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UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA MÃE SAUDÁVEL, GESTANTE DOENTE: A Ambivalência Vivenciada Por Gestantes Com Toxoplasmose. THAÍS RENATA QUEIROZ SANTANA Brasília, DF, Brasil - 2007 UNIVERSIDADE DE BRASÍLIA INSTITUTO DE PSICOLOGIA DEPARTAMENTO DE PSICOLOGIA CLÍNICA MÃE SAUDÁVEL, GESTANTE DOENTE: A Ambivalência Vivenciada Por Gestantes Com Toxoplasmose. POR THAÍS RENATA QUEIROZ SANTANA Dissertação apresentada ao Instituto de Psicologia da Universidade de Brasília, como requisito parcial à obtenção do título de Mestre em Psicologia Clínica e Cultura. Orientadora: Profª. Drª. Terezinha de Camargo Viana Brasília, DF, Brasil - 2007 MÃE SAUDÁVEL, GESTANTE DOENTE: A Ambivalência Vivenciada Por Gestantes Com Toxoplasmose. THAÍS RENATA QUEIROZ SANTANA Aprovada por: Profª Drª. Terezinha de Camargo Viana – UNB Profª Drª. Delza Maria da S. F. de Araújo – UCB Profª Drª. Vera Lucia Coelho – UNB Brasília, DF, Brasil - 2007 DEDICATÓRIA À todas as gestantes atendidas no IDP – APAE-Goiânia, pelos ensinamentos, por me ajudarem a entender melhor toda a dinâmica em torno da gestação, por me permitirem entrar em suas vidas, conhecer suas angústias, suas dificuldades, suas fantasias, seus medos e por me fazerem vislumbrar toda a maravilha que a prevenção pode proporcionar para todas as gestantes. À todos os profissionais de saúde que trabalham todos os dias para tentar minimizar os riscos ao bebê, que buscam melhor qualidade de vida a estas crianças por entenderem que prevenção inicia-se dentro da barriga da mãe, e que levantam a bandeira da prevenção por perceberem o quanto este é um ato de vida. AGRADECIMENTOS Aos meus queridos pais, pelo amor, pelos ensinamentos, pela dedicação, pelo apoio, pela confiança e, sobretudo, por acreditarem em mim e por ajudar no possível e no impossível para que eu alcance meus objetivos. Ao Harthuro, que me completa com seu amor, está sempre torcendo por mim, acreditando em mim, me aconselhando e me dando força para juntos construirmos uma vida de cumplicidade, amizade, respeito e amor. A Edimar e Eli por me acolherem em sua casa, em Brasília, possibilitando, assim, meus estudos, pela ajuda, pela amizade e pela confiança. A Lauro e Raquel, Petruska e Adriano, Edimar e Wanessa, pelo amor e amizade. E aos meus sobrinhos, Victor e Diego, que me enchem de alegria. Às minhas amigas Sheila e Vitória, pelas dicas e idéias, pelas discussões de casos do trabalho, por aliarem seus estudos e suas práticas ao meu, possibilitando um melhor atendimento às gestantes, e, sobretudo, pela eterna amizade. À Terezinha, por sua orientação, pela ajuda, pelo companheirismo, por ter acreditado no meu potencial e me aceitado como orientanda em dois momentos preciosos de minha vida profissional, na Especialização e no Mestrado, e por toda a sensibilidade em mostrar os caminhos da psicanálise. A todos os professores do Mestrado, pela tão valorosa contribuição, por aulas tão especiais, por me deixarem ainda mais sedenta de conhecimentos e de vontade de crescer, por contribuírem para minha formação pessoal e profissional. À Delza, amiga, professora, eterna mestre, orientadora na minha graduação em Psicologia, pelos ensinamentos, pelo carinho, por me apresentar as maravilhas do mundo das gestantes, por plantar uma semente e por aceitar por compartilhar comigo a colheita de cada flor. A todos os colegas que me acompanharam nestes dois anos de Mestrado, foi maravilhoso conhecer cada um de vocês. Em especial aos meus amigos de orientação: Andréia, Dione, Eliana, Fausto, Isa, Marcelo, Taís e Thiago, por cada palavra, cada crítica, cada idéia, cada ajuda, que foram fundamentais em todo o momento de construção deste trabalho. A todos da APAE-Goiânia, em especial do Instituto de Diagnóstico e Pesquisa da APAE- Goiânia, por sempre facilitarem minhas viagens à Brasília, por acreditarem na importância do estudo para a realização de um trabalho de qualidade. O desejo de realizar este trabalho surgiu deste trabalho tão maravilhoso, tão pertinente e tão preocupado com a vida humana. E, especialmente, a Deus, que está sempre ao meu lado, iluminando meus passos, acolhendo meu coração e me dando forças para enfrentar os obstáculos e estar sempre disposta a buscar novos desafios. Mãe I Receberás em teu ventre Uma tocha tremeluzindo Como os deuses vinda do Olimpo Que ao chegar se imantará Deixando-te em comoção Tua graça de bailarina hibernará por nove luas Pois de ti se apoderou u’outra graça Que te fará lisa Redonda e luminosa Como a luz do plenilúnio A tua natureza se fazendo generosa Fará de teu sangue Um outro sangue De teu ser Um outro ser Não mais serás a mesma Doravante dividida, verás Tua cria, ao te revelar inteira Levar consigo metade de tua herança E uma parte maior de tua alma II Serás primeiro serva Deste dom que compartilhas com as fêmeas De ao seres dividida Que algo se descobre e multiplique Fazendo-te capaz D’outras metades gerar Tornas tua a essência De em leite teu sangue transformar E com doçura teu seio ofereças A este ser que é vir a ser Como ti uma outra fêmea Ou uma tocha que outro ventre buscará Narciso, a bruxa, o terapeuta elefante e outras histórias psi. Paulo Barros Resumo Este trabalho tem como objetivo uma aproximação entre a teoria freudiana e o contexto das mulheres grávidas, mais especificamente na situação de adoecimento. Nasceu do desejo de investigar nessas gestantes, através da análise das sessões clínicas, aspectos subjetivos e intersubjetivos específicos desse encontro de condições: gravidez e doença infecto-contagiosa. Para isso foram utilizadas falas em sessões clínicas de gestantes portadoras de Toxoplasmose atendidas no Instituto de Diagnóstico e Prevenção da APAE- Goiânia. A psicanálise se constitui como referencial e embasamento teórico para a referida prática clínica no âmbito da saúde. Questões como mulher e feminilidade; desejo e não desejo materno; culpa; luto materno; construção da maternidade; criação do espaço psíquico para o bebê; relação mãe/bebê; adoecimento, aceitação da doença e adesão ao tratamento; e, principalmente, ambivalência, serão discutidas neste trabalho. O entendimento deste conflito traz a possibilidade de elaboração. Partimos de um questionamento para, após a discussão, obtermos um novo e diferente encontro com o conflito, trazendo-lhe um novo caminho, uma nova significação. Abstract This paper aims at approach between Freud’s theory and the context of pregnant women, more specific in illness situation. Originated form the desire to investigate in those pregnant patients, through the analysis of clinic sessions, subjective and inter-subjective appearances of this meeting of conditions: pregnancy and infectious diseases. For that have been used talks in clinic sessions of pregnant patients with toxoplasmosis attended in APAE- Goiânia’s Prevention and Diagnostic Institute. Psychoanalysis account as referencing and theory basement for the referred clinical practice into the health ambit. Issues as woman and femininity; maternal desire and not desire; guilt; maternal mourning; maternity building; creation of the psychic space for the baby; mother/baby relation; illness, acceptability of the disease and adherence the treatment; and above all, ambivalence, will be discuss in this paper. The understanding of this conflict brings the possibility of elaboration. We began with one big question for, after the discussion, to be able to attain a new anddifferent meet with the conflict, bringing him a new way, a new meaning. SUMÁRIO INTRODUÇÃO .................................................................................................... CAPÍTULO I – Mãe saudável ............................................................................ 1.1. Mulher, maternidade e feminilidade ................................................... 1.2. Desejo materno, luto e transitoriedade ............................................... 1.3. Criação do espaço psíquico para o bebê ............................................. CAPÍTULO II – Gestante doente ...................................................................... 2.1. A clínica psicanalítica no ambiente de saúde ..................................... 2.2. Toxoplasmose na gestação ................................................................. 2.3. Implicações psicológicas .................................................................... CAPÍTULO III – Ambivalência ......................................................................... 3.1. Visão psicanalítica da ambivalência ................................................... 3.2. Freud e a Teoria das Pulsões .............................................................. 3.3. Maternidade e Ambivalência .............................................................. CONCLUSÃO ...................................................................................................... REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS .............................................................. 