim de evitar qualquer equívoco sobre o conceito de polifonia e sobre a utilização 
do termo no discurso que ele gera no Teatro, o autor, faz um mergulho na etimologia da 
palavra e na sua utilização em linguagens distintas. 
A origem da palavra é grega e significa “várias ou múltiplas vozes”, assim, “poly” 
significa muitos, já “phonía” significa “voz, som, grito”. Voz é reconhecida não unicamente 
como a emissão sonora de um som, mas como identidade de algo que, segundo o autor, na sua 
origem grega é entendida como o direito de manifestar opinião, “a expressão de um 
pensamento (individual ou coletivo), que se tem sobre determinada questão” (MALETTA, 
2016, p.36), ou seja, num processo de criação teatral estão inseridasvárias vozes, vários 
pontos de vista diferentes, que convergem na elaboração de um pensamento uno e compósito. 
Apesar do exposto, a polifonia é muitas vezes identificada como sendo originária 
da linguagem musical, que se apropriou do termo ao encontrar nele o sentido adequado para 
definir a “multiplicidade de melodias executadas simultaneamente e de forma não 
hierárquica”. Ou seja, a linguagem musical já acrescenta ao discurso a ideia de simultaneidade 
e equipolência, assim, a multiplicidade de melodias tem o mesmo poder expressivo e juntas 
criam um elemento musical em unidade. 
Além da polifonia na Música, o autor também considera que a Literatura e a 
Linguística se apropriam da ideia de polifonia, sobretudo na análise que o filósofo e teórico de 
Literatura Mikhail Bakhtin faz sobre a obra do escritor russo Dostoiévski. Junto à polifonia, o 
19 
 
 
dialogismo se faz presente na obra desse autor, pois as palavras constitutivas na composição 
de determinados discursos emanam um pensamento que é construído pelo diálogo, mesmo 
que esse seja representado por uma única pessoa, ou seja, essa única pessoa se constitui de 
todo um complexo informativo, de uma pluralidade de vozes. Segundo Maletta: 
 
Bakhtin, ao identificar como polifônicos os romances de Dostoiévski, quer dizer que 
este, ao dar voz aos seus personagens, não o faz para que todos conduzam o leitor a 
um mesmo ponto de vista ideológico; pelo contrário, eles se mostram independentes 
do autor que os criou, pois têm a liberdade de emitir opiniões em si polêmicas 
(MALETTA, 2016, p.44). 
 
Apesar de a polifonia ser discutida em Bakhtin de forma abrangente, vale dizer 
que, segundo Maletta, o autor russo não apresenta uma definição explícita do termo, mas, em 
sua análise sobre os romances de Dostoiévski, ancora-se na ideia de polifonia quando 
evidencia a multiplicidade, a independência, a simultaneidade, a equipolência e também a 
polêmica das vozes dos personagens do romance, que se colocam ao lado e igualmente 
importantes à voz do autor, e que apresentam pontos de vista distintos. 
Na linguagem teatral, Maletta vê que a polifonia é a própria manifestação do 
Teatro, uma vez que em sua essência é constituído de múltiplas vozes que agem 
dialogicamente na elaboração de um discurso cênico, ou seja, a materialidade apresentada ao 
espectador é o entrelaçamento de várias individualidades. O espectador tem acesso à trama 
genuinamente polifônica. Nesse sentido, resumidamente a polifonia no Teatro é: 
 
o entrelaçamento de múltiplos pontos de vista discursivos, identificado como vozes 
intrinsecamente dialógicas, que se apresentam simultaneamente, expressas por 
qualquer sistema de signos, podendo interferir umas nas outras sem prejuízo de sua 
autonomia, e que têm igual importância para o estabelecimento do sentido que assim 
se produz (MALETTA, 2016, p.48). 
 
Tendo reconhecido o Teatro como arte polifônica, o autor estuda o ideal 
envolvimento dos artistas ligados à criação como portadores de um discurso polifônico que, 
se relacionando com o processo de criação, desenvolveriam a capacidade de perceber todas as 
vozes inseridas no processo, conseguindo dialogar com cada voz de modo que elas possam 
interferir diretamente no seu processo individual. Maletta diz: 
 
Fundamentando-me então, como premissa, na natureza polifônica do Teatro, afirmo 
que cada artista teatral, que é certamente uma das vozes da partitura teatral, deveria 
apropriar-se das diversas outras vozes responsáveis pelos vários discursos que 
acontecem simultaneamente no ato teatral: as vozes dos atores, do autor, do 
diretor/encenador, do dramaturgo, do diretor musical/sonoplasta, dos preparadores 
20 
 
 
vocal e corporal, do cenógrafo, do figurinista, do iluminador, do caracterizador e de 
todos os demais criadores do espetáculo. Assim, ao incorporar vários outros 
discursos ao seu próprio discurso, apropriando-se deles, o artista cria para si um 
discurso polifônico (MALETTA, 2016, p.67). 
 
