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APG – SOI 1 S9P2 - REPARO TECIDUAL - A capacidade de reparar os danos causados por ação tóxica e/ou inflamatória é crítica para a sobrevivência de um organismo. - A resposta inflamatória a microrganismos e tecidos lesados não serve apenas para eliminar esses perigos, mas também inicia o processo de reparo. - O reparo ocorre por meio de dois tipos de reações: 1. Regeneração por proliferação das células residuais (não lesadas) e maturação de células-tronco teciduais: alguns tecidos conseguem substituir os componentes lesados e retornar ao estado normal; esse processo é chamado regeneração. A regeneração ocorre por meio da proliferação das células que sobrevivem à lesão e que mantêm a capacidade proliferativa. 2. Deposição de tecido conjuntivo para formar uma cicatriz: se os tecidos lesados são incapazes de regeneração completa ou se as estruturas de suporte do tecido são gravemente lesadas, o reparo ocorre por deposição de tecido conjuntivo (fibrose), um processo resultante na formação de cicatriz. Embora a cicatriz fibrosa não possa realizar a função das células perdidas do parênquima, ela proporciona estabilidade estrutural suficiente para tornar o tecido lesado capaz de funcionar. - Após uma lesão leve, que danifica o epitélio, mas não o tecido subjacente, a resolução ocorre por regeneração; - Após uma lesão mais grave com dano ao tecido conjuntivo, o reparo acontece por formação de cicatriz. REGENERAÇÃO DE CÉLULAS E TECIDOS - A regeneração das células e tecidos lesados envolve proliferação celular, dirigida pelos fatores de crescimento e é criticamente dependente da integridade da matriz extracelular e do desenvolvimento de células maduras a partir de células-tronco. - A capacidade de reparo dos tecidos é determinada, em parte, pela sua capacidade intrínseca de proliferação. - Vários tipos celulares proliferam durante o reparo do tecido, entre eles estão: 1. As células remanescentes do tecido lesado (que tentam restaurar a estrutura normal); 2. As células endoteliais vasculares (que criam vasos novos que fornecem os nutrientes necessários para o processo de reparo) 3. Os fibroblastos (fonte de tecido fibroso que forma a cicatriz que preenche os defeitos que não são corrigidos por regeneração). - Tecidos Lábeis: tecidos cujas células são constantemente perdidas e continuamente substituídas por novas células derivadas de células-tronco teciduais e progenitores imaturos que proliferam rapidamente. (células hematopoéticas da medula óssea e muitos epitélios superficiais) - Tecidos estáveis: são constituídos por células que normalmente estão no estágio G0 do ciclo celular, portanto, não proliferam, mas são capazes de se dividir em resposta à lesão ou à perda de massa tecidual. Entre esses tecidos está o parênquima da maioria dos órgãos sólidos, como fígado, rim e pâncreas. - Tecidos permanentes: consistem em células não proliferativas terminalmente diferenciadas, como a maioria dos neurônios e células musculares cardíacas. A lesão desses tecidos é irreversível e resulta em cicatriz, porque as células não podem se regenerar. Controle da proliferação - A proliferação celular é impulsionada por sinais fornecidos por fatores de crescimento e a partir da matriz extracelular. - Os fatores de crescimento geralmente são produzidos por células próximas ao local lesado. - As fontes mais importantes desses fatores de crescimento são os macrófagos ativados pela lesão tecidual, mas as células epiteliais e estromais também produzem alguns desses fatores. - Vários fatores de crescimento se ligam às proteínas da MEC e são exibidos no local da lesão tecidual em altas concentrações. Todos os fatores de crescimento ativam as vias de sinalização que, em última instância, induzem alterações na expressão gênica que impulsionam as células através do ciclo celular e suportam a biossíntese de moléculas e organelas que são necessárias para a divisão celular. Além de responder aos fatores de crescimento, as células usam as integrinas para se ligar às proteínas da MEC e os sinais das integrinas também podem estimular a proliferação celular. - No processo de regeneração, a proliferação das células residuais é complementada pelo desenvolvimento de células maduras