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NORMA PENAL
O estudo da norma penal se diferencia na busca pelo papel atribuído à ela (conteúdo) e como ela se expressa para cumprir esse papel (estrutura). Isto exige inicialmente a distinção entre norma e lei penal. Segundo Binding:
· Norma: imperativo primário, anterior à lei apesar de poder ter seu conteúdo substancial (qual o bem jurídico que ela protege) extraído dela pela abstração.
· Lei: expressão das consequências da violação da norma, autorizadora da sanção mas não contém seu conteúdo substancial.
Desse modo, quem comete um crime, apesar de violar a norma atua em conformidade com a lei ao realizar o tipo legal que ela prevê.
Além disso, para alguns autores, a partir disso observa-se a estrutura tripartida das normas penais: regra superior (norma em sentido estrito), conduta que contraria a regra superior (expressa através do enunciado típico) e sanção (consequência que devem sofrer os que realizam a conduta típica – é o que confere seu caráter coercitivo e, logo, jurídico). 
É observável, assim, a distinção entre tipo e antijuridicidade, uma vez que a correspondência de um fato à descrição da lei poderia não corresponder à infração da norma; condutas tipificadas que são antijurídicas em certas situações podem não sê-lo em outras. 
Também possibilitou a distinção entre a relevância do desconhecimento da norma e ausência de significação jurídica do desconhecimento da lei.
Estrutura
São, em seu significado, proibitivas ou permissivas (ao tipificarem “matar alguém” estão proibindo o homicídio, dizendo para não matar).
Ela se organiza em torno de um centro de proteção, o bem jurídico. No art. 121 do CP, por exemplo, o bem jurídico protegido é a vida. Também no art. 135 do CP o bem jurídico protegido é a vida, além da integridade física. Assim é interessante lembrar os critérios para a escolha de quais deles serão protegidos.
Conteúdo 
Fundamento
É comum a discussão sobre o conteúdo da norma expressar valores socialmente relevantes (valorativo) ou diretiva de condutas (imperativo/determinativo). 
- Valoração
Derivada principalmente do neokantismo, quando se passou a entender o Direito penal como um instrumento de proteção de bens jurídicos. São destaque as proposições de Nagler e Goldschmidt:
· Nagler: sendo a função do direito permitir a convivência em sociedade através da regulamentação de suas relações, fixando suas condições mínimas, o injusto é constituído pelo desrespeito a elas.
· Goldschmidt: injusto típico provém de valorações abstratas do Direito, de manifestações objetivas externas que podem ser reconhecidas por qualquer pessoa, compondo assim a correspondência entre a situação de fato e a norma abstrata. Ele também admitia, porém, junto à norma externa, uma segunda norma, que correspondia à exigência de uma conduta interna, sob a forma de um imperativo, o que leva alguns autores a atribuírem a ele a origem das concepções mistas da norma.
Assim, a norma como norma de valoração expressa um juízo social (objetivo, independente da vontade dos indivíduos) a respeito de um valor, traduzindo a necessidade de se proteger algo (bem jurídico) sem considerar nenhum imperativo dirigido aos seus destinatários.
Uma das críticas seus defensores fazem à ideia da norma como determinação já estiver na própria norma, estando ela dotada de dimensão subjetiva, o inimputável sequer teria cometido injusto, pois não teria sido determinado pela norma. Com isso, seria diluída a fronteira entre antijuridicidade e culpabilidade. Assim, com uma postura imperativista, não haveria a figura do injusto não culpável, já que sua reprovação é excluída por ele não poder se motivar pela norma que trata exatamente da possibilidade de exercício do comando.
Com conteúdo estritamente objetivo-axiológico, a norma pode ser lesionada por qualquer pessoa, imputáveis ou inimputáveis, dado que a antijuridicidade tem um juízo de valoração objetivo. Só um juízo de valoração subjetiva (culpabilidade), dirigido ao sujeito, determinará sua irresponsabilidade e, logo, seu não merecimento de pena. Essa valoração, porém, é posterior ao juízo de valoração objetiva da antijuridicidade.