01 08 08 19 29 43 43 51 56 69 69 75 84 93 98 INTRODUÇÃO A maternidade, a assistência à gestante e, principalmente, o trabalho preventivo são temas que vêm ganhando importância e destaque nas últimas décadas. No âmbito da saúde, vem surgindo projetos de prevenção primária, secundária e terciária. Atualmente, para falar de saúde no sentido amplo de bem estar físico, mental e social, não mais no sentido de “um indivíduo sem doenças”, é necessário falar de prevenção. Estratégias de prevenção primária, secundária e terciária têm sido utilizadas com o objetivo de prevenir enfermidades, diagnosticá-las e tratá-las precocemente e minimizar seus efeitos na população, assegurando, a cada indivíduo, um padrão de vida adequado à manutenção da saúde. (LEAVELL & CLARK, 1976). A principal distinção entre prevenção primária, secundária e terciária encontra-se no período de progressão da doença sobre o qual se deseja intervir: antes da instalação do processo patológico (prevenção primária), depois que a doença se iniciou e ainda não há sintomas (prevenção secundária) ou quando já há sintomas (prevenção terciária). O Programa de Proteção à Gestante do Estado de Goiás – Teste da Mamãe é um exemplo de programas de prevenção que vêm sendo desenvolvidos. Este programa, financiado pela Secretaria de Saúde do estado de Goiás em parceria com o Governo do Estado de Goiás e Secretarias Municipais de Saúde do estado de Goiás, é vinculado à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais de Goiânia – APAE-Goiânia e atende toda a população de gestantes do estado de Goiás que busca o pré-natal na rede pública. O Instituto de Diagnóstico e Pesquisa na APAE-Goiânia – IDP, responsável pelo Teste da Mamãe, possui uma equipe de profissionais da área de saúde - infectologista, obstetra, pediatra-infectologista, psicóloga clínica e psicóloga social - responsável pelo atendimento das gestantes que apresentarem sorologia positiva para alguma das doenças infecto-contagiosas detectadas através dos exames realizados pelo programa, dentre elas: HIV, Hepatites B e C, Chagas, HTLV, Toxoplasmose, Sífilis, dentre outras. Essas gestantes recebem atendimento desde o início da gestação até o parto e, em alguns casos, em que só é possível fazer o exame no bebê mais tardiamente para ter certeza de que não houve transmissão vertical da doença materna, acompanha-se a mãe e o bebê de dois em dois meses até o primeiro ano de vida do bebê. O Programa de Proteção à Gestante – Teste Mamãe engloba os três tipos de prevenção. A prevenção primária seria em relação ao bebê, a gestante está com algum tipo de doença, mas a transmissão vertical pode ser evitada quanto mais cedo for detectada a doença e mais rápido iniciar o tratamento. Os outros dois tipos de prevenção, secundária e terciária, podem ser vistos tanto nos bebês que nascem com a doença da mãe, quanto nas próprias gestantes. O tratamento não é feito nesta instituição, mas a detecção da doença é fundamental para que se encaminhe a gestante aos centros de referência para os respectivos tratamentos. A equipe multidisciplinar tem um objetivo comum – a prevenção da transmissão vertical. Mas o atendimento psicológico muitas vezes aborda questões não menos relevantes que, de pano de fundo, acabam se transformando em pontos centrais. O objetivo da psicologia, então, seria possibilitar à mulher uma gravidez mais tranqüila e um cuidado mais saudável deste bebê. Compreender as diversas transformações que se dão na vida e no corpo da mulher durante a espera de um bebê é o objetivo de diversos profissionais da saúde atualmente. Quando esta gestante é portadora de alguma doença infecto-contagiosa que pode prejudicar a formação de seu bebê causando deficiências e até a morte, abre-se um outro leque de preocupações para o profissional da saúde, inclusive para o psicólogo. No atendimento clínico diário das gestantes do Programa de Proteção à Gestante do Estado de Goiás é possível observar que a gravidez envolve questões como transformações diversas, comprometimento materno, relação mãe-bebê, desejo ou não desejo materno e relação familiar. O fato de estarem com algum tipo de doença infecto-contagiosa acrescenta questões como a aceitação da doença e a adesão ao tratamento. Estar grávida agrava estas preocupações, trazendo à tona questões como ambivalência, fantasia de perda, fantasia de má- formação do bebê e ter que lidar com um medo real de concretização destas fantasias. A “escuta” (no sentido psicanalítico) dessas gestantes portadoras de doenças infecto- contagiosas nas consultas de pré-natal e pós-parto possibilita questionamentos quanto ao desejo ou não desejo de terem engravidado e as mudanças que tal gravidez poderia causar na vida da mulher. A gravidez é vivenciada como algo positivo e construtivo ou como fator de prejuízos? Como é para a mulher passar por todas essas transformações? Além disso, questionamentos sobre o quanto a doença influencia na aceitação da gravidez e na construção psíquica do bebê. Como é para a mulher lidar ao mesmo tempo com a chegada de um bebê e com possibilidade de doença desse bebê? A fantasia do bebê imaginário sofre alterações a partir do momento em que a mulher sabe da doença? Na tentativa de sistematizar algumas dessas observações e indagações, surgiu o desejo de investigar nessas gestantes, por meio da análise das sessões clínicas, aspectos subjetivos e intersubjetivos específicos desse encontro de condições: gravidez e doença infecto- contagiosa, situando ainda tais gestantes em um contexto sócio-cultural de pobreza, visto que as gestantes atendidas no IDP – APAE-Goiânia pertencem aos segmentos mais pobres da população, já que são pacientes do SUS – Sistema Único de Saúde do estado de Goiás. As falas das gestantes foram retiradas de sessões clínicas no IDP – APAE-Goiânia e serão utilizadas, no decorrer de todo o trabalho, sempre como citações entre aspas, com as iniciais das gestantes entre parênteses. Os nomes dos bebês citados são reais, visto que não há possibilidade de identificação dos mesmos. Na tentativa de responder aos questionamentos levantados, sistematizamos o trabalho em três capítulos, sendo que o terceiro tem como propósito unir as idéias discutidasnos dois primeiros. No primeiro capítulo trataremos de termos como mãe, maternidade, maternagem e feminilidade, procurando diferenciá-los dentro do contexto sócio-histórico da mulher e situando tal mulher no contexto da maternidade. Neste primeiro momento é importante tentar reconhecer a mulher enquanto mãe, enquanto alguém que precisa passar por diferentes transformações para se reconhecer neste papel de mãe. Desta forma, o título “mãe saudável” vem para delimitar que mãe é essa que estamos trazendo. Não é de um ideal de mãe que estamos procurando falar, mas de situações, transformações e alterações físicas e psíquicas vivenciadas pelas mulheres neste momento de sua vida: a gravidez. Por meio da teoria psicanalítica procuraremos mostrar que é necessário transpor essas barreiras das transformações, através de elaboração de luto. O momento da gestação de uma criança é bastante marcado pela transitoriedade, sendo necessários reestruturação e ajustamento em várias dimensões, como a mudança de identidade e uma nova definição de papéis. A mulher passa a se olhar e a ser olhada de uma maneira diferente, se num momento é vista como filha e mulher, agora também é vista como mãe. O primeiro capítulo termina, então, trazendo o bebê como personagem de destaque. Em que momento a mulher começa a imaginar seu bebê? Quando ela o sente como familiar pela primeira vez? Como é para a mãe perceber a existência de alguém dentro de seu corpo? A mãe constrói antecipadamente o eu do bebê? Há, neste momento, uma busca de colocar o bebê como foco, na tentativa de que ele seja visto como um alguém com sentimentos, desejos, movimentos. Alguém que precisa ser antecipado na imaginação materna na tentativa de tornar familiar esse ser tão imprevisível e “estranho”. O início do segundo capítulo situará a clínica psicanalítica no ambiente de saúde, visto que num primeiro olhar tais atuações podem ser percebidas como muito diferentes e até impossíveis de coincidirem, por se tratar de um contexto tão diferenciado. Mas abre-se todo um leque de discussões sobre a importância do trabalho do psicanalista em atendimentos de curta duração e, principalmente, de situar o “olhar psicanalítico” e a “escuta psicanalítica” como um diferencial no trabalho do profissional em um ambiente de saúde. Essa mesma mulher, retratada no primeiro capítulo, neste segundo momento aparece inserida neste contexto bem diferenciado, o do adoecimento. Pensar uma “gestante doente” é antes de tudo pensar na saúde de, no mínimo, duas pessoas. As doenças detectadas no Programa de Proteção à Gestante – Teste Mamãe, como foi dito anteriormente, são: HIV, Hepatites B e C, Chagas, HTLV, Citomegalovírus, Sífilis, entre outras. A Toxoplasmose foi escolhida como objeto de estudo nesta pesquisa por dois fatores: o alto número de gestantes acometidas pela doença durante a gravidez e a grande mobilização que a doença causa nas pacientes grávidas. O medo de que algo aconteça ao seu bebê é tão grande, que ultrapassa os temores vivenciados em uma gravidez “normal”. Se num primeiro momento, essa mãe tenta antecipar seu bebê, dando-lhe nome, escolhendo o sexo do bebê, pensando quais características familiares ele terá, após o diagnóstico de Toxoplasmose na gestação, a preocupação é apenas quanto a saúde dele, o restante se torna menos relevante. Primeiramente, o que nos chamou a atenção, foi a semelhança dos conflitos vivenciados por uma mãe doente, mesmo em mulheres tão diferentes entre si. O quanto tais mulheres ficam mobilizadas e fragilizadas com a possibilidade de doença em seu bebê, muitas vezes provocando sentimentos de impotência, culpa e raiva. Nosso primeiro objetivo, portanto, consiste em estabelecer uma relação possível, ao nível historicamente construído, entre a mãe, o bebê, a doença e a vivência deste adoecimento. A escuta a estas mulheres nos mostra que esta relação se dá por meio da ambivalência, tema do terceiro capítulo. O conceito de ambivalência a ser trabalhado aqui é o que Freud (1913[1912], p.33) traz em Totem e Tabu “(...) uma relação ambivalente, composta de impulsos conflitantes afetuosos e hostis”. Ao buscar como o conceito ambivalência é trabalhado em diferentes