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Universidade Federal do Rio de Janeiro
A OCUPAÇÃO DAS TERRAS DOS PALMARES DE PERNAMBUCO
(SÉCULOS XVII E XVIII)
Felipe Aguiar Damasceno
2018
A OCUPAÇÃO DAS TERRAS DOS PALMARES DE PERNAMBUCO
(SÉCULOS XVII E XVIII)
Felipe Aguiar Damasceno
Tese de doutoramento apresentada ao Curso de Doutorado do Programa de
Pós-graduação em História Social do Instituto de Filosofia e Ciências Sociais
da UFRJ como parte dos requisitos necessários à obtenção do título de doutor
em História Social.
Linha de pesquisa: Sociedade e Economia
Orientadora: Manoela da Silva Pedroza
RIO DE JANEIRO
2018
FOLHA DE APROVAÇÃO
Tese de doutoramento apresentada ao Curso de Doutorado do
Programa de Pós-graduação em História Social do Instituto
de Filosofia e Ciências Sociais da UFRJ como parte dos
requisitos necessários à obtenção do título de doutor em
História Social.
Aprovada por:
____________________________________________________________
Profª. Drª. Manoela da Silva Pedroza – Presidente 
____________________________________________________________
Profª. Drª. Carmen Margarida Oliveira Alveal
____________________________________________________________
Prof. Dr. Gustavo César Machado Cabral
____________________________________________________________
Prof. Dr. José Vicente Serrão
____________________________________________________________
Profª. Drª Sílvia Hunold Lara
Para Vanda e Wilson
AGRADECIMENTOS
Ao fim do processo de pesquisa de doutorado, as dívidas acumuladas são enormes, tão grande
quanto o risco de não declarar algumas delas por esquecimentos. Mas é um necessário e saudável
exercício.
Agradecemos ao CNPq e à CAPES pelo financiamento desta pesquisa, através de bolsas de
doutorado e doutorado sanduíche no exterior, sem o qual ela teria sido ainda mais difícil.
Agradecemos a orientação da professora Manoela da Silva Pedroza, por comprar a ideia da
tese desde o início, mesmo que Palmares pudesse soar distante de seus temas de pesquisa recentes.
Ainda assim, a presteza e a disponibilidade para leituras, discussões, sugestões, indicações,
incentivo, enfim, foi essencial para a finalização do trabalho.
Através da professora Manoela, conhecemos o LEHS-UFRJ, onde as leituras em conjunto de
partes desta tese foram de extrema importância para os momentos inciais do trabalho, e aos
membros do Laboratório de Experimentação em História Social só tenho a agradecer.
Às professoras Sílvia Lara e Hebe Mattos, agradecemos a participação na qualificação deste
trabalho, em 2016. Procuramos ao máximo dar conta dos comentários e sugestões para o texto final.
Nas diversas instituições e arquivos visitados em busca de fontes de pesquisa, as dívidas são
gigantes. Seria injusto tentar citar todos que nos ajudaram ao longo da empreitada de conhecer e
escrutinar os registros documentais. Alguns nos veem à memória, e através deles queremos
agradecer a todos: Hildo e Emerson, funcionários do Arquivo Público Estadual Jordão
Emerenciano, no Recife; Jamerson, funcionário do Memorial da Justiça do Tribunal de Justiça de
Pernambuco, Recife; Ao professor Yony Sampaio e demais membros do Centro de Estudos de
História Municipal do Recife, pela acolhida, sugestões e pelo material bibliográfico fornecido.
Em Portugal, fomos recebidos com imensa atenção e disponibilidade pelo professor José
Vicente Serrão, do ISCTE-IUL, para estágio de doutorado sanduíche, em 2017. Sua orientação foi
muito valiosa para nossas idas aos arquivos portugueses, como a Torre do Tombo, as bibliotecas
Nacional de Portugal e da Ajuda, e o Arquivo Histórico Ultramarino. Passamos ainda uma semana
no Arquivo da Universidade de Coimbra. A todos os funcionários, em especial do atendimento ao
público, nosso reconhecimento pelo trabalho sério e comprometido que fazem.
Aos colegas que participaram da caminhada, no Brasil e em Portugal, nosso muito obrigado:
Henrique Sobral, João Fernando, Marcos Marinho, Ana Lunara, Thiago Mota, Glauber Florindo,
Arthur Curvelo, Cândido Domingues.
Aos muitos amigos que, nos últimos quatro anos, nos apoiaram de diversas formas, fosse
discutindo os temas de pesquisa, ou apenas ouvindo reclamações, ou ainda as lamentações e
amarguras do caminho, sentados em um bar qualquer, não temos como agradecer devidamente.
Felipe Soares, Vinícius Pereira, Érika Melek (mesmo longe) e João Paulo, desde a graduação na
UFF nunca deixaram de estar presentes.
Sem meus pais nunca teria chegado até aqui: Wilson e Vanda, para quem dedico a versão final
desta tese. Não há palavras.
Juliana foi a companheira de todas as horas. Foi o lado mais forte nesses últimos três anos em
que estivemos lado a lado. Sua força, amor e carinho me fizeram acreditar que dava para chegar ao
fim desta pesquisa, e que muito ainda é possível. Muito obrigado!
Ainda que os pontos fortes desta tese sejam reflexo das diversas contribuições ao longo dos
quatro anos, seus erros e omissões são exclusivamente de nossa responsabilidade.
RESUMO
A presente tese de doutorado analisa o processo de ocupação das antigas terras dominadas pelos
mocambos dos Palmares, na capitania de Pernambuco, entre os séculos XVII e XVIII. Num
primeiro momento, buscou-se identificar o domínio territorial quilombola nas matas dos Palmares, e
suas relações com a sociedade escravista envolvente. A partir de dados empíricos, foram propostos
mapas para as diversas conjunturas territoriais das ações quilombolas em Pernambuco, no século
XVII. Num segundo momento, buscou-se dar conta da distribuição de sesmarias na região, e as
questões de direito que suscitavam. Por fim, através de um estudo focado em uma das áreas
conquistadas aos mocambos, tentou-se acompanhar o processo efetivo de ocupação e
institucionalização de uma área nova no império português, discutindo questões de territorialização,
direitos de propriedade e administração colonial, no antigo sertão palmarino, no século XVIII.
ABSTRACT
This dissertation analyzes the occupation process of the lands formerly dominated by the Palmares
maroons, in the captaincy of Pernambuco, Portuguese America, between the 17th and 18th
centuries. At first, it was sought to identify the maroons’ territorial domain in the Palmares
hinterland forests, and its relations with the surrounding slave society. From empirical data, maps
were proposed for the various territorial conjunctures of maroon resistance in Pernambuco, in the
17th century. In a second moment, it was tried analyze the distribution of sesmarias in the region,
and the questions of rights and law that they raised. Finally, through a study focused on one of the
areas conquered from the maroons, it was tried to follow the actual process of occupation and
institutionalization of a new region in the Portuguese empire, discussing issues of territoriality,
property rights and colonial administration in the ancient Palmares hinterlands, in the 18th century.
