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1 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS FACULDADE DE MEDICINA ALINE ALVES FERREIRA A RELAÇÃO ENTRE ESTILOS PARENTAIS E DESENVOLVIMENTO AUDITIVO EM CRIANÇAS USUÁRIAS DE IMPLANTE COCLEAR Belo Horizonte 2021 2 Aline Alves Ferreira A RELAÇÃO ENTRE ESTILOS PARENTAIS E DESENVOLVIMENTO AUDITIVO EM CRIANÇAS USUÁRIAS DE IMPLANTE COCLEAR Dissertação apresentada à banca de defesa do Curso de Pós-Graduação em Ciências Fonoaudiológicas da Faculdade de Medicina da Universidade Federal de Minas Gerais como requisito parcial para obtenção do título de Mestre. Orientadora: Profa Sirley Alves da Silva Carvalho Coorientador: Prof. Jonas Jardim de Paula Belo Horizonte 2021 3 4 5 UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS Reitor: Prof. Sandra Regina Goulart Almeida Vice-Reitor: Prof. Alessandro Fernandes Moreira Pró-Reitora de Pós-Graduação: Prof. Fabio Alves Pró-Reitor de Pesquisa: Prof. Mario Fernando Montenegro Campos FACULDADE DE MEDICINA Diretor da Faculdade de Medicina: Prof. Humberto José Alves Vice-Diretor da Faculdade de Medicina: Prof. Alamanda Kfoury Pereira Coordenador do Centro de Pós-Graduação: Prof. Tarcizo Nunes Subcoordenador do Centro de Pós-Graduação: Prof. Eli Iola Gurgel Chefe do Departamento de Fonoaudiologia: Profa Leticia Caldas Teixeira PROGRAMA DE PÓS GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS FONOAUDIOLÓGICAS Coordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Fonoaudiológicas: Profa. Sirley Alves da Silva Carvalho Subcoordenadora do Programa de Pós-Graduação em Ciências Fonoaudiológicas: Profa. Luciana Macedo de Resende COLEGIADO Colegiado do Programa de Pós-Graduação em Ciências Fonoaudiológicas: Sirley Alves da Silva Carvalho- Titular Denise Utsch Gonçalves- Suplente Ana Cristina Cortes Gama- Titular Letícia Caldas Teixeira- Suplente Stela Maris Aguiar Lemos- Titular Adriane Mesquita de Medeiros- Suplente 6 Luciana Macedo de Resende- Titular Renata Maria Moreira Moraes Furlan- Suplente Amélia Augusta de Lima Friche- Titular Patrícia Cotta Mancini- Suplente Alice Braga de Deus– Discente titular Maísa Alves Teixeira – Discente suplente 7 AGRADECIMENTOS Gostaria de expressar o meu agradecimento às pessoas que foram essenciais para a concretização desse sonho. A Deus, por ter me dado a dádiva da vida e me permitir ter forças para errar, aprender e crescer ao longo dessa jornada. Obrigada por me fazer deparar com o sonho do mestrado e ter colocado pessoas boas ao longo da caminhada. À Prof. Sirley Alves, por aceitar embarcar na aventura de escrever um mestrado interdisciplinar comigo! Obrigada pela orientação, disponibilidade, competência, profissionalismo e dedicação tão importantes para o desenvolvimento desse projeto. Tantas foram as vezes em que eu chegava angustiada, ansiosa e cheia de dúvidas para a reunião, e com muita calma e empatia a professora buscava me incentivar na busca desse sonho. Seu apoio foi essencial para o sucesso do trabalho! Ao Prof. Jonas, que me acolheu durante o curso de graduação em psicologia e me mostrou os encantos da área acadêmica. Obrigada por sua grandiosa contribuição para o desenvolvimento do projeto. Aos membros da banca examinadora, Profª Luciana Macedo de Resende e Prof. Gustavo Barreto, que tão gentilmente aceitaram participar e colaborar com esta dissertação. À Dra. Ludimila Labanca, membro suplente, agradeço ainda pelas orientações, palavras de motivação e apoio ao longo do mestrado. Aos meus pais, Dalton e Cláudia, por todas as lições de amor, companheirismo, amizade, motivação, compreensão e maturidade, mesmo que forçadamente, que vocês me dão a cada novo dia. E ao meu amado irmão, Pedro, por toda a alegria e trocas nessa vida. Ao meu querido namorado, Hugo, por todo o carinho, paciência e apoio nos momentos difíceis que surgiram neste final de percurso. Obrigada por permanecer ao meu lado, entender minha ausência e dificuldade de lidar com dias difíceis. Você foi motivação para a conclusão desta caminhada e é importante na minha vida. Agradeço também aos seus pais, Eliane e Geraldo, que me acolheram tão bem em sua casa! 8 À família que me acompanha desde a infância e me recebeu de braços abertos nos momentos de necessidade e medo. Ana Luiza e Tereza, vocês me ajudaram a conquistar esse sonho, são pessoas maravilhosas e quero levá-las para sempre em meu coração. Ao CEMEAR (Centro Mineiro de Reabilitação Auditiva), todo o corpo clínico e administrativo, em especial à Coordenadora Geral Márcia Izabel e Coordenadora Clínica Ludmila Lobo, por me receberem tão bem e colocarem a instituição à disposição para realização desta pesquisa. A todos os participantes da pesquisa, que humildemente disponibilizaram o seu tempo para contribuir na busca do nosso principal propósito: fornecer o bem estar dos seus pequenos. Aos amigos que conheci durante o mestrado, em especial Josiana, Erika, Alice, Amanda, Lurdiana, Maisa, Elisa, Cláudia e Ualisson pela amizade, trabalhos e disciplinas realizadas em conjunto. Contar com o apoio de vocês foi essencial para que a minha dissertação se tornasse realidade! À toda a equipe de administração e coordenação do Programa de Pós Graduação em Ciências Fonoaudiológicas da UFMG. Obrigada pela paciência, disponibilidade e esforço em proporcionar a experiência única que é estudar na Universidade Federal de Minas Gerais! Aos amigos que carrego ao longo da vida e contribuíram através de demonstrações de carinho, preocupação, reconhecimento e motivação durante a trajetória do mestrado. Em especial às amigas Christianne, Júlia, Izabella, Gisele, Carolina, Giulliana e Joanna. À Thais Dell’oro, pelas conversas de orientação e incentivo para adentrar no mestrado. Agradeço também por toda a disponibilidade para contribuir com o desenvolvimento da minha pesquisa. Ao Lucas e Bruno, alunos do curso de psicologia, que se disponibilizaram a contribuir tão prontamente com o projeto. Obrigada! 9 RESUMO INTRODUÇÃO: A interação que os cuidadores primários exercem com uma criança influencia positivamente ou negativamente na aquisição de suas habilidades cotidianas e relacionamentos interpessoais. Essa interação pode ser analisada em várias perspectivas, entre elas, pela teoria desenvolvida por Baurimd sobre os estilos parentais, isto é, o conjunto de práticas educativas que os pais adotam na criação de seus filhos. Quando se trata de crianças com alguma deficiência, muitas vezes há necessidade de se trabalhar estratégias de interação com o cuidador. No caso da deficiência auditiva podem surgir dificuldades em relação à criação e desenvolvimento da criança, visto o prejuízo no desenvolvimento de linguagem e comunicação intrafamiliar desta com os responsáveis. OBJETIVO: Estudar a relação entre os estilos parentais e as habilidades auditivas de crianças usuárias de implante coclear. MÉTODOS: Trata-se de um estudo observacional e analítico. Os participantes são pais e/ou responsáveis por crianças entre 3 a 7 anos, divididos em dois grupos, o grupo clínico, composto por 50 responsáveis de crianças usuárias de implante coclear, acompanhadas no Hospital São Geraldo/ HC-MG e no Centro Mineiro de Reabilitação Auditiva (CEMEAR). O grupo controle foi composto por 28 pais ou responsáveis de crianças sem queixas auditivas. No grupo clínico foram realizados os seguintes procedimentos: anamnese clínica, Questionário de Estilos e Dimensões Parentais (QEDP), Escala de IntegraçãoAuditiva para Crianças Pequenas – em responsáveis por crianças nas idades de 3 e 4 anos – e a Escala de Integração Auditiva – com responsáveis por crianças entre 5 e 7 anos. Foram realizados dois procedimentos com o grupo controle: anamnese clínica e QEDP. Na análise dos dados as variáveis contínuas foram calculadas a média, desvio padrão, e as variáveis categóricas por meio da frequência. Para comparar os grupos clínico e controle foi utilizado o teste de Mann Whitney. O coeficiente de Spearman foi utilizado para avaliar relação entre estilos parentais e habilidades auditivas no grupo clínico. Foi realizado teste de Kruskal-Wallis para verificar associação entre estilos e dimensões do QDEP e os grupos avaliados. As análises foram realizadas nos softwares JASP 0.8 e SPSS 23. RESULTADOS: Os grupos clínico e controle não apresentam diferenças 10 significativas em relação aos estilos parentais (p<0,05). As habilidades auditivas desenvolvidas no grupo clínico apresentam associação significativa com o estilo parental democrático. Foi encontrada relevância estatística para o estilo autoritário e dimensão punição, com maior pontuação para o grupo de crianças com desenvolvimento auditivo alterado. CONCLUSÃO: A prática de estilo parental autoritário com dimensões punitivas e coerção física estão relacionados ao desenvolvimento auditivo alterado e a dimensão parental regulação apresenta correlação significativa com o desenvolvimento das habilidades auditivas das crianças usuárias de implante coclear. Esse desfecho sugere que estratégias psicoterapêuticas devem ser propostas a fim de acolher os pais e responsáveis por pessoas com deficiência auditiva e estimular a frequência de estilos parentais adaptativos ao desenvolvimento auditivo das crianças. Descritores: Psicologia da Criança; Pais; Criança; Perda Auditiva; Implante Coclear; Fonoaudiologia; Desenvolvimento Infantil. 