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INSTITUTO COPPEAD DE ADMINISTRAÇÃO UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO DE JANEIRO FELIPE PATRÍCIO VIGNOLI MODELO DE AVALIAÇÃO PARA PROJETOS DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA Rio de Janeiro 2013 Felipe Patrício Vignoli MODELO DE AVALIAÇÃO PARA PROJETOS DE DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA EM COMUNIDADES DE BAIXA RENDA Dissertação de Mestrado apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Administração, Instituto COPPEAD de Administração, Universidade Federal do Rio de Janeiro, como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de Mestre em Administração. Orientador: Prof. Celso Funcia Lemme Coorientador: Prof. Vicente Ferreira Rio de Janeiro 2013 V686m Vignoli, Felipe Patrício. Modelo de avaliação para projetos de distribuição de energia em comunidades de baixa renda / Felipe Patrício Vignoli. -- Rio de Janeiro : 2013. 91 f.: il.; 31 cm. Dissertação (Mestrado em Administração) – Universidade Federal do Rio de Janeiro - UFRJ, Instituto COPPEAD de Administração, 2013. Orientador: Celso Funcia Lemme. Coorientador: Vicente Ferreira. 1. Finanças. 2. Sustentabilidade. 3. Administração – Teses. I. Lemme, Celso Funcia. II. Universidade Federal do Rio de Janeiro, Instituto COPPEAD de Administração. III. Título. CDD AGRADECIMENTOS Aos professores do COPPEAD por nos conduzir a patamares de exigência superiores e por todo o conhecimento e vivência transmitidos. Em especial ao orientador Celso Lemme, por sua dedicação semanal ao trabalho conduzido e por seu nobre papel em lutar pela aproximação de dois temas tão distantes entre si nas empresas: finanças e sustentabilidade. Agradeço ao coorientador Vicente Ferreira por trazer sempre a objetividade e novos pontos de vista nas discussões, elementos altamente necessários para uma boa avaliação financeira. À Clarissa Lins e ao Israel Klabin que me acompanharam com entusiasmo e permitiram uma rica sinergia entre o mundo acadêmico e empresarial, contribuindo para algo tão importante em nosso país quanto a aproximação desses dois atores. Aos meus pais que, mesmo receosos pela decisão de deixar o mercado de trabalho para dedicar-me aos estudos, me deram todo apoio e segurança para seguir em frente. Aos meus avós, Lourdes e Armando Patrício, com quem convivi nesses anos de mestrado, que puderam me dar vários exemplos de convivência parcimoniosa mesmo nas adversidades. Por sua compreensão quanto aos meus momentos de reclusão para estudos e por todos os recursos despendidos para o sucesso dessa jornada, sou eternamente grato a eles. LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 – Valor presente líquido do projeto nas comunidades Chapéu Mangueira e Babilônia em função da taxa de desconto utilizada, considerando a visão do projeto..................................................................................................................76 Gráfico 2 – Valor presente líquido do projeto nas comunidades Chapéu Mangueira e Babilônia em função da taxa de desconto utilizada, considerando a visão empresarial. ........................................................................................................ 77 LISTA DE FIGURAS Figura 1 - Subdivisão das Perdas Globais em uma concessionária de distribuição. A sigla PNT refere-se às Perdas Não Técnicas, que são subdivididas em dois grupos, PNT1 e PNT2..................................................................................... 25 Figura 2 - Perdas do tipo PNT2 e suas causas principais ......................................... 26 Figura 3 - Regime de Regulação por Incentivos. Cenário de inflação nula e fator X igual a 0. Os ganhos de eficiência são incorporados pela concessionária entre as revisões tarifárias (T1 e T2). ...................................................................... 33 Figura 4 - Esquema do método proposto para este estudo ...................................... 38 Figura 5 – Localização da Comunidade Chapéu Mangueira e Babilônia, no bairro do Leme, Rio de Janeiro. A área menor circulada à direita refere-se ao Chapéu Mangueira. ...................................................................................................... 47 LISTA DE QUADROS Quadro 1 - Subgupos para a tarifa convencional ...................................................... 30 Quadro 2 – Relatórios consultados para levantamento de iniciativas das empresas para redução de perdas e inadimplência, assim como os indicadores mencionados para acompanhamento de tais práticas. ................................... 40 Quadro 3 – Empresas que passaram pelos filtros de acessibilidade. ....................... 43 Quadro 4 - Temas e subtemas relacionados aos projetos e programas em comunidades de baixa renda. ......................................................................... 57 Quadro 5 – Proposta de indicadores para monitorar a reação dos stakeholders ...... 61 Quadro 6 – Indicadores de interesse dos acionistas e conexões com as linhas de avaliação financeira típica ............................................................................... 67 Quadro 7 – Proposta para tratamento a ser dado à receita bruta da distribuidora .... 68 Quadro 8 – Custos operacionais e demais despesas ............................................... 69 Quadro 9 – Resultado financeiro, imposto de renda e contribuição social ................ 70 Quadro 10 – Fluxo de caixa livre do projeto e para os sócios ................................... 71 LISTA DE TABELAS Tabela 1 - Lista das empresas citadas na Metodologia de Tratamento Regulatório para Perdas Não Técnicas de Energia Elétrica com índice de complexidade socioeconômica acima de 0,10 ....................................................................... 42 Tabela 2 - Indicadores encontrados que se propõem a monitorar cada classe de iniciativa definida. ........................................................................................... 50 Tabela 3 - Indicadores encontrados para cada nível de associação com o desempenho financeiro e sua relação com as classificações de iniciativas definidas. Amostra de 279 indicadores. .......................................................... 51 Tabela 4 - Quantidade de indicadores relacionados a fatores internos e externos. Visão segundo o nível de associação com o desempenho financeiro e a classificação da iniciativa. ............................................................................... 52 Tabela 5 - Quantidade de indicadores relacionados a fatores internos e externos. Visões segundo o nível de associação com o desempenho financeiro e as partes interessam. .......................................................................................... 53 Tabela 6 - Quantidade de indicadores e sua relação com a origem dos recursos. Visões segundo o nível de associação com o desempenho financeiro e a classificação da iniciativa. ............................................................................... 56 LISTA DE SIGLAS ADR American Depositary Receipt ANEEL Agência Nacional de Energia Elétrica BCS Business Case for Sustainability CCC Conta de Consumo de Combustível CDE Conta de Desenvolvimento Energético COFINS CSLL DMR EBTIDA Contribuição Para o Financiamento da Seguridade Social Contribuição Social sobre o Lucro Líquido Diferença Mensal de Receita Earnings before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization EVO FBDS FCLE FCO GEE Efficiency Valuation Organization Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável Fluxo de Caixa Livre da Empresa Fluxo de Caixa Operacional Gases de Efeito Estufa GRIIASC Global Report Initiative Índice ANELL de Satisfação do Consumidor ICMS ISQP Imposto Sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços Índice de Satisfação da Qualidade Percebida IP IPP IR IRPJ Iluminação Pública Instituto Pereira Passos Imposto de Renda Imposto de Renda Pessoa Jurídica ISE Índice de Sustentabilidade Empresarial MCSE NCG NIS Manual de Contabilidade do Setor Elétrico Necessidade de Capital de Giro Número de Inscrição Social ONG PEE Organização Não Governamental Programa de Eficiência Energética P&D Pesquisa e Desenvolvimento PIS Programa de Integração Social PNT Perdas Não Técnicas PNUMA Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente Proinfa Programa de Incentivo às Fontes Alternativas de Energia Elétrica RCB Relação Custo Benefício RGR ROI SMS SRE SRD TIR Reserva Global de Reversão Return On Investment Short Message Service Superintendência de Regulação Econômica Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição Taxa Interna de Retorno TSEE Tarifa Social de Energia Elétrica UNEP UNEP FI UPA United Nations Environment Programme United Nations Environment Programme - Finance Initiative Unidade de Pronto Atendimento USAID VPL WACC United States Agency – International Development Valor Presente Líquido Weighted Average Cost of Capital RESUMO VIGNOLI, Felipe. Modelo de avaliação para projetos do setor elétrico em comunidades de baixa renda. Orientador: Celso Funcia Lemme. Coorientador: Vicente Ferreira. Rio de Janeiro. COPPEAD/UFRJ; 2013. Dissertação (Mestrado em Administração). Este trabalho apresenta um modelo de avaliação para projetos conduzidos por distribuidoras de energia elétrica em comunidades de baixa renda, considerando fatores financeiros e não financeiros. Estes projetos procuram adequar o consumo dos clientes que vivem nessas comunidades à sua capacidade de pagamento. Critérios foram utilizados para selecionar distribuidoras brasileiras de energia elétrica e estudar ações e iniciativas conduzidas por elas. Utilizando o estudo realizado Epstein e Roy (2001), os