correntes psicanalíticas e na obra de Freud, procuramos defini-lo psicanaliticamente, para, então, inseri- lo no contexto da maternidade. Tal discussão vem de encontro ao questionamento inicial deste trabalho: Como é para a mulher lidar ao mesmo tempo com a chegada de um bebê e com possibilidade de doença desse bebê? O entendimento deste conflito traz a possibilidade de elaboração. Partimos de um questionamento para, após a discussão, obtermos um novo e diferente encontro com o conflito, trazendo-lhe um novo caminho, uma nova significação. CAPÍTULO 1 MÃE SAUDÁVEL “Ser mãe é desdobrar fibra por fibra o coração! Ser mãe é ter no alheio lábio que suga, o pedestal do seio, onde a vida, onde o amor, cantando, vibra. Ser mãe é ser um anjo que se libra sobre um berço dormindo! É ser anseio, é ser temeridade, é ser receio, é ser força que os males equilibra! (...) Ser mãe é andar chorando num sorriso! Ser mãe é ter um mundo e não ter nada! Ser mãe é padecer num paraíso!” Ser mãe Coelho Neto 1.1. Mulher, Maternidade e Feminilidade Palavras como mãe, maternidade, maternagem e feminilidade, se misturam quando discutimos sobre a mulher. Como diferenciar tais palavras dando a conotação desejada ao falarmos da mulher grávida? Ser mãe é o mesmo que vivenciar a maternidade? Maternidade é o mesmo que maternagem? Desejar ser mãe é sinônimo de desejar um filho? Estas e outras questões que envolvem a mulher e o contexto histórico em que estão inseridas são alguns dos temas a serem abordados neste tópico. A mulher que vivencia a experiência de ter um bebê dentro do seu útero pode ser chamada de gestante ou grávida. Os nove meses vivenciados pela mulher quando se espera um bebê pode ser definido como vivência da maternidade. Ser mãe, no sentido de maternagem, como veremos no decorrer deste capítulo, envolve novos aspectos e novas roupagens. Não é apenas ter um bebê, mas ser alguém para esse bebê, alguém que cuida, ama, protege, ampara. A mulher grávida é o foco principal deste trabalho. Portanto, falar da mulher enquanto pertencente a um contexto histórico, sociocultural, é uma forma de sustentar e até mesmo justificar o porquê de muitos medos, angústias, expectativas, dificuldades e mudanças que envolvem a espera de um filho. Discutiremos sobre a maternidade na Europa e no Brasil, desde décadas atrás até os tempos mais atuais. Contextos diferentes, mas que retratam como a gravidez era vista e vivenciada ao longo do tempo em diferentes momentos e o quanto o momento histórico influenciava na decisão de ter filhos e na criação dos mesmos. Kehl (1998) ressalta que ao longo dos séculos a maternidade foi tomando proporções diversas de acordo com o que se passava no cenário socioeconômico. No século XVI estimulava-se a gravidez porque uma prole grande era uma promessa de renovação frente à peste negra que estava dizimando a população européia. Para a autora (1998), a cultura européia do século XVIII e XIX construiu uma abundância de discursos que tinham como objetivo geral promover uma perfeita adequação entre as mulheres e o conjunto de atributos e funções, predicados e restrições chamados feminilidade. Alguns desses atributos ditos femininos, entretanto, entravam de certa forma em choque com a nova condição materna. No lugar de mulher frágil, sentimental, carinhosa e frívola, a mãe deveria ser a firme guardiã da moral e dos bons costumes junto aos filhos. No Brasil, segundo D’Incao (2006), durante o século XIX, a sociedade sofreu uma série de transformações, como a consolidação do capitalismo, uma nova forma de vida urbana que oferecia outras alternativasde convivência social, a ascensão da burguesia juntamente com o surgimento de uma nova mentalidade, chamada burguesa, que acabaria reorganizando vivências familiares, domésticas, o tempo e as atividades femininas, além da sensibilidade e a forma de pensar o amor. Neste mesmo período, presenciamos o nascimento de uma nova mulher nas relações da chamada família burguesa, que até então não valorizava a intimidade e a maternidade. Vemos um lar marcado por um acolhedor ambiente familiar, filhos educados e esposa dedicada ao marido e às crianças e desobrigada de qualquer trabalho produtivo. O casamento entre famílias ricas e burguesas era usado como um degrau de ascensão social ou uma forma de manutenção do status. As mulheres ganhavam após o casamento uma nova função: contribuir para o projeto social de mobilidade familiar através de uma postura nos salões como anfitriãs e na vida cotidiana, como esposas modelos e boas mães. Os cuidados e a supervisão da mãe passam a ser muito valorizados nessa época, onde se reforça a idéia de que cabe à mãe a primeira educação dos filhos e não os deixem com outras pessoas ou sozinhos. (D’INCAO, 2006) A autora ressalta que, nesta época, a mulher de elite, a esposa e a mãe da família burguesa, então considerada base moral da sociedade, deveria adotar regras castas no encontro sexual com o esposo, guardar a castidade das filhas, constituir uma descendência saudável e cuidar do comportamento da prole. A maternidade, nesse período, começa a aparecer em romances, como em Os dois amores, de Joaquim Manoel de Macedo, escrito em 1848, em que o personagem Cândido, um bastardo, herói do romance, sofre a falta do amor materno. Mas ainda não aparece como o sonho principal da mulher. (D’INCAO, 2006) O ideal da maternidade dedicada, cultivado pela família burguesa, marca presença em publicações para mulheres, romances e obras de arte do final do século XIX e das primeiras décadas de XX. Para D’Incao (2006), a distribuição de papéis em Esaú e Jacó de Machado de Assis (1880-1908), revela a crescente santificação da mulher como mãe, através do sofrimento, enquanto todos os deveres do pai ficam direcionados em sustentar a família com seu ganho pelo trabalho. Ressalta uma mulher que é ao mesmo tempo fragilidade e fortaleza. Segundo Soihet (2006), durante a Belle Époque (1890-1920), com a plena instauração da ordem burguesa, a modernização e a higienização do país despontaram como lema dos grupos ascendentes, que se preocupavam em transformar suas capitais em metrópoles com hábitos civilizados. No momento em que o trabalho compulsório passava a ser trabalho livre, os hábitos populares se tornaram alvo de especial atenção e medidas foram tomadas para adequar homens e mulheres dos segmentos populares ao novo estado das coisas, fazendo-os adquirir valores e formas de comportamento que passavam pela rígida disciplinarização do espaço e do tempo de trabalho, estendendo-se às demais esferas da vida. Da família esperava-se organização e uma classe dirigente sólida, respeitosa das leis, costumes, regras e convenções. Das camadas populares esperava-se uma força de trabalho adequada e disciplinada. Às mulheres, recaía uma forte carga de pressões acerca do comportamento pessoal e familiar desejado. A implantação dos moldes da família burguesa entre os trabalhadores era encarada como essencial, visto que no regime capitalista que então se instaurava, com a supressão do escravismo, o custo de reprodução do trabalho era calculado considerando como certa a contribuição invisível, não remunerada, do trabalho doméstico das mulheres. Além disso, ressalta Soihet (2006), as concepções de honra e casamento, das mulheres pobres, eram consideradas perigosas à moralidade da nova sociedade que se formava. A medicina social da época assegurava como características femininas, por razões biológicas: a fragilidade, o recato, o predomínio das faculdades afetivas sobre as intelectuais, a subordinação da sexualidade à vocação maternal. O homem, em oposição, conjugava à sua força física uma natureza autoritária, empreendedora, racional e uma sexualidade sem freios. (SOIHET, 2006) As características atribuídas às mulheres eram suficientes para justificar que se exigisse delas uma atitude de submissão, um comportamento que não maculasse sua honra. Estavam impedidas do exercício da sexualidade antes de se casarem e, depois, deviam restringi-la ao âmbito desse casamento. Para Soihet (2006), no século XIX coadunava-se a proposta burguesa, referendada pelos médicos, sobre a divisão das esferas que destinava às mulheres o domínio da órbita privada e aos homens, o da pública. Embora as mulheres mais ricas fossem estimuladas a freqüentar as ruas em determinadas ocasiões sociais, como teatros, casas de chá, ou mesmo passeando nas avenidas, estas deveriam estar sempre acompanhadas. A rua simbolizava espaço de desvio, das tentações, devendo as mães pobres exercerem vigilância constante sobre suas filhas, nesses tempos de preocupação com a moralidade como indicação de progresso e civilização. Porém, essa exigência era praticamente impossível de ser cumprida pelas mulheres pobres que precisavam trabalhar e que para isso deveriam sair às ruas à procura de possibilidades de sobrevivência. Segundo Soihet (2006), apesar da existência de muitas semelhanças entre mulheres de classes sociais diferentes, as mulheres das camadas populares possuíam características próprias, padrões específicos, ligados principalmente às suas condições concretas de existência. Embora mantidas em posição subalterna, tais mulheres tinham uma grande participação no mundo do trabalho e, em grande parte, não se adaptavam às características dadas como universais ao sexo feminino: submissão, recato, delicadeza, fragilidade. Eram mulheres muito trabalhadoras, em sua maioria, não formalmente casadas, brigavam nas ruas, falavam palavrões, fugindo do estereótipo de mulher frágil. A liberdade sexual das mulheres pobres parece confirmar a idéia de que o controle intenso da sexualidade feminina estava vinculado ao regime de propriedade privada. A vida familiar destinava-se, especialmente, às