SUMÁRIO
Lista de Figuras, Mapas e Tabelas......................................................................................................12
Abreviaturas.......................................................................................................................................13
Introdução...........................................................................................................................................14
CAPÍTULO 1
Das primeiras fugas ao auge dos Palmares de Pernambuco, c. 1600-1674
1. Introdução..................................................................................................................................25
2. Historiografia de Palmares.........................................................................................................28
3. Palmares no início do século XVII............................................................................................314. Palmares durante a dominação holandesa e a restauração pernambucana, 1630-1653: Entradas,
expedições e viajantes....................................................................................................................33
5. Os Palmares pós-restauração pernambucana, 1654-1668..........................................................42
6. O apogeu dos mocambos de Palmares, 1669-1674...................................................................53
7. Conclusões.................................................................................................................................56
CAPÍTULO 2
Os mocambos de Palmares e a sociedade colonial em Pernambuco: resistência à escravidão,
produção e relações sociais (séculos XVII e XVIII)
1. Introdução..................................................................................................................................62
2. Brecha camponesa ou projeto camponês? Negociação e resistência à escravidão na colônia. .64
3. Economia quilombola em Palmares: famílias, roças e sua relação com o ecossistema sertanejo
.......................................................................................................................................................73
4. Relações sociais e campo quilombola.......................................................................................81
5. Conclusões.................................................................................................................................93
CAPÍTULO 3
Extermínio e silenciamento: o declínio do domínio palmarino na capitania de Pernambuco, 1674-
1715
1. Introdução..................................................................................................................................97
2. Recuperação econômica do setor açucareiro e o financiamento da repressão nos Palmares....98
3. Dos Palmares do governador Pedro de Almeida à campanha de Domingos Jorge Velho, 1674-
1716.............................................................................................................................................103
3.1. Por uma territorialização dos Palmares na década de 1670.............................................103
3.2. Do fracasso dos acordos de paz ao ataque do Terço de Domingos Jorge Velho..............115
4. Palmares após Zumbi: controle e silenciamento......................................................................125
5. Conclusões...............................................................................................................................130
CAPÍTULO 4
Sesmarias e direitos de propriedade na América Portuguesa: um percurso historiográfico
1. Introdução................................................................................................................................132
2. Sesmarias em Portugal: do surgimento ao declínio.................................................................132
3. Sesmarias e colonização: legislação e prática (1530-1822).....................................................136
4. Apropriação territorial e produção agrícola na colônia: conflitos entre posse e sesmaria.......145
5. A conjuntura pernambucana do século XVII: Palmares na dinâmica do sistema de sesmarias
.....................................................................................................................................................151
6. Conclusões...............................................................................................................................156
CAPÍTULO 5
Sesmarias de Palmares: concessões e disputas (1678-1775)
1. Introdução................................................................................................................................159
2. Primeiras sesmarias de Palmares: sesmeiros, localizações e disputas.....................................162
3. Paulistas no Piauí e nos Palmares: contratos, foro real e conflitos de direitos........................175
4. As sesmarias paulistas nos Palmares.......................................................................................184
5. Conclusões...............................................................................................................................193
CAPÍTULO 6
Depois de Palmares: ocupação e conflitos no Agreste de Pernambuco na primeira metade do século
XVIII
1. Introdução................................................................................................................................198
2. A família Vieira de Melo nos sertões de Palmares...................................................................199
3. Conquista e ocupação dos sertões do norte da América portuguesa: o caso do Ararobá........207
4. Conhecendo as terras palmarinas do Agreste pernambucano: os grandes sesmeiros do sertão
.....................................................................................................................................................216
5. Povoamento no sertão dos Garanhuns e Ararobá na primeira metade do século XVIII.........226
6. Conclusões...............................................................................................................................233
CAPÍTULO 7
Terra, gado e poder no antigo sertão palmarino: o Ararobá na segunda metade do século XVIII
1. Introdução................................................................................................................................237
2. O sertão do Ararobá na segunda metade do século XVIII: senhores e vaqueiros...................238
3. Conflitos e disputas nas antigas terras dos Palmares: os bandos do sertão do Ararobá..........245
4. Disputas em família: Antônio Vieira de Melo e Cristóvão Pinto de Almeida.........................247
5. Terras, disputas legais e instrumentalização da justiça local...................................................251
6. Contratos agrários e direitos de propriedade de Antigo Regime: alguns exemplos................264
7. Conclusões...............................................................................................................................268
Considerações Finais........................................................................................................................272
Fontes Consultadas...........................................................................................................................280
Referências Bibliográficas................................................................................................................282
12
Lista de Figuras, Mapas e Tabelas
Mapa 1 – Localização aproximada dos mocambos atacados em Pernambuco, c. 1600-1654......34
Tabela 1 – Expedição do governador Francisco de Brito Freire (1662)........................................46
Figura 1 – Ciclo agrícola dos engenhos baianos............................................................................80
Mapas 2 e 3: Produzidos por Edison Carneiro (1947).................................................................109
Mapa 4: produzido por Décio Freitas/H. A. Thofehrn (1982-84)................................................110
Mapa 5: Mocambos de Palmares, a partir da “Relação”, c. 1674................................................113
Mapa 6 – Mocambos destruídos pelos bandeirantes paulistas, c. 1692-1700.............................129
Mapa 7 – Mocambos de Palmares (século XVII)........................................................................162
Mapa 8 – Doações de sesmarias no contexto do tratado de paz (1678-1683).............................171
Mapa 9 – Sesmarias (1678-1702)................................................................................................174
Mapa 10 – Sesmarias concedidas aos combatentes ligados ao terço do mestre de campo paulista
Domingos Jorge Velho (1702-1775)............................................................................................189
Mapa11 – Sesmarias nos Palmares (1678-1775)........................................................................192
Figura 2 – Família Vieira de Melo...............................................................................................200
Mapa 12 – Sesmarias do Agreste e Quilombos nos Palmares, séc. XVII e XVIII......................224
Mapa 13 – Sítios e fazendas nas sesmarias do Agreste até 1750.................................................233
Mapa 14 – Sítios e fazendas sequestrados a Antônio Vieira de Melo, 1761...............................259
Tabela 2 – Testemunhas ouvidas pelo Juiz Ordinário do Ararobá em 1759, em devassa contra
Antônio Vieira de Melo...............................................................................................................260
13
Abreviaturas
AHU – Arquivo Histórico Ultramarino (Lisboa)
ABN – Anais da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
ANTT – Arquivo Nacional da Torre do Tombo (Lisboa)
APEB – Arquivo Público do Estado da Bahia
APEJE – Arquivo Público Estadual Jordão Emerenciano (Recife)
AUC – Arquivo da Universidade de Coimbra
BA – Biblioteca da Ajuda (Lisboa)
BNL – Biblioteca Nacional de Portugal (Lisboa)
BPE – Biblioteca Pública de Évora
DH – Coleção Documentos Históricos da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro
DHP – Documentação Histórica Pernambucana (Sesmarias) da Biblioteca Pública do Recife
FCG – Fundo Cartório de Garanhuns do APEJE
FOC – Fundo Orlando Cavalcanti do Arquivo do IAHGP
IAHGP – Instituto Arqueológico, Histórico e Geográfico Pernambucano
IHGAC – Instituto Histórico, Geográfico e Antropológico do Ceará
IHGAL – Instituto Histórico e Geográfico Alagoano
IHGB – Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro
NL-HaNA, OWIC – Arquivo Nacional da Holanda (Haia), Fundo Oude West-Indische Compagnie
MJ-TJPE – Memorial da Justiça do Tribunal de Justiça de Pernambuco
14
Introdução
“E se o nome do governador dos negros era ‘Zumbi’,
esta foi a maior notícia que se viu, e se era ‘Zambi’,
esta é a maior vitória que se viu, nem se há de ver;
‘Zumbi’ quer dizer demônio; vencer um demônio
armado em campo é triunfo só de Deus. ‘Zambi’ quer
dizer Deus; vencer um Deus nunca se viu nem se há
de ver. Esta é, fiéis, a vitória de que viemos aqui dar
graças ao senhor sacramentado; vitória que só um
Deus alcança; vitória que nunca se viu, nem se há de
ver.”