indicadores utilizados para monitorar essas ações e iniciativas foram associados a diversos stakeholders envolvidos, tais como: empresa, acionistas, investidores, governo, agente regulador, comunidade e sociedade. Além desses indicadores encontrados no estudo das distribuidoras, outros indicadores relevantes foram sugeridos, utilizando-se o esquema proposto por Delai e Takahashi (2008). Os indicadores associados aos acionistas e investidores foram utilizados para construir o modelo de avaliação financeira, no qual foi utilizado o fluxo de caixa descontado. Por fim, o modelo e os indicadores propostos foram testados em um caso real, avaliando projetos realizados nas comunidades Chapéu Mangueira e Babilônia, localizadas na cidade do Rio de Janeiro. A base de informação coletada foi referente ao período de 2009 a 2011, e foram realizadas projeções de 2012 a 2020. Os resultados mostram que é possível chegar a indicadores financeiros e não financeiros por meio de informações primárias e segundarias e, com isso, tirar conclusões da atratividade do projeto e monitorar indicadores de interesse dos stakeholders. No entanto, o estudo demonstrou que a qualidade das informações e o nível de associação dos indicadores com o desempenho financeiro da empresa é de grande importância para melhor controle gerencial das empresas e para a construção de um modelo de negócios consistente. Palavras chave: Setor elétrico. Base da pirâmide. Modelo de negócio. Avaliação financeira. Desempenho financeiro. Indicadores. ABSTRACT VIGNOLI, Felipe. Modelo de avaliação para projetos do setor elétrico em comunidades de baixa renda. Orientador: Celso Funcia Lemme. Coorientador: Vicente Ferreira. Rio de Janeiro. COPPEAD/UFRJ; 2013. Dissertação (Mestrado em Administração). This work aims to build a template to evaluate projects conducted by Brazilian electric energy distributors in low income areas, taking in account financial and non financial issues. These projects seek the proper fit among the energy consumption and the payment capacity of clients that live at these areas. A method was developed to select some Brazilian companies from the electric energy sector and then to study their initiatives regarding efficient energy use. Supported by the method developed by Epstein and Roy (2001), key indicators were used to monitor these initiatives associated to the interest of different stakeholders, such as: the company itself, investors, shareholders, government, regulatory agencies, community and society. Some others indicators were suggested using Delai and Takahashi’s (2008) framework. Some of these key indicators, regarding investors and shareholders’ interests, were used to assemble the financial valuation template and, at the end, the discounted cash flow procedure was applied. Finally, the template and the suggested key indicators were tested on a real business case, which was implemented in Chapéu Mangueira and Babilônia, two famous slums situated in Rio de Janeiro, Brazil. The information basis collected had data from 2009 to 2011 and the finance projections took into account the years among 2012 and 2020. The results indicate that financial and non financial key indicators could be used to evaluate project feasibility. Therefore, information quality and associated level with finance performance of the key indicators are essential for managerial control and for a robust business case development. Key-words: Energy sector. Bottom of the pyramid. Business case. Financial valuation. Financial performance. Key indicators. SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO ........................................................................................... 13 1.1 CONTEXTO E HISTÓRICO ....................................................................... 13 1.2 CONCEITO DE PERDAS E INADIMPLÊNCIA NO SETOR ELÉTRICO .... 15 1.3 O PROBLEMA ............................................................................................ 16 1.4 OBJETIVOS DA PESQUISA ...................................................................... 17 1.5 RELEVÂNCIA E DELIMITAÇÃO ................................................................ 17 2. REVISÃO DA LITERATURA ..................................................................... 20 2.1 DESEMPENHO SOCIOAMBIENTAL E FINANCEIRO ............................... 20 2.2 DESCRIÇÃO DO SETOR ELÉTRICO ........................................................ 24 2.2.2 A tarifa de energia .................................................................................... 27 2.2.2.1 Encargos e tributos da Parcela A ............................................................... 28 2.2.2.2 Definição do valor da tarifa de energia ....................................................... 30 2.2.3 Experiência das empresas ....................................................................... 34 2.2.4 Medição e verificação de projetos de eficiência energética ................. 34 2.2.4.1 IPMVP ........................................................................................................ 35 2.2.4.2 Relação Custo Benefício ............................................................................ 36 2.2.4.3 Custos evitados .......................................................................................... 37 3. MÉTODO .................................................................................................... 38 3.1 FONTE DE DADOS PARA O MODELO FINANCEIRO .............................. 39 3.2 FERRAMENTAS UTILIZADAS ................................................................... 41 3.3 ESTUDO DAS INICIATIVAS DAS EMPRESAS ......................................... 413.3.1 Seleção das empresas do setor elétrico ................................................ 41 3.3.2 Relação das iniciativas ............................................................................ 43 3.3.3 Identificação de indicadores ................................................................... 44 3.3.3.1 Quanto ao nível de associação com o desempenho financeiro .................. 44 3.3.3.2 Quanto aos fatores (interno ou externo) ..................................................... 44 3.3.3.3 Quanto aos interesses dos stakeholders .................................................... 44 3.3.3.4 Quanto à origem dos recursos ................................................................... 44 3.3.3.5 Tratamento dado aos indicadores que não foram listados em informação pública ........................................................................................................ 45 3.4 MODELO DE AVALIAÇÃO ......................................................................... 46 3.5 TESTE DO MODELO EM UM CASO REAL ............................................... 46 4. RESULTADOS ........................................................................................... 48 4.1 IDENTIFICAÇÃO DAS INICIATIVAS E DOS INDICADORES .................... 48 4.2 ANÁLISE DOS INDICADORES .................................................................. 50 4.2.1 Nível de associação com o desempenho financeiro ............................. 50 4.2.2 Fatores (interno ou externo) dos indicadores ....................................... 52 4.2.3 Indicadores associados aos stakeholders ............................................. 53 4.2.4 Origem dos recursos associados às iniciativas .................................... 55 4.2.5 Proposta de indicadores .......................................................................... 56 4.2.5.1 Dimensão social .......................................................................................... 57 4.2.5.2 Dimensão Ambiental ................................................................................... 59 4.2.5.3 Dimensão Econômica ................................................................................. 59 4.3 UTILIZAÇÃO DOS INDICADORES PARA MONITORAR A REAÇÃO DOS STAKEHOLDERS ...................................................................................... 60 4.3.1 Acionistas e investidores ........................................................................ 61 4.3.2 Clientes...................................................................................................... 62 4.3.3 Sociedade e comunidade ......................................................................... 62 4.3.4 Governo e órgão regulador ..................................................................... 63 4.3.5 Parceiros empresariais e ONGs .............................................................. 64 4.4 APLICABILIDADE DOS INDICADORES PROPOSTOS PARA AVALIAR A REAÇÃO DOS STAKEHOLDERS NOS PROJETOS DAS COMUNIDADES CHAPÉU-MANGUEIRA E BABILÔNIA ...................................................... 64 4.5 PROPOSTA DE UM MODELO DE AVALIAÇÃO FINANCEIRA ................. 66 4.5.1 Receita ....................................................................................................... 67 4.5.2 Custos operacionais (OPEX) e despesas ............................................... 68 4.5.3 Considerações sobre resultado financeiro e impostos ........................ 70 4.5.4 Fluxo de caixa operacional, investimentos e o fluxo de caixa livre do projeto ....................................................................................................... 70 4.5.5 Avaliação final do modelo de negócio.................................................... 71 4.6 APLICAÇÃO DO MODELO DE AVALIAÇÃO FINANCEIRA NAS COMUNIDADES CHAPÉU-MANGUEIRA E BABILÔNIA ........................... 72 4.6.1 Premissas adotadas ................................................................................. 