O discurso polifônico quando emanado, possibilita ao artista o envolvimento na 
criação cênica pela apropriação dos demais elementos constitutivos. Assim, por exemplo, @ 
iluminador (a) ao conceber seu objeto artístico está familiarizad@ com os demais elementos 
criativos da cena. É, nesse sentido, um (a) artista que atua de forma polifônica, pois atua em 
consonância com a natureza polifônica do fenômeno teatral. 
Mas como ter essa percepção como prática cênica? Quais os caminhos que 
formam o artista para a atuação polifônica? E como a atuação do artista em múltiplas funções 
pode ser um caminho para atuação cênica e formação de outros sujeitos que atuam de forma 
polifônica? São algumas das questões que perpassam a nossa discussão ao longo deste texto. 
Há, pois na relação entre a prática de atuação de encenadoras em múltiplas 
funções e a questão sobre atuação polifônica um grande tecido que precisa ser alinhavado 
para que consigamos construir um pensamento que conecte essas duas linhas. 
A atuação em diversas funções das encenadoras Cecília, Lucivania e Carla 
Hemanuela (Manú
1
) é uma particularidade fundamental para nossa discussão, pois 
acreditamos que o desenvolvimento de habilidades para atuar em ramos distintos da 
encenação pode ser favorável à compreensão da importância dos vários elementos que 
constituem a cena. O que vem a dialogar com a visão do Teatro como arte polifônica e que 
pode contribuir para a formação do sujeito que atua polifonicamente. 
Ao optarmos pela prática dessas encenadoras como estudo de caso, foi 
considerado também o aspecto pedagógico ligado ao trabalho de cada uma, por isso, quando 
elas dizem que suas práticas se justificam na relação que tecem com outras pessoas, na troca 
de afeto e no ato de generosidade, é compreensível que a questão da formação do sujeito é um 
ato que está conectado às suas práticas artísticas. Desse modo, há um encontro entre o 
pensamento dessas artistas e a busca por uma atuação polifônica, pois tanto um como o outro 
trata de um aspecto extremamente pedagógico. Isso não quer dizer, porém, que @ artista que 
atua de forma polifônica precisa, necessariamente, estar inserid@ num ambiente em que todo 
o fazer teatral se dê numa relação de profunda troca de conhecimento, ou que tenha como 
 
1
 A partir desse momento utilizaremos também o apelido “Manú” como referente à “Carla Hemanuela”, pois 
essa encenadora é carinhosamente identificada no meio artístico pelo seu apelido e achamos conveniente tratá-la 
assim também na dissertação. 
21 
 
 
foco a formação do sujeito ancorada à prática cênica. Não é necessário, pois, intervir de forma 
gradual no processo de criação dos múltiplos discursos que geram a cena teatral, mas é 
necessário conhecer os princípios operantes de cada discurso cênico, apropriar-se deles e fazer 
falar o seu próprio discurso, que é compósito. 
Por isso, de um ponto de vista bastante específico, consideramos que a prática 
artística, entendida pelo viés de troca de conhecimento em sala de ensaio, pode ser de 
fundamental importância para se discutir a formação d@ artista que atua de forma polifônica. 
A questão de as encenadoras desenvolverem seus trabalhos artísticos ancorados a grupos de 
teatro também desloca a percepção para uma prática construída pela troca entre os integrantes, 
em que se busca a desconstrução de uma hierarquia enquanto criação cênica. 
Nesse sentido, faz-se necessário abranger um pouco mais nosso discurso em torno 
da encenação teatral, da prática de encenadores e encenadoras e da relação de teatro que se 
constitui em grupalidade, a fim de entender as bases de uma prática teatral que busca a 
horizontalidade das relações. A partir desse enfoque, tornar-se-á possível discutir os aspectos 
metodológicos e pedagógicos ligados à prática das encenadoras que apontam para a formação 
de artistaspara uma atuação polifônica. 
 
1.2 Encenar, arte de perceber-projetar-provocar-criar-compor UNIversos 
 
Estando em sala de ensaio ou fora dela, sendo plateia e estando em cena, o que 
mais me chama a atenção em tudo o que compõe o UNIverso teatral é a capacidade dessa arte 
de unir o ser humano no seu âmago. Vejo claramente personalidades confrontadas que se 
permitem ao diálogo e por esse meio conseguem compor algo em comum. 
Assim, vejo uma encenação teatral como síntese das várias vivências coletivas 
que se teve ao longo de sua criação, pois quando a encenação é apresentada ao público ela já 
passou por outras etapas de escolhas internas entre os membros que compõem o coletivo de 
determinada montagem teatral. Ao dizer isso, considero também que a cena apresentada ao 
público é por natureza mutável, pois uma encenação teatral é efêmera, ela se reestrutura a 
cada encontro com o público, que nunca será o mesmo, assim como o dia nunca será o 
mesmo, e nem mesmo os artistas serão os mesmos. Por mais que sejam as mesmas 
personalidades, eles também se transformam a partir da cotidianidade inerente ao indivíduo. 
Ostrower (1987) considera que faz parte da natureza humana as escolhas e a 
mudanças. A autora explica isso ao dizer que é inata ao ser humano a capacidade de criar, de 
dar forma e significado a tudo o que lhe acontece. Ela chama de “potencial criador” o 
22 
 
 
fenômeno que explica que toda realidade configurada exclui outras realidades, nesse sentido, 
quando @s artistas se inserem num ambiente criativo, é natural o jogo seletivo entre @s 
envolvid@s, que faz com que a cena construída seja apenas uma pequena partícula de tudo o 
que se viveu. 
Diante disso, podemos dizer que para se construir uma encenação teatral é 
necessário percebê-la como uma materialidade que reúne individualidades distintas. O 
encontro entre essas individualidades é que torna viável a realização de escolhas que servirão 
como norte para a construção da cena, que posteriormente, junto ao público, se efetiva como 
obra teatral. O autor Sávio Araújo (2005) constrói um argumento condizente com essa ideia 
de encenação, segundo ele: 
 