Assim, o que pregam as concepções valorativas da norma não é a inexistência de seu caráter de determinação, mas sim que a relevância dele só apareceria posteriormente como o juízo de reprovação ao autor existente na culpabilidade, como mera derivação da antijuridicidade.
- Imperativo/determinação
Para esta concepção ela, as normas são produtos da vontade coletiva, expressa pelo legislador, exigindo dos cidadãos um comportamento ajustado a padrões derivados do dever jurídico que elas traduzem. Inicialmente formulada por Bierling e Thon. Para este último o direito busca impulsionar a vontade individual a se ajustar à coletiva (o que depende de sua vontade, subjetiva), enquanto Bierling pensa que as normas são imperativos que orientam o dever ser, no sentido de um querer que se espera seja cumprido por todos. Desse modo, o direito é um conjunto de imperativos ou diretivas expressando ordens ou proibições, a fim de determinar a conduta de seus destinatários. Para isso, reclamam um comportamento dos cidadãos para depois expressar a valoração atribuída a eles.
Para seus partidários a atitude criminosa revela vontade subjetiva de não obediência ao comando, de modo que a vontade passa a ser entendida como o núcleo da antijuridicidade. Por este motivo alguns identificam a teoria da motivação como derivada desta, sendo os sujeitos motivados a cumprir a norma, apesar de eventualmente fazer o contrário.
A teoria da motivação propõe um critério para explicar por que o inimputável pode atuar antijuridicamente (pode não violar a norma, por não ter sido motivado por ela, ao mesmo tempo que atua antijuridicamente – a antijuridicidade é objetiva enquanto a culpabilidade é subjetiva) e distinguir a causa de justificação e a de exclusão da culpabilidade. 
Seus defensores criticam a norma como valoração pelo fato de que, neste sentido, os tipos delitivos incorporam elementos subjetivos em sua estrutura, cuja ausência afeta o próprio injusto e não a culpabilidade, sendo possível nesses casos a criação de outro delito. Para eles, apenas esta noção permite o modelo preventivo da pena, uma vez que o sistema valorativa seria voltado para o passado, buscando a retribuição.
Dentre as críticas direcionadas à concepção valorativa está o fato de que para se determinar algo é necessário saber o que se quer determinar, de modo que o conteúdo prévio da determinação seja uma valoração. Ela também exigiria que todos conhecessem a norma, o que não é possível na prática. Por fim, ela leva mais a considerar o delito como uma infração ao dever do que uma lesão ou colocação em perigo de bens jurídicos.
- Mista
Mais utilizado atualmente, considera a lesão do bem jurídico a essência do injusto, mas não é suficiente uma agressão objetiva, é necessário que a vontade do sujeito se oriente a coloca-lo em perigo. Na medida em que os tipos inclinem sua orientação a um mais que ao outro, altera-se, também, proporcionalmente, a prevalência do desvalor da ação ou do desvalor do resultado como característica dos crimes. Por exemplo, no homicídio é indistinto o elemento preponderante; porém, nos delitos de perigo abstrato o elemento preponderante é o desvalor da ação. O desvalor da ação como preponderante evidencia o perfil da norma como sendo prevalentemente uma norma de determinação, por seu cunho subjetivo; por outro lado, o desvalor do resultado se associa primordialmente à norma como valoração, dada sua dimensão objetiva.