Antônio da Silva, vigário da Igreja Matriz do Recife,
Pernambuco, 1694.1
O sermão escrito e proferido pelo vigário da Matriz do Recife, Antônio da Silva, em 1694,
fora uma grande elegia para a vitória alcançada pelas tropas coloniais, a mando do governador
Caetano de Melo de Castro (o grande herói, para o vigário), sobre os quilombolas liderados por
Zumbi, na Serra da Barriga. Igualava Zumbi a um deus ou um demônio, e seu algoz era igualmente
divinizado. A certa altura do texto, o religioso escreveu que “neste [na vitória sobre Zumbi] tudo é
paz, tudo é descanso, tudo é sossego”.2
O discurso decretava o fim da guerra e o retorno do sossego dos moradores da capitania,
abalado desde a invasão holandesa (1630). Uma espécie de “pacificação” dos sertões da capitania.
Outro documento corroborava a versão, mas deixando claro que o líder palmarino havia conseguido
escapar da empreitada, no dia 6 de fevereiro de 1694.3 A queda dos rebeldes em fuga de um
penhasco na Serra da Barriga, onde muitos teriam morrido, é comparada a passagens bíblicas, de
maneira a confirmar o caráter épico e divino do feito. A verdade é que Zumbi só seria assassinado
em 20 de novembro do ano seguinte, e as batalhas pelas terras dos Palmares de Pernambuco se
estenderiam ainda pelo século XVIII, com outras lideranças quilombolas à frente.
Mas o que acontece depois? A história da região segue, mas a historiografia de Palmares
nunca deu muita atenção para seu destino, limitando-se a observar que diversos combatentes das
guerras contra os mocambos teriam recebido terras em sesmarias na região.
1 “Sermão feito na matriz do Recife de Pernambuco, estando o Santíssimo exposto na ação de graças que deu V. S. o
governador e capitão general Caetano de Melo e Castro, pelo serviço feliz que alcançou dos negros dos Palmares,
em 6 de fevereiro de ano de 1694.”, [Sermões e poemas de matéria histórica e religiosa], BNL-Res. Cód. 6751, fl.
16v.
2 Idem, fl. 15v. Sobre o discurso religioso e senhorial contra Palmares, VAINFAS, Ronaldo. “Deus contra Palmares –
representações senhoriais e ideias jesuíticas”. In: GOMES, F. S.; REIS, J. J. (org.) Liberdade por um Fio. História
dos Quilombos no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1996, pp. 60-80.
3 “Relação verdadeira da guerra que se fez aos negros levantados do Palmar, em 1694. Anónima e sem data.” BNL-
Res. Cód. 11358//37, fls. 75-101. Nesta tese usaremos a versão publicada por OLIVEIRA, Maria Lêda. “A primeira
Rellação do último assalto a Palmares.” In: Afro-Ásia, 33, (2005), pp. 251-324.
15
É quase impossível decretar uma data para o fim da Guerra dos Palmares. É possível apenas,
como já fizeram outros, apontar para a permanência das referências aos mocambos palmarinos, ou
aos “negros levantados”, ou “rebeldes”, na documentação oficial da época.4 A referência mais
recente à repressão contra os quilombos nos Palmares, por nós encontrada, é de 1829.5
Esta pesquisa, originalmente, buscava respostas sobre possíveis comunidades quilombolas,
remanescentes dos Palmares, que ainda ocupavam o mesmo território disputado ao longo do século
XVII, no século XVIII. Acreditávamos que poderíamos vislumbrar suas relações com os novos
ocupantes da região: basicamente as forças repressivas responsáveis pela destruição das
comunidades originais. Mas as fontes do século XVIII silenciam acerca dos Palmares, sendo
esporádicas referências diretas a possíveis comunidades mocambeiras ainda na região.
Compreendendo que a “pacificação” da região nunca ultrapassou o discurso colonial, e que as
disputas entre quilombolas e senhores de escravos não eram um processo progressivo, linear, em
direção à destruição e aniquilação das comunidades; que esses embates comportavam avanços e
recuos, para ambos os lados, e que se espalhavam por um amplo espaço em disputa, o enfoque se
voltou para as possibilidades empíricas de pesquisa. Buscamos, então, compreender o processo de
ocupação da chamada região dos Palmares, na capitania de Pernambuco, entre os séculos XVII e
XVIII. A hipótese é de que, a partir da documentação era possível mapear aquele espaço em disputa
entre pretensos senhores de terras e negros rebeldes quilombolas. A partir daí, poderíamos observar
a ocupação e territorialização do espaço, ao longo do século XVIII, discutindo formas de
apropriação territorial e de estrutura social que emergiam naquele processo.
O tema dos mocambos de Palmares têm recorrentemente voltado à academia, alimentado por
novas pesquisas que, como esta, se beneficiam das novas tecnologias que facilitam o acesso a fontes
documentais e secundárias. Ao longo dos capítulos, procuraremos abordar esta historiografia,
sempre atentando para suas lacunas a respeito do destino das terras palmarinas – tão lembradas
pelas fontes documentais, como as melhores terras da capitania, que continha os melhores pastos
para a criação de gado, ou a reserva de madeira florestal mais importante da América portuguesa.
Mesmo trabalhos de síntese bastante completos, como o livro de Ivan Alves Filho,6 não ousam
propôr uma leitura da espacialidade da experiência de Palmares. Coube a nós, então, tentar discernir
na documentação, lugares, acidentes geográficos, topônimos, enfim, encontrar os vestígios da
4 Flávio Gomes localizou as últimas referências na década de 1740. Cf. GOMES, Flávio dos Santos. Mocambos de
Palmares. Histórias e fontes (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010.
5 Infelizmente os ofícios do governo de Pernambuco de 6 e 7 de março de 1829 estão praticamente ilegível. Cf. 1829,Março, 06 – Recife. Ofício do Governador de Pernambuco, Thomas Xavier Garcia de Almeida, ao Desembargador
Ouvidor Geral do Crime Gustavo Adolfo Aguilar, sobre proceder à devassa aos roubos e assassinatos praticados
pelos negros dos Quilombos dos Palmares e Catucá e seus cumplices; e 1829, Março, 07 – Recife. Ofício do
Governador de Pernambuco, Thomas Xavier Garcia de Almeida, ao Desembargador Ouvidor Geral do Crime
Gustavo Adolfo de Aguilar, sobre remeter preso a sua ordem por ser consórcio dos negros do Quilombo do Catucá
José de Santa Anna, APEJE, Ofícios do Governo de Pernambuco, 31, fls. 31v-32.
6 Originalmente uma dissertação de mestrado defendida na Franca, em 1978. cf. ALVES FILHO, Ivan. Memorial dos
Palmares. Brasília: Fundação Astrojildo Pereira, 2008 [1ª ed. de 1988].
16
ocupação quilombola, para, em seguida, compreender como esta deu lugar, violentamente, a um
território “plenamente” integrado ao Império ultramarino português.
A leitura das fontes clássicas consultadas pela historiografia de Palmares foi feita, por nós,
com objetivos muito claros, quais sejam, identificar os espaços de atuação quilombola na capitania
de Pernambuco, de modo que pudéssemos comprovar, primeiro, quais terras de fato constituíam os
tais Palmares de Pernambuco – a região de mata e campinas, que hoje corresponde a partes do
Agreste e Zona da Mata dos estados de Pernambuco e Alagoas –, e como elas foram
progressivamente ocupadas pelas tropas coloniais – que nada mais eram do que exércitos de
moradores, jovens e velhos, das freguesias próximas, as chamadas Ordenanças. Ainda que a tropa
mais lembrada pela destruição de Palmares seja o Terço pago dos paulistas de Domingos Jorge
Velho, o modus operandi não difere muito, nem no avanço sobre as comunidades, nem na posterior
forma de assentamento nas regiões conquistadas, através das sesmarias concedidas, quase que
exclusivamente, aos oficiais militares.