73 4.6.2 Resultados finais do projeto ................................................................... 75 5. CONCLUSÕES .......................................................................................... 78 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS...........................................................................81 ANEXO.......................................................................................................................86 APÊNDICES...............................................................................................................87 13 1. INTRODUÇÃO 1.1 CONTEXTO E HISTÓRICO Hart e Prahalad (2002) alertam que as corporações do mundo ocidental esgotaram seus mercados e devem partir em busca de novas oportunidades em outras camadas da população. Segundo os autores, haveria uma oportunidade de obter lucros com clientes na população de baixa renda e ainda ajudá-los no desenvolvimento socioeconômico. Segundo Prahalad (2005), o olhar para esses mercados deveria ser diferenciado. Para serem efetivas, as soluções devem ser inovadoras, tornando-se parte integrante do setor privado. A maior barreira é conseguir desvincular-se de antigas crenças. Por exemplo, acredita-se que não há dinheiro na base da pirâmide e que a população carente não reconhece marca e qualidade. Além disso, faz-se necessário convencer as empresas a desenvolverem soluções para mercados com os quais não possuem familiaridade e convencer a população de baixa renda a abandonar sua dependência do Estado. Para o autor, o modelo deve criar capacidade de consumo, aumentar o acesso e disponibilidade do produto ou serviço para essa população, criar novos bens e serviços e manter a dignidade das pessoas. A confiança entre a empresa e a comunidade carente é um pré-requisito básico para o bom funcionamento deste novo modelo (PRAHALAD, 2005). No entanto, Karnani (2007) alerta que o modelo de negócio proposto por Hart e Prahalad (2002) é uma ilusão: o mercado potencial na base da pirâmide estaria superestimado pelos autores, seria difícil de ser explorado em larga escala e apresentaria um elevado custo de servir. As pessoas que vivem nessa camada da população estariam mais preocupadas com o consumo básico, como alimentação e abrigo. Segundo o autor, a solução para o desenvolvimento socioeconômico estaria em tratar as comunidades de baixa renda como produtores e aumentar a sua capacidade de pagamento. Karnani (2007) coloca em evidência a importância do governo em prover educação, saúde pública, água potável e infraestrutura básica à população e cita o fracasso governamental neste papel. Como proposto por Porter e Kramer (2011), o progresso da empresa deve ser compartilhado com o desenvolvimento econômico e social, por meio de uma nova concepção de mercado, redefinição da cadeia de valor e criação de novas parcerias com agentes externos. Portanto, o modelo de negócio não conta apenas com 14 empresa e governo: diversos atores são impactados ou têm participação para o sucesso dos projetos, como, por exemplo, órgão regulador, líderes comunitários, ONGs e a própria comunidade. No setor de energia elétrica, a discussão do modelo de negócios para atender à população de baixa renda é de particular interesse. O fornecimento de energia elétrica é um dos serviços essenciais reconhecidos pela legislação brasileira, como estabelecido pela Lei 7783, artigo 10, inciso I de 28 de junho de 1989. Por ser papel do Estado garantir esse serviço, políticas públicas devem ser estabelecidas para assegurar o equilíbrio financeiro das distribuidoras de energia. Por conta das particularidades regulatórias do setor elétrico, o modelo de negócios para o fornecimento de energia elétrica à população de baixo poder aquisitivo encontra pontos em comum na visão dos autores supracitados: a comunidade de baixa renda deveser vista como um cliente rentável, suportando, ao mesmo tempo, a capacidade de pagamento e desenvolvimento econômico local. Apesar do fornecimento de energia elétrica ser um dos serviços essenciais com maior cobertura à população, o índice de perdas e inadimplência registrado em 2004 foi de 16,85% (CRUZ; RAMOS, 2010). As perdas podem ocorrer por dissipação física nas linhas de transmissão, ou por furtos e fraudes realizados pelos clientes. O elevado índice de inadimplência é motivado principalmente pelo baixo nível de renda e pela violência constatada em determinadas regiões (CRUZ; RAMOS, 2010). Outros estudos mostram que o preço da tarifa, o percentual de consumo residencial e a posse de ar condicionado também são determinantes para esse índice (ARAÚJO, 2006). A inadimplência apresentou níveis críticos após o inicio das privatizações, em 1994: a tarifa residencial no Brasil tornou-se uma das mais altas do mundo. Por causa disso, a quantidade de contas não pagas começou a crescer drasticamente. No apagão em 2001, por exemplo, a taxa de inadimplência era 3,5 vezes maior do que as taxas registradas em 1994 segundo a United States Agency International Development – USAID (2005). Se por um lado é de interesse do governo brasileiro que todos os cidadãos tenham acesso à energia elétrica segura e de qualidade, por outro, é do interesse das empresas que haja equilíbrio financeiro na distribuição de energia. Para que isso se torne uma realidade em comunidades de baixa renda, é necessário atuar na regularização do serviço e na adequação do consumo familiar à sua renda. Nesse 15 contexto, há uma forte articulação entre as distribuidoras, governo, órgão regulador, ONGs e a comunidade local. Uma grande contribuição do governo federal é a concessão de desconto na conta de energia elétrica às pessoas que participam de programas sociais cadastradas no Número de Inscrição Social (NIS). Esse programa de descontos recebe o nome de Tarifa Social. Nessa modalidade, há descontos para famílias que tenham uma renda máxima de meio salário mínimo por pessoa e consumo inferior a 220 kWh ou que necessitem utilizar aparelhos elétricos como parte de tratamento médico. Há desconto entre 65% e 10%, dependendo do consumo mensal da família, como pode ser verificado na Resolução 414/2010 da Agência Nacional de Energia Elétrica (ANEEL). As empresas, por sua vez, realizam diversas ações no combate ao furto de energia e à inadimplência. Entre essas ações, há as inspeções regulares, corte de fornecimento, cobrança judicial e extrajudicial e parcelamento de dívidas. Além dessas ações, elas realizam ainda investimentos em novas tecnologias e programas sociais ligados à promoção do uso eficiente da energia elétrica: educação, comunicação, relacionamento com a comunidade, substituição de equipamentos e reformas em instalações elétricas domiciliares antigas. Diversas ações de sucesso vêm sendo realizadas no Brasil. Como exemplo, pode-se citar o caso do projeto piloto realizado em Paraisópolis, uma comunidade na cidade de São Paulo, pela Eletropaulo, onde ações educacionais e a substituição de equipamentos eletrônicos reduziram o índice de perdas e inadimplência. Na Bahia, a Neoenergia conseguiu reduzir significativamente o índice de inadimplência por meio do Programa Agente Coelba, onde pessoas ligadas à comunidade eram contratadas para melhorar a qualidade do relacionamento da distribuidora com a população local (USAID, 2009). No Rio de Janeiro, a Light conseguiu bons resultados com o programa Comunidade Eficiente, após a ocupação de favelas com Unidades de Polícia Pacificadoras (UPPs). Na cidade vizinha, Niterói, a Ampla investiu em tecnologia antifurto e leitura remota de medidores, além de atividades educacionais para combater as perdas (USAID, 2005). 1.2 CONCEITO DE PERDAS E INADIMPLÊNCIA NO SETOR ELÉTRICO São dois os tipos de perdas na distribuição de energia elétrica: as perdas técnicas e as perdas não técnicas, estas últimas, chamadas também de perdas 16 comerciais. A perda técnica de energia é o montante de energia elétrica dissipada entre o suprimento e consumo final: grande parte da perda técnica ocorre na transmissão de energia. É mais difícil de ser controlada, pois é decorrente de leis físicas. A perda comercial refere-se ao furto de energia, quando o cliente realiza uma ligação clandestina. As perdas comerciais podem ser medidas pela diferença entre as perdas totais e as perdas técnicas. O índice de inadimplência é expresso como a razão, em termos percentuais, entre o total de contas não pagas até o último dia do mês de referência, incluindo tributos, e o total de contas faturadas no mesmo mês (ARAÚJO,2006). No setor elétrico brasileiro, as perdas comerciais e a inadimplência costumam ser referenciadas em conjunto. Como apontado por Araújo (2006), quando é detectado que um cliente está furtando energia elétrica, antes deste cliente ser desligado da rede, ele tem seu fornecimento restabelecido legalmente, mas tem de pagar o devido histórico de energia furtada além de uma multa. Caso o cliente não possa ou se recuse a pagar, ele entra na categoria de inadimplente. Nessa situação, sua energia é cortada e o cliente, caso volte a realizar o furto de energia para satisfazer suas necessidades, torna-se novamente um problema de perda comercial. Neste trabalho, o termo “perdas” refere-se às perdas comerciais, exceto quando explicitado o contrário. 