a partir das células-tronco. - Em adultos, as células-tronco mais importantes para regeneração após uma lesão são as células-tronco do tecido. Estas vivem em nichos especializados e acredita-se que a lesão desencadeia sinais nesses nichos que ativam as células-tronco quiescentes para proliferar e se diferenciar em células maduras que repovoam o tecido lesado. Mecanismo de Regeneração Tecidual A importância da regeneração na reposição de tecidos lesados varia nos diferentes tipos de tecidos e conforme a gravidade da lesão. • No epitélio do trato intestinal e pele, as células lesadas são rapidamente substituídas por proliferação das células residuais e diferenciação das células derivadas das células-tronco teciduais, permanecendo a membrana basal subjacente intacta. As células epiteliais residuais produzem fatores de crescimento envolvidos nestes processos. As células recém-geradas migram para preencher o defeito criado pela lesão, e a integridade dos tecidos é restaurada. • A regeneração tecidual pode ocorrer em órgãos parenquimatosos cujas células conseguem proliferar e, com exceção do fígado, este é um processo geralmente limitado. Pâncreas, adrenal, tireoide e pulmão apresentam alguma capacidade regenerativa. A remoção cirúrgica de um rim desencadeia no rim remanescente uma resposta compensatória que consiste tanto em hipertrofia quanto em hiperplasia das células ductais proximais. Os mecanismos subjacentes desta resposta não são compreendidos, mas provavelmente envolvem a produção local de fatores de crescimento e interações das células com a MEC. REPARO POR CICATRIZES Se o reparo não puder ser realizado somente por regeneração, ele ocorre pela substituição das células lesadas por tecido conjuntivo, levando à formação de uma cicatriz, ou por uma combinação de regeneração de algumas células residuais e formação de cicatriz. - A formação de cicatriz é uma resposta que “remenda” em vez de restaurar o tecido. - As cicatrizes teciduais podem acontecer se: 1. A lesão for grave ou crônica e resultar em danos às células parenquimais e epiteliais, bem como a estrutura do tecido conjuntivo. 2. Se as células sem capacidade proliferativa forem lesadas. - A cicatrização das feridas da pele pode ser classificada como: ● Cicatrização por primeira intenção (união primária), que se refere à regeneração epitelial com formação mínima de cicatrizes, como a que ocorre nas incisões cirúrgicas com bordas bem aproximadas. ● Cicatrização por segunda intenção (união secundária), que se refere às feridas maiores que cicatrizam por meio da combinação de regeneração e cicatrização. Etapas da Formação de Cicatrizes Minutos após uma lesão, um tampão hemostático composto por plaquetas é formado, interrompendo o sangramento e proporcionando uma estrutura para as células inflamatórias infiltrativas. 1ª ETAPA - INFLAMAÇÃO: esta etapa é composta pelas típicas respostas inflamatórias aguda e crônica. Os produtos da degradação da ativação do complemento, quimiocinas liberadas a partir das plaquetas ativadas e outros mediadores produzidos no local da lesão agem como agentes quimiotáticos para recrutar neutrófilos e monócitos durante as 6 a 48 horas seguintes. Os macrófagos são os principais agentes no processo de reparo celular – macrófagos M1 removem microrganismos e tecido necrótico e promovem a inflamação em uma retroalimentação positiva, e os macrófagos M2 produzem fatores de crescimento que estimulam a proliferação de muitos tipos celulares na próxima etapa do reparo. À medida que os agentes causadores da injúria e as células necróticas são eliminados, a inflamação se resolve; 2ª ETAPA - PROLIFERAÇÃO CELULAR: Na etapa seguinte, o que leva até 10 dias, vários tipos de células, incluindo células epiteliais, endoteliaise outras células vasculares e fibroblastos, proliferam e migram para fechar a ferida, agora limpa. Cada tipo de célula apresenta funções únicas. - As células epiteliais respondem a fatores de crescimento produzidos localmente e migram sobre a ferida para cobri-la. - As células endoteliais e outras células vasculares proliferam para formar novos vasos sanguíneos, um processo conhecido como angiogênese. - Os fibroblastos proliferam e migram para o local da lesão e repousam sobre as fibras colágenas que formam a cicatriz. - A combinação de fibroblastos em proliferação, tecido conjuntivo frouxo, novos vasos sanguíneos e células inflamatórias crônicas espalhadas forma um tipo de tecido ímpar para cicatrização das feridas, chamado tecido de granulação. Este termo deriva da sua coloração rosada, aparência macroscópica granular e macia, tal como se pode observar abaixo da crosta da pele de uma ferida. 