[...] uma encenação teatral é um complexo artístico comunicativo. Um sistema de 
representação cuja construção implica na produção de códigos e convenções, 
envolvendo diversas formas de conhecimento e cujo princípio ativo se estabelece a 
partir da relação direta entre cena e espectador, mediado por múltiplas relações 
produzidas nos campos textual e corporal/espacial (ARAÚJO, 2005, p.27). 
 
Esse “complexo artístico comunicativo” compõe conhecimentos múltiplos, como 
o conhecimento d@ encenador (a), dos atores e atrizes, d@ figurinista, d@ aderecista, d@ 
iluminador (a), dentre outros. “São várias visões de mundo amalgamadas a um propósito [...] 
e precisam estar em transversalidade para a composição de uma obra una” (FERREIRA, 
2017, p.70). @ espectador (a) ao se presentificar no momento da encenação certamente verá 
algo já articulado entre @s artistas num momento precedente. 
Diante do exposto sobre encenação, percebemos que a compreensão dessa arte 
como materialidade compósita é consonante com o conceito de polifonia para compreensão 
do fenômeno teatral proposto por Maletta, que foi citado no item anterior. Segundo ele, 
 
na montagem – como o nome já revela –, os artistas criadores precisam partir da 
individualização das vozes, da identificação dos múltiplos fios discursivos, para que 
se possa conduzir o seu entrelaçamento e criar uma trama que produza o sentido que 
se deseja; o espectador, por sua vez, tem acesso à trama polifônica já formada 
(MALETTA, 2016, p.60) 
 
Em outras palavras, o Teatro, ou a encenação, é uma arte que depende do encontro 
para se realizar. Partindo desse pressuposto, a arte de encenadores e encenadoras é igual à arte 
do ator, ou da atriz, d@ figurinista, dentre outros e outras. Não é vista aqui num lugar de 
privilégio, mas de auto-revelação a partir das práticas desenvolvidas conjuntamente. 
23 
 
 
O encenador e escritor Jerzy Grotówski (1992), um dos nomes mais emblemáticos 
do século XX, diz que o âmago do Teatro é o encontro, para ele acontecer é necessário que os 
corpos presentes se relacionem, assim, é possível falar do encontro engendrado entre os 
envolvidos na composição cênica, entre o público e o espetáculo, ou do artista consigo 
mesmo. Grotowski explica a questão da seguinte forma: 
 
A essência do teatro é um encontro. O homem que realiza um ato de auto-revelação 
é, por assim dizer, o que estabelece contato consigo mesmo. Quer dizer, um extremo 
confronto, sincero, disciplinado, preciso e total- não apenas um confronto com seus 
pensamentos, mas um encontro que envolve todo o seu ser, desde os seus instintos e 
seu inconsciente até o seu estado mais lúcido. O teatro é também um encontro entre 
pessoas criativas. Sou eu, o diretor, que me defronto com o ator, e a auto-revelação 
do ator me dá a revelação de mim mesmo.[...] Vou mais longe: o teatro é uma reação 
engendrada pelas reações e impulsos humanos, pelos contatos entre as pessoas. 
Trata-se de um ato tão biológico quanto espiritual. Deixemos bem claro que eu não 
estou dizendo que se deva fazer amor com a plateia – isso nos condicionaria a uma 
espécie de artigo de consumo (GROTOWSKI, 1992, p. 48-50). 
 
Tomando como referência a relação de encontro abordada por Grotowski, 
consideramos que a ótica de atuação de encenadoras em muitas funções e a relação que elas 
estabelecem com os seus grupos são uma projeção que se configura nesse “encontro”, que 
gera potencialidade artística e que se realiza na comunhão com outras pessoas. Assim, há um 
encontro das artistas consigo mesmas e com as suas companheiras e companheiros de 
trabalho, o que irá desembocar num encontro com a plateia. 
Conduzir um espetáculo é estar atento ao que envolve a discussão da problemática 
em questão, é perceber os caminhos que estão sendo trilhados pel@s demais artistas, é 
provocar nos indivíduos o rompimento de barreiras e permitir-se ser provocado a também 
romper barreiras, é criar possibilidades convergentes de materialidade; configurando, pois, um 
UNIverso particular para aquele grupo de pessoas. 
Haderchpek (2009) considera ser pedagógico o trabalho d@ encenador (a), nisso 
compreende que ao conviverem num processo criativo @s artistas aprendem uns com os 
outros. O autor compara o trabalho d@ encenador (a) com @ condutor (a) de um barco, para 
ele tanto um (a) como @ outr@ precisam estar atent@s às necessidades da navegação, pois o 
barco pode ser levado pelo vento que não cessa e o processo criativo também pode soprar 
para outra direção, por isso é importante que @s condutores conheçam @s tripulantes para 
que a viagem seja interessante e cheia de descobertas para todos. Segundo Haderchpek, 
 
o diretor precisa perceber o grupo e delegar funções de acordo com as habilidades de 
cada tripulante; muitas vezes deve atuar ensinando uma função e propondo desafios. 
24 
 