1.3 O PROBLEMA As perdas e inadimplência em comunidades de baixa renda estão longe de uma solução no Brasil e as distribuidoras continuam expostas a essa questão em maior ou menor grau (USAID, 2005). Como em qualquer outro tipo de investimento financeiro, o resultado das ações realizadas para mitigar o problema deve ser medido para que estas se justifiquem e possam ser replicadas em outros projetos. No entanto, relacionar o desempenho de questões socioambientais com desempenho financeiro tem sido um grande desafio para as empresas. Para tal, propomos um sistema de suporte aos executivos que dê respaldo à tomada de decisões e alocação de recursos (EPSTEIN; ROY, 2003). Os programas realizados pelas empresas de distribuição de energia têm diversas frentes de ações e pouco se sabe até que ponto seus indicadores são mensurados e levados em consideração na avaliação do desempenho financeiro da empresa. Essa avaliação é importante para justificar os investimentos nas 17 comunidades de baixa renda e incentivar outras distribuidoras a adaptar o modelo de negócio para sua realidade. Adicionalmente, quantificar os benefícios sociais relacionados a essas ações poderia fortalecer a parceria com os atores envolvidos. 1.4 OBJETIVOS DA PESQUISA O presente trabalho sugeriu um modelo de avaliação financeira para projetos das distribuidoras de energia que atuam em comunidades de baixa renda. O estudo de tais projetos auxiliou a exposição do modelo de negócio empregado atualmente pelas empresas do setor elétrico nestas comunidades. A avaliação comportou as práticas exercidas e seus respectivos resultados financeiros para a verificação de sua atratividade. Além do impacto financeiro para a empresa, as práticas realizadas causam outros efeitos para as demais partes envolvidas nessas iniciativas, seja direta ou indiretamente. Portanto, foi proposto mecanismos de monitoramento sobre esses outros efeitos. A proposta atende à realidade de distribuidoras brasileiras de energia elétrica que queiram um modelo de avaliação financeira e de reação das demais partes interessadas, conhecidos como stakeholders. Isto justificou a importância do estudo das empresas do setor para conhecer as diferentes práticas realizadas e identificar os parâmetros que são ou deveriam ser quantificados. 1.5 RELEVÂNCIA E DELIMITAÇÃO Segundo o Instituto Acende Brasil (2007) as perdas e a inadimplênciano setor elétrico brasileiro chegam a causar um prejuízo anual de R$ 6 bilhões. Tal questão reflete-se em perdas financeiras para as concessionárias de energia, com importantes reflexos sobre o valor da tarifa de energia e a eficiência econômica do país. Parte da verba destinada pelas empresas para tratar das perdas e inadimplência é realizada por decisão gerencial, utilizando recursos próprios. Outra parte é realizada por determinação regulatória, tendo origem e volume definidos por lei: no mínimo, 0,5% da receita operacional líquida deve ser aplicado em ações que objetivem o combate ao desperdício de energia elétrica e 0,5% em pesquisa e desenvolvimento, como indica a Lei 9.991, de 24 de julho de 2000 com alterações dadas pela Lei 11.465, de 28 de março de 2007. Para as concessionárias e 18 permissionárias cuja energia vendida seja inferior a 1.000 GWh por ano, o percentual mínimo poderá variar de 0,5% para até 1%. Por isso, é importante ter uma ferramenta adequada para avaliar a atratividade dos investimentos e destinar os recursos a projetos que atendam aos interesses regulatórios e que sejam, sobretudo, rentáveis. Estudos do setor elétrico brasileiro apresenta os determinantes relacionados às perdas e inadimplência (CALILI, 2005; ARAÚJO, 2006; USAID, 2009; CRUZ; RAMOS, 2010) ou apresentam as práticas para o combate às perdas e inadimplência sob um ponto de vista puramente qualitativo (CUNHA; MELLO, 2011). No entanto, há poucas tentativas de se mensurar os resultados e desempenho financeiro dessas práticas. Em alguns trabalhos, há avaliação do desempenho financeiro de projetos pilotos (USAID, 2009), mas atendem apenas às necessidades específicas de uma região. Um bom exemplo de avaliação financeira para os investimentos realizados pelo setor elétrico em comunidades de baixa renda é apresentado por Penin (2008), mas o autor não centraliza o estudo em comunidades de baixa renda, nem propõem uma avaliação que leve em conta aspectos não financeiros. Realizar uma proposta de avaliação financeira que possa ser referência para distribuidoras que atuam em comunidades de baixa renda é, portanto, uma contribuição às distribuidoras de energia elétrica, ao governo e à sociedade brasileira. O problema retratado neste estudo apresenta apenas questões referentes à realidade brasileira. Essa delimitação justifica-se por causa das diferentes questões regulatórias e também devido às particularidades de cada país. Na África, por exemplo, as ações de maior sucesso estão ligadas à modalidade de cobrança da conta de energia, que pode ser realizada por um formato pré-pago: o cliente paga por uma determinada quantia de energia elétrica e regula seu consumo para não ultrapassá-la, sistema semelhante ao que ocorre na telefonia pré-paga (USAID, 2004). Até o momento, essa modalidade não é contemplada pela ANEEL. Apesar de a discussão sobre esse tema receber destaque desde 1994, este trabalho contemplará as informações secundárias das distribuidoras referentes apenas ao último ano de publicação de relatórios de sustentabilidade de cada empresa, para que se possa acompanhar as recentes alterações regulatórias que modificaram o cenário para as distribuidoras. Uma dessas alterações foi decorrente 19 das novas regras estabelecidas pela Resolução Normativa ANEEL no 414/10, que implicam em restrições de cobrança referente aos débitos existentes dos clientes das distribuidoras de energia, recuperação de perdas e aumento de custos para combatê-las, o que interfere nas práticas de controle da inadimplência. Outra alteração relevante, ainda em 2010, foram as mudanças nas regras de aplicação da tarifa social de energia elétrica para os consumidores de baixa renda, decorrentes dos critérios fixados pela Lei no 12.212, de 2010. Esta lei retirou o benefício da tarifa social das pessoas que não estivessem cadastradas nos programas sociais do governo por meio do NIS. Essa alteração exigiu um grande esforço das distribuidoras para recadastrar seus clientes em programas de baixa renda. No entanto, apenas os relatórios de sustentabilidade referentes a 2011, não divulgados por todas empresas antes da conclusão deste estudo, terão informações sobre o impacto dessas alterações nas iniciativas das distribuidoras. 20 2. REVISÃO DA LITERATURA Este capítulo está estruturado em duas partes: a primeira discorre sobre a relação entre o desempenho socioambiental e financeiro das empresas. A segunda parte expõe as características do setor elétrico no Brasil, bem como as particularidades do problema de fornecimento de energia em comunidades de baixa renda. 2.1 DESEMPENHO SOCIOAMBIENTAL E FINANCEIRO Segundo Friedman (1962), os gastos corporativos em causas sociais são uma violação da responsabilidade dos gestores com seus investidores, uma vez que esses gastos não representariam um retorno financeiro. Esta visão é questionada por Freeman (apud HUMPHREY et al., 2012, p. 1), que acredita que os investimentos devam atender a outros grupos de interesse. Outros autores defendem que investimentos sociais não necessariamente estão relacionados a maiores custos, burocracia e nem mesmo trariam menores retornos financeiros (SALZMANN et al., 2005; LINS; WAJNBERG, 2007) Esse confronto tem sido palco de discussão de autores que buscam evidenciar a correlação, positiva ou negativa, entre investimentos sociais e desempenho financeiro. Humphrey et al. (2012) revisaram estudos que encontram conexão positiva, negativa ou neutra entre o desempenho financeiro e desempenho social. No estudo, os autores evidenciam que não há relação entre desempenho financeiro, custo de capital e risco do negócio associado às práticas sociais de uma empresa. Segundo os autores, essa conclusão é uma boa noticia, pois se por um lado as praticas socioambientais não trazem melhor performance financeira que uma empresa convencional, por outro lado, não causam qualquer tipo de prejuízo. Deste modo, os gestores poderiam realizar seus investimentos sociais sem a preocupação de estar violando sua responsabilidade com os acionistas. Os autores sugerem que os investidores deveriam utilizar a avaliação das práticas de responsabilidade social de modo complementar à avaliação financeira. Segundo Statman (2006), estudos como os de Humphrey et al. (2012), que não encontram relação entre desempenho financeiro e desempenho socioambiental, são um reflexo do mercado que não precifica práticas de responsabilidade 21 socioambiental. Deste modo, investidores que compram ações de empresas socialmente responsáveis encontram número significativo de investidores convencionais prontos para vender tais ações, fazendo com que o preço das ações não suba. Faz-se necessário, portanto, o uso de ferramentas complementares que auxiliem a precificação das ações incluindo a visão socioambiental. Na literatura, a conexão de valor entre desempenho socioambiental e financeiro é denominada BCS - Business Case for Sustainability (EPSTEIN; ROY, 2003; SALZMANN et al., 2005a; SALZMANN, et al., 2005b; STATMAN, 2006). Há um grande desafio para se incorporar a sustentabilidade às empresas devido à dificuldade em se mensurar o valor das práticas socioambientais (EPSTEIN ;ROY, 2003; SALZMANN et al., 2005a; SALZMANN et al., 2005b). Para tentar vencer esse entrave, Salzmann et al. (2005b) apresentam um conjunto de recomendações de ferramentas para auxiliar a implementação de um business case e, ainda, ferramentas financeiras para realizar sua avaliação. Em linha semelhante, outros autores sugerem meios de aprimorar a gestão, incorporando aspectos socioambientais no seu processo de tomada de decisão. Delai e Takahashi (2008) apresentam um modelo de referência para acompanhamento de indicadores relacionados à sustentabilidade, para que questões socioambientais, além das