A historiografia sobre o instituto das sesmarias no Brasil é bastante consolidada, e conta com
inúmeras contribuições – destacando-se aqui as páginas de Ruy Cirne Lima (1954), Lígia Osório
Silva (1991), Márcia Motta (1996), e Carmen Alveal (2007), dentre outros. Entre os séculos XVII e
XVIII, o instituto sofre diversas modificações através de ordens, cartas e alvarás régios que
buscaram dar melhor ordenamento às concessões e diminuir dúvidas e contendas. As distribuições
de sesmarias ns Palmares de Pernambuco se insere justamente na passagem do que Lígia Silva7
denominou de primeiro para o segundo “sesmarialismo brasileiro” (c. 1530-1695 e c.1695-1795,
respectivamente). Por ter sido a forma por excelência da ocupação territorial titulada na América
portuguesa, até 1822, dedicaremos um capítulo a discussão específica do instituto das sesmarias.
Neste trabalho, busca-se uma visão sobre a propriedade que privilegie as relações sociais que
a constituíam no assim chamado Antigo Regime nos trópicos,8 chamando atenção para as práticas
proprietárias que se encontram nas entrelinhas da documentação. Neste sentido, veremos como a
ocupação das grandes sesmarias nos Palmares pode nos remeter a práticas proprietárias regidas
pelas noções de “efetividade” e de “propriedade imperfeita”, consagradas no ordenamento jurídico
medieval europeu.
Segundo o jurista e historiador italiano Paolo Grossi, no ordenamento jurídico medieval
europeu o direito está enraizado9 nas relações sociais, e não se pretende acima delas. São elas que
7 SILVA, Lígia O. Terras devolutas e latifúndio: efeitos da Lei de 1850. 2ª Ed. Campinas: Ed. da Unicamp, 2008, pp.
56-74.
8 Remeto aqui somente à coletânea seminal que inaugura esta perspectiva na historiografia brasileira, dados os
limites deste artigo. Cf. FRAGOSO, J.; BICALHO, M. F.; GOUVÊA, M. F. (orgs.) Antigo Regime nos trópicos: a
dinâmica imperial portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001.
9 Para tratar do direito e dos direitos de propriedade enquanto construção social, alude-se aqui à ideia de “economia
enraizada”, desenvolvida por Karl Polanyi para mostrar como a Economia nas sociedades pré-capitalistas estava
imersa nas relações sociais. Ver, POLANYI, Karl. “A economia enraizada na sociedade”. In: __. A subsistência do
homem e ensaios correlatos. Rio de Janeiro: Contraponto, 2012, pp. 95-106. 
17
dão a solidez das normas e costumes não-escritos, porém severamente observados.10 Assim, o
campo do direito nas idades média e moderna não pode ser deduzido de, ou reduzido a, outras
esferas da vida social, como a economia, a cultura, a dominação de classe, religião, etc. “O social e
o jurídico tendem a se fundir, e é impensável uma dimensão jurídica vista como mundo de formas
puras ou de simples comandos separados por uma substância social”, que seria a marca do
ordenamento jurídico moderno do a partir do século XIX. A dimensão do direito na idade média
funde-se com a realidade objetiva dos fatos sociais e econômicos. Não há um conjunto de regras e
normas puras e abstratas a ser comparado com a realidade objetiva, mas sim a realidade das
relações sociais faz emergir regras submersas na cultura, nos costumes e na experiência, que julga
os fenômenos jurídicos e arbitra as disputas por direitos, sem uma codificação positiva unificada. O
“império da efetividade”, o “pluralismo de situações de acesso”, “posse e propriedade sobre a
terra”, são algumas expressões que o autor utiliza para descrever como o ordenamento jurídico
emerge da experiência social e econômica dos atores históricos.11 No caso dos direitos de
propriedade, estes são então construídos historicamente pelo seu efetivo exercício entre os atores
históricos das diversas sociedades, e não simplesmente ditados por códigos escritos alheios ao jogo
político e social.
Rosa Congost, por exemplo, defende que abandonemos a dicotomia teórica, evolucionista e
juridicista, entre uma “propriedade perfeita”, consagrada pelo ordenamento jurídico liberal,
individual, absoluta e excludente, e uma “propriedade imperfeita”, pré-capitalista, arcaica, e que,
segundo os estudos históricos e econômicos de viés liberal, teria sido um grande entrave para o
crescimento econômico ocidental, com seu caráter feudal, coletivo e fracionado. Segundo a autora,
muito mais frutífero do ponto de vista histórico seria a análise das “condições de realização da
propriedade”: para além de marcos jurídicos e institucionais, se trata de observar o conjunto de
forças de atração e de repulsa, relacionadas à distribuição social da terra, de seu produto e de suas
rendas, que intervêm e interagem na sociedade analisada. As diversas modificações nas relações
sociais de propriedade nem sempre são acompanhadas de mudanças nos códigos e leis de maneira
correspondente, pois, por princípio, os códigos e leis tentam “encapsular” e tornar estática, como
uma fotografia, uma determinada formação social em constante mutação. Assim, é dever do
historiador observar como uma dada sociedade enxergava, em seus diversos momentos, as relações
sociais que construíam os direitos de propriedade, e não analisá-los a partir de um enfoque
evolucionista dos códigos jurídicos rumo à propriedade privada exclusiva.12 Trata-se, portanto, de
conceber a propriedade como “reflexo, produto e fator das relações sociais existentes”,
10 GROSSI, Paolo. “Justiça como lei ou lei como justiça”. In: Mitologias jurídicas da modernidade. Florianópolis:
Boiteux, 2007, pp. 27-29. 
11 GROSSI, Paolo. História da Propriedade e outros ensaios. Rio de Janeiro; São Paulo; Recife: Renovar, 2006, p. 44.
12 CONGOST, Rosa. Tierras, leyes, historia: estudios sobre “la gran obra de la propiedad”. Barcelona: Crítica, 2007,
pp. 22-23.
18
questionando discursos sobre a propriedade e a justiça que apenas servem para naturalizar e
justificaras diversas ordens sociais existentes nas distintas sociedades.13
É preciso compreender que o sentido de proprietário, no Antigo Regime, era bastante
diferente da ideia de propriedade privada moderna, absoluta, exclusiva e excludente. A “propriedade
partida” era a norma da apropriação territorial, e os direitos de propriedade dos sesmeiros
coexistiam com os direitos de donatários (em caso de capitanias hereditárias), da Coroa (em caso de
capitanias reais), de foreiros e rendeiros, e mesmo de posseiros, divididos em direitos de uso e
usufruto dos terrenos; concessões as mais variadas, como aforamentos, arrendamentos, direitos de
herança, etc. O que estava em jogo, para os sesmeiros, era sua capacidade de fazer com que seus
“senhorios coloniais”14 fossem reconhecidos frente aos demais direitos proprietários que incidiam
sobre uma mesma parcela de terras – o objetivo dos sesmeiros era garantir o assenhoramento dos
terrenos, isto é, o domínio sobre as terras e gentes dentro de sua “jurisdição”, e não a expulsão de
outrem para a afirmação de seus direitos de propriedade privada.15
O espaço, portanto, é tema fundamental deste trabalho. Por se definir como “o estudo do
homem no Tempo”,16 a interface entre a História, enquanto disciplina moderna, e a Geografia
sempre foi mediada por conceitos que privilegiassem a ideia de processo, de diacronia, onde o
espaço pudesse ser apreendido a partir do desenrolar das relações humanas que o conformavam.
Portanto, indo além de Marc Bloch, a História, a partir do diálogo já secular com a Geografia, pode
ser entendida como o estudo do homem no Tempo e no Espaço, seja ele físico, político, social, etc.