11 ABSTRACT INTRODUCTION: The interaction that primary caregivers have with a child positively or negatively influences the acquisition of their daily skills and interpersonal relationships. This interaction can be analyzed from various perspectives, including the theory developed by Baurimd on parenting styles, that is, the set of educational practices that parents adopt in raising their children. When it comes to children with a disability, it is often necessary to work on interaction strategies with the caregiver. In the case of hearing loss, difficulties may arise in relation to the child's upbringing and development, given the loss in language development and intra-family communication between the child and guardians. PURPOSE: To study the relationship between parenting styles and auditory skills in children using cochlear implants. METHODS: This is a quantitative, observational and analytical study. Participants are parents and/or guardians of children between 3 and 7 years old, divided into two groups, the clinical group, consisting of 50 guardians of children using cochlear implants, monitored at Hospital São Geraldo/HC-MG and at Centro Mineiro de Auditory Rehabilitation (CEMEAR). The control group consisted of 28 parents or guardians of children without hearing complaints. In the clinical group, the following procedures were performed: clinical anamnesis, Parental Styles and Dimensions Questionnaire (QEDP), Auditory Integration Scale for Young Children - in guardians of children aged 3 and 4 years - and the Auditory Integration Scale - with responsible for children between 5 and 7 years old. Two procedures were performed with the control group: clinical anamnesis and QEDP. In data analysis, continuous variables were calculated as mean, standard deviation, and categorical variables through frequency. To compare the clinical and control groups, the Mann Whitney test was used. Spearman's coefficient was used to assess the relationship between parenting styles and listening skills in the clinical group. The Kruskal-Wallis test was performed to verify the association between styles and dimensions of the QDEP and the evaluated groups. Analyzes were performed using JASP 0.8 and SPSS 23. RESULTS: The clinical and control groups did not show significant differences regarding parenting styles (p<0.05). The auditory skills developed in the clinical group are significantly associated with the democratic parenting style. Statistical relevance was found 12 for the authoritarian style and punishment dimension, with higher scores for the group of children with altered auditory development. CONCLUSION: The practice of an authoritarian parenting style with punitive dimensions and physical coercion are related to altered auditory development, and the regulation parenting dimension presents a significant correlation with the development of auditory skills in children using cochlear implants. This outcome suggests that psychotherapeutic strategies should be proposed in order to welcome parents and guardians of people with hearing impairment and encourage the frequency of adaptive parenting styles to children's auditory development. Descriptors: Child Psychology; Country; Kid; Hearing Loss; Cochlear implant; Speech Therapy; Child development. 13 LISTA DE ILUSTRAÇÕES Figura 1 - Esquema representativo do modelo de estilos parentais Figura 2 - Implante Coclear 14 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Descrição dos participantes do grupo clínico e controle Tabela 2 - Análise descritiva das variáveis contínuas do grupo clínico – idade da criança e idade do responsável Tabela 3: Associação Entre Estilos e Dimensões Parentais (QEDP) com Grupos avaliados: clínico com resultados normais, clínico com resultados alterados e controle Tabela 4: Correlação de Spearman entre QEDP e IT MAIS/MAIS do grupo clínico Tabela 5: Distribuição dos Resultados de Correlação no grupo de crianças usuárias de Implante Coclear com desenvolvimento auditivo normal e alterado 15 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1: Análise de Correlação entre IT-MAIS/MAIS e tempo de implante Gráfico 2- Matriz de correlação entre IT MAIS/MAIS e Estilo Parental Democrático Gráfico 3- Matriz de correlação entre IT MAIS/MAIS e Estilo Parental Autoritário Gráfico 4- Matriz de correlação entre IT MAIS/MAIS e Estilo Parental Permissivo 16 LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS AASI - Aparelho de Amplificação Sonora Individual CEMEAR - Centro Mineiro de Reabilitação Auditiva CEP - Comitê de Ética em Pesquisa CONEP - Comissão Nacional de Ética em Pesquisa HC/UFMG - Hospital das Clínicas da UFMG IEP - Inventário de Estilos Parentais IT MAIS - Escala de Integração Auditiva Significativa para Crianças Pequenas QEDP - Questionário de Estilos e Dimensões Parentais LIBRAS - Língua Brasileira de Sinais MAIS - Escala de Integração Auditiva Significativa OE - Orelha Esquerda OD - Orelha Direita PAQ - Questionário de autoridade parental QFC - Questionário de Falhas Cognitivas SNAP-IV - Escala para a Avaliação dos Sintomas Centrais ao Transtorno do Déficit de Atenção e Hiperatividade (TDAH) e do Transtorno de Oposição Desafiante (TOD) TAN - Triagem Auditiva Neonatal TCLE - Termo de Consentimento Livre e Esclarecido TDAH - Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade TEA – Transtorno do Espectro Autista TOD – Transtorno Opositor-Desafiador UFMG - Universidade Federal de Minas Gerais YPI - Young Parenting Inventory 17 SUMÁRIO INTRODUÇÃO ................................................................. 19 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ...............................21 REFERENCIAL TEÓRICO .............................................. 23 Estilos Parentais ......................................................................... 23 Desenvolvimento Da Linguagem X Deficiência Auditiva ............ 26 Deficiência Auditiva E Os Impactos No Desenvolvimento Da Linguagem .............................................................................................. 28 Intervenção Oralista .................................................................... 29 Intervenção Bilíngue ................................................................... 29 Intervenção por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) . 29 Família De Pessoas Com Deficiência ........................................ 32 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................... 34 OBJETIVOS .................................................................... 40 Objetivo Geral ....................................................................................... 40 Objetivos específicos ............................................................................ 40 HIPÓTESE ....................................................................... 40 MÉTODOS ....................................................................... 41 Delineamento Do Estudo ............................................................ 41 Amostra ...................................................................................... 42 Procedimentos ............................................................................ 42 Grupo Clínico ................................................................. 42 Anamnese .................................................................................. 42 Versão Brasileira Do QEDP ....................................................... 43 A escala de integração auditiva para crianças pequenas (até 4 anos) IT-MAIS e a Escala de Integração Auditiva (para crianças a partir de 5 anos) MAIS .................................................................................... 43 Grupo Controle .............................................................. 44 Anamnese Clínica ...................................................................... 44 QEDP ......................................................................................... 44 Critérios De Inclusão E Exclusão ............................................... 45 Análise De Dados ...................................................................... 45 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................... 46 18 RESULTADOS ................................................................ 47 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS................................ 52 DISCUSSÃO .................................................................... 53 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ............................... 57 CONSIDERAÇÕES FINAIS ............................................. 59 ANEXOS .......................................................................... 61 ANEXO 1- Declaração De Anuência Do Centro Mineiro De Reabilitação Auditiva (CEMEAR) ........................................................... 61 ANEXO 2 - Parecer Do Comitê De Ética Em Pesquisa Da UFMG (CEP-UFMG) .......................................................................................... 62 ANEXO 3 - Parecer Do Comitê De Ética Em Pesquisa Da UFMG Sob Mudança De Metodologia De Coleta Por Contexto De Pandemia Mundial Pelo COVID-19 (CEP-UFMG) .................................................. 63 ANEXO 4 - Questionário De Estilos E Dimensões Parentais (QEDP) ................................................................................................... 