mulheres das camadas mais elevadas da sociedade, para as quais se fomentavam as aspirações ao casamento e filhos, cabendo a elas desempenhar um papel tradicional. Às mulheres dos segmentos mais baixos, mestiças, negras e mesmo brancas, viviam menos protegidas e sujeitas à exploração sexual. Suas relações tendiam para um outro patamar de moralidade que, relacionado principalmente às dificuldades econômicas e de raça, contrapunha-se ao ideal de castidade. Tal comportamento, contudo, não chegava a transformar a maneira pela qual a cultura dominante encarava a questão da virgindade, nem a posição privilegiada do sexo oposto. (SOIHET, 2006). A assistência à gestante e a escolha ao tipo de parto foram ganhando importância ao longo dos séculos. Até o século XVII, a tarefa de dar a luz a um bebê era de total responsabilidade da mulher. As parteiras eram nomeadas pelos sacerdotes e pela assembléia de mulheres e, com sua experiência, auxiliava as mulheres a terem seus filhos. Utilizavam-se orações, receitas mágicas, unções, tudo para favorecer o parto e tornar menos dolorido e com um clima mais agradável. Entre os séculos XVI e XVII, surge a figura do cirurgião na assistência ao parto. O parto foi se tornando uma arte médica muito complexa, e começa a serem introduzidos os mais diversos instrumentos de auxílio. No final do século XVI já se utilizam do fórceps para extrair o bebê do ventre materno. Este instrumento salvou muitas vidas numa época em que a cesariana resultava em uma alta mortalidade materna. Ao final do século XVIII, este quadro já era mudado e a cesariana não resultava mais em óbito materno. (MALDONADO, 2002). Nos séculos XVII e XVIII questionava-se a existência do instinto materno,e podia-se encontrar a resposta a este questionamento no alto índice de mortalidade infantil. Assim, a indiferença materna era justificada porque se a mãe se ligasse muito ao bebê sofreria bastante. Já a partir de XVIII enfatizou-se a importância da presença da mãe na formação da criança, na sua educação e na sua formação religiosa. Com o declínio da mortalidade infantil começou-se a desenvolver o conceito de infância e o respeito pela criança e voltou-se a justificar a existência de um vínculo afetivo com o bebê. (ARIÈS, 1975). Para Freitas (2000) no final do século XVIII houve uma exaltação do amor materno nos discursos dos filósofos, dos médicos e dos políticos, sendo que Rousseau, em 1762, com a publicação de Emílio,lançou idéias fundamentais sobre famílias baseadas no amor materno, valorizando o vínculo afetivo entre mãe e filho. Segundo Maldonado (2002), no período Iluminista, o discurso médico sobre a maternidade segue carona nas idéias de Rousseau, principalmente nos trabalhos de Des Essartz, e começa-se a intimidar e culpar as jovens mães, considerando a recusa em amamentar e a tentativa de aborto como crime. No ensino médico, a obstetrícia surge como especialidade em 1806 e o estudo da anatomia da mulher acaba por justificar seu papel social de mãe. Essa definição de mulher fraca e sensível, vista por Rousseau em 1775, passa a predominar no século XIX, reforçando a imagem da mulher encerrada no lar. Virey, um discípulo de Roussel, reduz com clareza o papel da mulher à procriação. Segundo Ariès (1977), no século XIX, há um crescimento do culto à maternidade, ao mesmo tempo em que cresce o lugar da mãe e da criança na sociedade, e em um período de controle da natalidade. A mãe do século XVIII pode ser considerada, para Badinter (1985), a auxiliar dos médicos, pois ela é convocada a assumir o papel de preservar sua cria. O discurso médico conclama as mães a amamentarem seus filhos e não levá-los às amas-de-leite. O cuidado com a higiene das crianças era valorizado, como também a liberdade de movimentos para crescerem mais saudáveis e fortes. As mães devieram também assumir a transmissão de valores e conhecimentos para os filhos, garantindo a manutenção de uma sociedade sadia. No século XIX a mãe aparece como colaboradora dos religiosos e educadores. Badinter (1985) afirma que mesmo estando consciente da impossibilidade de atingir esse ideal, a maioria das mulheres compreendia o que lhes foi traçado. Mas, ao mesmo tempo em que o novo status da mãe permitiu que algumas mulheres vivenciassem a maternidade como algo valorizado e socialmente reconhecido, os discursos autoritários de como se deve ser uma boa mãe, por outro lado, criaram uma espécie de mal-estar inconsciente em outras, levando a questionamentos quanto ao papel de mãe e esposa. Viana (1999,) após um estudo sobre a obra de Balzac (1799-1850), buscou uma aproximação de tal obra com um debate contemporâneo sobre feminilidade. Aponta, primeiramente, para a multiplicidade de personagens femininas (reais e ficcionais) e seus muitos títulos sobre mulheres, ressaltando que [...]por meio das diferentes obras que integram A comédia humana, Balzac discutirá teses e temáticas que recolocam questões postas pelas reflexões contemporâneas referentes à feminilidade – o desejo e o erotismo, a emancipação feminina, a defesa da liberdade sexual, os impasses no casamento, a maternidade, o sofrimento psíquico, o poder feminino, a relação entre os gêneros, etc... (Viana, 1999, p.13) Balzac, através de seus personagens, levanta questões sobre o que seria cultural, histórico e “natural” na constituição da feminilidade. Segundo Viana (1999, p. 78) “isso se evidencia particularmente na discussão de dois aspectos da realidade da vida das mulheres que guardam referência a uma pretensa ‘ordem natural’ – a sexualidade e a maternidade.” Viana (1999) nos conduz a analisar o aspecto da maternidade através da personagem Renata, do romance Memórias de duas jovens esposas, de Balzac, apontando que é na imaginação que sua gravidez primeiramente toma corpo. Renata se questiona como a maternidade é um fato tão natural e transcendente na vida das mulheres, se nela mesma a angústia é pela ausência de sentimentos. Angústia por seu filho ser gerado não por amor, mas por dever social. O sentimento materno, para Balzac, é uma decorrência das contínuas e renovadas relações que se estabelecem entre a mãe e seu filho. Serrurier (1993) já nos mostra a maternidade em um outro olhar, o das mães más. Revela que sempre existiram mães más: as mães “filicidas” da mitologia, as bruxas e madrastas dos contos infantis, a realidade cotidiana dos jornais que mostram mães que sufocam seus bebês ou os abandonam em depósitos de lixo. Porém, esta autora procurou ressaltar as mães más enquanto mães comuns, mulheres culpadas por não ser uma mãe “suficientemente boa”, mães depressivas, excessivas, ou seja, mães que se debatem com sua maternidade. Como podemos perceber no discurso desta gestante: “Nunca pensei em ter filhos. Nunca fiz o tipo mãe, sabe. Nem dos meus sobrinhos eu gostava de cuidar. Aconteceu por descuido mesmo, definitivamente, estava totalmente fora dos meus planos uma coisa assim. (...) Ainda não me acostumei muito com a idéia, nem sei se vou me acostumar. Penso que se eu não acostumar eu dou ela pra minha irmã cuidar, porque eu falei pra ela que queria abortar e ela disse que se eu não quisesse, ela ficava com a neném”. (A. C. F. M.) No século XX, a mulher assume também a função de cuidar do inconsciente e da educação emocional dos filhos. Segundo Chodorow (1990), a psicologia e a sociologia pós- freudianas acentuaram a importância decisiva do relacionamento mãe-filho para o desenvolvimento da criança, e desta forma, ofereceram novos argumentos em favor da idealização e reforço do papel maternal das mulheres. A famosa observação freudiana de que a mulher era um continente inexplorado, e a muito citada frase “o que quer uma mulher?” marcam o encontro entre psicanálise e feminilidade. Segundo Néri (2002, p.13) “o feminino, ao se apresentar como outro, vem desconstruir o universal, conjugado durante séculos no masculino, instalando a questão da diferença sexual no cerne da psicanálise”. Freud (1925/1996), em seu trabalho Algumas conseqüências psicológicas da diferença anatômica entre os sexos, abandona sua forma de tratar o desenvolvimento sexual dos meninos e meninas (como seguindo uma evolução paralela), e trata pela primeira vez a diferença existente na história psicossexual do menino e da menina, nas situações edípicas e pré-edípicas. Posteriormente, em Análise terminável e interminável (1937/1996), Freud consolidou um novo estatuto da idéia de feminilidade, transformando-a em um conceito teórico que propôs repensar a problemática da castração para ambos os sexos. A feminilidade, portanto, passa a ser vista como uma característica comum a homens e mulheres. A idéia de maternagem que gostaríamos de trazer para esta discussão, vai de encontro a esta afirmativa freudiana. Maternagem, pensada como função materna, de cuidado e proteção, funções femininas, mas que podem ser exercidas tanto por mulheres, quanto por homens. No Vocabulário da psicanálise de Laplanche e Pontalis (2000, p.276) encontramos Maternagem definido como “Técnica de psicoterapia das psicoses, e particularmente da esquizofrenia, que procura estabelecer entre o terapeuta e o paciente, de um modo ao mesmo tempo simbólico e real, uma relação análoga à que existiria entre uma ‘boa mãe’ e seu filho”. Winter e Duvidovich (2004) nos mostram uma visão de maternagem mais ampla. Após um contato prolongado que tiveram com o serviço de saúde inglês, puderam perceber que o modelo de saúde brasileiro se mostrava “um modelo de doença”, sendo a prevenção ineficaz e às vezes completamente ausente. A proposta detais autores, então, foi de introduzir no âmbito da prevenção em saúde, a contribuição da dimensão psíquica e subjetiva encontrada na psicanálise, a fim de posicionar o homem de uma outra