Daí a centralidade de conceitos como espaço, região e território para este diálogo entre as
disciplinas.17
Dos estudos clássicos de geografia humana e de sua interface crítica com a historiografia, a
sociologia e a geografia crítica francesa,18 emergiram noções como paisagem, região e território,
que complexificavam a noção de espaço, fundadora da disciplina geográfica, ao passo que
forneciam ferramentas novas às pesquisas historiográficas.
13 CONGOST, Rosa. “¿Qué es la propiedad en la época moderna?” Comunicação apresentada ao IV Encontro
Internacional de História Colonial, Belém, 3 a 6 de setembro de 2012, p. 6.
14 Cf. ALVEAL, Carmen. “De senhorio colonial a território de mando: os acossamentos de Antônio Vieira de Melo no
Sertão do Ararobá (Pernambuco, século XVIII)”. In: Revista Brasileira de História, vol. 35, n. 70, 2015, pp. 41-64.
15 Remeto aqui ao capítulo 2 da tese de doutorado inédita, ainda a ser defendida no PPGH-UFF, de Manoela Pedroza,
intitulado provisoriamente como “A construção do senhorio jurisdicional em Portugal e nos trópicos”. Agradeço a
autora pelo acesso ao texto.
16 BLOCH, Marc. Apologia da História. Rio de Janeiro: Zahar, 1997, p. 55.
17 BARROS, José D’Assunção. “Geografia e História: uma interdisciplinariedade mediada pelo espaço”. In:
Geografia, (Londrina), v. 19 n. 3, 2010, pp. 67-84. Disponível em
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/article/viewFile/4627/6839. Acessado em março de 2018.
18 Vale citar aqui os estudos que fundaram este diálogo: VIDAL DE LA BLACHE, Paul. Tableau de la Géographie de
la France. Paris: La Table Ronde, 1996 [original: 1903]; FEBVRE, Lucien. A Terra e a Evolução Humana.
Introdução Geográfica à História. 2ª ed. Lisboa: Cosmos, 1991 [original: 1922]; BRAUDEL, Fernand. La
Méditerranée et le monde méditerranéen à l’époque de Philippe II. Paris: Minuit, 1966; LACOSTE, Yves. A
Geografia – isso serve, em primeiro lugar, para fazer a guerra. Campinas: Papirus, 1988 [original: 1976];
BOURDIEU, Pierre. “A identidade e a representação: elementos para uma reflexão crítica sobre a ideia de região”.
In: __. O Poder Simbólico. 5ª ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2002 [original: 1980].
http://www.uel.br/revistas/uel/index.php/geografia/article/viewFile/4627/6839
19
Pode-se dizer que, no espaço geográfico indefinido, a ação humana cria padrões de relações,
uma lógica de movimento interno que singulariza determinado espaço, delimitando-o a partir desta
mesma lógica, mais ou menos homogênea e sistemática, de funcionamento. Assim, surge a região,
um recorte humano e historicamente determinado no espaço físico ou natural.19 Seus determinantes
podem ser de ordem socioeconômica (o movimento da produção e a inserção dos atores sociais
nele), político-jurídica (jurisdições de poder estatal), cultural (relações étnicas), dentre outras.
Foi pensando nestes termos que Ilmar de Mattos, por exemplo, diferenciou a região de
agricultura mercantil-escravista, que englobava as unidades produtivas exportadoras tanto na zona
litoral da Mata Atlântica, quanto nos sertões do Brasil colonial; da cidade colonial, as vilas com
suas câmaras. Embora em ambas as regiões fossem marcadas pelas interações entre colonizadores,
colonos e colonizados, os padrões de interação se distanciavam: enquanto na primeira as relações
sociais eram marcadas pela interação entre colonos e colonizados – senhores de terras e gentes
exercendo domínio econômico e social sobre seus subordinados, escravos negros africanos e
crioulos, indígenas e lavradores pobres –, na cidade colonial, as relações sociais eram marcadas
pelos conflitos e barganhas entre colonos e colonizadores, agentes metropolitanos e a elite agrária
local, representada nas câmaras.20
…se a região possui localização espacial, este espaço já não se distingue tanto por suas
características naturais, e sim por ser um espaço socialmente construído, da mesma forma que,
se ela possui localização temporal, este tempo não se distingue pela sua localização meramente
cronológica, e sim como um determinado tempo histórico, o tempo da relação colonial.21
A dominação só é possível a partir do desdobramento da empresa marítima e mercantil em
empreendimento colonizador, para Mattos. A região é, portanto, determinada, no tempo e no espaço,
pelas relações sociais que a constituem. Ela expressa a dominação do colonizador sobre um espaço,
sobretudo sobre os demais agentes históricos que o compõem.
Já o conceito de território tem a ver a apropriação, concreta ou abstrata, de um determinado
espaço por um sujeito. Assim, essa apropriação pode ser material, concreta, como o estabelecimento
de jurisdições políticas e a delimitação de fronteiras nacionais, com seu aparato de ordenamento
correspondente. Ou ainda, pode ser ideal, no nível das representações, como um mapa produzido
por um pesquisador ou uma autoridade, que visa, de qualquer forma, um controle sobre a
representação de determinado espaço.22 A territorialização do espaço é ação humana consciente, que
visa controle e ordenamento, logo, é um processo de disputa entre expectativas conflitantes – de
grupos sociais distintos, classes antagônicas, etc. –, de eterno territorializar e reterritorializar.
19 BARROS, “Geografia e História”, pp. 70-71.
20 MATTOS, Ilmar Rohloff. O Tempo Saquarema: a formação do Estado imperial. 4ª ed. São Paulo: HUCITEC, 2004,
cap. 1.
21 Idem, p. 36.
22 BARROS, “Geografia e História”, pp. 80-81.
20
No contexto do Império Ultramarino português, pensar direitos de propriedade é, também,
pensar em processos de territorialização. Seguindo José Serrão, o território é um espaço político
acima de tudo, onde conceitos como jurisdição e soberania são exercidos na prática social
cotidiana.“Território é, então, um conceito material, ainda que inseparável da noção de exercício de
direitos.”23 Pensando na América portuguesa, a construção do território colonial dependia da
capacidade da Coroa de exercer sua soberania sobre as porções de terra. O que era tentado através
das instituições da administração colonial (vilas, câmaras, tribunais, cargos civis e militares,etc.).
As jurisdições das sesmarias podem ser entendidas como um exercício de direitos, e, então, como
uma forma de territorialização do espaço na América portuguesa. No entanto, o caso das terras
pernambucanas do antigo quilombo dos Palmares tem mostrado que estes territórios são disputados,
mesmo após as instituições se instalarem. Ou melhor, a territorialização não é um processo dado
pelas instituições, regras e leis do Império português, mas um processo histórico que envolve
práticas diversas de exercício de direitos e disputas sobre a dinâmica de territorialização. Serrão
escreve que, “direitos de propriedade sobre a terra [domínio privado] pressupunham um território
[soberania] na mesma medida em que um território não existiria sem terras.”24 
Se o soberano precisava estabelecer um território delimitado espacial, política e juridicamente
para poder conceder direitos de propriedade a seus súditos sobre este espaço, no caso dos impérios
do ultramar, a progressiva construção deste território também dependia do apossamento e ocupação
individuais pelos súditos, que só após a descoberta e conquista do chão de terras – muito comum no
caso das sesmarias do sertão – comunicavam e pediam a confirmação de seus direitos ao soberano.
Assim, disputas por direitos sobre o chão de terra tinham reflexos no exercício da soberania
imperial portuguesa: quando havia indefinição entre os colonos, rapidamente a Coroa era chamada a
arbitrar os litígios enquanto parte interessada nas rendas que a territorialização dos espaços lhe
garantia – a indefinição dos direitos de propriedade podia prejudicar a fiscalidade do Império.