65 ANEXO 5 - Escala De Integração Auditiva Significativa Para Crianças Pequenas (IT-MAIS) ............................................................... 66 ANEXO 6 - Escala De Integração Auditiva Significativa (MAIS) ................................................................................................................ 75 APÊNDICES .................................................................... 83 APÊNDICE 1 - Termo De Consentimento Livre E Esclarecido (TCLE) .................................................................................................... 83 APÊNDICE 2 -Roteiro De Anamnese Clínica.............................. 88 Descrição Geral Dos Participantes Do Grupo Clínico................. 90 19 INTRODUÇÃO A família constitui o primeiro universo de relações sociais da criança e pode proporcionar-lhe um ambiente de crescimento e desenvolvimento. A ciência demonstra que há influência dos pais na socialização e desenvolvimento do comportamento infantil [1]. A comunicação intrafamiliar possui papel fundamental nas relações estabelecidas com a criança e por isso deve ser constantemente estimulada, de modo a construir uma troca efetiva entre os membros da família dos responsáveis com os seus filhos [2]. O conjunto de atitudes e práticas relacionadas à criação dos filhos são nomeados estilos parentais. Ao longo do avanço científico na área do estudo dos estilos parentais, foram propostos três modelos principais para agrupamento dos pais em relação aos estilos parentais que estabelecem com os filhos - pais autoritários, permissivos e democráticos - caracterizados pela relação de afeto e controle que os responsáveis possuem com seus filhos [3]. A análise dos estilos parentais pode contribuir para nortear o acompanhamento do desenvolvimento infantil, sobretudo em populações com comprometimento/alteração em seu desenvolvimento. Famílias que possuem crianças com deficiência podem apresentar dificuldade em sua criação. No caso da deficiência auditiva, a comunicação intrafamiliar se torna aspecto desafiador para os pais devido maior predisposição dessas crianças em desenvolver de comportamentos de rebeldia, desinteresse e irritação [4]. As demandas emocionais desenvolvem-se devido as dificuldades na relação intrafamiliar com a criança que possui deficiência auditiva, dado o impacto que o diagnóstico causa na comunicação - verbal e não verbal - da família [5]. 20 A deficiência auditiva é considerada devastadora no âmbito da comunicação, uma vez que o indivíduo apresenta déficit em um dos cinco principais sentidos para percepção do meio que pertence. A perda auditiva acarreta comprometimentos no âmbito do desenvolvimento social, devido sua interferência direta na comunicação interpessoal, impactos educacionais e profissionais [6]. A depender do grau e tipo de perda auditiva, o implante coclear é o recurso tecnológico indicado para habilitação e reabilitação auditiva [7]. O dispositivo de implante coclear tem se mostrado altamente eficiente para o desenvolvimento da linguagem oral de crianças com deficiência auditiva com perda pré-lingual. Entretanto, existem variáveis que influenciam o desenvolvimento auditivo infantil, como o tempo de privação sensorial auditiva, o tempo de uso do implante coclear, o grau de permeabilidade da família no processo terapêutico, o tipo de implante coclear e a estratégia de codificação da fala utilizada [8]. Visto que a criança com deficiência auditiva apresenta dificuldades na linguagem oral, a comunicação intrafamiliar se torna aspecto desafiador para os pais, podendo aparecer sentimentos negativos como nervosismo, desistência, frustração, insegurança e persistência ao longo da criação da criança que possui o diagnóstico de perda auditiva. Aumentando o potencial conflito familiar, crianças com comprometimento auditivo possuem maior predisposição para desenvolvimento de comportamentos de rebeldia, desinteresse e irritação [4]. Dada a importância da comunicação- verbal e não verbal - da família no desenvolvimento de suas crianças, entende-se que a perda auditiva parcial ou total pode gerar dificuldades na relação intrafamiliar durante o período de desenvolvimento infantil [5]. Sabe-se que os pais podem desempenhar um papel fundamental na promoção da autonomia e participação dos filhos nas atividades da vida diária e trajetória educacional [9], porém não se pode afirmar as dimensões e influências das práticas parentais em pais de crianças com deficiência auditiva que são usuárias de implante coclear. A investigação dos estilos parentais do grupo em questão poderá contribuir para a compreensão acerca das influências no decorrer do 21 tratamento fonoaudiológico e interdisciplinar, indicando possíveis interferências no desenvolvimento de habilidades auditivas das crianças. Diante do exposto, o presente trabalho possui como objetivo estudar a relação entre os estilos parentais e as habilidades auditivas em crianças usuárias de implante coclear e comparar os estilos parentais de responsáveis por crianças com perda auditiva e crianças sem queixas. Espera-se encontrar associação de estilos parentais democráticos com o desenvolvimento de habilidades auditivas do grupo clínico e desenvolvimento de estilos parentais desadaptativos em maior frequência do grupo clínico quando comparados ao estilo democrático. Esta dissertação foi elaborada no formato convencional, conforme Resolução Resolução 10/2020 de 04 de junho de 2020 e é constituída por: introdução, referencial teórico, objetivos, métodos, resultados, discussão e considerações finais. Referências Bibliográficas 1 - Hughes SO, Papaioannou AM. Maternal Predictors of Child Dietary Behaviors and Weight Status. Maternal and Childhood Nutrition (AC Wood, Section Editor). 2018; 7. 2- Silva NLP, Dessen MA. Deficiência mental e família: implicações para o desenvolvimento da criança. Psicologia: teoria e pesquisa. 2001; 17. 3- Miguel I, Valentim JP; Carugati F. Questionário de Estilos e Dimensões Parentais–Versão Reduzida: Adaptação portuguesa do Parenting Styles and Dimensions Questionnaire–Short Form. 2009. 4 – Vieira SDS, Belivacqua MC, Ferreira MLA, et al. Descoberta da deficiência auditiva pela família: vendo o futuro idealizado desmoronar. Acta Paul Enferm. 2012; 25. 22 5 - Yamanaka DAR, De Paiva e Silva RB, Zanolli ML, elat. Implante coclear em crianças: a visão dos pais. Psicologia: teoria e prática. 2010, 26. 6 - Cruz MS, Oliveira LR, Carandina L, et al. Prevalência de deficiência auditiva referida e causas atribuídas: um estudo de base populacional. Cadernos de Saúde Pública. 2009, 26. 7 - Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. Diretrizes Gerais para a Atenção Especializada às Pessoas com Deficiência Auditiva no Sistema Único De Saúde - SUS/ Ministério da Saúde. Secretaria de Atenção à Saúde. Departamento de Atenção Especializada e Temática. Coordenação Geral de Média e Alta Complexidade. – Brasília: Ministério da Saúde. 2014. 8 – Moret AML, Belivacqua MC, Costa AO. Implante coclear: audição e linguagem em crianças deficientes auditivas pré-linguais. Pró-Fono Revista de Atualização Científica. 2007; 19. 9 - Pereira A, Moreira T, Lopes S, et al. “My Child has Cerebral Palsy”: Parental Involvement and Children’s School Engagement. Frontiers in psychology. 2016; 7. 23 REFERENCIAL TEÓRICO 1- Estilos Parentais A família é caracterizada como fator primordial para sobrevivência e desenvolvimento das crianças em seus primeiros anos de vida. A forma com que a comunicação é gerada nesse núcleo inicial é fundamental para direcionar a constituição do sujeito. Pesquisas que contemplam a identificação e caracterização dos estilos parentais nasceram com o objetivo de aprofundar nas relações intrafamiliares e contribuir com o crescimento infantil. Baumrind (1966) foi a responsável por nomear os estilos parentais de acordo com os reflexos dos valores que os pais consideram importantes e que tentam transmitir aos filhos através das suas práticas educativas [1]. A autora classificou as práticas parentais de acordo com os estilos adotados pelos pais em três subtipos - democrático, autoritário e permissivo - de acordo com a relação de afeto e controle, sendo o controle caracterizado pela habilidade de impor regras para a criança e conseguir manejar o seu comportamento de acordo com o que os pais esperam. Já o afeto refere-se à capacidade de dar suporte à criança e de acolhê-la quanto às suas necessidades. A figura 1 ilustra a relação de afeto e controle em cada estilo parental desenvolvido por Baumrind [2] [3]. Figura 1 – Esquema representativo do modelo de estilos parentais Fonte: OLIVEIRA, (2017) [3] 24 Os pais democráticos são caracterizados por altos índices de afeto e controle. Sendo assim, estes direcionam as atividades de suas crianças de maneira racional e orientada; incentivam o diálogo, compartilham com a criança o raciocínio por detrás da forma como eles agem, solicitam suas objeções quando ela se recusa a concordar; exercem firme controle nos pontos de divergência, colocando sua perspectiva de adulto, sem restringir a criança, reconhecendo que esta possui interesses próprios e maneiras particulares; não baseiam suas decisões em consensos ou no desejo da criança [4]. Os pais autoritários utilizam as práticas parentais através