 
O diretor-pedagogo deve ainda estar atento para as evidências, deve saber lê-las e 
rastreá-las. Desta forma ele pode prever os caminhos do processo e agir alterando o 
rumo do barco, virando o leme e dialogando com o vento (HADERCHPEK, 2009, 
p.21). 
 
Bogart (2011) diz que entre o trabalho d@ encenador (a) e do elenco há uma linha 
que só se sustenta se um (a) consegue demonstrar atenção n@ outr@. Segundo ela: 
 
A atenção é uma tensão, uma tensão entre o objeto e o observador, ou uma tensão 
entre pessoas. É um ouvir. Atenção é uma tensão permanente. Como diretora, minha 
maior contribuição a uma montagem, e a única coisa que posso oferecer realmente a 
um ator é minha atenção. [...] Existe uma linha vital sensível entre nós. Se essa linha 
é comprometida, o ator sente isso. Se é depreciada por meu próprio ego, desejo ou 
falta de paciência, a linha entre nós se deteriora (BOGART, 2011, p.78-79).Compactuamos com o pensamento de Haderchpek e Bogart ao verem que a arte 
de encenar só se realiza na relação estabelecida entre corpos. A ideia de “atenção” como 
“tensão” é o que mantém o processo criativo ativo para @s artistas que o integram, a 
“atenção” capacita o vínculo entre @s envolvid@s que buscam a completude na união com 
@s outr@s. A ideia de “diretor-pedagogo” também é bem vinda porque põe em questão o 
processo criativo como um ambiente de descoberta e de autoconhecimento. É como se @ 
encenador (a) assumisse como posicionamento pedagógico o “estar” no “entre” das relações, 
o que é apontada pela autora Mirian Martins (2005) na dimensão do “mediador” cultural. 
 
Um estar, contudo, que não é passivo nem fixo, mas ativo, flexível, propositor. Um 
estar entre que não é entre dois, como uma ponte entre a obra e o leitor, entre aquele 
que produz e aquele que lê, entre o que sabe e o que não sabe. Ultrapassando a ideia 
de mediação como ponte, compreendê-lo como um estar entre implica em uma ação 
fundamentada e que se aperfeiçoa na consciente percepção da atuação do mediador 
que está entre muitos. [...] Um “estar entre” atento e observador, no olhar e na 
escuta, para gerar questões que apenas tem sentido se provocam a reflexão, a 
conversação, a troca entre os parceiros (MARTINS, 2005, p.54 - 55). 
 
Então, se o “diretor-pedagogo” exerce o seu papel comprometido com um “estar 
entre” das relações estabelecidas, poderíamos considerar que ao exercer essa prática é 
agregada também à sua função a “mediação”? Ou será que a mediação é algo flutuante entre 
@s artistas envolvidos na composição cênica? 
Acreditamos que as respostas para essas questões não são estanques porque tudo 
depende das especificidades de cada processo teatral. A mediação pode se dar a partir apenas 
do “diretor-pedagogo” ou da “diretora-pedagoga”, quando esse e essa se colocam atentos ao 
processo e vão delineando-o a partir de um estar dentro-fora de tudo o que se produz. Ou 
também, quando, o processo é trilhado por vias ainda mais abertas, que faz com que tod@s 
25 
 