Bem jurídico
A escolha do bem jurídico pode se dar com base em diferentes critérios:
· Condutas relevantes;
· Interesses sociais relevantes;
· Bem jurídico na CF: o que é previsto na constituição deveria ser mais relevante, mas nossa constituição é mais abrangente;
· Fundamento na dignidade: põe como mais relevante o que contribui para o desenvolvimento do sujeito na sociedade, a construção de seu mundo. Para isso, entretanto, não é possível observar apenas os bens jurídicos individuais,mas também os transindividuais, os coletivos (cuja abrangência, em número de indivíduos atingidos, não pode ser medida) e difusos (cuja abrangência, em número de indivíduos atingidos, não pode ser medida). Sobre isto, existem duas teorias:
Sobre isto, existem duas teorias:
1. Monismo: propõe a proteção de um único grupo de bens jurídicos, ou os individuais ou os coletivos. Se divide em duas correntes:
1.2 Personalista: propõe a proteção dos bens jurídicos individuais, com eventual proteção do coletivo caso isto fortaleça ou propicie a proteção do individual;
1.3 Coletivo: propõe a proteção dos bens jurídicos coletivos, com eventual proteção do coletivo caso isto fortaleça ou propicie a proteção do individual.
2. Dualismo: propõe a proteção de ambos os grupos de bens jurídicos.
Sentido
Para Vives Antón as normas contêm uma pretensão de determinação que é uma expressão do poder, no sentido de conduzir a comportamentos pré-estabelecidos. Porém, ela não se resume a isso, as normas também obedecem a uma racionalidade prática, a uma razão que orienta os imperativos. Essa razão, entretanto, não implica numa pretensão de verdade da norma, de cunho cientifico e teórico, apenas sua validade através de sua adequação com os casos concretos, uma vez que a teoria do direito deveria ser auxiliar de sua aplicação (já que o objetivo do direito é regular condutas reais), e não o contrário. 
Preceitos
A norma jurídica penal, em geral, se divide em dois preceitos:
· Primário/suposto de fato: descrição da conduta, o núcleo do tipo (verbo no infinitivo) – dirigida ao cidadão;
· Secundário: pena, sanção – dirigida ao juiz.
Entretanto, nem todas as normas são compostas desta forma, apenas, geralmente, as incriminadoras. Estas então carecem do caráter sancionatório, sendo chamadas de incompletas estruturalmente (são as permissivas, justificantes, complementares e a norma penal em branco), apesar de geralmente voltadas a outras normas completas. As normas da parte geral do Código Penal, são um exemplo, pois apenas determinam parâmetros que facilitam a compreensão daqueles parâmetros, apesar de ainda deixar lacunas. 
A estrutura das normas penais em geral comunica aos cidadãos a voluntas legis, ou seja, a estrutura normativa se expressa através da forma escrita, clara e prévia para que seja compreensível àqueles cujas atividades pretende regular. O texto legal expressa apenas os termos da norma secundária, enquanto a primária é inferida do conteúdo, demanda uma interpretação. Caso não fosse reconhecida a norma primária não seria haveria infração, uma vez que a secundária não proíbe o fato ao cidadão, mas se dirige ao Juiz.
Alguns autores distinguem entre estrutura legal (componente formal) e estrutura lógica (compreensível descrição do preceito), de modo que um enunciado legal pode servir de base a mais de uma norma jurídica.
Norma penal em branco
É aquela que sempre necessita de complementação. Geralmente este complemento (como a explicação de um termo) em leis, portarias, decretos. 
Isto contraria o princípio da legalidade, segundo o qual a lei penal deveria ser sempre formal, geralmente entendida como uma lei ordinária em vez de portarias, decretos, etc. Outros autores, entretanto, apontam a dificuldade de o legislador prever todas as situações possíveis, de modo que a legislação precise ser alterada, sendo mais fácil a alteração das portarias, por exemplo. 
O art. 33, caput, da lei 11343/06 (lei de drogas) não determina quais drogas são de uso proibido, esta informação (junto com outras informações) está na portaria 344/98, do Ministério da Saúde.
O art. 236 do Código Penal trata de erro essencial ou impedimento ao casamento, mas não os define. Essas informações se encontram no Código Civil.
Também é necessário não confundir a norma penal em branco (que têm complemento em lei, depende de um diploma legal) com o elemento normativo do tipo (que não têm complemento em lei, não depende de um diploma legal, requerendo, eventualmente, interpretação feita apenas através da busca no léxico – por exemplo, em “subtrair coisa alheia”, não encontramos o significado de “alheia” em outro diploma legal).

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