da grande intensidade de controle e pouco afeto. Este grupo modela, controla e avalia o comportamento da criança de acordo com regras de conduta estabelecidas e normalmente absolutas, estima a obediência como uma virtude e são a favor de medidas punitivas para lidar com aspectos da criança que entram em conflito com o que eles pensam ser certo [2]. O terceiro grupo estudado - pais permissivos - apresenta comportamentos altamente afetivos com os filhos, porém com pouco controle. Esses pais tendem a se comportar de maneira não-punitiva e receptiva diante dos desejos e ações da criança; apresentam-se para ela como um recurso para realização de seus desejos e não como um modelo, nem como um agente responsável por moldar ou direcionar seu comportamento [2]. Há também a prática parental desmembrada do estilo parental permissivo, baseada em pais com baixo grau de controle e afeto para com os filhos, nomeado estilo parental negligente. O QEDP é um instrumento de avaliação psicométrico eficaz e confiável para avaliar a educação infantil. As suas estratégias avaliativas são embasadas no modelo de estilos parentais de Baumrind e o questionário é associado a diversos instrumentos de mensuração sociodemográfica e variáveis de problemas comportamentais e emocionais [5]. Além do QEDP, outro instrumento que busca avaliar a prática de estilos parentais é o IEP (Inventário de Estilos Parentais) criado para avaliar técnicas e estratégias usadas pelos pais para criar seus filhos. Através de estudos utilizando o IEP, foi constatado que mães de crianças típicas possuem relações parentais mais democráticas em relação a mães de crianças com TDAH, sendo essas mais autoritárias e permissivas [5] [6]. Outra ferramenta utilizada é o Young Parenting Inventory (YPI). Caracterizado como um dos 25 principais meios de identificar as origens dos esquemas na infância, o YIP é um questionário no qual os entrevistados avaliam suas mães e pais separadamente em uma variedade de comportamentos que poderiam ter contribuído para o desenvolvimento dos esquemas. Constatou-se nesse estudo que a utilização de estilos parentais não saudáveis está relacionada a suscetibilidade de crianças a transtornos psicopatológicos [7]. O Questionário de autoridade parental (PAQ) é um instrumento de avaliação amplamente usado com basenos protótipos de Baumrind para avaliar a percepção dos adolescentes dos estilos parentais utilizados por seus pais. O estudo que utilizou o PAQ como metodologia avaliativa constatou que o estilo parental autoritário demonstra uma tendência no desenvolvimento de baixa autoconfiança e autoestima em comparação aos filhos de pais democráticos [8]. Lamborn e Mounts, et al (1991) constataram em sua revisão de literatura que práticas parentais democráticas são constantemente assimiladas com resultados positivos no ambiente acadêmico, socioemocional e de saúde do filho [9] [10] [11] [12] [13]. Em sua pesquisa, Lamborn e Mounts, et al abordaram dez mil alunos do ensino médio em Wisconsin e na Califórnia, na busca por examinar padrões de competência e ajuste entre adolescentes de acordo com a teoria de estilos parentais proposta por Baurimd. Lambourn e Mounts, et al evidenciaram que adolescentes que vêm de casas compostas por responsáveis democráticos são mais bem ajustados e competentes em áreas de realização e com tendência ao aumento de autoconfiança [13]. Estudos também apontam que a parentalidade democrática promove relações de vinculação infantil seguras, sendo encontradas associações positivas entre o estilo democrático e uma vinculação segura à mãe em relação ao filho [14]. Em contrapartida, adolescentes que caracterizaram seus pais no estilo permissivo apresentam comprometimento negativo nas áreas de competência, autopercepção, mau comportamento ou sofrimento psicológico. Filhos de pais autoritários constataram possuir uma tendência menor à realização na área escolar e menos propensão ao envolvimento em atividades desviantes, entretanto, esses jovens possuem comprometimento em aspectos relacionados à autoconfiança, em autossuficiência e autopercepção sobre habilidades sociais e acadêmicas [13]. 26 Os responsáveis negligentes são caracterizados pela permissividade e indiferença [15], devido ao fato de utilizarem pouca - ou nenhuma - relação de afeto e controle com os filhos. Adolescentes que crescem em ambientes negligentes apresentam maior comprometimento no âmbito acadêmico, uma vez que a pesquisa de Lambourn e Monts, et al (1991) evidenciaram uma maior taxa dessa amostra relacionada à frequência de desligamento da escola. Além disso, foi constatado que esses jovens possuem maior possibilidade de envolvimento em comportamentos desviantes, incluindo drogas e uso de álcool e má conduta escolar [13]. A prática parental negligente não será analisada na pesquisa, devido à impossibilidade de sua verificação através do questionário proposto - Questionário de Estilos e Dimensões Parentais. A qualidade da estrutura familiar da criança está associada ao resultado acadêmico e estratégias de enfrentamento [16]. A utilização de estilos parentais não saudáveis está ligada a suscetibilidade de crianças a transtornos psicopatológicos [17]. Crianças filhas de pais permissivos possuem maior chance de envolvimento em abuso de drogas, ansiedade, depressão, transtorno de conduta e comportamentos antissociais. Já os filhos de pais autoritários tendem a possuir baixa autoconfiança e autoestima em comparação aos filhos de pais democráticos [16]. O estudo na busca por entender a conduta parental de responsáveis pelas crianças usuárias de implante coclear é importante para entender a dinâmica familiar, prever futuros comportamentos e contribuir com o crescimento infantil das crianças. 2- Desenvolvimento da Linguagem x Deficiência Auditiva As experiências auditivas propiciam o desenvolvimento das habilidades auditivas, seguindo as etapas de detectar, discriminar, reconhecer, compreender e memorizar o estímulo auditivo [18] [19]. Scaralenno (2005) [19] descreve e sintetiza as habilidades auditivas de modo a identificar o processo de desenvolvimento auditivo. A detecção caracteriza-se pela habilidade de percepção em momentos de presença e ausência do som. A discriminação é definida como as respostas diferenciais apresentadas diante de características 27 específicas do estímulo sonoro. O reconhecimento é descrito como a habilidade de identificação do som e da fonte sonora, possibilitando ao indivíduo classificar ou nomear o que ouviu. A compreensão indica as relações entre o estímulo sonoro produzido, outros eventos do ambiente e o próprio comportamento. Por fim, a memória se encontra nas relações de controle do comportamento de um organismo, através dos estímulos sonoros que não estão presentes [19]. O desenvolvimento infantil é um processo determinado por fatores biológicos, ambientais e socioeconômicos [19]. Os três primeiros anos de vida são fundamentais para o desenvolvimento nas áreas motora, cognitiva e social da criança, consequentemente para o desenvolvimento global, assim como para o processo de aquisição e desenvolvimento da fala e da linguagem [20]. Crianças que possuem o sistema auditivo sem defasagens apresentam maiores chances em desenvolver a linguagem oral com facilidade porque a audição permite compreender a linguagem oral e facilita o desenvolvimento de conceitos e expressão através da fala [19]. Falhas na capacidade auditiva contribuem com a susceptibilidade de defasagens significativas na linguagem e no processo educacional, podendo impactar na interpretação de informação e desencadear em problemas de aprendizagem escolar [19] [20]. A estimulação auditiva constante contribui com o desenvolvimento lexical, fonológico e metalinguístico da pessoa que possui deficiência auditiva [21]. Scarabello (2020) aborda, em seu estudo de avaliação da linguagem na população infantil com perda auditiva pré-lingual, que as crianças precisam do processo receptivo antes de serem capazes de se expressam, isto é, está previsto, no típico desenvolvimento da linguagem, que as habilidades de compreensão precedem as habilidades de expressão [22]. Desse modo, crianças com qualquer tipo e grau de com perda auditiva podem apresentar alterações no seu desenvolvimento de linguagem e produção de fala. O avanço na severidade do grau de perda auditiva está proporcionalmente ligado as alterações em sua produção oral [23]. 28 3- Deficiência Auditiva e os impactos no desenvolvimento da linguagem A deficiência auditiva é caracterizada por qualquer alteração produzida no órgão da audição, na via auditiva ou em ambos [24]. A surdez, como também pode ser nomeada, pode ser classificada quanto ao tipo em: 1- condutiva: déficit em relação à condução do som na via condutiva 2- neurossensorial: relacionada à deficiência na cóclea do indivíduo. As perdas auditivas neurais também são dividas dentro desse grupo. 