Em diversos momentos veremos como Palmares representava esta indefinição de direitos
proprietários – justamente porque os quilombolas acabavam por disputar o domínio efetivo das
terras com pretensos sesmeiros e proprietários.
*****
As fontes de pesquisa documental para Palmares são extremamente dispersas e diversas. Os
fundos mais importantes permanecem os documentos avulsos para as capitanias do Norte da
América portuguesa, depositados no Arquivo Histórico Ultramarino, em Lisboa. Pioneiramente,
23 SERRÃO, José Vicente. “Property, land and territory in the making of overseas empires”. In: SERRÃO, José V.;
DIREITO, Bárbara; RODRIGUES, Eugénia; MIRANDA, Susana M. (eds.) Property Rights, Land and Territory in
the Europeans Overseas Empires. Lisbon: CEHC-IUL, 2014, p. 8.
24 SERRÃO, “Property, land and territory…”, p. 8.
21
Ernesto Ennes compilou, em dois livros, boa parte dessa documentação, ainda na primeira metade
do século XX.25 Hoje essa documentação está disponível ao pesquisador graças ao famoso Projeto
Resgate, disponibilizado atualmente, online, no site da Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
Também os códices depositados no mesmo Arquivo, com compilações de ordens régias e despachos
do Conselho Ultramarino, contém informações valiosas sobre Palmares – os primeiros a consultar
essa documentação e apresentar em suas sínteses sobre o tema foram Décio Freitas e Ivan Alves
Filho.
Paralelamente, há as compilações das cartas dos governadores de Pernambuco, entre 1652 e
1746, guardadas no Arquivo da Universidade de Coimbra: as chamadas Disposições dos
governadores de Pernambuco. Documentação conhecida pelo trabalho de Evaldo Cabral de Mello,
foi Sílvia Lara quem primeiro a referenciou para discutir os quilombos de Palmares.26 Como lembra
a própria autora, este conjunto de evidências tem o potencial de complementar a documentação do
Arquivo Histórico Ultramarino, uma vez que este concentra a comunicação entre colônia e
metrópole, e aquele a circulação interna, em Pernambuco e capitanias anexas, de informações as
mais variadas.
O outro conjunto importante de fontes aqui utilizado foi a documentação cartorial para o
agreste de Pernambuco, onde pudemos ir além das cartas de sesmarias, e observar a efetividade da
ocupação territorial. Consiste em processos cíveis e criminais do chamado juízo ordinário, a
primeira instância em geral, no Brasil colonial. Estas fontes estão bastante fragmentadas, e cobrem
bem mais a segunda metade do século XVIII, apesar de conter informações valiosas sobre a
primeira. O que no século XIX virou a antiga comarca de Garanhuns, no XVIII era chamado ainda
de sertão do Ararobá. Nele estavam os campos dos Garanhuns importante região de criação de
gado. Formado por grandes sesmarias do século XVII, os direitos de propriedade de seus sesmeiros
se viram inviabilizados pelas Guerras dos Palmares, e a ocupação da região só deslancha a partir da
década de 1710.
Esse processo de ocupação gerou um enorme volume de processos judiciais, os quais hoje,
encontramos em, pelo menos, três fundos arquivísticos distintos. O primeiro, e talvez o maior – com
certeza o menos acessível – é Fundo Orlando Cavalcanti, do Arquivo do Instituto Histórico
Pernambucano. O volume da documentação não pôde ser determinado por nós ao longo da pesquisa
pela dificuldade de acesso, mas já foi quantitativamente mapeado por alguns poucos estudos –
falaremos deles nos capítulos finais da tese. O segundo, é o “Fundo Cartório de Garanhuns” do
Aquivo Público Estadual do Recife. Esta documentação, segundo apuramos, foi depositada no
25 ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares: subsídios para sua história. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938; e
ENNES, Ernesto. Os primeiros quilombos: subsídios para sua história. Campinas: Biblioteca Hélio Vianna,
Unicamp, 1951. Exemplar datilografado inédito.
26 LARA, Sílvia H. Palmares & Cucaú: o aprendizado da dominação. Tese (Titularidade em História do Brasil) –
Universidade Estadual de Campinas, Campinas, 2008
22
Arquivo na década de 1980, trazida de Garanhuns, mas nunca foi devidamente tratada e catalogada.
Apesar do fácil acesso, o emaranhado da documentação não facilita o trabalho do pesquisador. Por
último, temos o Arquivo Memorial da Justiça, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, também no
Recife. É onde os maços de processos da comarca de Garanhuns estão melhor preservados e
catalogados, ainda que com alguns erros de informações em ementas. No geral, toda essa
documentação apresenta bom estado – ainda que haja vários processos, para o século XVIII,
ilegíveis – sendo a falta de tratamento arquivístico adequado e a fragmentação dos livros cartoriais
nestas três instituições diferentes os maiores obstáculos para a pesquisa.
Procurou-se tratar as fontes documentais jurídicas (processos civis tocantes a inventários,
justificações, registros de testamentos, procurações, partilhas, litígios de terras, etc.) como fontes de
um universo de práticas e ideias expressas pelos atores, ainda que inconscientemente. Dos
processos judiciais se pôde extrair relatos de práticas socialmente legitimadas, ainda que, no
contexto de um processo específico, não podermos saber se o relato contém a verdade dos fatos. E
nem nos interessa saber, a medida que não nos colocamos no lugar do juiz de então. Mesmo os
relatos falsos tinham que guardar certa verosimilhança com o mundo das práticas sociais cabíveis e
aceitáveis, de modo a se sustentarem dentro de um processo. Esta é a porta de entrada para as
relações sociais geográfica e historicamente determinadas. Não nos interessou a verdade positivista
do documento e das falas que o constituía, mas sim a verdade social, que mesmo mentiras e
exageros não podem deixar de explicitar. Como diria Thompson, a pretensa universalidade do
direito é, dialeticamente, sua força e sua fraqueza enquanto instrumento de dominação de classe,
uma vez que todo discurso jurídico precisa, mesmo para oprimir os subalternizados, de legitimidade
nas práticas e ideias hegemônicas numa determinada formação social.27
O recorte específico destas fontes se deveuao simples fato da possibilidade de acesso, uma
vez que fontes cartoriais para os séculos XVII e XVIII, da capitania de Pernambuco e anexas, são
raras. Desse modo, ainda que procuremos localizar a totalidade das doações de sesmarias referentes
aos Palmares de Pernambuco, não nos foi possível adentrar o processo de ocupação de várias dessas
áreas devido a escassez de fontes – ou a não localização destas.
*****
A tese está organizada em sete capítulos. O Capítulo 1 busca abordar as diversas conjunturas
dos mocambos de Palmares nos três primeiros quartéis do século XVII. Primeiro, abordamos,
rapidamente, a forma como a historiografia sobre o tema tratou das diferenças entre as diversas
fases da história de Palmares. Em seguida, mergulhamos nas fontes primárias para discernir esta
27 THOMPSON, Edward Palmer. Senhores e caçadores. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1997, especialmente suas
conclusões.
23
história em quatro períodos distintos, até 1674, quando, como tentamos demonstrar, a experiência
de crescimento, em poder e população, dos mocambos chega a um limite. Os objetivos, no entanto,
não são de repetir uma análise da organização dos mocambos, já intentada por parte da
historiografia, mas perceber os espaços de atuação e dominação territorial das comunidades nos
sertões da capitania de Pernambuco, nestas conjunturas diversas. Recorremos, então, ao
georreferenciamento dos dados documentais, como forma de expôr alguns dos resultados e
conclusões.