econômico-financeiras, sejamutilizadas na gestão das empresas. Para a construção do modelo, os autores utilizaram oito iniciativas mundialmente conhecidas: (i) Global Reporting Initiative (GRI), (ii) Métricas de Sustentabilidade do IChemE, (iii) Índice Dow Jones de Sustentabilidade, (iv) Índice Triple Bottom Line, (v) Indicadores de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas,(vi) Barômetro de Sustentabilidade, (vii) Dashboard de Sustentabilidade e (viii) Indicadores Ethos de Responsabilidade Social Empresarial. O modelo apresentado integra a dimensão social, ambiental e econômica, estando alinhado com o conceito do Triple Bottom Line proposto por Jonh Elkington (ELKINGTON; JAMES, 1997). O modelo separa cada dimensão em temas e subtemas, detalhando de forma clara o que cada um deles se propõe a mensurar. Epstein e Roy (2003) identificaram o mesmo problema relacionado à conexão de valor entre ações socioambientais e o desempenho financeiro: os gestores que se propõem a realizar projetos relacionados à agenda da sustentabilidade precisam entender de que forma os investimentos socioambientais têm impacto no negócio, 22 na sociedade e no meio ambiente. Os autores propuseram um sistema de suporte aos executivos para considerar aspectos socioambientais na tomada de decisão e alocação de recursos. Segundo os autores, um business case deve identificar os índices e indicadores socioambientais e evidenciar como eles afetam a rentabilidade de longo prazo das empresas. É sugerido, para isso, a classificação dessas informações em quatro diferentes níveis: a) Nível 1: informação descritiva, não relacionada ao desempenho financeiro da empresa. Exemplo: Programa para doação de geladeiras; b) Nível 2: informação quantitativa, associada à mensuração física, mas não relacionada ao desempenho financeiro. Exemplo: Número de geladeiras doadas; c) Nível 3: informação traduzida em valor monetário, parcialmente ligado ao desempenho financeiro, mas não associa ganhos ou perdas marginais sobre a receita ou ao desempenho financeiro. Exemplo: Investimento para doação de geladeiras; d) Nível 4: informação dos benefícios do projeto traduzida em valor monetário, integralmente relacionada ao desempenho financeiro da empresa. A informação deverá trazer o impacto marginal sobre a receita ou desempenho financeiro. Exemplo: Impacto na receita devido à doação de geladeiras. Quanto mais próximos do desempenho financeiro estiverem os indicadores, maiores as chances de se realizar um business case. Em trabalhos anteriores, os autores (EPSTEIN;ROY, 2001) propuseram ainda um esquema no qual os indicadores deveriam ser monitorados para serem relacionados ao desempenho financeiro da empresa de longo prazo, pois apenas por meio do monitoramento da reação dos stakeholders é possível traduzir com precisão as ações socioambientais em custos e benefícios resultantes. Em outro estudo (EPSTEIN;ROY, 2003) os autores sugerem, quatro etapas para se implementar a sustentabilidade nas empresas: (i) identificar os stakeholders, (ii) mapear o modelo de desempenho corporativo, (iii) desenvolver projetos, sistemas e estruturas e, por fim, (iv) elaborar as métricas e coletar dados. O relatório da United Nations Environment Programme – Financial Institutions (UNEP FI) de 2006 afirma que fatores internos e externos estão relacionados às ações das empresas e deveriam ser monitorados com dados qualitativos e 23 quantitativos. Fatores internos são aqueles decorrentes da atividade dentro dos limites físicos da empresa como, por exemplo, a eficiência no consumo da água e de energia elétrica. Fatores externos estão ligados às consequências decorrentes das atividades da empresa, manifestando-se fora dos limites físicos da empresa. Emissões atmosféricas, segurança fora do trabalho, contaminação de efluentes e até mesmo inovação de processos são alguns exemplos de fatores externos. Os indicadores de desempenho impactados seriam a receita, a redução dos custos operacionais e o custo de capital. O relatório de 2010 da mesma instituição propõe o alinhamento de discurso entre as empresas e instituições financeiras, apontando temas materiais e dados quantitativos e qualitativos que devem ser considerados no diálogo com cada grupo (UNEP FI, 2010). Para identificar a influência do desempenho socioambiental no desempenho financeiro, o efeito em estudo deve ser isolado de outras variáveis do negócio e expresso em termos monetários (YACHNIN & ASSOCIATES, 2006). Depois de realizar esse isolamento, métricas quantitativas devem ser estabelecidas e incorporadas às ferramentas de avaliação financeira tradicionais. Assim, seria possível evidenciar o desempenho financeiro em função de fatores socioambientais. Dentre as ferramentas de avaliação financeira mais conhecidas no mercado, estão a análise de Fluxo de Caixa Descontado, Valor Econômico Agregado, Análise por Múltiplos e Opções Reais. As ferramentas existentes para avaliar o impacto das práticas socioambientais foram alvo de estudo de Ness et al. (2007), no qual é criada uma categorização para as mesmas. São apresentadas três categorias de ferramentas que auxiliam a avaliação das práticas socioambientais. Na primeira categoria são discutidas ferramentas de análise retrospectiva, que são os índices e indicadores. Na segunda categoria, ferramentas retrospectivas e prospectivas são utilizadas para analisar, por exemplo, os custos ao longo do ciclo de vida dos produtos, fluxo de materiais e análise da energia consumida pelos produtos e serviços. Por fim, a terceira categoria apresenta ferramentas puramente prospectivas para analisar, por exemplo, os riscos, a relação de custo-benefício, a modelagem conceitual do negócio. Esta última categoria apresenta ainda um conjunto de ferramentas para analisar os possíveis impactos no meio ambiente e na estratégia da empresa. Métodos de valoração são necessários para auxiliar a precificação de bens e serviços que não possuem propriedade definida e, por isso, não têm valor definido 24 pelos mecanismos de mercado tradicionais. Como exemplo de métodos, pode-se citar o custo de viagem, que é a precificação de bens naturais por meio de quanto os indivíduos gastam para visitar o local; a avaliação contingente, que se trata de uma pesquisa para avaliar quanto as pessoas estariam dispostas a pagar para preservação de determinado recurso natural; e o método de preços hedônicos, que analisa a influência do preço de um bem de acordo com as características de seus arredores. Esses métodos complementam as ferramentas das três categorias citadas no estudo de Ness et al. (2007). As ferramentas que servem ao business case também são alvo de críticas. Salzmann et al. (2005b) apontam que elas são aplicadas em casos muito específicos ou muito abrangentes, não servindo como um modelo para o mercado. Outro motivo é a dificuldade técnica: são trabalhosas demais e exigem dos gestores um conhecimento adicional, por não trabalhar com ferramentas de avaliação comumente conhecidas pelos gestores. 2.2 DESCRIÇÃO DO SETOR ELÉTRICO As concessionárias de energia elétrica são responsáveis pela distribuição de energia elétrica de forma universal em suas áreas de concessão. Dentre as diferentes regiões que devem ser atendidas, aquelas com comunidades de baixa renda são as que geram a maior quantidade de perdas e inadimplência (CRUZ; RAMOS, 2010). Dado que o setor elétrico brasileiro é regulado, ou seja, não segue as leis de livre mercado onde o preço é determinado por oferta e demanda, deve-se ter entendimento da complexidade do setor para a correta avaliação das ações de combate às perdas e inadimplência. 2.2.1 Rede de distribuição de energia e perdas no setor elétrico No Brasil, a geração, transmissão e distribuição de energia elétrica são realizadas por meio de uma complexa rede interligada, projetadapara atender toda a população, em qualquer região e a qualquer momento: os agentes geradores têm de coordenar de forma precisa a oferta e a demanda estimada. Essa tarefa não é simples, pois a energia elétrica não pode ser armazenada em larga escala e de modo econômico. A quantidade e a qualidade de energia são dadas pelas condições globais de demanda que envolve um conjunto de consumidores, mais os serviços de transmissão e distribuição. Em outras palavras, as ações de cada 25 agente, seja da geração, transmissão ou distribuição, têm efeito imediato sobre os outros. (PINTO; BOMTEMPO; IOOTTY, 2007). Para que o sistema esteja em equilíbrio estático, a demanda de energia deve ser igual ou menor à oferta de energia menos as perdas. Portanto, para atender às necessidades de demanda por energia elétrica de um país em crescimento, deve-se realizar novos investimentos em geração ou atuar na redução de perdas técnicas e não técnicas. Penin (2008) apresentou um esquema simples para visualizar a configuração das perdas no setor elétrico, que pode ser acompanhado pela Figura 1. Figura 1 - Subdivisão das Perdas Globais em uma concessionária de distribuição. Perdas Globais Perdas Técnicas Perdas Não Técnicas PNT 1PNT 2 Furto Fraudes e anomalias Medidores IP Sem medição Outros Fonte: Penin (2008) As Perdas Globais, aquelas que ocorrem em todo sistema elétrico, desde a geração até o seu consumo final, são separadas em perdas técnicas e não técnicas, como tratado no Capítulo 1. As perdas não técnicas possuem causas distintas. O autor separou essas motivações em dois grupos principais: Perdas Não Técnicas do Tipo 1 (PNT1) e Perdas Não Técnicas do Tipo 2 (PNT2). O grupo PNT1 abrange as perdas não técnicas relacionadas aos furtos e fraudes. O combate a esse tipo de perda é realizado por meio da prevenção e execução de inspeções para detectar a fraude ou consumo