3- mista: se refere ao conjunto das alterações anteriores (neurossensorial e condutiva) [24] - Há um grande arcabouço de possíveis causas para a deficiência auditiva, que são divididas em hereditárias e adquiridas. Estima-se que a prevalência de indivíduos com diagnóstico de deficiência auditiva compreenda 5,3% da população mundial. Desta cota, 8,9% são crianças menores de 10 anos. A estatística internacional é proporcional à realidade da deficiência auditiva compreendida em território brasileiro, uma vez que 5,10% da população brasileira possui alguma perda auditiva e 10,3% destas são crianças ou jovens até 19 anos [25]. O grau da perda auditiva é classificado a partir do limiar de audibilidade, medido em Decibéis (dB), sendo classificadas em perda leve, moderada, severa e profunda [24]. De acordo com cada peculiaridade do indivíduo e desejo da família sob o desenvolvimento auditivo da criança, são incentivados diferentes abordagens de intervenção e proposta de linguagem, que são: 1- Intervenção Oralista: caracterizada pela busca do desenvolvimento ou devolução da capacidade de percepção auditiva ao indivíduo portador de deficiência auditiva com auxílio de dispositivos que possam amplificaro som. O processo de reabilitação auditiva é realizado objetivando facilitar a adaptação do usuário ao aparelho de amplificação sonora utilizado desenvolver a 29 comunicação oral do paciente, caracterizando-se por treino enfático das habilidades auditivas deste [24,19]. 2- Intervenção Bilíngue: A educação bilíngue começou a ser discutida no Brasil a partir da década de 1990 [26], sendo o bilinguismo caracterizado como o entendimento significativo em duas línguas, mostrando capacidade de uso em pelo menos uma das esferas de funcionamento linguístico – podendo o sujeito ler, escrever, falar ou compreender [27]. O bilinguismo possui como principal enfoque valorizar a linguagem de sinais e possibilitar à pessoa com deficiência auditiva o direito de escolha do sujeito entre duas línguas [26]. 3- Intervenção por meio da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS): A Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) é a modalidade do uso de linguagem de sinais utilizada nos centros urbanos do Brasil. Considera-se que a pessoa surda possui direito à uma língua que seja de fato construída para o seu diferencial, possibilitando futuramente o impulso pedagógico para o desenvolvimento linguístico do cidadão. Uzan, Oliveira e Leon (2008) argumentam, em seu estudo científico de revisão de literatura, que a língua de sinais oferece para as pessoas surdas o mesmo conteúdo e funções necessárias para mediação das experiências de aprendizagem, necessitando o desenvolvimento dos direitos dos surdos ao acesso a uma educação compatível com sua condição [28]. O direcionamento da melhor intervenção - oralista, bilíngue ou LIBRAS - necessita de análise dos aspectos singulares, familiares e culturais do sujeito, devendo ser realizado em sua construção por profissionais de rede interdisciplinar e cientes dos aspectos positivos e negativos de cada abordagem intervencionista. Um estudo realizado em 2017 com três grupos de crianças usuárias de implante coclear expostas e não expostas a linguagem de sinais foram comparados em seu progresso até o ensino fundamental [29]. Os resultados do estudo mostraram que não há vantagem duradoura em usar sinais antes e imediatamente após o procedimento cirúrgico de implante coclear. Crianças implantadas que não foram expostas a língua de sinais pontuaram significativamente melhor em leitura no final do ensino fundamental em comparação com crianças cujas famílias forneceram exposição precoce à língua 30 de sinais, sendo essas mais propensas a apresentar atraso na linguagem e leitura no final do ensino fundamental do que crianças sem exposição a sinais. Por outro lado, o autor também afirma que o uso da língua de sinais possibilita a criança surda de viajar por várias situações sociais e comunidades sem dificuldade, não se limitando a se comunicar apenas com a família e amigos [29]. Nos casos do diagnóstico de perdas severas e profundas, como descrito no estudo acima, há possibilidade da indicação de implante coclear (IC). O IC é composto por duas partes: a) parte interna, caracterizada pela inserção de eletrodos para a criação de um “campo elétrico” no interior da cóclea, com a finalidade de estimular as fibras acústicas por meio de impulsos elétricos; b) parte externa: composta por um processador de fala e uma bobina eletromagnética [26]. O implante coclear é uma estratégia que objetiva diminuir o impacto da perda auditiva e contribuir com a qualidade de vida das crianças e família [18]. O implante coclear - Figura 2 - busca promover funções de detecção, discriminação, reconhecimento e emissão de sinais acústicos à pessoa com deficiência auditiva. No item número 1 observa-se o processador, que possui a função de captar os sons do ambiente externo, transformar o sinal sonoro em diferentes frequências e enviar esses sinais para o processador interno (2), que fica visível sob a pele. O número 3 localiza-se na cóclea e é composto por feixes de eletrotodos, que converte os sinais digitais do processador em energia elétrica e estimulam os neurônios intracocleares. O número 4 representa o nervo coclear, responsável por enviar os estímulos elétricos ao tronco cerebral e deste para o córtex auditivo primário [30]. Figura 2 - Implante Coclear 31 Fontes: DE CASTRO, (2020) OLIVEIRA, (2005) [30] [31] O procedimento de implante coclear é considerado um dos principais e mais importantes recursos desenvolvidos para reabilitação auditiva nas últimas décadas, dado o potencial tecnológico que oferece [32]. A realização da cirurgia de implante coclear apresenta peculiaridades que devem ser consideradas no momento de avaliar possibilidades de implantação [33]. Entre os critérios de avaliação está a investigação do processo evolutivo socioemocional da criança e relação intrafamiliar, na busca por perceber se esse recurso tecnológico atenderá e proporcionará desenvolvimento infantil positivo [34]. Moret, Bevilacqua e Costa (2007) observaram que os principais fatores que influenciam no desenvolvimento da audição e linguagem da criança implantada são a idade da criança na implantação, o tempo de privação sensorial auditiva, o tempo de uso do IC, o grau de permeabilidade da família no processo terapêutico, o tipo de IC e a estratégia de codificação da fala utilizada [33]. Os autores discorrem, ainda, sobre a importância de se trabalhar com a família da criança implantada, visto que a indicação do implante coclear em crianças é repleto de expectativas, necessitando que os pais sejam preparados pela equipe clínica para lidar com as possibilidades criadas ao longo do percurso pré e pós 32 cirúrgico. Equilibrar as expectativas dos familiares quanto aos resultados obtidos contribui com o tratamento clínico, uma vez que se torna mais tranquilo o desenvolvimento da criança e desempenho ao longo da reabilitação auditiva [33]. 4- Família de Pessoas com Deficiência A família proporciona à criança um ambiente de desenvolvimento em relação ao pensamento internalizador e externalizador [34]. Durante a gravidez é realizado planejamento para a chegada do filho, através de projeções e fantasias construídas pelos genitores. A chegada de um filho com deficiência pode causar impactos intensos, pois trata-se de uma experiência inesperada, que requer mudança de planos e expectativas por parte dos pais [36]. A partir disso, inicia- se o processo de superação e aceitação perante a criança, visando a configuração de um ambiente familiar preparado para inclusão do filho como um membro integrante da família [35]. A chegada de um filho com deficiência e a maneira como os pais lidam com o diagnóstico pode acarretar respostas sociais e familiares à tal realidade desde a proteção excessiva até a rejeição, sendo necessário ouvir e compreender os pais, de modo a conhecer sentimentos e dificuldades individuais da família ao longo do processo de desenvolvimento da criança [37]. A maneira como o diagnóstico é passado aos responsáveis, de acordo com a postura do profissional da saúde, pode ser um fator que interfere na aceitação e adaptação do familiar ao deficiente [38]. Bazon (2004) acredita que o momento de diagnóstico deve ser humanizado, devendo o profissional da saúde se preocupar com a forma mais adequada de passar a informação à família, na busca por permitir melhor aceitação do diagnóstico e a importância de seguir em terapia [39]. A nova função como pais de crianças com deficiência é um papel novo e complexo. A dificuldade da sociedade em lidar com o diferente reflete no processo de aceitação da família quanto à criança que nasce fora dos padrões de normalidade, exigindo assim redefinições de papéis e mudanças dentro do 33 ambiente familiar [40]. As primeiras experiências da criança são de grande importância para seu desenvolvimento porque influenciam na maneira como ela futuramente verá omundo e aprenderá a lidar com dificuldades [41]. Pereira, et al (2016) abordaram em sua pesquisa um estudo evidenciando que pais de crianças com deficiência desenvolvem baixas expectativas sobre a autonomia de seus filhos e isso direciona-os a se comportarem de maneira controladora com a criança, o que reflete no desenvolvimento de grande dependência dessas crianças com seus pais [42]. Uma pesquisa que se propôs estudar o papel dos pais na promoção da autonomia e da participação infantil concluiu que adultos responsáveis por crianças com deficiências estão inseridos na dimensão parental nomeada como comportamento superprotetor, supervisão excessiva e imposição quanto à maneira como as crianças devem sentir ou pensar ou nas decisões que devem tomar [42] [43] [44]. Rodrigues e Pires (2002) buscaram construir um modelo explicativo a partir dos dados que foram fornecidos por um grupo de responsáveis de crianças com deficiência auditiva, composto por quatro mães e cinco pais [45]. Os resultados sugeriram que a principal preocupação desses pais está relacionada à comunicação que estabelecem com os filhos, estando a dificuldade comunicativa diretamente ligada à maiores probabilidades de existirem dificuldades escolares e problemas comportamentais na criança. A estratégia que os pais adquiriram para resolver esse problema é descrita no estudo como a busca pela minimização da surdez e das dificuldades comunicativas, caracterizando pela procura por próteses auditivas que permitam desenvolvimento comunicativo dos filhos. Outra constante incerteza no imaginário dos participantes da pesquisa é a preocupação com o futuro do filho está relacionada às oportunidades de emprego e às saídas profissionais possíveis para uma pessoa surda [45]. A pesquisa de Rodrigues e Pires (2002) também evidenciou a importância do apoio da família e o apoio de terceiros - como a partilha de experiências com outros pais de crianças surdas, o conhecimento de surdos adultos e o apoio de técnicos - como ajuda da tarefa de minimização da surdez e das dificuldades comunicativas da criança [45]. 