3ª ETAPA - REMODELAÇÃO: O tecido conjuntivo, reorganizado, é depositado pelos fibroblastos para produzir uma cicatriz fibrosa estável. Este processo se inicia 2 a 3 semanas após a injúria e pode continuar por meses ou anos. ANGIOGÊNESE A angiogênese é o processo de desenvolvimento de novos vasos sanguíneos a partir de vasos existentes. - É essencial para a cicatrização dos locais de lesão, para o desenvolvimento de circulação colateral em locais de isquemia e para permitir o aumento do tamanho dos tumores para além do seu tamanho original sem restrição de suprimento sanguíneo. - A angiogênese envolve o brotamento de novos vasos a partir dos vasos preexistentes, composta pelas seguintes etapas: ● Vasodilatação em resposta ao NO e aumento da permeabilidade induzida pelo VEGF. ● Separação dos pericitos da superfície abluminal e degeneração da membrana basal para permitir a formação de um broto de vaso. ● Migração das células endoteliais em direção à área da lesão. ● Proliferação de células endoteliais logo atrás das células migratórias que lideram à frente (“ponta”). ● Remodelação de tubos capilares. ● Recrutamento de células periendoteliais (pericitos para pequenos capilares e células musculares lisas para vasos maiores) para formar o vaso maduro. ● Supressão da proliferação e migração endotelial e deposição de membrana basal. - O processo da angiogênese envolve uma série de vias de sinalização, interações célula-célula, proteínas da MEC e enzimas teciduais. - Vasos recém-formados são permeáveis porque as junções entre as células endoteliais são incompletas e porque o VEGF, o fator de crescimento vascular que dirige a angiogênese, aumenta a permeabilidade vascular. Essa permeabilidade é responsável, em parte, pela persistência do edema na cicatrização de feridas por muito tempo após a resposta inflamatória aguda ter sido resolvida. Deposição de Tecido conjuntivo A deposição de tecido conjuntivo ocorre em duas etapas: (1) migração e proliferação de fibroblastos no local da injúria; (2) deposição de proteínas da MEC produzidas por essas células. - Esses processos são regulados por fatores de crescimento, incluindo PDGF, FGF-2 e TGF-β e citocinas produzidos localmente. - As principais fontes destes fatores são as células inflamatórias, particularmente macrófagos (M2) ativados pela via alternativa, que infiltram os locais de lesão. - O TGF-β é a citocina mais importante para a síntese e a deposição de proteínas do tecido conjuntivo - O TGF-β estimula a proliferação e a migração de fibroblastos, aumenta a síntese de colágeno e fibronectina e diminui a degradação da MEC por inibição de metaloproteinases. O TGF-β não está envolvido somente na formação de cicatrizes após uma lesão, mas também no desenvolvimento da fibrose presente no pulmão, fígado e rins que surge após a inflamação crônica. O TGF-β também apresenta efeitos anti-inflamatórios que servem para limitar e finalizar as respostas inflamatórias. O TGF-β atua inibindo a proliferação dos linfócitos e atividade de outros leucócitos. - Em resposta às citocinas e aos fatores de crescimento, os fibroblastos penetram a ferida a partir das bordas e migram em direção ao centro. Algumas dessas células se diferenciam em células chamadas miofibroblastos, que contêm actina do músculo liso e apresentam atividade contrátil aumentada, e servem para fechar a ferida, “puxando” as margens em direção ao centro. Fibroblastos ativados e miofibroblastos também aumentam sua atividade sintética e produzem proteínas do tecido conjuntivo, principalmente colágeno, o principal componente da cicatriz completamente desenvolvida. - A síntese de colágeno, em particular, é necessária para a cicatrização das feridas para que elas se tornem fortes e estáveis mecanicamente. - A síntese de colágeno pelos fibroblastos inicia-se cedo no processo de cicatrização de feridas (3 a 5 