 
@s integrantes possam conduzi-lo na perspectiva de se sentirem autônom@s quanto ao 
seguimento do processo. Nesse sentido, o ato de mediar se faz presente também nas mãos 
d@s demais. De um modo, ou de outro modo, a mediação teatral deve ser um elemento 
presente no processo criativo, pois é o termômetro que consolida que as relações sejam 
estabelecidas para um mesmo fim. 
A prática d@ encenador (a) na vertente de mediador (a) e também como criatura 
que compreende que seu fazer se constitui na relação que desempenha com demais agentes 
criativos, vem sendo trilhada na perspectiva de criação das encenadoras Lucivania Lima, 
Carla Hemanuela e Cecília Raiffer. 
O lugar do Teatro que se constitui em grupo e na relação de troca de saberes, 
comum às três encenadoras, nos faz colocar em questão quais as bases fundantes que 
movimentam a percepção sobre o processo de criação numa esfera que busca horizontalizar as 
relações estabelecidas dentro do movimento teatral, sendo que as funções artísticas são 
mantidas? Outra coisa é como a manutenção de funções, e aderência de outras funções na 
prática de encenadoras amplifica as possibilidades de atuação polifônica em suas práticas e 
nas práticas dos artistas envolvidos? Retomamos aqui indagações que consideramos centrais 
na nossa discussão. 
As bases que constituem as respostas para essas questões, estão relacionadas ao 
processo de formação das artistas e a geração do pensamento de cada uma em torno do 
movimento teatral, que vai de encontro com a percepção que o Teatro desempenha junto a 
uma série de movimentos sociais que acabam por intervir na forma de se fazer/pensar a cena. 
Nesse sentido, no que concerne a formação dessas artistas no campo teatral 
consideramos a importância da formação acadêmica na área de Teatro. A Universidade, de 
alguma forma, capacitou o pensamento e prática dessas artistas em diversas funções na cena 
teatral, além de ter sido impulsionadora na formação dos grupos e cias em que atuam. 
Compreendemos também, enquanto formação, a relação que essas artistas e os seus grupos 
estabelecem com o lugar que habitam, lugar esse que se chama Cariri e fica localizado no 
interior sul do Ceará. A relação com o Cariri caracteriza a bravura dessas artistas como 
mulheres atuantes na cena teatral e lançam nos grupos em que elas atuam o intercruzamento 
de suas práticas com as manifestações populares do local, deslocando, por vezes, o olhar 
criativo para vozes dos movimentos de tradição da própria região. 
O que tem sido de cunho mais geral, é o que consideramos como movimentos de 
herança, que modificaram a visão do fazer teatral em várias bases, como o surgimento da 
encenação moderna, a performance como linguagem, o movimento de vanguarda teatral na 
26 
 
 
América Latina, que está relacionado com o movimento de teatro de grupo no Brasil. Esses 
movimentos estão ligados à nossa história e compõem a forma como nos colocamos 
artisticamente. 
 
1.2.1 Tessitura histórica 
 
As grandes revoluções sociais são sempre o pano de fundo dos movimentos de 
vanguarda. Quando consideramos os movimentos teatrais que compreendem a segunda 
metade do século XIX e o século XX, vemos que além do posicionamento de artistas frente às 
questões de cunho mais gerais da sociedade, também houve a busca por uma reconfiguração 
estética do fazer teatral e até mesmo pela busca de originalidade, no caso de tratarmos do 
teatro latino-americano, que começou nesse período a reclamar por um fazer artístico 
condizente com suas competências primitivas, buscando também emancipação cultural dos 
países colonizadores. Os artistas desejavam conquistar autonomia na composição cênica, algo 
que desencadeou numa série de possibilidades de expressão do movimento teatral. 
A encenação moderna, por exemplo, foi um movimento transgressor porque 
ocorreu junto às transformações políticas, sociais, econômicas, culturais e ideológicas no 
período que compreende a segunda metade do século XIX e ao século XX no terreno europeu, 
mas que foi se consolidando também em outras regiões do globo, como nos países latino-
americanos, e consequentemente no Brasil. A autora Cecília Ferreira (2017) diz que o seu 
surgimento provocou mudança na forma de se fazer e pensar o teatro, segundo ela: 
 
Na virada do século XX, o teatro europeu estava buscando outras possibilidades 
para a arte teatral. A América Latina também passa a propor novas maneiras para o 
fazer teatral no decorrer do século. Faço uma reflexão cruzada entre estes dois 
contextos – Europa/séculos XIX-XX e América Latina século XX, a partir da década 
de 1970- mesmo compreendendo que há grandes e profundas especificidades nestes 
recortes geográfico/temporais. Sabendo haver convergências entre estes contextos 
no que tange ao impacto do surgimento da encenação no fazer/pensar teatral: a busca 
pela teatralidade, o ruir dos modelos hegemônicos, a criação de um sistema de 
sentidos para a cena, a responsabilidade do artista para com a sua obra e a relação 
ativa com a plateia (FERREIRA, 2017, p.26). 
 
Ao abordarmos a encenação teatral no polo europeu junto às investidas do teatro 
latino-americano em meio ao século XX, estamos construindo uma narrativa que busque 
explicar a raiz de parte de nossa história e de nossa visão frente aos processos artísticos que 
participamos. Reconhecemos que a encenação moderna abriu as portas para uma série de 
possibilidades de percepções e de feituras do movimento teatral, ao mesmo tempo, porém 
27 
 
 
reconhecemos que há de se refletir em que proporções a modernidade em si infligiu na vida 
dos povos latino-americanos a ponto de buscarmos compreender se de fato esse movimento 
foi igualitário para ambas as partes do mundo, ao estarem relacionados com os seus lugares. 
Segundo Rocio Vargas (2017) é de suma importânciarepensar os paradigmas 
culturais quando esses têm origem nos países de “cultura dominante” e que colonizaram 
outros países, como é o caso do continente europeu frente à América Latina. Dussel (1994, 
p.08 apud VARGAS, 2017, p.35) diz que a modernidade, definiu sua base estruturante sob a 
ótica de um pensamento colonizador, ela se tornou potente devido a forte exploração realizada 
pelos colonizadores a outras culturas. Tentou instalar-se no pensamento dos países 
colonizados, e tentou recriar novas referências sociais condizentes com suas teorias. Rocio 
Vargas (2017) ainda citando Dussel (1994) utiliza a palavra “trans-modernidade”, como 
significante do que seria a modernidade para a América Latina, nisso lança uma nova visão 
sobre a forma como os latino-americanos viveram esse momento. Assim, ao superar a 
modernidade eurocêntrica, a “trans-modernidade” volta-se à busca pela descolonização e 
implementação de uma política que valorize as culturas genuinamente latino-americanas. 
Outro ponto a considerar como diferencial entre a modernidade latino-americana e 
a europeia é o retardamento com que ela chega aos países da América Latina, sobretudo no 
universo teatral, que só vai consolidar as suas bases constitutivas a partir dos anos sessenta e 
setenta do século passado, após os destroços ocasionados pela Segunda Guerra Mundial. A 
autora Fátima Silva (2007) relata esse retardamento da seguinte forma: 
 