O Capítulo 2 aborda temas caros à historiografia da escravidão no Brasil, como a brecha
camponesa, ou economia interna dos escravos; as relações entre mocambos e a sociedade colonial
em seu entorno; e a produção de subsistência própria aos mocambos de Palmares. A ideia é que o
“projeto camponês” gestado nas senzalas extrapolava seus limites físicos e sociais, tendo
prolongamentos nos mocambos, enquanto espaços de autonomia onde aquele projeto de vida podia
continuar a ser perseguido. Daí os mocambos de Palmares se apresentarem, em muitos momentos,
não como simples esconderijos de negros fugitivos, mas verdadeiras comunidades negras,
integradas a muitos dos moradores seus vizinhos, em relações de trocas comerciais mas também
disputas de poder.
No Capítulo 3 buscamos dar conta do declínio das comunidades palmarinas, a partir da forte
repressão iniciada com o governo de Pedro de Almeida, em Pernambuco (1674-1678). Veremos que
a efêmera recuperação econômica do setor açucareiro, entre as décadas de 1670 e 1680, foi
suficiente para incrementar a repressão aos mocambos na capitania, tendo como consequência a
capitulação de algumas lideranças palmarinas, em 1678, e a desarticulação dos mocambos entre si,
e mesmo entre seus aliados na sociedade colonial. A partir de então, apenas o bando de Zumbi
permanece com forte poder de resistência, nos confins da Zona da Mata, entre a Serra da Barriga e o
agreste sertão do Ararobá. Com a morte de Zumbi, em 1695, outras lideranças tomam seu lugar,
mas sem qualquer capacidade para resistir ao Terço do paulista Domingos Jorge Velho – que se
torna uma espécie de patrulha anti-quilombola em Pernambuco, durante, praticamente, todo o
século XVIII. “Reis”, “principais” e outras designações recorrentes para se referir às lideranças
palmarinas na documentação, desaparecem, e apenas referências esparsas a presos e perseguidos
dos Palmares permanecem, até, mais ou menos, 1715.
No Capítulo 4, procuramos analisar a historiografia sobre as sesmarias no Brasil colonial com
intuito de atentar para a historicidade desta instituição. Nascida em Portugal, em 1375, a legislação
sofre diversas mudanças a partir de sua implantação na América, a partir da década de 1530. Sua
trajetória permite entrever formas de apropriação territorial muito diversas, convivendo – não
pacificamente – com as prerrogativas sesmariais. Permite extrair algumas conclusões a respeito da
natureza dos direitos de propriedade no Brasil colônia e sua relação direta com os conflitos que
24
engendravam a sociedade colonial de então. Entes conflitos envolveram, certamente, as populações
quilombolas, marginalizadas nas fronteiras da sociedade sesmeira litorânea, e estigmatizadas, como
as populações pobres de livres do sertão.
No Capítulo 5 me debruço diretamente sobre as concessões de sesmarias nas terras dos
macombos de Palmares, a partir do fim da guerra de repressão. Como estas terras foram divididas,
quais as dimensões dos domínios sesmarias concedidos, e quais as disputas engendradas por este
processo no seio das classes escravistas do nordeste colonial, são algumas das questões abordadas.
As cartas de sesmarias, apesar de seu conteúdo um tanto quanto padronizado e limitado, se mostra
uma fonte rica para os objetivos de localização e explanação das disputas entre os possíveis
sesmeiros que cobiçavam a região de Palmares.
Os Capítulos 6 e 7 são uma tentativa de adentrar as sesmarias, para além de seu perímetro de
domínio, para vislumbrar a ocupação do chão de terra, o usufruto dos sesmeiros, numa região
interditada ao avanço colonial (territorialização) pelos mocambos de Palmares. O atual Agreste de
Pernambuco, então chamado de sertão do Ararobá e Campos dos Garanhuns, fora doado em sua
quase totalidade, a grandes famílias dos chamados “principais da terra”, de Pernambuco e da Bahia,
ainda durante a guerra de Palmares. A família Vieira de Melo foi a porta de entrada para discutir a
ocupação efetiva das antigas terras dominadas pelos quilombolas, a partir de uma fragmentária,
porém rica, documentação cartorial para o Agreste de Pernambuco. Sua sesmaria no Ararobá foi um
caso singular entre todas as pesquisadas ao longo da tese, pois gerou um grande volume de
documentação, inclusive no Conselho Ultramarino, permitindo-nos observar como usufruíram
aqueles senhores de terras e gentes de seus domínios sesmariais, após o episódio de Palmares.
Trabalhamos também as fontes para a segunda metade do século XVIII, na região do Ararobá e
Garanhuns. Procuramos demonstrar alguns conflitos surgidos no processo de institucionalização
daquela região, envolvendo figuras ligadas às sesmarias distribuídas vizinhas aos antigos mocambos
dos Palmares. Disputas que envolviam poderes locais e direitos de propriedade são analisadas, de
maneira a demonstrar o papel da justiça local nos conflitos e também os argumentos dos atores que
remetiam à conquista da região aos negros palmarinos.
25
CAPÍTULO 1
Das primeiras fugas ao auge dos Palmares de Pernambuco, c. 1600-1674
1. Introdução
Neste capítulo temos por objetivo situar no tempo, e principalmente no espaço, as diversas
modificações sociais e espaciais que sofreram os chamados mocambos de Palmares, entre 1600 e
1674, quando os mocambos atingiram seu auge populacional e territorial. Como apreender os
Palmares, múltiplos em sua secular trajetória, sem cair nas armadilhas colocadas pelas fontes da
repressão quilombola e evitando a romantização da “grandiosidade” daquela experiência de
resistência? Nossa sugestão, neste capítulo, será discernir diversos Palmares, entre os séculos XVII
e XVIII, relacionando a ocupação e a mobilidade territorial das comunidades e com os diversos
esforços repressivos. Desta maneira, Palmares será visto em sua movimentação no espaço-tempo,
na itinerância das comunidades em constante fuga – o que implicava a criação e abandono contínuo
dos sítios, casas e paliçadas muito rapidamente –, e na diversidade do poder econômico e social dos
mocambos, isto é, das terras que ocupou e dominou. A hipótese é de que, conjunturalmente, é
possível vislumbrar estas características em transformação, enriquecendo o entendimento acerca das
comunidades, sua relação com os poderes locais estabelecidos e o desafio que representavam aos
interesses senhoriaisna capitania de Pernambuco, se afastando de uma abordagem monolítica e
estática de Palmares, buscando, a partir daquele espaço, tecer as redes de relações que envolviam
quilombolas, senhores de escravos, autoridades, etc.28
Nem sempre fica claro, nas análises até então empreendidas sobre Palmares, que a história
daquele conjunto de mocambos e quilombos comporta uma multiplicidade de atores e momentos
diferentes, o que torna, talvez, impossível afirmar quais as comunidades de fato se relacionavam
com os chamados Palmares do sertão de Pernambuco, ou mesmo em que medida se estabelecia uma
certa rede de pessoas e informações entre as diversas comunidades quilombolas do sertão
pernambucano, formando um grupo mais ou menos coeso de resistência, com organização
produtiva, hierarquia social e militar ao longo de seu desenvolvimento secular. 
28
A ideia é compreender Palmares não apenas como uma erupção de rebeldia escrava, mas (até mesmo pela sua
longevidade) observar os acontecimentos em torno dos mocambos de uma perspectiva micro-histórica, em que o
impacto cotidiano do lidar com a proliferação dos mocambos possa ser apreendido pelas fontes disponíveis,
permitindo entrever algumas estratégias conjunturais tanto dos mocambeiros (a manutenção da autonomia, a
possível busca pela liberdade, ou a fuga da opressão e maus-tratos de certos senhores), quanto dos agentes
repressivos (a garantia da submissão dos cativos, dos investimentos senhoriais representados por aqueles, a
manutenção e ampliação do poder através dos serviços reais e suas contrapartidas), de modo a mapear o domínio
territorial das comunidades. Sobre esta perspectiva, ver LEVI, Giovanni. A Herança Imaterial: trajetória de um
exorcista no Piemonte do século XVII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2000.