irregular, respeitando os aspectos regulatórios e jurídicos inerentes ao setor elétrico brasileiro. Como medidas de prevenção ao furto e fraude de energia, empresas realizam investimentos em leitura remota, que possibilita o corte e religamento do 26 fornecimento de energia à distância, além do controle do consumo e investimentos em programas de eficiência energética, com o objetivo de adequar o consumo do cliente à sua capacidade de pagamento. O grupo PNT2 engloba os erros decorrentes dos medidores de energia, iluminação pública (IP) e não aferição. A perda não técnica decorrente dos medidores pode ocorrer devido à deterioração de equipamentos na rede ao longo do tempo ou do modo de ligação clandestina. Nessas ligações, a bitola utilizada costuma ser inferior à recomendada, ocasionando também perdas técnicas. A iluminação pública, de forma geral, não utiliza medidores e o consumo faturado é uma estimativa da curva de carga conhecida. O erro decorrente desta modalidade não costuma ser alto, mas pode haver diferenças devido às lâmpadas queimadas e lâmpadas acesas durante o dia. Em outros casos não é possível realizar a aferição, por não haver o medidor. Este é o caso de quiosques e bancas, onde a instalação de mecanismos de medição é muitas vezes tecnicamente complexa (PENIN, 2008). Nesses casos, uma estimativa deve ser realizada, podendo haver erros a mais ou a menos entre o consumo real e o faturamento efetivado. Outros motivos para as perdas do grupo PNT2 estão relacionados à gestão da empresa. Como exemplos, tem-se: erros técnicos de medição, equipamentos inadequados ou inexistentes, clientes cadastrados e não cobrados, procedimentos inadequados para recuperação de receitas, falha no cadastro dos clientes, erros de leitura e lançamento, falta de auditoria nos processos de consumo irregular e baixa capacitação do pessoal de campo (PENIN, 2008). A Figura 2 mostra um esquema de perdas do tipo PNT2 e suas causas. A perda fio é outro grupo de perdas comerciais, além do grupo PNT1 e PNT2. Este é um conceito utilizado para identificar a parcela de perdas técnicas originadas das perdas comerciais, além das perdas técnicas originadas do consumo regular. A parcela das perdas fio decorrentes das perdas comerciais são introduzidas por ligações fora de especificação técnica e uso de materiais inapropriados que acabam por ocasionar fugas de corrente elétrica. 27 Figura 2 - Perdas do tipo PNT2 e suas causas principais PNT Tipo 2 Iluminação pública Medidores Sem medição Gestão da empresa Estimativa da curva de carga Lâmpadas queimadas Lâmpadas acessas durante o dia Deterioração Ligação Clandestina Complexidade da ligação Estimativa do consumo Estimativa amostral Erro técnico de medição Equipamento inadequado Falha no cadastro do cliente Erro de leitura Erro em recuperação de receita Falha em auditoria Fonte: Adaptado de Penin (2008) 2.2.2 A tarifa de energia A tarifa de fornecimento de energia elétrica paga pelo consumidor é, idealmente, aquela que seja suficiente para garantir o fornecimento de energia com qualidade, assegurar a remuneração adequada dos agentes de geração, transmissão e distribuição, além de cobrir tributos e encargos embutidos na tarifa. Além disso, deve remunerar os investimentos necessários para expandir a capacidade energética do país. A tarifa é composta por duas parcelas. A parcela da tarifa que não depende da gestão ou da vontade da distribuidora, portanto, não gerenciável, é conhecida como Parcela A, composta pelo preço de compra de energia, transporte e encargos setoriais. A parcela relacionada aos custos operacionais, remuneração do investimento e depreciação é denominada Parcela B, representando os custos gerenciáveis da distribuidora. A Parcela B é composta pelas despesas de operação e manutenção, despesas de capital. Esta última ainda pode ser subdividida em base de remuneração e quota de reintegração dos ativos. 28 A quota de reintegração regulatória é um mecanismo regulatório que remunera a depreciação e amortização dos investimentos realizados, visando recompor os ativos afetos à prestação do serviço, ao longo de sua vida útil (ANEEL, 2012a). A base de remuneração é uma compensação que está embutida na tarifa por meio do cálculo do custo de capital ponderado (Weighted Average Cost of Capital - WACC) das distribuidoras, que é realizado pela ANEEL. Portanto, o valor do capital a ser remunerado, conhecido como base de remuneração dos ativos, é obtido por meio do cálculo da taxa apropriada que poderá reverter à empresa seus investimentos em geração, transmissão e distribuição. O método de cálculo para a base de remuneração dos ativos está presente na Nota Técnica nº 95/2011 da ANEEL (2011a). Em última análise, o preço da tarifa de energia elétrica é ajustado para cobrir os investimentos realizados. 2.2.2.1 Encargos e tributos da Parcela A Os encargos setoriais e tributos que compõem a Parcela A chegam a representar 45% da composição da tarifa. Os outros 55% são destinados aos fornecedores de energia (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2010). A lista de encargos que compõem a tarifa é extensa e muitas vezes há sobreposição na destinação dos recursos. Os encargos mais relevantes são: a) Conta de Consumo de Combustível (CCC): Destinado às termoelétricas de combustíveis fósseis em Sistemas Isolados; b) Reserva Global de Reversão (RGR): Recurso destinado a indenizar ativos vinculados à concessão e fomentar a expansão do setor elétrico; c) Conta de Desenvolvimento Energético (CDE): Destinado a subsidiar a universalização do serviço, o desenvolvimento energético, a geração a partir de fontes eólicas, PCHs, biomassa, gás natural e carvão mineral nacional; d) Proinfa: Investimentos em geradores de fontes eólicas, PCH e biomassa; e) P&D: Investimentos em Pesquisa e Desenvolvimento e Eficiência Energética e custeio da Empresa de Pesquisas Energéticas (EPE). 40% dos recursossão destinados à União, 40% para projetos de P&D das empresas e 20% para o Ministério de Minas e Energia (MME). 29 Parte dos recursos da CDE é destinada à cobertura do valor descontado pelo programa da tarifa social. A Resolução Normativa no 472/2012 da ANEEL (ANEEL, 2012b) disciplina que as distribuidoras devem calcular a Diferença Mensal de Receita (DMR) dos faturamentos das unidades de consumidores classificados como baixa renda, sendo esta a diferença entre o faturamento sem desconto e o faturamento com os descontos aplicados. O custeio da DMR é distinto para cada distribuidora: a ANEEL as classifica em três grupos - Grupo A, Grupo B e Grupo C - podendo custear integralmente a DMR com recursos da CDE ou apenas ao que exceder uma parcela determinada de sua receita. Cerca de 80% dos recursos da CDE são aplicados na universalização do serviço de energia elétrica e na subvenção da tarifa de consumidores de baixa renda (INSTITUTO ACENDE BRASIL, 2010). Parte dos recursos estabelecidos pela Lei nº. 9.991/2000 fica em contas contábeis específicas nas empresas do setor, definidas pelo Manual de Contabilidade do Setor Elétrico (MCSE) e instituídas pela Resolução Normativa 444/2001. Essa parte fica sob a regulamentação da ANEEL e destina-se a programas e projetos de eficiência energética e P&D das empresas distribuidoras. Estas devem comprovar os investimentos por meio da execução dos projetos. Cabe à ANEEL reconhecer os valores investidos em cada projeto e aprová-los. Além dos encargos, incidem sobre a Parcela A tributos federais, estaduais e municipais de pagamentos compulsórios devidos ao Governo. Os tributos federais são o Programa de Integração Social (PIS) e Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS), voltados a atender programas sociais do Governo Federal. Juntos representam 9,25% sobre o total da conta de energia. O tributo estadual, com grande peso na conta de energia, é o Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). O valor deste imposto varia de acordo com o código tributário de cada estado. A Contribuição para Custeio do Serviço de Iluminação Pública (CIP) é um imposto municipal, a quem cabe a responsabilidade pelos serviços de projeto, implantação, expansão, operação e manutenção das instalações de iluminação pública. O cálculo das tarifas está definido em nota técnica da Superintendência de Regulação Econômica (SRD) e da Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição (SRD). A composição das tarifas de uso de energia segue a Resolução Normativa no 166/2005. Há diversos subgrupos da tarifa de energia convencional, 30 conforme apresentado no Quadro 1. Cada empresa distribuidora de energia tem o valor homologado pela ANEEL para cada um desses subgrupos. Quadro 1 - Subgupos para a tarifa convencional TARIFA CONVENCIONAL SUBGRUPO A3a (30 kV a 44 kV) A4 (2,3 kV a 25 kV) AS (SUBTERRÂNEO) B1-RESIDENCIAL: B1-RESIDENCIAL BAIXA RENDA: Consumo mensal inferior ou igual a 30 kWh Consumo mensal superior a 30 kWh e inferior ou igual a 100 kWh Consumo mensal superior a 100 kWh e inferior ou igual a 220 kWh Consumo mensal superior a 220 kWh B2-RURAL B2-COOPERATIVA DE ELETRIFICAÇÃO RURAL B2-SERVIÇO PÚBLICO DE IRRIGAÇÃO B3-DEMAIS CLASSES B4-ILUMINAÇÃO PÚBLICA: B4a - Rede de Distribuição B4b - Bulbo da Lâmpada Fonte: Adaptado de resoluções homologatórias da ANEEL. 