Nessa região do globo, toda a movimentação cultural do modernismo se restringiria 
praticamente ao âmbito das artes plásticas e da Literatura; o teatro passaria quase 
desapercebido, salvo em alguns países como o México, Argentina ou Uruguai, 
quando os germes do movimento de teatro independente já davam seus primeiros 
sinais. Quando, nos anos 50, no período do pós-guerra, uma nova onda vanguardista 
se espalha nos países centrais- a chamada neo-vanguarda- como uma forma de dar 
conta dos horrores das duas grandes guerras da primeira metade do século XX, só 
então, poder-se-á detectar na América Latina o embrião do que viria a ser a 
“vanguarda teatral latino-americana”, que floresceria nas duas décadas seguintes: os 
anos 60 e 70 do século XX (SILVA, 2007, p.42-43). 
 
Portanto, não se pode equiparar as duas realidades, mas é possível dizer que a 
América Latina, tendo abraçado a modernidade, ou trans-modernidade, como um movimento 
de reconhecimento, reafirmação e autoralidade artística, conseguiu buscar e construir um 
olhar genuíno para suas práticas a partir de outros referenciais teatrais. O século XX foi, pois, 
transgressor para os latino-americanos e para os europeus. 
28 
 
 
Apesar disso, a Europa, colocada para alguns artistas latino-americanos, em lugar 
de reflexão e por vezes de negação, continua infligindo com potência em muitas práticas e 
pesquisas, pois, de uma maneira mais generalizada, a liberdade de expressão de nós latino-
americanos, e o desejo de fazer falar as nossas vozes ainda nos é distante, ao considerarmos 
que nossa educação, de um modo geral, ainda tem como referência os modelos hegemônicos 
europeus e também americanos. Ainda nos é cara a liberdade porque, às vezes, não temos, 
sequer, a noção de que tipo de liberdade buscamos. Não temos parâmetros para jogar fora um 
passado que, muitas vezes, não é genuinamente nosso, pois desconhecemos nossas raízes. 
Ao pensar sobre a falta de referência relacionada à educação nos diversos lugares 
em que habito, recordo-me das aulas de História Mundial do Teatro e Dramaturgia I na 
graduação em Teatro, quando não compreendendo a ementa, questionava aos professores o 
porquê de não falarmos do Brasil. Mesmo tendo, anos depois, chegado o período de se estudar 
a produtividade brasileira, ainda assim a fragilidade, comparado ao que se estudava de fora, 
era bastante notável. Então tenho refletido bastante sobre tantas pesquisas realizadas no Brasil 
nos últimos anos que tem enfoque nas práticas brasileiras, isso me deixa um pouco mais 
esperançosa em relação ao material que teremos daqui a uns anos. Considero de suma 
importância falar de nossas práticas e ter como referencial os nossos diários de bordo, porque 
aos poucos vamos demarcando os territórios que nos constituem. 
Por outro lado, o intercruzamento com as práticas europeias é um campo que 
também nos identifica ao nos apropriarmos de certos conceitos e práticas iniciados naquele 
lugar, mas que se ressignificaram a partir de nossa realidade. Condizente com esse 
pensamento Traba (1976) citada por Silva (2007) coloca que, 
 
a existência da arte latino-americana está ligada à nossa capacidade para sustentar 
nossos pontos de vista, à agilização de nossos argumentos, à modernização do 
caminho crítico e à conscientização de que a salvação dos marginais está em 
acentuar sua marginalidade e dotá-la de sentido (TRABA, 1976, p. 21 apud SILVA, 
2007, p.55). 
 
Nesse sentido, quando focalizamos a prática de encenadoras que atuam em 
funções distintas na construção cênica em grupos atuantes na Região do Cariri, reconhecemos 
a linha tênue entre a prática genuinamente latino-americana, que parte de um lugar, o interior 
do estado do Ceará, no Brasil e as relações que essa prática tece com a encenação moderna, 
que teve início no polo europeu, num período de grande agitação política e social e que aos 
nossos olhos ainda resvala numa série de possibilidades de concepção do fazer teatral 
contemporâneo. 
29 
 
 
Então, a encenação teatral, ou encenação moderna, foi uma prática nova para o 
período e o espaço em que se originou. Considerado o primeiro encenador na França, André 
Antoine faz a seguinte colocação sobre o surgimento da encenação: 
 
É preciso repetir que a encenação é uma arte que acaba de nascer, e que nada, 
absolutamente nada, antes do século passado, antes do teatro de intriga e de 
situações, tinha determinado sua eclosão (ANTOINE, 1903, p.26/tradução 
TORRES, 2001). 
 