forma dentro dos fenômenos humanos. O termo maternagem é utilizado, segundo Winter e Duvidovich (2004), para uma forma preventiva em saúde quando nos defrontamos com situações em que haja manifestações da presença regredida ou estabilizada das relações estabelecidas entre o indivíduo com ele próprio ou dos indivíduos com o coletivo. Nas situações mais frágeis torna-se necessário o uso de uma terapêutica e uma intervenção que possa, pelas características da função materna, se aproximar mais em termos de vínculo e possibilitar um empréstimo de recursos afetivos, simbólicos, demandantes, que nesse momento, o indivíduo não possui. Trabalhar com função materna é operar na compreensão da situação, na observação dos componentes frágeis e dolorosos, não tentando modificá-los, mas integrá-los à realidade do sujeito, como faria uma boa mãe ao seu filho. Para Winnicott (1975), maternagem é a forma de uma mãe cuidar de seu bebê de maneira boa e protetora. São os bons cuidados que incluem o amparo às necessidades fisiológicas e todo investimento de amor, de desejo e de aconchego. Através da maternagem a mãe passa a seu bebê os limites e a proteção, dando possibilidades a ele de sobrevivência com o mínimo possível de desconforto frente ao ambiente fora do útero que pode ser muito hostil, se consideramos as agressões desconhecidas. Na psicanálise, por meio do desenvolvimento psíquico do bebê, há uma extensa explicação sobre a dinâmica do desejo e como se processa o investimento no mundo interno e externo formando um eixo narcísico, que é um suporte de identificação capaz de permanecer investido libidinalmente, mesmo diante de frustrações. Este eixo inicia no exterior (libido materna), volta para o interior, possibilitando a autopercepção e, em um momento mais evoluído do psiquismo, retorna ao ambiente (WINTER; DUVIDOVICH, 2004). Lacan (1998) chama de função o que é atribuído a um ser humano que interage com uma criança. Então, função materna seria aquela que implica em proteção, cuidados com a amamentação, alimentação, higiene, tudo o que se refere aos cuidados com a sobrevivência. Essa função materna pode ser exercida por outro que não seja a mãe, mas as características são sempre de ser como uma mãe nesse sentido de manter o filho cuidado, protegido e amado. Com a função materna e a maternagem dentro dessa relação assimétrica, o destino do ser humano continua sua saga, a de se tornar um ser da subjetividade, da fantasia, do desejo. Se por um lado a mãe só pode maternar enfrentando desejos, pensamentos e significados, por outro, o bebê vai se afastando do determinismo fisiológico, da vida instintiva e vai caminhando para uma posição subjetiva, em que o prazer nessa relação singular vai impregnando toda a satisfação da necessidade. Neste sentido, a utilização da função materna vem para amparar o ser humano de uma forma muito característica e subjetiva. No contexto das mulheres grávidas, onde há uma regressão psíquica natural que favorece muitas vezes o campo das desorganizações, percebemos a necessidade de ampliar essa compreensão específica de atuar para tais situações de saúde, como ressalta Winter e Duvidovich (2004). Utilizar os princípios de maternagem, segundo essa concepção, seria estabelecer com a situação ou com o paciente um lugar de funcionamento mais primitivo, lugar de mãe para poder disparar esses operadores de continente, de proteção. O conceito de maternagem se desloca para uma condição terapêutica e profilática, porque assim se mostram esses trabalhos e as prevenções satisfatórias em se tratando de saúde. 1.2. Desejo materno, Luto e Transitoriedade A maternidade é algo construído internamente antes mesmo da concepção e está intimamente ligada ao social. Ao longo dos séculos o que se vê é uma mulher voltada para o lar e para os cuidados com os filhos e o marido. Ainda hoje, mesmo com toda a revolução feminina, a mulher, apesar de ter conquistado um importante lugar no mercado de trabalho, o lugar de trabalhadora passou apenas a ser mais uma de suas funções na sociedade, a de mãe e mulher não ficou pra trás, mas ao lado. Diante de tal função social, muitas mulheres se vêem hoje com um dilema, ser ou não ser mãe. O século em que estamos vivendo é um século de diferentes mulheres, pois com o passar das décadas e com a crescente liberação feminista, hoje podemos encontrar não só mulheres donas de casa e mãe, mas também mulheres donas de casa, mãe e bem sucedidas profissionalmente, ou mulheres bem sucedidas profissionalmente, independentes e solteiras, ou mulheres bem sucedidas profissionalmente, casadas e com a decisão de não ter filhos, ou mulheres independentes e mães solteiras, e inúmeras outras mulheres. Encontramos também uma divergência grande entre mulheres de diferentes classes sociais. O que se vê nas famílias atuais é que as mulheres de melhor condição financeira têm cada vez menos filhos, diferentemente de suas avós, e as de baixa renda têm um número grande de filhos, como era de costume a décadas atrás. Pensando nessas diferentes formas de viver da mulher, seria pertinente pensar no desejo e no não desejo materno. Afinal, ser mãe pode ser “uma benção divina” para umas, mas “um castigo de Deus” para outras. Ou ainda, ser uma mistura de sensações, uma balança entre o querer e o não querer, um sentimento ambivalente. Segundo Maldonado (2002), quando consideramos mais a sério a complexidade dos sentimentos em relação ao filho que está sendo gestado, torna-se mais fácil entrar em contato com a ambivalência, o misto de aceitação e não aceitação, de alegria e de temor. Esta ambivalência é vivida mesmo quando desejamos a vinda de um filho, onde se vive um misto de alegria e apreensão. Segundo Sales (2000), se acompanharmos os desdobramentos da obra de Freud a respeito da construção da vida psicossexual da menina veremos que existe uma diferença temporal entre o desejar ser mãe e o desejo de ter um filho. Esses desejos são construídos ao longo de um processo inconsciente no qual a menina vai montando uma identidade psicossexual. A gravidez, às vezes, pode acontecer em uma época favorável da vida do casal, em que o desejo de ter, acolher e criar o filho, é predominante sobre o medo de assumir esse compromisso e as mudanças de vida que isso acarreta. Outras vezes, por motivos diversos, como dificuldade financeira, ter um outro filho muito pequeno, falta de apoio do companheiro, e outros motivos, como a própria decisão de não ter filhos, predomina o não desejo materno. Apesar de cada dia surgir mais novos e diversos métodos anticoncepcionais, a incidência de gestações não planejadas é muito alta, não tanto por falha nos métodos, mas por seu uso incorreto. E embora o aborto seja ilegal e uma prática considerada criminosa, em muitos países, os números de interrupção voluntária da gravidez atingem a cifra de milhões por ano. Na maioria das vezes, decidir entre um aborto ou ter um filho indesejado torna-se complicado, nessa guerra entre medo e desejo (MALDONADO, 2002). Cada mulher passa pela dúvida da gravidez ou não gravidez de maneiras diferentes. Há aquelas que não pensam muito, nem entram em muitos conflitos nem em dúvida, decidem interromper a gravidez e sabem que esta é a melhor decisão e por isso nem sentem culpa. Outras ponderam entre prós e contras e acabam tomando a decisão de abortar com pesar e tristeza, mas pensando que infelizmente é a melhor opção. Ainda há aquelas mulheres que passam por um grande dilema, possuem muita dificuldade de chegar a uma decisão. Nestas predomina a culpa e, mesmo decidindo interromper a gravidez, a probabilidade de um arrependimento é grande. E há mulheres quenem gostam de ouvir a palavra aborto e que decidem ter o filho a qualquer custo, mesmo com todas as dificuldades, e estas percebem, na maioria das vezes, que as dificuldades enfrentadas são menos terríveis do que as fantasias que criamos diante das dificuldades. Desejar um filho é um sentimento que está impregnado de diferentes e diversos outros sentimentos. Segundo Maldonado (2002), um filho pode significar um desejo de perpetuação das raízes e do sobrenome familiar, uma oportunidade de enriquecer e dar novos significados à vida do casal, ou num caso oposto, significar um rompimento conjugal, principalmente quando ele vem na tentativa de solidificar um vínculo que estava frágil. Outras pessoas podem desejar um filho pensando que ele possa preencher um vazio, para lhes fazer companhia, ou para que num futuro este filho seja alguém que possa cuidar deles. Freud (1933[1932]) nos ensina que a relação da menina com sua mãe se apresenta de acordo com as características de cada fase da sexualidade, expressando-se através de desejos orais, sádico-anais e fálicos. Esses desejos podem assumir uma forma ativa ou passiva e possuem um caráter ambivalente, ora apresentando-se como carinho, ora como agressão. Na fase pré-edipiana da ligação com a mãe, a menina, ao mesmo tempo em que estava identificada com a mãe, tomava-a como objeto sexual. Esse desejo demonstra a vontade de ser como a mãe e passar da posição de quem só recebe cuidados para o lugar daquela que os oferece. A brincadeira com a boneca, é exemplar desse momento. O que está em jogo é a construção de um modelo de identificação: ser como minha mãe. A maternidade é um momento em que a mulher, a partir do seu lugar de filha, através de seus processos identificatórios, inicia a construção da mãe que ela gostaria de vir a ser. Como afirma Freud (1933[1932], p. 163), “Sob a influência da transformação da mulher em mãe, pode ser revivida uma identificação com a própria mãe, contra a qual ela vinha batalhando até a época do casamento, e isto é capaz de atrair para si a libido disponível”. As expectativas depositadas na chegada de um filho são enormes e diversas, tanto em relação a este filho que está por vir, como nos ideais que nós mesmos fazemos de nós como pais e mães. Além das expectativas existem também o medo das mudanças. Medo de perder a beleza do corpo e acabar sendo rejeitada como mulher, medo de não ser uma boa mãe, de não gostar de crianças, de repetir com seu filho características de seus pais que julgava inadequada. O medo de mudanças está presente, mas tais transformações são inevitáveis na espera de um bebê. É necessário transpor estas barreiras como fazemos ao elaborar um luto pela perda de alguém. Na língua portuguesa, a palavra luto recebe várias acepções, a saber: Luto. [Do lat. Luctu] s. m. 1. Sentimento de pesar ou dor pela morte de alguém. 