2.2.2.2 Definição do valor da tarifa de energia Para a classe residencial, a ANEEL determina o preço da tarifa no momento da assinatura do Contrato de Concessão de cada distribuidora, sendo estabelecido por meio do princípio de equilíbrio econômico e financeiro dos agentes envolvidos. O preço é ajustado ao longo do tempo por meio de três mecanismos de alteração: a) Revisão tarifária: realizada em média a cada quatro anos, quando os custos da distribuidora são revistos. O Brasil teve seu primeiro ciclo de revisão tarifária entre os anos de 2003 e 2005 e o segundo ocorreu entre 2007 e 2010. O terceiro, iniciado em 2011, ainda está vigente. A revisão permite um reposicionamento da tarifa após completa análise dos custos e remuneração dos investimentos prudentes, definindo um novo patamar de tarifa e 31 adequando-a à estrutura da empresa e ao mercado (ANEEL, 2008a) . O terceiro ciclo tarifário não foi concluído ainda para todas as empresas; b) Reajuste tarifário: realizado no ano em que não há revisão, com o objetivo de zelar pelo equilíbrio econômico-financeiro da concessão. Uma fórmula prevista no contrato de concessão ajusta os preços, considerando os novos custos não gerenciáveis da Parcela A, como novos valores de encargos, da compra de energia e da transmissão, e correção dos custos constantes da Parcela B, por meio da correção pelo IGP-M. A Parcela B depende também do ajuste de um índice, conhecido como fator X, fixado na revisão tarifária: sua função é repartir com o consumidor os ganhos de produtividade da concessionária, decorrentes do crescimento do número de unidades consumidoras e do aumento do consumo do mercado existente; c) Revisão extraordinária: aplicada quando alguma causa especial desequilibra o contrato de concessão. Os três mecanismos visam permitir que a tarifa de energia seja justa aos consumidores, cubra os custos do serviço com nível de qualidade estabelecido pela ANEEL, remunere os investimentos reconhecidos como prudentes, estimule o aumento de eficiência e da qualidade dos serviços e garanta o atendimento universal. Para o caso específico das perdas de energia elétrica, há um limite máximo que a empresa fica autorizada a repassar à tarifa. A meta, ou trajetória, é definida na revisão tarifária e seguida nos reajustes tarifários subsequentes. Caso a empresa consiga resultados melhores do que a meta estabelecida pela ANEEL, ela será beneficiada por aumento de receita verificada até a próxima revisão tarifária, quando um novo patamar será estabelecido. Caso contrário, por estarem abaixo da meta estabelecida pela ANEEL, as perdas não são cobertas de acordo com o equilíbrio financeiro necessário, ou seja, valor não é incorporado à tarifa e a empresa perde margem operacional. Essa margem é conhecida como Earnings before Interest, Taxes, Depreciation and Amortization (EBTIDA). Parte dos custos referentes à inadimplência pode também ser repassada ao consumidor na revisão tarifária, mas apenas dentro de um determinado limite: 0,50% da receita bruta referente ao ano anterior, sendo utilizada uma escala regressiva ano após ano, até chegar ao valor de 0,20% da receita bruta. Deste modo, a ANEEL 32 mantém a trajetória regulatória com vistas a evitar que os consumidores regulares paguem pelos inadimplentes (ARAÚJO, 2006) e estabelece incentivos para que as concessionárias aprimorem sua gestão sobre o tema. Por fim, é importante notar que no cálculo do fator X a ANEEL confia nas informações repassadas pelas concessionárias, mas pune com severidade os casos em que as informações se revelam propositalmente falsas: cria-se, assim, uma situação de assimetria de informações entre o regulador e a distribuidora. O fator X seria nulo caso o consumo de energia elétrica fosse estagnado. No entanto, no caso em que, com os mesmos ativos, a distribuidora passasse a vender mais energia pelo aumento do consumo de seus clientes, resultante do aumento de compra de eletrodomésticos, por exemplo, esta estaria aumentando a sua receita, porém, desequilibrando o sistema. O fator X ajusta essa tendência, incorporando à tarifa os investimentos necessários na geração de energia, restabelecendo o equilíbrio financeiro da empresa e distribuindo com o público os ganhos de produtividade. Essa situação é ilustrada por Jerson Kelman: ... durante a revisão tarifária, a perspectiva de um aumento de mercado puxa o fator X paracima e, inversamente, a perspectiva de vigoroso fluxo de investimentos puxa o fator X para baixo. Como o EBTIDA de uma distribuidora será tanto maior nos anos entre revisões quanto menor for X, é natural que as distribuidoras apresentassem à ANEEL, durante as discussões que antecedem as revisões, visões pessimistas sobre o crescimento de mercado e otimistas quanto aos planos de investimento (KELMAN, 2009, p. 159) Neste ponto, deve estar claro ao leitor que as distribuidoras do setor de energia elétrica, por operarem em concessões reguladas, não aferem ganhos marginais por meio do aumento de seu mercado consumidor, mas por ganho de eficiência operacional, justificando a relevância em reduzir as perdas e inadimplência. Como apontado por Araújo (2006), o Regime de Regulamentação de Incentivos busca fazer com que, nas revisões tarifárias, o consumidor seja beneficiado pelos ganhos de eficiência da concessionária. Além disso, a base de remuneração do capital é ajustada para que a tarifa permaneça constante em termos reais. No entanto, entre as revisões tarifárias, a concessionária se apropria de ganhos de eficiência empresarial como estabelecido pelo art. 14 da Lei no 9.427 de 26 de dezembro de 1996. A Figura 3 ilustra o ganho de produtividade incorporado entre as empresas entre as revisões tarifárias para um cenário de inflação nula e fator X igual a 0. 33 Figura 3 - Regime de Regulação por Incentivos. Cenário de inflação nula e fator X igual a 0. Os ganhos de eficiência são incorporados pela concessionária entre as revisões tarifárias (T1 e T2). Fonte: ANEEL, 2003 O atual regime de regulação é caracterizado pela Regulação por Incentivos: as regras são estabelecidas de forma a estimular as distribuidoras de energia a reduzir as perdas e inadimplência e a redistribuir para a sociedade parte dos ganhos de eficiência obtidos pelas mesmas. A correta medida das metas estabelecida pela ANEEL, no que tange às perdas comerciais de energia, deve considerar as particularidades socioeconômicas de cada região, que fogem do controle das empresas, e evitar que aspectos relacionados à ineficiência gerencial sejam repassados ao preço da tarifa do consumidor. No segundo ciclo de revisão tarifária, ficou estabelecido que a meta de cada empresa levasse em consideração o desempenho das demais, ou seja, utilizou-se o método de benchmarking na fixação do referencial teórico. Ainda assim, aspectos particulares de cada região de concessão foram levados em consideração. Para isso, um modelo econométrico foi realizado, objetivando identificar os fatores próprios de cada área de concessão que explicam o nível de perdas. Esse modelo forma um índice de complexidade socioeconômico, que está disponível a cada revisão tarifária pela ANEEL. Deste modo, uma empresa que atua em uma área pouco complexa deve, no mínimo, atingir o patamar de perdas não técnicas de uma área de maior complexidade. 34 O Brasil encontra-se no terceiro ciclo de revisão tarifária, porém ainda não concluído para todas as distribuidoras de energia elétrica. A premissa básica que diferencia esse ciclo dos demais é a pressuposição de que as empresas têm forte capacidade de gestão sobre as perdas de energia, em especial as perdas não técnicas. Há uma grande diversidade de ações entre as empresas e a maior causa de tal heterogeneidade é a diferença no estágio de avanço em relação às perdas não técnicas (ANEEL, 2011b). 2.2.3 Experiência das empresas As empresas distribuidoras de energia realizam ações de prevenção e mitigação do furto de energia. Penin (2008) apresenta em seus estudos diversos exemplos de empresas que realizam ações de diferentes naturezas, tais como: a) Campanhas educativas: exposição em mídias sobre os aspectos ilegais do roubo de energia e impactos na sociedade; b) Renovação das ligações da rede elétrica: instalação de equipamentos que dificultem fraudes nos medidores e ligações diretas; c) Medição remota: equipamentos de medição que permitem o tráfego de dados pela rede. Com isso, é possível evitar que o consumidor tenha contato com o medidor da concessionária; d) Ações sociais e educativas: informação e educação nas comunidades menos favorecidas para disseminar o consumo consciente de energia e perigos relacionados ao furto da energia; e) Relacionamento com o cliente: contratos com agentes comunitários para estreitar o contato da empresa e a população local. 2.2.4 Medição e verificação de projetos de eficiência energética As empresas do setor utilizam os métodos de medição e verificação exigidos pelo Manual para Elaboração do Programa de Eficiência Energética (2008), desenvolvido pela ANEEL. Deste modo, é possível que as distribuidoras e a ANEEL possam comparar os resultados dos projetos e programas por meio da utilização de uma ferramenta comum. São três os métodos mais utilizados, sendo que cada um tem propósitos específicos. 