34 A relação intrafamiliar que se desenvolve entre pais e filhos não é transversal, sendo necessário analisar aspectos singulares da criança que interferem no comportamento dos pais. As teorias bidirecionais propostas por Bell (1968) indicam que fatores congênitos em crianças influenciam o comportamento dos pais durante o desenvolvimento de práticas parentais [46]. Em seu estudo sobre os efeitos dos fatores genéticos transmitidos entre gerações, Maccoby (2000) indica que crianças com diferentes predisposições genéticas reagem de maneira diferente para comportamentos dos pais, dependendo da maneira com que elas interpretam as ações de seus responsáveis [47]. Referências Bibliográficas 1 - Miguel I, Valentim JP; Carugati F. Questionário de Estilos e Dimensões Parentais–Versão Reduzida: Adaptação portuguesa do Parenting Styles and Dimensions Questionnaire–Short Form. 2009. 2- BAUMRIND D. Child care practices anteceding three patterns of preschool behavior. Genetic psychology monographs. 1967. 3- Oliveira TD. “O Questionário de Estilos Parentais e Dimensões Parentais (PDSQ): Aspectos Psicométricos e Investigação da Parentalidade no TDAH e Quanto ao Comportamento de Oposição Desafiante de Meninos e Meninas” . Universidade Federal de Minas Gerais. 2017. 4- Weber LND, Prado PM, Viezzer AP, Brandenburg OJ. Identificação de estilos parentais: o ponto de vista dos pais e dos filhos. Psicologia: reflexão e crítica. 2004; 17. 5 - Oliveira TD, Costa DS, Albuquerque MR, et al. Cross-cultural adaptation, validity, and reliability of the Parenting Styles and Dimensions Questionnaire– Short Version (PSDQ) for use in Brazil. Brazilian Journal of Psychiatry. 2018; 40. 35 6- Oliveira TD. “O Questionário de Estilos Parentais e Dimensões Parentais (PDSQ): Aspectos Psicométricos e Investigação da Parentalidade no TDAH e Quanto ao Comportamento de Oposição Desafiante 74 de Meninos e Meninas” Universidade Federal de Minas Gerais. 2017. 7- Nia MK, Sovani A, Forooshani GRS. Exploring correlation between perceived parenting styles, early maladaptive schemas, and depression among women with depressive symptoms in Iran and India-Role of early maladaptive schemas as mediators and moderatos. Iranian Red Crescent Medical Journal. 2014; 16. 8- Shahimi F, Heaven P, CIARROCHI J. 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Estilos parentais e relações de vinculação. Análise psicológica. 2013; 31. 15- Paiva FS, Ronzani TM. Estilos parentales y el consumo de drogas entre adolescentes. Psicologia em estudo. 2009; 14. 36 16 - Shahimi F, Heaven P, CIARROCHI J. The interrelations among the perception of parental styles and psychological well-being in adolescence: A longitudinal study. Iranian journal of public health. 2013; 42. 17 – Nia MK, Sovani A, Forooshani GRS. Exploring correlation between perceived parenting styles, early maladaptive schemas, and depression among women with depressive symptoms in Iran and India-Role of early maladaptive schemas as mediators and moderatos. Iranian Red Crescent Medical Journal, v. 2014; 16. 18- Comerlatto MPS. Habilidades auditivas e de linguagem de crianças usuárias de implante coclear: análise dos marcadores clínicos de desenvolvimento. 2016. 19 – Scaranello CL. Reabilitação auditiva pós implante coclear. 2005; 38. 20 – Oliveira AC, César CPHAR, Matos GG, et al. Habilidades auditivas, de linguagem, motoras e sociais no desenvolvimento infantil: uma proposta de triagem. Revista CEFAC. 2018; 20. 21- Penna LM, Lemos SMA, Alves CRL. O desenvolvimento lexical de crianças com deficiência auditiva e fatores associados. CoDAS. Sociedade Brasileira de Fonoaudiologia. 2014. 22- Scarabello EM, Lamônica DAC, Morettin-Zupelari M, et al. Language evaluation in children with pre-lingual hearing loss and cochlear implant. Brazilian journal of otorhinolaryngology. 2020; 86. 23 – Frizzo RJ, Macedo GS, Escorcio R, et al. Força muscular respiratória em crianças com deficiência auditiva e a sua relação com categorias de audição e linguagem. Distúrbios da Comunicação. 2020; 32. 24- MARCHESI, A. Desenvolvimento e educação das crianças surdas. Desenvolvimento psicológico e educação. 2004; 2. 25 – Neves AJ, Verdu ACMA, Moret ALM, et al. As implicações do implante coclear para desenvolvimento das habilidades de linguagem: uma revisão da literatura. Revista CEFAC. 2015; 17. 37 26 – Santana AP, Guarinello AC, Bergamo A. A clínica fonoaudiológica e a aquisição do português como segunda língua para surdos. Distúrbios da Comunicação. 2013; 25. 27 - AFONSO, Carlos. Formação de professores para a educação bilingue de surdos. 2008. 28 – Uzan AJS, Oliveira MRT, Leon R. A importância da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) como língua materna no contexto da escola do Ensino Fundamental. XII Encontro Latino Americanode Iniciação Científica e VIII Encontro Latino Americano de Pós-Graduação–Universidade do Vale do Paraíba. 2008. 29- Geers AE, Mitchell CM, Warner-Czyz, et al. Early sign language exposure and cochlear implantation benefits. Pediatrics. 2017; 140. 30- de Castro VE, Peixoto MC, Bicalho EM, et al. Recuperação da audição após implante coclear: um relato de caso. Brazilian Journal of Health Review. 2020; 3. 31- Oliveira JA. Implante Coclear. Medicina (Ribeirao Preto. 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Psicologia: teoria e prática. 2002; 4. 38- Luisada V. Sentimentos e vivências profissionais de médicos frente à comunicação do diagnóstico da deficiência do bebê aos pais no momento do nascimento. 2013. 39- Bazon FVM. Campanelli EA, Blascovi-Assis SM. A importância da humanização profissional no diagnóstico das deficiências. Psicologia: teoria e prática. 2004; 6. 40- Boscolo CC, dos Santos TMM. A deficiência auditiva e a família: sentimentos e expectativas de um grupo de pais de crianças com deficiência da audição. Distúrbios da comunicação. 2005; 17. 41 – Sikand M, Arshad R, Beniwal RP, et al. Perceived parental style, cognitive style, and resilience in females with dissociative disorder in India. Indian journal of psychiatry. 2019 ; 16. 42 – Pereira A, Moreira T, Lopes S, et al. “My Child has Cerebral Palsy”: Parental Involvement and Children’s School Engagement. Frontiers in psychology. 2016; 7. 43- Elad D, Barak S, Eisenstein E, et al. Discrepancies between mothers and clinicians in assessing functional capabilities and performance of children with cerebral palsy. Research in developmental disabilities. 2013; 34. 44- Blackorby J, Cameto R. Changes in school engagement and academic performance of students with disabilities. Wave 1 Wave 2 Overview. 2004. 45- Rodrigues AF, Pires A. Surdez infantil e comportamento parental. Analise psicológica. 2002; 20. 46- Bell RQ. Uma reinterpretação da direção dos efeitos nos estudos de socialização. Psychological Review. 1968; 75. 39 47 – Maccoby EE. Parenting and its effects on children: On reading and misreading behavior genetics. Annual review of psychology. 2000; 51. 40 OBJETIVOS Objetivo geral Estudar a relação entre os estilos parentais e o desenvolvimento das habilidades auditivas em crianças usuárias de implante coclear. Objetivos Específicos -Descrever como os estilos parentais são adotados no grupo de pais ou responsáveis por crianças com deficiência auditiva. -Estudar o perfil da população usuária de IC. -Estudar as habilidades auditivas da população estudada. -Verificar a relação entre o desenvolvimento auditivo dos participantes e os estilos parentais. -Comparar os estilos parentais de pais de crianças usuárias de implante coclear e pais de crianças sem queixas auditivas. 