Com a encenação moderna, apareceu o encenador
2
, função dada à pessoa que 
conduzia o espetáculo, tendo em vista que todos os elementos constitutivos deveriam 
comunicar uma ideia que se faria representada a partir da cena em si e não só a partir da 
literatura, como era natural ocorrer num momento precedente, quando o texto dramático 
definia os percursos do espetáculo. Patrice Pavis (2010), Bernard Dort (1977) e Abimaelson 
Pereira (2013) dizem que o encenador só passou a existir junto aos desdobramentos que a 
encenação foi tomando, mas Pavis considera que sempre houve no fazer teatral alguém que, 
de algum modo, tomava à frente do espetáculo, segundo ele: 
 
[...] sempre houve- e isso a partir dos gregos- uma pessoa encarregada de cuidar da 
organização material da representação. Ésquilo escreveu para as condições de 
representação da época, compôs a música, dirigiu o coro, cuidou dos figurinos. Na 
Idade Média, o “maitre de jeu” coordenava os elementos do drama litúrgico. O 
capocomico da commedia dell’arte decidia sobre a ordem das sequências e a 
conduta geral do espetáculo. Molière foi autor, ator e, como se vê pela forma 
certamente “romanceada” do Improviso de Versalhes, responsável pela 
interpretação, ou diretor de atores, como diríamos hoje (PAVIS, 2010, p.02). 
 
A encenação focaliza no discurso que a cena opera e possibilita ao artista a 
“reflexão da obra em si” (DORT, 1977), buscando com isso a noção de teatralidade como 
elemento crucial para o pensamento teatral daquele período. A teatralidade também impera 
nos artistas com a consciência da importância dos elementos compositivos de uma obra 
teatral, o que gera o exercício da autonomia, ao se colocarem como criadores do espetáculo. 
Nessa direção, a criação do cenário, do figurino, d@ personagem, dentre outr@s, passou a ser 
tão importante quanto à construção de dramaturgia, que também passou a ser repensada e 
reformulada a partir das múltiplas possibilidades investigativas ligadas à construção dacena. 
 
2
 Apesar de em boa parte do texto virmos optando pelo uso do símbolo @ para designar o sexo feminino e 
masculino, quando correlacionados à ideia de generalização referente a determinada expressão ou colocação de 
ideia, neste momento o uso do nome “encenador”, referente apenas a figura masculina, bem como outras 
colocações que serão utilizadas nesse subitem se justifica ao considerar um período específico da história do 
Teatro em que a condução teatral era realizada em sua maioria por homens, e também por estarmos ancoradas 
nas palavras utilizadas por autores, que ao indicarem em seus escritos ideias de generalização optam pelo uso do 
gênero masculino. 
30 
 
 
A ideia de teatralidade foi sendo praticada, primeiro na Europa e depois na 
América Latina sob a égide das transformações sociais e inovações tecnológicas que haviam 
se constituído significativamente na vida da sociedade. A Revolução Industrial rompeu a 
barreira que separava uma classe social da outra, desse modo os teatros passaram a lidar com 
a presença considerável de um público heterogêneo, ruminando na diversidade estética dos 
espetáculos. “Desde então, não existe entre espectadores e homens do teatro, um acordo 
fundamental e prévio sobre o estilo e o sentido desses espetáculos. (...) É necessário recriar a 
cada vez” (DORT, 1977, p.93-94). 
Além da nova configuração de público, os próprios espetáculos passaram a ser 
influenciados pelas inovações tecnológicas no campo do cenário e da iluminação. Os 
cenários, que antes dos primeiros anos do século XIX eram compostos apenas por painéis 
pintados, ganharam dimensões cada vez mais dinâmicas. Passou a ser possível pensar o 
espaço cênico numa perspectiva múltipla, ele “não é mais imutável, nem uniforme, ele se 
modifica a cada espetáculo” (DORT, 1977, p. 89). 
Ainda segundo Bernard Dort o surgimento da lâmpada incandescente por Thomas 
Edison em 1879, agregou ao Teatro uma nova percepção de visualidade, já que passou ser 
possível explorar “efeitos mágicos”, bem como a imitação de fenômenos naturais, o que 
juntamente ao trabalho do cenógrafo passou a constituir novas percepções visuais e cênicas. O 
autor Abimaelson Pereira também contribui com esse pensamento ao dizer o seguinte: 
 
A luz foi um dos elementos que levou a tridimensionalidade aos espetáculos, 
valorizando outros elementos da encenação, como a maquiagem e o figurino, e 
também foi substancial para a quebra definitiva da narrativa dramatúrgica linear. [...] 
O espetáculo teatral modificou-se, tornou-se múltiplo, cada vez menos reproduziam-
se as orientações dos dramaturgos e buscava-se cada vez mais uma autonomia do 
teatro em relação ao texto (PEREIRA, 2013, p.35). 
 