2. os sinais exteriores de tal sentimento, em especial traje, preto quase sempre, que se usa quando está de luto: “Minha mãe chorava, cosendo o luto, entre duas visitas de pêsames.” (Machado de Assis, Relíquias da Casa Velha, p. 95) 3. O tempo durante o qual se usa luto (2) 4. Tristeza profunda; consternação, dó (...) 5. Fig. A morte. (BUARQUE DE HOLANDA FERREIRA, 1986, p. 1054) Quando falamos de luto, são exatamente essas acepções que vêm à nossa cabeça, perda de um ente querido, choro, roupa preta, tristeza profunda pela perda de alguém e que pode se manter durante um longo período de tempo. O que propomos aqui, através da teoria psicanalítica, é entendermos o luto como um processo decorrente de uma perda ou de uma mudança que seja significativa na vida da pessoa e que necessite de grande envolvimento emocional para transpor para uma nova etapa, sem deixar de lado os sentimentos que envolvem a etapa anterior. Assim como na perda de um ente querido, onde é necessário que luto seja bem elaborado, mas isso não significa o esquecimento desta pessoa, a dor e a saudade sempre estarão presentes. Freud (1916 [1915]/1996), em seu artigo Sobre a transitoriedade, revela que nós possuímos certa capacidade de amor, denominada libido, que nas etapas iniciais do desenvolvimento é dirigido para o próprio ego. Num momento posterior, essa libido é desviada do ego para os objetos. Nesse sentido, se os objetos forem destruídos ou se ficarem perdidos para nós, nossa libido será mais uma vez liberada e poderá, então, ou ser direcionada a outros objetos ou retornar temporariamente ao ego. Para ele, o motivo pelo qual esse desligamento da libido de seus objetos se constitui em um processo tão penoso permanece como mistério. Apenas podemos ver que a libido se apega aos seus objetos e não renuncia àqueles que se perderam. Relata, então, ser essa uma definição de luto. Segundo Laplanche e Pontalis (2000), o trabalho de luto é um processo intrapsíquico consecutivo à perda de um objeto de afeição, e pelo qual o sujeito consegue progressivamente desapegar-se dele. Para Freitas (2000), o conceito de luto normal implica em um processo dinâmico e complexo que envolve a personalidade do indivíduo. No luto dito normal, há um sofrimento provocado pela perda do objeto e, consequentemente, há perda de partes do ego projetadas neste. Há um enorme esforço psíquico, que implica recuperar as ligações com a realidade, o desligamento dos aspectos persecutórios do objeto perdido e a assimilação dos objetos positivos e bons. Em Luto e Melancolia, Freud (1917 [1915]/1996, p.249) traz a definição de luto como “O luto, de modo geral, é a reação à perda de um ente querido, à perda de alguma abstração que ocupou o lugar de um ente querido, como o país, a liberdade, o ideal de alguém, e assim por diante”. Temos então a idéia do luto visto como perda de objeto de investimento pulsional que não é necessariamente um outro ser humano. Para falarmos do luto como perda de objeto, temos que levar em consideração a noção de objeto na psicanálise. Desta forma, podemos tomar duas das acepções de Laplanche e Pontalis (2000, p. 321) para esta noção de objeto. A) Enquanto correlativo da pulsão, ele é aquilo em que e por que esta procura atingir a sua meta, isto é, um certo tipo de satisfação. Pode tratar-se de uma pessoa ou de um objeto parcial, de um objeto real ou um objeto fantasístico. B) Enquanto correlativo do amor (ou do ódio), trata-se então da relação da pessoa total, ou da instância do ego, como um objeto visado também como totalidade (pessoa, entidade, ideal, etc.) (o adjetivo correspondente seria ‘objetal’). Diferentes lutos são vivenciados ao longo da vida, no decorrer do desenvolvimento, exatamente porque no decorrer de nossa vida nos deparamos com diversas perdas de diferentes objetos libidinais. Ao nos depararmos com as mais diferentes perdas: materiais, financeiras, físicas, profissionais, de posição social e de identidade, entre outras, nos vemos a frente de um processo de luto. Desde o início da vida do bebê, ele se depara o tempo todo com frustrações e gratificações. O fim da amamentação é um luto que deve ser vivenciado tanto pelo bebê quanto pela mãe. Assim como o nascimento dos dentes do bebê, ou ter que separar-se da mãe que precisa trabalhar, ficando com uma pessoa estranha. Cada etapa é sofrida de forma angustiante exatamente por se tratar de uma perda significativa e que necessita de um processo para elaborá-la. Durante a vida, sempre nos deparamos com passagens para uma outra etapa que, de certa forma, está sempre ligada à etapa anterior por uma afetividade. O casamento, por exemplo, pode ser um misto de alegria pela nova vida e tristeza pela vida anterior, sair da casa dos pais, ser responsável por todas as despesas de uma casa, preocupar-se com questões que antes não faziam parte de seu cotidiano. A adolescência, para muitos, é vivida como um período marcante por esta questão da transitoriedade. Segundo Coll,Palacios e Marchesi (1995), a adolescência é definida erradamente como a fase de transição entre a infância e a vida adulta, como se fosse um período preparatório. Mas, este período está longe de ser um intervalo temporal entre duas idades, da mesma forma que todos esses lutos vivenciados ao longo da vida não podem ser vistos desta forma, mas como uma transitoriedade, um processo dinâmico e complexo. Essa transitoriedade é muito marcante na adolescência por ser, segundo Coll, Palacios e Marchesi (1995) um processo de ativa desconstrução de um passado pessoal, em parte tomado e mantido e, em parte, abandonado e definitivamente preterido. Além de ser projeto e construção do futuro, recapitulação e preparação, construção da própria identidade, sexualidade, valores. Peter Blos (apud, CHODOROW, 2002), em seu clássico estudo sobre a adolescência, afirma que a principal questão na entrada da adolescência e na adolescência é o abandono objetal e o encontro objetal. Afirmação que nos remete exatamente à transitoriedade descrita por Coll, Palacios e Marchesi. Assim como a adolescência, o momento da gestação de uma criança também é bastante marcado pela transitoriedade. A gravidez é uma transição que faz parte do processo natural de desenvolvimento, mas que envolve a necessidade de reestruturação e ajustamento em várias dimensões. Num primeiro momento, verifica-se a mudança de identidade e uma nova definição de papéis, pois a mulher passa a se olhar e a ser olhada de uma maneira diferente. Se num momento é vista como filha e mulher, agora também é vista como mãe. Aragão (2004) afirma que é preciso considerar a hipótese de que uma perda (ou uma alteração) de referenciais internos provoca a sensação de perda de referenciais externos. São as perdas de pilares de sustentação egóicos os responsáveis por esta aparente desorganização externa. E completa que, na gravidez, também há uma alteração fundamental na referência de si mesma: a alteração corporal, induzindo uma mudança na imagem do corpo e afetando a representação narcísica da mulher. Klein (1996) discute a dinâmica da regressão materna e as identificações e interações que ela ocasiona. Fala das múltiplas identificações da mãe e da variedade de relacionamentos objetais internos que integram a sua formação maternal. Uma mãe se identifica com a própria mãe, ou ainda com a mãe que ela desejava ter, e tenta fornecer cuidados maternos ao filho. A maternidade, segundo essa autora, pode ser um empenho de reparação (fantasiosa) dos males que a mãe da mãe cometeu (também fantasiosamente) aos filhos (seus rivais). Por outro lado, pode ser um modo de voltar à sua mãe por males que ela lhe causou. Chodorow (2002) afirma que a teoria psicanalítica define um relacionamento entre a mãe e seu bebê de determinada qualidade e argumenta que as fundações para a participação da mãe nesse relacionamento foram lançadas em seu relacionamento com a própria mãe. Podemos perceber, no atendimento das gestantes, que a mãe influencia em vários momentos da gravidez da mulher, não só no seu modelo parental, mas nas decisões que tomará no decorrer da gravidez, como o tipo de parto que vai ter. Como podemos ver na fala dessa paciente: “Eu não tenho medo do parto, minha mãe já me explicou tudo, ela teve parto normal e foi tudo tranqüilo, dói só na hora, a cesariana fica doendo um tempão depois, vou ter parto normal mesmo”. (M.G.S) Para Aragão (2004), tanto quanto seu bebê, a mãe precisa do tempo da gestação para, no seu tempo psíquico, constituir-se como mãe. Esse período seria necessário para que se possa esboçar a criação de um espaço psíquico materno constitutivo de um suporte no qual o bebê possa advir como um ser subjetivado, e não somente como um ser biológico. Assim como no bebê, onde corpo e psique são indissociáveis, Aragão (2004) propõe pensarmos as experiências corporais da mãe, mudanças físicas, como indissociáveis das mudanças psíquicas. Desta forma, pode-se concluir que a gravidez inaugura a experiência