41 MÉTODOS Delineamento do Estudo Trata-se de um estudo quantitativo, observacional, analítico, que buscou verificar a relação entre estilos parentais e desenvolvimento auditivo. O projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da UFMG (CEP-UFMG), CAAE: 09699119.8.0000.5149. A coleta de dados foi realizada em três cenários: através de plataforma virtual, e em dois locais que atendem usuários de Implante Coclear: a) Serviço de Atenção à Saúde Auditiva, Ambulatório de Implante Coclear, do Hospital das Clínicas da UFMG. A instituição é credenciada pelo Ministério da Saúde, que atende pacientes com surdez severa profunda que não obtiveram resposta satisfatória com aparelhos de amplificação sonora individual e que após avaliação multiprofissional tem definida a indicação de implante coclear. b) CEMEAR (Centro Mineiro de Reabilitação Auditiva), instituição de caráter associativo e sem fins lucrativos que busca garantir o acesso aos recursos diagnósticos e terapêuticos de pacientes em (Re)habilitação auditiva. O CEMEAR conta com especialistas nas áreas de Fonoaudiologia, Psicologia, Psicopedagogia e Serviço social. A amostra foi composta por 78 participantes sendo distribuídos em dois grupos de análise. O grupo clínico (N=50): composto por pais e/ou responsáveis de crianças usuárias de implante coclear com idade entre 3 e 7 anos que realizam acompanhamento no Hospital das Clínicas da UFMG ou no Centro Mineiro de Reabilitação Auditiva – CEMEAR; o grupo controle (N=28): composto por pais e/ou responsáveis por crianças com a mesma idade sem a deficiência auditiva captados através de plataforma online e amostra já existente de outro projeto de mestrado. 42 Para compor o grupo controle foram utilizadas duas estratégias: a utilização de dados já coletados de outro projeto “Adaptação, Validação e Normatização do Questionário de Estilos e Dimensões Parentais para a população Brasileira” e recrutamento de voluntários. Amostra A coleta do grupo clínico foi realizada através de videoconferência com os participantes e aplicação do protocolo de avaliação. Já a coleta do grupo controle foi realizada a partir de protocolo de preenchimento online reestruturado através outro projeto de mestrado piloto. Todos os participantes avaliados tiveram acesso ao TCLE através de plataforma online e concordaram com a participação na pesquisa. A coleta iniciou após aprovação do Comitê de Ética e Pesquisa, em junho de 2019. Foram aplicados protocolos com o objetivo de coletar informações pertinentes à anamnese dos participantes, avaliar os estilos parentais predominantes, por meio da aplicação do Questionário de Estilos e Dimensões Parentais (QEDP), e avaliar o desenvolvimento das habilidades auditivas nas crianças do grupo clínico, por meio da Escala de Integração Auditiva Significativa para crianças Pequenas – IT-MAIS (para crianças até 4 anos) e a Escala de Integração Auditiva Significativa – MAIS (para crianças acima de 5 anos). Procedimentos 1- Grupo Clínico a) Anamnese: entrevista com o objetivo de obter informações sobre os participantes, sendo estruturada em três seções: -Informações sobre o participante (identificação, idade, parentesco, escolaridade) - Informações sobre a criança e as características da perda auditiva (identificação, idade, data de nascimento, sexo, tipo, grau e configuração da 43 perda auditiva, data do diagnóstico de perda auditiva, comprometimentos associados e uso de medicação ); -Informações sobre o Implante Coclear: tempo em que foi realizada a cirurgia, tipo de implante, uso de adaptação bimodal, uso e/ou interrupção do aparelho desde a ativação, acompanhamentos realizados atualmente pela criança na rede multidisciplinar (fonoaudióloga, psicóloga, terapeuta ocupacional, fisioterapeuta, entre outros). b) Versão brasileira do QEDP [3]. Esta é uma ferramenta utilizada para classificar em qual estilo parental uma família ou grupo se concentra em maior parte do tempo, de acordo com seus comportamentos peranteos filhos. O QEDP é um instrumento de autorrelato e é composto por 32 perguntas (em sua versão reduzida, adaptada ao Brasil), sendo 15 sobre o estilo parental democrático, 12 do estilo parental autoritário e 5 do estilo parental permissivo. Cada estilo avaliado possui dimensões que influenciam no escore total do estudo, sendo o estilo democrático composto por dimensões de afeto e controle, regulação e autonomia, o estilo autoritário composto por dimensões de coerção física, hostilidade verbal e punição e o estilo permissivo composto pela dimensão de indulgência. Através da comparação dos resultados e análise das dimensões parentais mais predominantes para aquele pai/mãe é possível investigar a relação das práticas parentais com o desenvolvimento da fala de crianças com deficiência auditiva usuárias de implante coclear. O QEDP, na busca por avaliar os estilos e dimensões parentais, não possui como objetivo prever a permeabilidade dos pais no processo de implante coclear. c) A escala de integração auditiva para crianças pequenas (até 4 anos) IT-MAIS e a Escala de Integração Auditiva (para crianças a partir de 5 anos) MAIS são medidas utilizadas para avaliar a evolução da percepção auditiva com o uso do implante coclear em crianças com idade inferior a 4 anos. O questionário realizado com os pais é composto por 10 questões, que devem ser aplicadas sob a forma de entrevista. O responsável é solicitado a relatar o comportamento auditivo da criança perante cada situação proposta, oferecendo o maior número de exemplos possível e descrevendo as atitudes da criança. O resultado é 44 calculado somando-se o número total de pontos acumulados em cada questão, sendo possível a obtenção de no mínimo 0 pontos e no máximo 40 pontos. Desse modo, é possível identificar a percepção de fala das crianças analisadas. Para classificar os resultados como normal ou alterado foi utilizada a escala Marcadores clínicos do desenvolvimento – IT MAIS Toddler Meaningful Auditory Integration Scale, proposta por Comerlatto (2015) [1], para crianças até 5 anos. Para crianças acima de 5 anos foi utilizado como referência os resultados apresentados por Alves et al (2015) [2]. O grupo clínico foi classificado em normal ou alterado em função do desenvolvimento auditivo e tempo de uso de IC Foi necessário um encontro de 40 minutos com cada participante para leitura e assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, aplicação do QEDP, IT-MAIS e MAIS. A coleta presencial foi realizada no mesmo dia de atendimento da criança no CEMEAR e no Hospital das Clínicas, em sala reservada. A coleta virtual foi realizada através de videoconferência com o responsável pela criança em ambiente propício para aplicação do protocolo. Todas as respostas foram anotadas em protocolos específicos e devidamente transferidas para um banco de dados para posterior análise e estudos estatísticos. 2- Grupo Controle O grupo controle foi composto por 28 participantes. Parte da amostra analisada (25/26 participantes) foi extraída de outro projeto de mestrado realizado na UFMG, intitulado “Adaptação, Validação e Normatização do Questionário de Estilos e Dimensões Parentais para a população Brasileira”. A autora do projeto cedeu o banco de dados para realização deste estudo. a) Anamnese clínica -Informações sobre o participante (idade, parentesco, escolaridade) e a criança (nome completo, idade, data de nascimento, sexo); b) QEDP 45 Critérios de Inclusão e Exclusão Como critérios de inclusão para o grupo clínico foram considerados adultos com idade igual ou superior a 18 anos, pais e/ou responsáveis por crianças entre 3 e 7 anos usuárias de implante coclear. Como critérios de exclusão considerou-se desistência em participar da pesquisa ou não responder os dois questionários propostos. Os critérios de inclusão para o grupo controle foram adultos com idade igual ou superior a 18 anos, pais e/ou responsáveis por crianças entre 3 e 7 anos de idade que não possuam comprometimento sensorial declarado. Como critérios de exclusão considerou-se desistência em participar da pesquisa ou não responder as perguntas do questionário proposto. Análise de Dados Para as variáveis contínuas foram calculadas a média, desvio padrão, mediana, quartis, mínimo e máximo. As variáveis categóricas foram analisadas por meio da frequência. O teste Mann-Whitney foi utilizado para comparar o grupo controle e clínico. De forma a testar a correlação entre estilos parentais e as habilidades auditivas infantis foi utilizada análise de correlação de Spearman entre os resultados do QEDP (escore total dos estilos e dimensões parentais) e os resultados obtidos nas escalas IT-MAIS e MAIS. O teste de Kruskal-Wallis foi utilizado para verificar associação entre os estilos parentais, grupo controle e grupo de crianças usuárias de implante coclear, classificadas de acordo com o índice de integração auditiva normal ou alterado. O nível de significância considerado foi p ≤ 0,05. Foram utilizados os softwares Jasp 0.8 [4] e SPSS 23 [5]. 46 Referências Bibliográficas 1-Comerlatto, MPS. Habilidades auditivas e de linguagem de crianças usuárias de implante coclear: análise dos marcadores clínicos de desenvolvimento. 2016. 2- Alves M, Ramos D, Alves H, et al. Os questionários MAIS e MUSS na avaliação da evolução do desempenho auditivo e comunicativo de crianças utilizadoras de implante coclear. Revista Portuguesa de Otorrinolaringologia e Cirurgia de Cabeça e Pescoço. 2015; 53. 3- De Paula JJ. Oliveira TD. “Questionário de Estilos e Dimensões Parentais (QEDP)”. Belo Horizonte, 2017 3- JASP Team. JASP (version 0.8.0.0) [computer software]. 2016 4- JASP Team. JASP (version 0.8.0.0) [computer software]. 