dias) e continua por várias semanas, dependendo do tamanho da ferida. - À medida que a cicatriz amadurece, há regressão vascular progressiva, que transforma o tecido de granulação altamente vascularizado, eventualmente, em uma cicatriz pálida e avascular. Remodelação do tecido conjuntivo Após a cicatriz ser formada, ela é remodelada para aumentar a sua força e contratilidade. A resistência da ferida aumenta por causa das ligações cruzadas do colágeno e aumento do tamanho das fibras de colágeno. - Além disso, existe uma alteração do tipo de colágeno depositado, de colágeno do tipo III no processo inicial de reparo para o colágeno tipo I mais resistente. - Com o passar do tempo, o tecido conjuntivo é degradado e a cicatriz encolhe. - A degradação do colágeno e de outros componentes da MEC é realizada por uma família de metaloproteinases da matriz (MMPs), assim denominadas porque são dependentes de íons metálicos (p. ex., zinco) para exercer a sua atividade enzimática. - As MMPs são produzidas por vários tipos de células (fibroblastos, macrófagos, neutrófilos, células sinoviais e algumas células epiteliais) e sua síntese e secreção são reguladas por fatores de crescimento, citocinas e outros agentes. Entre elas estão: ● Colagenases intersticiais, que clivam o colágeno fibrilar (MMP-1, -2, e -3); ● Gelatinases (MMP-2 e 9), que degradam o colágeno amorfo e a fibronectina; ● Estromelisinas (MMP-3, -10 e -11) que degradam vários constituintes da MEC, incluindo proteoglicanos, laminina, fibronectina e colágeno amorfo. FATORES QUE IMPEDEM O REPARO TECIDUAL Os fatores que interferem na cicatrização podem ser extrínsecos (p. ex., infecção) ou intrínsecos ao tecido lesado, sistêmicos ou locais: • A infecção é uma das causas mais importantes de retardo da cicatrização; ela prolonga a inflamação e aumenta potencialmente a lesão tecidual local. • O diabetes é uma doença metabólica que compromete o reparo dos tecidos por muitas razões, e é uma causa sistêmica importante da cicatrização anormal das feridas. • O estado nutricional exerce profundos efeitos sobre o reparo; desnutrição proteica e deficiência vitamina C, por exemplo, inibem a síntese de colágeno e retardam a cura. • Os glicocorticoides (esteroides) apresentam efeitos anti-inflamatórios já bem documentados, e a sua administração pode resultar em cicatrização deficiente porque inibem a produção de TGF-β e diminuem a fibrose. • Fatores mecânicos: aumento da pressão local ou torção, podem causar separação ou deiscência da ferida. • Má perfusão, devido à aterosclerose e ao diabetes, ou obstrução da drenagem venosa (p. ex., em veias varicosas), também prejudicam a cicatrização. • Corpos estranhos, como fragmentos de aço, vidro, ou mesmo osso, impedem a cicatrização. • O tipo e a extensão da lesão tecidual influenciam no reparo subsequente. A restauração completa pode ocorrer apenas em tecidos compostos por células capazes de proliferação. Mesmo assim, uma lesão extensa provavelmente resultará em regeneração incompleta e, ao menos, perda parcial da função. • A localização da lesão e a natureza do tecido lesado também são importantes. Por exemplo, na inflamação que surge nos espaços teciduais(p. ex., nas cavidades pleural, peritoneal e sinovial), pequenos exsudatos podem ser reabsorvidos e digeridos pelas enzimas proteolíticas dos leucócitos, resultando em resolução da inflamação e restabelecimento da arquitetura tecidual normal. Contudo, quando o exsudato é muito grande para ser totalmente reabsorvido, ele sofre organização, um processo no qual o tecido de granulação cresce dentro do exsudato, e, por fim, há a formação da cicatriz fibrosa. CICATRIZAÇÃO EXCESSIVA A formação excessiva dos componentes do processo de reparo pode originar cicatrizes hipertróficas e queloides. - O acúmulo de quantidades excessivas de colágeno pode resultar em uma cicatriz elevada conhecida como cicatriz hipertrófica. - As cicatrizes hipertróficas geralmente se desenvolvem após uma lesão térmica ou traumática que envolve as camadas profundas da derme. - Se o tecido cicatricial cresce além dos limites da ferida original e não regride, é chamado queloide. - Certos indivíduos parecem estar predispostos à formação de queloide, particularmente aqueles de ascendência africana.