de um encontro íntimo da mulher consigo mesmo, pois permite a emergência de conteúdos psíquicos recalcados, relativos a experiências e fantasias infantis. As várias mudanças que ocorrem durante a espera de um filho, tanto psicológicas, bioquímicas, quando socioeconômicas, podem acarretar transformações muito significativas na vida da mulher. “Nenhumas das minhas gestações foi planejada. Todas as vezes que engravidei foi um susto. Fico feliz porque sempre quis ter muitos filhos, mas ao mesmo tempo preocupada porque a situação financeira aperta”, diz A.D.R. A ambivalência afetiva, o desejar e o não desejar o bebê vai estar sempre em oscilação durante a gravidez, pois mesmo nas gestações em que há o predomínio da aceitação ou da rejeição, o sentimento oposto nunca está completamente ausente. Esse sentimento é muito natural e permeia todas as relações interpessoais significativas, onde o amor e o ódio caminham juntos e oscilam da mesma forma que na gravidez. “Quando soube que estava grávida só veio uma coisa na minha cabeça: medo. Na minha primeira gravidez era pra mim ter parto normal, passei quatro dias sentindo dor e acabei tendo cesárea. Tenho medo de injeção, de anestesia. Quando soube que estava grávida, apesar de gostar da idéia de ter outro filho, só pensava no medo por passar isso tudo de novo”. (E. P. G) “Minha gravidez não foi planejada, eu não queria engravidar. Fiquei muito nervosa quando soube, queria tirar, queria morrer. Até hoje (7 meses de gravidez) ainda fico nervosa, às vezes fico mais conformada outras não”. (G. M. T. de S.) A balança do querer e do não querer existe envolvida em uma outra balança, as perdas e os ganhos que uma gravidez provoca em nossa vida, já que uma gravidez significa grandes mudanças interpessoais, intrapsíquicas, físicas, e muitas outras que já justificam a existência desses sentimentos opostos. “Sempre quis ficar grávida. Teve uma época que eu queria muito e não acontecia. Agora tinha parado pra pensar e achava que não era hora, mas aí aconteceu. Mas quando eu soube fiquei muito feliz, chorei de alegria”. (P.L. da S.) As oscilações de humor e o aumento da sensibilidade e da irritabilidade, intimamente ligados a essas oscilações, são fatores importantes a serem observados durante a gravidez. As mudanças físicas estão diretamente ligadas com as mudanças psíquicas, já que as alterações corporais e hormonais interferem bastante no humor, na aceitação da gravidez, dentre outros aspectos. “Com a gravidez tenho dormido pouco, tenho muita insônia, estou chorando muito, fico nervosa por qualquer motivo, por qualquer coisa já estou fazendo um estrondo. E como fico muito nervosa acabo ficando com medo do meu bebê nascer nervoso, porque eu sei que ele sente”. (E. S. V.) “Quando estou grávida fico mais nervosa e sem paciência, brigo com meu marido o tempo todo”. (O. F. D.) As transformações da mulher durante a gravidez, as náuseas e vômitos, a hipersonia, os desejos e aversões, o aumento de apetite, o aumento da sensibilidade e, consequentemente, de irritabilidade, são mudanças tão bruscas para a mulher, que segundo Maldonado (2002), citando Colman (1969), se o processo transitório não é bem percorrido, pode acarretar em sintomas psiquiátricos transitórios, tais como compulsões, ruminações obsessivas e fobias. Segundo Aragão (2004), no trabalho do psiquismo materno, que busca transformar o estranho em familiar, é necessário que a mãe construa antecipadamente o eu do bebê, na espera desse encontro “imprevisível e eventualmente perturbador”. 1.3. Criação do espaço psíquico para o bebê O início da gravidez, de acordo com Aragão (2004), pode ser marcado pela expectativa imaginária de ter seu corpo ocupado ou até mesmo invadido por um ser que, apesar de desejado, é percebido como estranho. Já no final da gestação, atravésde transformações sutis, porém fundamentais, aparece a possibilidade de construir para o bebê um espaço dentro de si e dentro de sua vida. Num primeiro momento, o bebê pode ser percebido como um invasor, mas por outro lado, o tempo cronológico da gravidez é necessário para a elaboração do bebê como tal, num processo de percepção do feto como um “outro”. Mathelin (1999) ressalta que esse tempo de elaboração é indispensável, pois permite à criança tomar corpo não só no ventre materno, mas também em seu fantasma. Durante o período de gestação, a criança está ao mesmo tempo presente no interior do corpo da mãe e em seus pensamentos conscientes e inconscientes. Porém, como afirma Aragão (2004), está ausente das “interações fantasmáticas”, nas quais o que está em jogo são os conteúdos psíquicos da mãe em torno desse objeto ainda eminentemente narcísico, que existe sem existir. A sensação do bebê dentro da barriga é vivenciada de maneira muito diferente nas mulheres, independente da aceitação ou não aceitação da gravidez. Como se pode perceber nestas três falas de diferentes pacientes: “Acho bom quando o bebê mexe na minha barriga, porque assim sei que ele está bem.” (R. S. D.) “Sinto o bebê mexer desde o terceiro mês, ele mexe bastante. Já acostumei tanto que não faz nem diferença se ele mexe ou não.” (S. C. S.) “Quando minha barriga mexe chego a ficar revoltada e entro em prantos, porque me lembra que estou grávida”. (L. A. S.) Segundo Aragão (2004), a mudança que muitas vezes ocorre a partir da percepção pela mãe dos movimentos do feto parece ser fundamental para modificar a fantasia do estrangeiro. A definição do sexo do bebê também é de grande importância para dar-lhe uma identidade, e assim uma configuração no imaginário materno. “Não esperava engravidar mais. Atrasei uma semana para tomar a injeção. Fiquei nervosa quando soube da gravidez, fiquei revoltada, não aceitava nem as pessoas tocarem no assunto da gravidez. Só fiquei mais conformada quando soube que era menina, como eu queria”. (M. P. S.) A produção onírica e associativa deste período da vida da mulher pode revelar o radical remanejamento psíquico que se dá na mulher durante o tempo da espera de um filho (ARAGÃO, 2004). Nas duas falas abaixo do relato de uma gestante (J. M. M. P.) sobre o dia em que ficou sabendo que estava grávida e um sonho posterior, podemos perceber uma tentativa, através do sonho, de aceitação de um bebê que não estava sendo esperado, um misto de rejeição e aceitação: “Eu estava operada, havia feito ligadura, como eu achava que não podia mais ter filhos nem imaginava que era gravidez. Fui descobrir eu já estava no quarto mês. Antes eu achava que estava doente. No dia em que eu soube que era gravidez eu estava sozinha, fiquei desesperada, passei em uma rua sem nem olhar para os lados para ver se um carro me pegava, porque eu não sabia o que fazer”. “Sonhei várias vezes com bebê depois que engravidei. Uma vez sonhei que o bebê tinha os dentes todos estragados. Outra vez que era um menino lindo, muito lindo. Uma vez tive a impressão, acordada, de que o bebê estava chorando dentro da minha barriga”. Para Aragão (2004), nessa criação imaginária do bebê pela mãe, é possível levar em conta as modificações fundamentais que precisam se dar em seu narcisismo, de modo a permitir a criação do espaço, não só em seu corpo, mas também em seu psiquismo. Desta forma, podemos pensar a gravidez como um estado que produz uma alteração radical dos referenciais, já materializados pelas mudanças corporais, mas também pela mudança de lugar na cadeia de filiação, da passagem do lugar de filha para o lugar de mãe. O início das crianças se dá quando elas são concebidas mentalmente. É um fato que se manifesta no brincar de muitas crianças de qualquer idade, após os dois anos. Faz parte do material de que se constituem os sonhos e muitas ocupações. Após o casamento, há um período em que a idéia dos filhos começa a se formar. É desnecessário dizer que o ato de desejar crianças não é, por si só, capaz de produzi-las. (WINNICOTT, 1999, p. 43) Para Aragão (2004, pp. 98-99), toda essa modificação supõe que o ser da mulher possa aceitar englobar um outro ser. Essa é uma dinâmica ambivalente que ocorre da mãe para o bebê, onde: [...]parece haver uma oscilação entre um “narcisismo englobante”, correspondente à experiência de plenitude (em que a mulher se vive completa com seu bebê no ventre, de tal modo que o bebê está incluído em seu próprio narcisismo) e em contraponto um “narcisismo excludente”, quando ela se percebe invadida por um outro, estrangeiro dentro de si, de quem irá se livrar no parto. O jogo entre a inclusão e a exclusão do bebê no espaço psíquico da mãe poderá ser um dos eixos de determinação do investimento dessa criança e do modo como se processarão as passagens dos conteúdos maternos para o psiquismo incipiente do bebê. Aulagnier fala da construção de um eu antecipado e afirma que para que se dê a passagem do corpo somático (sensorial) para o corpo relacional, é preciso uma “historicização” da vida somática. Assim “uma primeira versão construída e aguardada na psique maternal acolhe esse corpo para unir-se a ele” e este “eu antecipado” insere a criança num sistema de parentesco onde sua imagem corporal porta em si a marca de um desejo materno. A mãe, neste sentido, precisa organizar e modificar seu próprio espaço psíquico de maneira a corresponder às exigências da psique e do infans. (ARAGÃO, 2004). Para Dutra (2004), se afirmarmos que a fantasia parental se transpõe passo a passo para o bebê, teríamos que considerar o Édipo da criança como uma simples reedição do Édipo parental, tendo que situar a questão da origem do inconsciente como algo estabelecido a priori, como uma herança inexorável. No entanto, saber que o bebê da fantasmática parental, tecido pelo desejo e pelo imaginário dos pais, determina a existência do bebê real e que um