Essa transformação do espaço cênico impeliu a necessidade de revitalização do 
pensamento sobre o Teatro, pois tantas mudanças não cabiam mais na antiga estrutura de 
criação cênica. A iluminação, o cenário, e até mesmo o público não foram impulsionadores 
únicos da encenação moderna, mas o texto dramático, como citado pelo autor acima, foi o 
principal elemento que precisou ser repensado para o momento. O que aconteceu foi que a 
dramaturgia, vinha sendo mantida no fazer teatral num lugar de privilégio em relação aos 
demais elementos da cena, muito em alusão à busca por uma arte elaborada na visão 
aristotélica, que é nossa maior referência sobre a ideia de texto aos moldes da tragédia. Nesse 
sentido, até o surgimento da encenação moderna, quisera-se a todo o custo fazer com que o 
texto dramático ainda fosse a principal fonte para se construir um espetáculo teatral, tanto que 
31 
 
 
como aponta a autora Luciana Lyra “as formas que destoaram foram exclusivamente 
discriminadas e até exaltadas como reação natural. As formas de teatro popular, como a 
commedia dell’arte
3
, foi uma delas” (LYRA, 2013, p.46). Esse fenômeno, que foi chamado 
textocentrismo, por fim, passou a ser repensado com a encenação moderna, já que o enfoque 
agora recaia sob a ideia cenocrática, e a partir da cena, abrem-se muitos leques de 
possibilidades investigativas da composição teatral. 
Faz-se importante dizer também que o advento da encenação não quebra, contudo, 
com a imagem textocêntrica presente no fazer teatral, mas abre consideravelmente novas 
percepções e possibilidades de investigação cênica, que coadunam de forma mais direta com 
as mudanças societárias do período e que dão evasão a outros elementos que compõem a 
cena. 
Essa busca pela reconstrução do Teatro tendo como princípio a teatralidade 
rendeu a vários pesquisadores e pesquisadoras da cena a articulação de discursos referentes ao 
que eles e elas desejavam que fosse o novo fazer teatral. Assim o Naturalismo e o Simbolismo 
se tornaram as principais vanguardas que, ao invés de estancar conceitos fechados para a 
encenação moderna, deram para ela a possibilidade de ser uma arte aberta à criação que parte 
de referenciais diversos e que se origina da experiência estética. 
Segundo Patrice Pavis (2010), Émile Zola foi pioneiro na defesa do Teatro 
Naturalista. Ele criticou o Teatro romanesco, ao dizer que os autores eram incapazes de 
mostrar no palco o “mundo na sua realidade brutal”. Além de revelar sua insatisfação com o 
Teatro da época, no que diz respeito principalmente aos autores e textos dramáticos, Zola 
apresenta uma série de convenções presentes no teatro da época que o Naturalismo procurará 
romper. 
Ele critica a forma como os atores se colocam em cena, pois representam com o 
rosto sempre virado para o público, quando na verdade deveriam viver a cena na relação entre 
os integrantes que compartilham daquele momento. Pensando nisso, Zola traz uma questão 
bastante interessante e que será levada em consideração ao longo dessa escrita, que é a relação 
de “conjunto”, ligada tanto aos envolvidos que integram aquele coletivo, como à relação que 
eles desempenham com os elementos visuais do espetáculo. Segundo ele, o intérprete, que é 
 
3
 De acordo com o dicionário de Teatro do autor Patrice Pavis a “Commedia dell’arte se caracterizava pela 
criação coletiva dos atores, que elaboram um espetáculo improvisando gestual ou verbalmente a partir de um 
canevas, não escrito anteriormente por um autor e que é sempre muito sumário (indicações de entradas e saídas e 
das grandes articulações da fábula). Os atores se inspiram num tema dramático, tomado de empréstimo a uma 
comédia (antiga ou moderna) ou inventado. Uma vez inventado o esquema diretor do ator (o roteiro), cada ator 
improvisa levando em conta os lazzi característicos de seu papel (indicações sobre jogos de cena cômicos) e as 
reações do público ”(2007, p.61). 
32 
 
 
conduzido de forma individual e que está preocupado apenas com seu sucesso pessoal, não 
desenvolve a noção de “conjunto” que é tão cara a cena teatral. Além de que, é necessário que 
os atores saibam se comunicar com o cenário, já que ele, no Naturalismo, será um elemento 
importante que reforça a ideia de representação da vida como ela é. 
Bernard Dort (1977) diz que para instalar Naturalismo no palco é necessário, 
 
romper com o teatro concebido como simples tradução cênica de uma obra 
dramática que existiria em si, segundo regras fixadas uma vez por todas e 
independentemente das condições materiais de sua representação. É conceber a 
crítica não mais como a expressão antecipada do julgamento do público, mas como 
uma reflexão sobre o fato que constitui a própria representação (DORT, 1977, p.49). 
 
O naturalismo reinventa uma nova concepção de Teatro, mexe na estrutura do 
espetáculo de forma totalizante, mudando as regras ligadas às convenções do espaço cênico e 
criticando a cena após a sua representação, e não previamente, como era de costume no 
período que precede à encenação, quando os representantes teatrais decidiam

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