2016 5- SPSS Inc. SPSS Statistics for Windows, Version 23.0. Chicago: SPSS Inc. 47 RESULTADOS A amostra do grupo clínico foi composta em sua maioria por mães (80%), com idade entre 25 e 34 anos (40%) e com nível escolaridade ensino médio completo (50%). Todas as crianças são usuárias de implante coclear e possuem entre 3 e 7 anos de idade, em sua maioria feminina (56%). A maior parte das famílias (46%) não relatou identificação precisa da etiologia das dificuldades auditivas. Entre as etiologias identificadas pelos responsáveis estão genética (14%), uso de antibiótico (8%), meningite (6%), citomegalovírus (6%), icterícia (4%), Síndrome de Waldenburg (4%), hidrocefalia (2%), anoxia (2%), Síndrome do Qtlongo (2%), Síndrome de Turner (2%), Síndrome CHARGE (2%) e Síndrome de Kjer (2%). A maior parte das crianças realizou a Triagem Auditiva Neonatal (92%). A minoria das crianças avaliadas possui diagnóstico misto (20%), estes caracterizados por Transtorno do Espectro Autista (TEA), Transtorno de Déficit de Atenção e Hiperatividade, Paralisia Cerebral, Aniridia, Síndrome do Qtlongo, Síndrome de Down, Síndrome CHARGE, Síndrome de Turner, Síndrome de Waldenburg e Síndrome de Kjer. Quatro crianças do grupo realizam acompanhamento medicamentoso devido diagnóstico de Síndrome do Qtlongo, Paralisia Cerebral e TEA, correspondendo a 8% da amostra total. Entre os medicamentos utilizados estão Neuleptil, Propanolol, Artane, Ácido Valproico, Aripiprazol, Imipramina, Risperidona e Anafranil. Grande parte da amostra estudada realiza acompanhamento fonoaudiológico (94%), seguido de psicoterapia (30%) e outras terapias, sendo essas a psicopedagogia, fisioterapia, terapia ocupacional, língua brasileira de sinais. O tempo em que as crianças participantes da pesquisa haviam sido implantadas percorreu entre dois meses e seis anos. A maioria das crianças possui implante coclear unilateral (66%) com uso contínuo do aparelho (82%). Participaram do grupo controle 28 mães, em sua maioria com idade acima de35 anos (57,14%) e com nível escolaridade em ensino médio completo (46,43%). A 48 maioria das crianças são do sexo feminino (53,57%). A tabela 1 apresenta a distribuição das respostas dos participantes de cada grupo Tabela 1 - Descrição dos Participantes do Grupo Clínico e Controle A tabela 2 apresenta a análise descritiva em relação as variáveis contínuas do grupo clínico e controle. No grupo clínico a idade média dos responsáveis foi de 35,24 anos, já a idade média da criança analisada foi de 5,24 anos, variando entre 3 e 7 anos. No grupo controle a idade média dos responsáveis do grupo controle é de 36,57 anos (com desvio padrão de 6,44). Tabela 2 - Análise descritiva das variáveis contínuas do grupo clínico – idade da criança e idade do responsável Variável Grupo N Média D.P Idade responsável Controle 28 36,57 6,44 Clínico 50 35,24 10,66 Idade criança Controle 28 6 1,15 Grupo Clínico (N=50) Nº % Grupo Controle (N=28) Nº % Parentesco Mãe 40 80 Mãe 28 100 Pai 5 10 Outro 5 10 Escolaridade Ensino Fundamental Completo 9 18 Ensino Fundamental Completo 7 25 Ensino Médio Completo 25 50 Ensino Médio Completo 13 46 Ensino Técnico Completo 3 6 Ensino Superior Completo 8 29 Ensino Superior Completo 13 26 Idade da Criança 3 anos 11 22 3 anos 1 4 4 anos 8 16 4 anos 3 10 5 anos 4 8 5 anos 3 10 6 anos 12 24 6 anos 9 33 7 anos 15 30 7 anos 12 43 Sexo da Criança Feminino 28 56 Feminino 15 54 Masculino 22 44 Masculino 13 46 49 Clínico 50 5,24 1,57 O gráfico 1 apresenta os resultados estatísticos entre a Escala de Integração Auditiva e o tempo de implante das crianças avaliadas. A correlação se mostrou positiva e sem relevância estatística (P>0,05) Gráfico 1: Análise de Correlação entre IT MAIS/MAIS e tempo de implante A tabela 3 mostra os resultados de associação entre o QEDP e os grupos através do teste Kruss Kawallis: clínico com desempenho normal, clínico com pior desempenho e controle. Foi encontrada relevância estatística para o estilo “autoritário” e dimensão “punição”, com maior pontuação para o grupo clínico com resultados alterados. Tabela 3: Associação Entre Estilos e Dimensões Parentais (QEDP) com Grupos avaliados: clínico com desempenho normal, clínico com pior desempenho e controle 50 A tabela 4 apresenta os resultados referentes a correlação de Spearman. A relação que se mostrou significativa foi entre o IT MAIS/MAIS e a dimensão parental regulação (p-valor < 0,05), que integra o grupo de estilo parental democrático. Os resultados dos estilos autoritários e permissivos, por estarem acima do ideal proposto por “p” não são considerados significativos para a amostra. Tabela 4: Correlação de Spearman entre QEDP e IT MAIS/MAIS do grupo clínico Dimensão/Estilo Parental Coeficiente da Correlação Sig. Coerção Física -0,029 0,844 Hotilidade Verbal -0,064 0,66 Punição -0,156 0,279 Autoritário -0,086 0,553 Permissivo -0,242 0,91 Autonomia 0,111 0,442 Regulação 0,36 0,01* Dimensão Parental P Valor Regulação 0,26 Apoio e Afeto 0,281 Autonomia 0,739 Coersão Física 0,172 Hostilidade Verbal 0,05 Punição 0,029* Estilo Parental P Valor Democrático 0,46 Autoritário 0,045* Permissivo 0,.073 Teste Kruskal Wallis (*) Resultado com relevância estatística 51 Apoio e Afeto 0,142 0,325 Democrático 0,246 0,085 (*) Resultado com relevância estatística A Tabela 5 apresenta os resultados da Correlação de Spearman realizada através da separação do grupo clínico com desempenho auditivo pior e normal, agrupados de acordo com a idade da criança e performance no IT MAIS /MAIS, com os resultados obtidos no QEDP. Foram encontrados resultados com relevância estatística em relação à dimensão coersão física e ao estilo autoritário no grupo de crianças com resultado alterado. Tabela 5: Distribuição dos Resultados de Correlação no grupo de crianças usuárias de Implante Coclear com desempenho auditivo pior e normal Normal Pior Estilo / Dimensão Parental C. Correlação Sig. (bilateral) N C. Correlação Sig. (bilateral) N Democrático 0,255 0,199 27 -0,084 0,703 23 Autonomia 0,327 0,095 27 -0,124 0,572 23 Regulação 0,267 0,179 27 0,11 0,617 23 Apoio e Afeto 0,025 0,903 27 -0,383 0,071 23 Autoritário -0,088 0,661 27 -,455* 0,029 23 Coersão Física -0,13 0,519 27 -,452* 0,031 23 Hostilidade Verbal -0,069 0,732 27 -0,316 0,142 23 Punição 0,054 0,79 27 -0,391 0,065 23 Permissivo 0,021 0,917 27 -0,372 0,08 23 (*) Resultado com relevância estatística É possível perceber a correlação das variáveis através dos Gráficos 2, 3 e 4 apresentados a seguir. 52 Gráficos 2, 3 e 4: Matrizes de correlação entre IT MAIS/MAIS e Estilos Parentais Autoritário, Democrático e Permissivo Referências Bibliográficas 1- Triola, MF – Introdução à Estatística, Livros Técnicos e Científicos Editora S,A,, Rio de Janeiro. 2008. 53 DISCUSSÃO Os resultados obtidos sugeriram uma associação positiva entre a dimensão parental de regulação com o desenvolvimento de habilidades auditivas das crianças participantes. Os achados evidenciaram que a hipótese alternativa desenvolvida ao longo do projeto foi comprovada, mas por outra ótica: o estilo autoritário e as dimensões punição e coerção física tiveram resultados com relevância estatística em relação ao grupo de crianças com pior desempenho, em relação ao tempo de implante. Essa realidade vai de acordo com o embasamento literário construído, que evidencia o impacto do comportamento dos pais no desenvolvimento infantil da pessoa com deficiência [1] [2] [3]. O estudo revelou, através da análise de associação entre o desenvolvimento auditivo infantil e os estilos parentais, a evidência de associação significativa entre o estilo parental autoritário e as dimensões punição e coerção física com o grupo de crianças com pior desempenho auditivo. De acordo com Falcke (2012), o uso da violência se constrói quando existe uma menor capacidade de simbolização por parte dos indivíduos envolvidos, então, estes recorreriam a atitudes mais primitivas de abordagem [4]. Pessoas com deficiência auditiva se encontram no desenvolvimento da audição e fala e por isso apresentam um potencial comunicativo diferente da população típica ouvinte. Esse fato pode vir a impactar na comunicação intrafamiliar dos pais com a criança, o que contribui com o desenvolvimento de práticas parentais pautadas em dimensões autoritárias. Entende-se que a deficiência auditiva acoplada a práticas parentais desadaptativas pode ser duplamente danoso para o desenvolvimento da criança, visto que a criança com deficiência auditiva já está predisposta a ter menos oportunidades de interação social devido à sua dificuldade de linguagem [5]. Filhos de pais que utilizam práticas parentais baseadas no autoritarismo possuem uma tendência menor ao desenvolvimento de autoconfiança, em autossuficiência e autopercepção sobre habilidades sociais e acadêmicas, [6] além de apresentarem uma tendência maior ao desenvolvimento de transtornos psicopatológicos [7]. É por meio da experiência e do contexto que a criança é capaz de aprender o significado de uma nova palavra e uma vez que a criança 54 apresenta dificuldades no comportamento social há prejuízo no desenvolvimento de suas capacidades comunicativas [8]. O estudo constatou que o tempo de uso do implante coclear e o escore das Escalas IT-MAIS e MAIS possuem uma correlação fraca não significativa entre si. Entretanto, vale ressaltar que outros fatores influenciam o desenvolvimento da linguagem de crianças com deficiência auditiva. O estudo de Lynce (2017) menciona que existem fatores determinantes para