bebê se constitui enquanto tal através do desejo, da imaginarização de seus pais, das marcas que o outro imprime em seu corpo e em seu psiquismo, não significa que o bebê real coincidirá com o bebê da fantasmática. Dutra (2004, p. 114) ressalta que as impressões serão deixadas no bebê, mas há uma distinção que é necessária ser estabelecida desde o início: “quando a questão do bebê se detém nos limites do imaginário parental ou quando o exercício da função materna e paterna se faz sentir como sinal de desorganização psíquica no bebê”. Golse afirma que até os anos 50, os profissionais falavam do bebê como um ser muito passivo, recebendo tudo de seu ambiente. Foi apenas na segunda parte do século XX, através de uma mudança radical de paradigma em grande parte ligado aos sofrimentos suportados pelos bebês durante a Segunda Guerra Mundial, que os profissionais começaram a falar não mais do lactente, mas do bebê. (DUTRA, 2004) Bion chamou essa transição de “mudança de vértice”. Os adultos, movidos pela culpa de terem feito os bebês sofrerem um conjunto de sofrimentos inimagináveis, deram a eles então oficialmente o direito à vida psíquica. Segundo Celes (2004), o psíquico, enquanto inconsciente, é um “suposto” para explicar as falhas da consciência ou diversas ordens de fenômenos que aparecem na prática psicanalítica e que não seriam compreensíveis tendo-se por base a consciência (cf. FREUD, 1915). Este autor afirma que o psíquico diz da própria subjetividade que vai dos desejos inconscientes à identificação de si, e desta forma, reforça a idéia de que o “nascimento psíquico” corresponderia ao nascimento humano. Costuma-se dizer que originalmente um bebê é humano quando alguém o reconhece como tal. Talvez se possa entender assim o “mínimo” psíquico, a condição decisiva para que se estabeleça o nascimento psíquico. Mas cabe perguntar que reconhecimento é esse –portanto, que processo se está abreviando sob o termo “reconhecimento” e quais seriam os elementos ou os fatores envolvidos nesse reconhecimento: o bebê e o “alguém” que o reconhece. (Celes, 2004, p.43) Para Celes (2004), este reconhecimento está vinculado ao processo de presença, presença do outro, no caso, presença materna. Esta mãe reconhece as necessidades do bebê, cria meios de trânsito da pulsão e a faz transitar. O mínimo psíquico, que aparece como traços mnemônicos da experiência de satisfação, traz a marca dessa presença do outro, que vai então constituir o nascimento psíquico. Queiroz (2005) afirma que ao se falar de ser humano, não podemos jamais falar de pura necessidade, já que toda percepção e toda sensação deixam marcas, que se constituem como significantes e que depois serão significados. Ressalta que, dessa forma, o que faria a diferença entre comportamentos que são considerados reflexos no ser humano e os reflexos nos animais e plantas seria a presença do significante. O que sabemos sobre as capacidades sensoriais e perceptivas do feto, segundo Queiroz (2005), é que as estruturas dos órgãos dos sentidos se instalam numa ordem determinada, as percepções relativas a cada sistema dependem de estruturas geneticamente determinadas e a maturação destes depende de certa estimulação e interação com o meio. A manutenção da atividade também é considerada indispensável para a manutenção da estrutura em bom estado e depende fundamentalmente das interações da mãe com seu bebê. Segundo Queiroz (2005), podemos afirmar que efeitos catastróficos podem ocorrer pela falta de comunicação entre a mãe e seu filho durante a gestação ou nos primeiros dias de vida, o que reforça a idéia de marca do significante e reafirma a diferença fundamental entre humanos, animais e plantas. A investigação analítica, de acordo com esta autora (2005), até bem recentemente, ignorava quase tudo na vida fetal, tudo parecia começar do nascimento. Mas os conhecimentos atuais sobre o feto sugerem que a vida psíquica fetal se parece em vários pontos com a vida psíquica do recém nascido. E se o próprio Freud já tinha dito que há uma continuidade entre a vida intre-uterina e os primeiros meses de existência, podemos talvez adiantar que, da mesma maneira como acontece com o recém nascido, excitações chegariam ao feto como quantidade e retornaria como qualidade, passando pelos órgãos sensoriais que, segundo Freud, desempenham o papel de para-excitação. Esses órgãos sensoriais estão aqui certamente numa continuidade com os órgãos sensoriais da mãe. (QUEIROZ, 2005, p. 38) Para Queiroz (2005), o desejo está implicado no sujeito. Partimos do princípio de que o sujeito pode então ser assimilado ao desejo, ele não poderia ser outro senão o do desejo. Este sujeito não é apenas sistema percepção/consciência e comportamentos motores, mas essas capacidades e atividades se constituem como significantes e podem ser consideradas manifestações subjetivas, como expressão do desejo, correlacionadas desde a idade precoce com o desejo da mãe. Ressalta ainda que, para Dolto, existe um sujeito desde a fecundação, que se manifesta por desejos. Assim, sua própria vida e o nascimento já seriam uma escolha subjetiva. Crespin (2004) ressalta que nas últimas décadas aumentaram-se os estudos sobre a vida intra-uterina e já é prática comum reconhecer que o estado emocional da mãe tem importante papel no que vai se passar com a criança, não somente no momento neonatal, mas durante toda a gestação. Estudos já comprovam que o feto ouve ainda no útero e este se mostra sensível à palavra e ao som da voz. A mãe transmite ao recém nascido, sem saber, quando cuida dele, sua transgeracionalidade, ou seja, ela entende como demandas, que ela deseja satisfazer, o que ele manifesta como necessidades, da mesma forma que fizeram com ela. “Os registros primitivíssimos e inconscientes da maneira como o Outro cuidou dela quando ela própria era bebê serão, em grande parte, os registros aos quais uma mulher fará apelo ao cuidar de seu bebê”. (CRESPIN, 2004, p.23) A criança é imaginada pela mulher desde uma fase embrionária precoce até uma posterior idade gestacional, na maior parte dos casos até a data do parto. De início, e principalmente por mães mais jovens, a gravidez está circunscrita ao aparelho reprodutor, associado à sexualidade e fecundação. (SÁ, 1997) O bebê imaginário vai sendo gerado pelo casal ao longo dos meses, sendo que no início a dificuldade em representar o bebê dentro de si poderá ser maior, dificuldade esta que tem tendência para reduzir com o avançar da idade gestacional. (SÁ, 1997) Acima de tudo, podemos afirmar que, como se refere Sá (1995 cit. In FARIA, 2001:192) “o bebê nasce nos pais antes de nascer no plano obstétrico (...) nasce-se quando se deseja um filho, mas também quando não se deseja, logo que se pensa nele”. A importância do amor materno perante a criança desde o primeiro minuto de vida é de um valor muito positivo. O primeiro contato do bebê com a mãe, o contato corporal, proporciona-lhe um estado de conforto e segurança. Este contato precoce é tão importante à mãe quanto ao filho, para ambos estabelecerem desde cedo uma relação recíproca, condição indispensável para o desenvolvimento adequado da criança. (CORDEIRO, 1987) Dentre as diversas perspectivas teóricas que estudam o desenvolvimento social e afetivo do bebê, as contribuições da escola psicanalítica ocupam sem dúvida um lugar de destaque. Muito embora concepções originais de psicanalistas como Spitz (1965), Mahler (1963) e Klein (1997) sejam hoje em parte contestadas, as teorias psicanalíticas tem o mérito de ter insistido na importância das primeiras relações da criança enquanto experiências fundamentais no desenvolvimento do ser humano. Segundo Wendland (2001), apesar das discordâncias sobre a existência ou não de ego no bebê e de sua capacidade de diferenciação entre seus processos internos e o mundo externo, todos os pensadores psicanalíticos conferem especial atenção às primeiras vivências entre a mãe e o bebê. Para autores como Freud (1911/1959), Spitz (1965), Mahler (1963) e Winnicott (1965, 1987), ainda que o bebê apresentasse intensa atividade psíquica e que esta se construísse a partir da sua relação com o adulto, ele era descrito em situação bastante passiva e pouco evoluída. (WENDLAND, 2001) Esta autora ressalta, ainda, que apesar da concepção de Spitz do neonato como isolado do mundo exterior e incapaz de perceber estímulos sensoriais estar ultrapassada, ele merece destaque por ter sido um dos primeiros psicanalistas a utilizar, de maneira sistemática, a observação direta de bebês, além de ter apontado para o caráter vital da relação mãe-filho. Contrastando com os autores mencionados acima, a concepção de Klein (1997) ressaltava um bebê com uma vida psíquica bastante elaborada, pois descrevia o ego como já presente desde o nascimento. Apoiada em observações feitas durante tratamentos psicanalíticos de adultos e crianças, afirmava que o bebê era capaz de sentir angústia, empregar mecanismos de defesa e estabelecer relações primitivas de objeto tanto na fantasia quanto na realidade. Mesmo que alguns aspectos das concepções de Klein pareçam hoje inverossímeis, como a complexidade da vida psíquica que ela atribui ao bebê em um período que a maturação cerebral não parece permitir tal riqueza, suas idéias deixaram marcas profundas nos estudos sobre a relação mãe-bebê, sobretudo no campo dos distúrbios psicóticos precoces (MAZET; STOLERU, 1993, cit. In WENDLAND, 2001). Dentre as concepções psicanalíticas, a teoria do apego do Bowlby (1969, cit. In WENDLAND, 2001) é aquela que mais deu impulso às pesquisas com implicações clínicas nas últimas três décadas, e suas idéias são responsáveis por avanços significativos nos estudos pais-criança. Porém o destaque que têm merecido