35 2.2.4.1 IPMVP O International Performance Measurement and Verification Protocol (IPMVP) é um guia que descreve as melhores práticas em medição e verificação por meio do uso de dados operacionais de um processo e ilustra boas práticas para a realização de relatórios de economia alcançada por projetos de eficiência (EFFICIENCY VALUATION ORGANIZATION, 2010). O protocolo é destinado a projetos de uso eficiente de energia elétrica ou consumo de água. Não é, no entanto, um padrão. Seu objetivo é traçar as linhas gerais de como realizar o melhor relato de tais projetos, comparando uma linha base da série histórica anterior à implementação dos projetos em questão com os resultados alcançados posteriormente. Há uma grande preocupação em balancear precisão e custo para obter dados. Há quatro sugestões distintas: a) Opção A: a economia de energia elétrica ou do uso de água é dada por um processo específico. Para isso, adotam-se parâmetros relacionados ao consumo de água ou energia elétrica que meçam o efeito isolado do todo. Parâmetros que não possam ser medidos podem ser estimados por meio de dados históricos, especificações do fabricante ou avaliação de engenharia. O custo para obtenção de tais parâmetros e estimativas é menor do que nas outras Opções, sendo esta a menos dispendiosa das quatro; b) Opção B: assim como na Opção A, a medição é de um processo isolado, mas utilizam-se todos os parâmetros associados ao consumo de energia elétrica ou consumo de água. No entanto, não são realizadas estimativas. Por isso a complexidade para medir e verificar processos por essa opção é maior, assim como os custos associados; c) Opção C: diferentemente das opções A e B, a proposta é medir o consumo de energia ou água não de um processo isolado, mas de toda uma dependência, seja um setor ou mesmo uma unidade fabril. Como a mensuração é realizada de forma global, como uma soma de todas as ações de eficiência, deve-se relatar ainda as outras variáveis que possam influir no resultado final, como por exemplo, a temperatura ambiente, o volume de produção ou o modo de operação; d) Opção D: neste método, ao invés de mensuração de um processo real, são utilizados softwares computacionais para se realizar a simulação de um 36 processo. A simulação deve ser calibrada para que se possa refletir de modo aproximado o parâmetro medido do processo real; A iniciativa do IPMVP foi idealizada pela Efficiency Valuation Organization (EVO), uma organização internacional sem fins lucrativos, dedicada a elaborar ferramentas para quantificar resultados de programas de eficiência energética. 2.2.4.2 Relação Custo Benefício O método utilizado para verificar o benefício de um projeto de eficiência energética sob a ótica da sociedade é o índice de Relação Custo Benefício (RCB). Este índice é utilizado pela ANEEL para avaliar a eficácia dos projetos submetidos como investimento em programa de eficiência energética.Equação 1 Os custos anualizados representam os custos diretos, composto por custos com equipamentos e mão de obra, e indiretos, que contemplam os custos de administração, acompanhamento e avaliação. A análise temporal é dada pela vida útil dos equipamentos. O benefício anualizado está relacionado à quantidade monetária evitada na ótica da sociedade, ou seja, quanto que a população deixará de despender por meio da redução do consumo de energia elétrica no período de um ano. Os benefícios são a soma dos valores, em unidades monetárias, da redução de demanda de energia na ponta e energia economizada. Os procedimentos de cálculo estão descritos no próprio Manual para Elaboração do Programa de Eficiência Energética (ANEEL, 2008b). Para os projetos em eficiência energética nos quais o índice RCB não pode ser aplicado, outros parâmetros de medição e verificação são utilizados. Esses projetos poderão ser avaliados por meio de técnicas que meçam, por exemplo, a duração dos benefícios, impactos sociais, contribuição para mudança de hábito e para transformação de mercado, benefícios para o meio ambiente, geração de informações úteis para planejamento e gestão, quantidade de pessoas beneficiadas e envolvimento escolar. 37 2.2.4.3 Custos evitados Um conceito bastante utilizado em projetos de eficiência energética é o de custos evitados. Esses custos podem estar relacionados tanto ao custo evitado da energia economizada, ocasionado pela redução das despesas operacionais, como ao custo da demanda evitada na ponta, gerado, por exemplo, pelo adiantamento de investimentos na expansão do sistema elétrico. Na ótica empresarial, o custo evitado com energia economizada é o valor, em unidades monetárias, que a distribuidora deixou de gastar na compra de energia. Por sua vez, o custo da demanda evitada é o valor, em unidades monetárias, dos investimentos que serão postergados para o aumento de capacidade da rede. Esses dois indicadores são utilizados para se calcular o índice RCB, baseado, contudo, na ótica social. Ou seja, são considerados os custos que a população deixa de gastar na economia de energia e no alívio da conta tarifária relacionada à necessidade de capital investido. Os procedimentos de cálculo também estão definidos no Manual para Elaboração do Programa em Eficiência Energética realizado pela ANEEL (2008), havendo distinção para sistemas de baixa, média e alta tensão. 38 3. MÉTODO Para a construção do modelo de avaliação foram utilizadas informações secundárias, ou seja, informações obtidas através de divulgações públicas, como relatórios de sustentabilidade e páginas eletrônicas das empresas. Estes dados estão descritos no item 3.1. Os critérios para seleção das empresas serão tratados no item 3.3.1. Logo após, foi realizado um estudo das iniciativas que as empresas selecionadas realizam em comunidades de baixa renda para redução das perdas e inadimplência. Este estudo das iniciativas está descrito no item 3.3.2. À essas iniciativas associamos os indicadores informados pelas empresas para monitorar desempenho, procedimento está detalhado no item 3.3.3. Com base desses indicadores e do conhecimento da regulação do setor de distribuição de energia elétrica, foi construído um modelo de avaliação, que está descrito no item 3.4 e contempla fatores financeiros e não financeiros. Por fim, este modelo foi testado em um caso real, contanto com informações primárias, ou seja, utilizadas para gestão de uma empresa e não publicadas. O resultado desse processo buscou identificar a viabilidade da utilização do modelo por empresas de distribuição de energia elétrica. A Figura 4 ilustra o método adotado para que seja atingido o objetivo deste estudo. Figura 4 - Esquema do método proposto para este estudo Dados Secundários Dados Primários 39 3.1 FONTE DE DADOS PARA O MODELO FINANCEIRO Este estudo foi separado em duas partes principais. A primeira parte utilizou dados secundários, utilizando informações obtidas em páginas eletrônicas e concentrou-se em informações disponíveis em canais de relacionamento com investidores. Quando a informação da página eletrônica estava disponível em alguma forma de documentação, como por exemplo, relatório anual ou formulário de referência, esta era salva e arquivada para consulta. O item 3.3.1 evidencia os critérios de seleção dessas empresas. De posse do universo de empresas a serem estudadas, foi realizada uma relação das iniciativas conduzidas por essas empresas em comunidades de baixa renda, relacionando-se todos os indicadores associados a essas iniciativas. Para as empresas listadas que possuem mais de uma distribuidora, a pesquisa se restringiu ao relatório e página eletrônica da holding. Não houve objetivo de comparar a qualidade das informações divulgadas pelas empresas. Ao invés disso, buscou-se estudar as práticas do setor para entender o modelo de negócios aplicado e de que forma os indicadores levantados poderiam ser incorporados à avaliação financeira e da reação dos stakeholders. Os anos de divulgação dos relatórios variaram entre as empresas, mas a consulta se ateve às informações mais recentes disponibilizadas por elas. O Quadro 2 expõe os anos e divulgações específicas dos relatórios consultados. Para melhor entendimento das regras do setor, realizou-se um amplo estudo de resoluções, notas técnicas e manuais elaborados pela ANEEL, além da legislação específica do setor. Foram consultados ainda especialistas da ANEEL para melhor compreensão de alguns aspectos regulatórios: Ivan Camargo foi Superintendente de Regulação dos Serviços de Distribuição da ANEEL em 2011, atual reitor da Universidade de Brasília; Hugo Lamin é Assessor da Superintendência de Regulação dos Serviços de Distribuição. 40 Quadro 2 – Relatórios consultados para levantamento de iniciativas das empresas para redução de perdas e inadimplência, assim como os indicadores mencionados para acompanhamento de tais práticas. Relatório Divulgação Específica 2010 2011 CEMIG Relatório de Sustentabilidade COELBA Relatório de Sustentabilidade COELCE Relatório de Sustentabilidade COPEL Relatório Anual de Gestão e Sustentabilidade CPFL Relatório Anual EDP Relatório Anual ELETROBRÁS Relatório de Sustentabilidade ELETROPAULO Relatório de Sustentabilidade USAID (2008) LIGHT Relatório de Sustentabilidade Revista de Eficiência Energética da Light (2010 e 2011) e Revista Comunidade Eficiente VI A segunda parte desta pesquisa, que utilizou dados primários para testar o modelo, foi possível por meio de uma parceria com a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento Sustentável (FDBS), que possibilitou o acesso à empresa distribuidora de energia elétrica do Rio de Janeiro e outros municípios do Estado (Light Serviços de Eletricidade S.A. – Light SESA). Nesta etapa da pesquisa foram realizadas entrevistas não estruturadas com alguns gestores da empresa. Dentre estes colaboradores da empresa, vale destacar a contribuição do Paulo Maurício Senra, Gerente de Estratégia e Sustentabilidade, Regiane de Abreu, Assessora de Estratégia e Sustentabilidade, Victor Souza, Assessor Financeiro, e Fernanda Mayrink, Gerente de Atendimento às Comunidades. Por sugestão dos gestores da empresa, o modelo foi testado para avaliar projetos e programas realizados no Morro do Chapéu Mangueira e Babilônia, comunidades ocupadas por uma Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). 41 3.2 FERRAMENTAS UTILIZADAS Das ferramentas abordadas na revisão de literatura, serão utilizadas: a) Listagem dos indicadores ou índices utilizados pelas empresas e classificação quanto à sua relação com o desempenho financeiro das empresas, como proposto por Epstein e Roy (2003); b) Classificação das