26
O “Quilombo dos Palmares”, como boa parte da historiografia já salientou, era constituído por
diversas comunidades de escravos fugitivos, que ocupavam uma região genericamente referida à
época como “os sertões dos Palmares”, ou “os Palmares de Pernambuco”. Estas expressões, na
verdade, se referiam a uma pluralidade de pequenos – e grandes – mocambos espalhados pelo
sertão, ao longo do médio curso dos principais rios da capitania (especialmente Ipojuca, Sirinhaém,
Una, Mundaú e Paraíba do Meio – ver o mapa na última seção deste capítulo) que tinham em
comum agruparem escravos fugitivos dos engenhos de açúcar do litoral em
esconderijos/comunidades, e o plantio e uso extensivo das palmeiras, nativas do nordeste,
conhecidas como catulé, pindoba, babaçu (espécies Rhapis pyramidata, Attalea humilis, ou ainda
Attalea oleifera e Attalea speciosa), ressignificando tradições africanas ancestrais.29 Ao longo de
todo o século XVII, os chamados Palmares foram identificados pelas palmeiras agrestes que se
erguiam em meio à mata fechada que dominava o sertão pernambucano, entre o rio São Francisco e
o Cabo de Santo Agostinho. Os mocambos de escravos fugitivos se espalhavam por mais de
“sessenta léguas” naqueles sertões, constituindo diversos “Palmares” - plural de “palmar”30 –, ou
seja, comunidades que se distinguiam na paisagem natural local por suas palmeiras.
As fontes repressivas são bastante generosas no sentido de “agigantar” e homogeneizar o
episódio de Palmares. É o que lembra Flávio Gomes,31 comentando que parte da historiografia pode
ter “comprado” o discurso repressivo, altamente interessado no agigantamento de Palmares, e,
consequentemente, nas dificuldades para sua destruição e, nas benesses necessárias como
retribuição a este árduo serviço. Em outras palavras, pintar o problema que os mocambos
representavam para a administração colonial carregando nas tintas podia fazer parte de uma
estratégia dos colonos interessados nas mercês em retribuição do serviço prestado à Coroa, mas o
fato de a historiografia ter “comprado” essa representação teve suas consequências.
Os dados essenciais aqui trabalhados são oriundos de dois fundos documentais da maior
importância para a História das capitanias do Norte da América portuguesa. Sobre o primeiro deles,
a documentação das “Disposições dos governadores de Pernambuco”, contida na Coleção Conde
dos Arcos do Arquivo da Universidade de Coimbra, é interessante notar que permaneceu
inexplorada pelos historiadores de Palmares até bem recentemente.32 Tratam-se de dois tomos
29 ALENCASTRO, Luiz Felipe. “História geral das guerras sul-atlânticas: o episódio de Palmares”. In: GOMES,
Flávio dos Santos. Mocambos de Palmares. Histórias e fontes (séculos XVI-XIX). Rio de Janeiro: 7 Letras, 2010,
pp. 61-99, ver as notas 114 a 117.
30 Segundo Raphael Bluteau, no início do século XVIII “palmar” se referia a “campo onde nascem palmas
[palmeiras]”, e “nas histórias do Brasil e da Índia, não só significa campo, mas também aldeia, e casa dos
moradores daquelas terras, que de ordinário fazem as suas povoações em campos abundantes de palmas”. Como
referência, cita a obra do holandês Barléu (1647), afirmando, por fim, que “aqui [no Brasil retratado por Barléu]
palmar é quinta, ou coisa que o valha”. BLUTEAU, Raphael. Vocabulario portuguez & latino: aulico, anatomico,
architectonico ... Coimbra: Collegio das Artes da Companhia de Jesus, 1712-1728. vol. 6, p. 208.
31 GOMES, Flávio dos Santos. Palmares: Escravidão e liberdade no Atlântico Sul. São Paulo: Contexto, 2005.
32 Os trabalhos onde figura como uma das fontes primárias principais são, LARA, Sílvia Hunold. Palmares & Cucaú:
o aprendizado da dominação. Tese (Titularidade em História do Brasil) – Universidade Estadual de Campinas,
27
contendo cópias manuscritas dos registros das provisões, cartas, ordens e outros documentos
enviados pelos governadores de Pernambuco a diversas autoridades da América portuguesa.
Consideramos essa uma importante fonte para conhecermos o dia a dia da administração interna das
capitanias do Norte – centralizadas no governo do Recife/Olinda. Ambos os tomos contêm índices
com ementas de cada documento copiado a mando do governador de Pernambuco, Marcos de
Noronha e Brito (1746-1749). A correspondência cobre o período entre 1652 e 1746, do governo de
Francisco Barreto de Meneses (1654-1657) até o governo de Henrique Luís Pereira Freire (1737-
1746). Já explorado por historiadores como Sílvia Lara e Evaldo Cabral de Mello, este corpus
documental permite cobrir as lacunas da documentação que seguia para o reino, complementando
os dados da administração colonial com informações que circulavam internamente e, portanto, num
ritmo próprio e distinto da dinâmica da relação entre colônia e metrópole.33
Neste capítulo, esta documentação será cotejada com os papéis de governo que cruzavam o
Atlântico e conectavam as secretarias de governo nas capitanias ao Conselho Ultramarino, em
Lisboa. Muito mais bem conhecida dos historiadores de Palmares – graças ao trabalho pioneiro de
divulgação documental do historiador português Ernesto Ennes, ainda na década de 193034 –, a
documentação do Conselho Ultramarino pode ser acessada não apenas graças ao material
digitalizado pelo Projeto Resgate, mas também pelas diversas publicações de documentos nos
anexos de obras sobre o tema.35 Especificamente para o período de dominação holandesa,
trabalharemos com alguns escritos do Brasil holandês divididos em dois grupos. O primeiro deles é
composto pelos papéis administrativos e militares da Companhia das Índias Ocidentais (WIC,
Westindische Compagnie): o Relatório sobre o distrito das Alagoas, de 1643; e o diário da
expedição do capitão Johan Blaer (por vezes João Blaer) aos Palmares, de 1645. Já o segundo são
os relatos de viagem de Gaspar Barleus (ou Barléu, aportuguesamento de Caspaer vanBarlaeus) e
Joan Nieuhof; ambos visitaram as conquistas neerlandesas no Brasil durante o governo do conde de
Nassau. O cruzamento destas informações produzidas por diferentes interlocutores e cuja circulação
e eficácia obedeciam a dinâmicas distintas, poderá nos fornecer um quadro bastante completo da
administração colonial sobre os Palmares. A esperança é que também possa nos ajudar a melhor
Campinas, 2008; e MENDES, Laura Peraza. O serviço de armas nas guerras contra Palmares: expedições,
soldados e mercês (Pernambuco, segunda metade do século XVII). Dissertação (Mestrado em História) –
UNICAMP, Campinas, 2013.
33 LARA, Palmares & Cucaú, pp. 1-2; e MELLO, Evaldo Cabral. A Fronda dos Mazombos: nobres contra mascates,
Pernambuco, 1666-1715. São Paulo: Ed. 34, 2003, pp. 16-17.
34 ENNES, Ernesto. As guerras nos Palmares: subsídios para sua história. São Paulo: Cia. Editora Nacional, 1938. O
segundo volume de documentos obre a história dos quilombos no Brasil, pensado pelo autor, não chegou a ser
publicado, mas pode ser consultado na Biblioteca Hélio Vianna, na UNICAMP. Cf. ENNES, Ernesto. Os primeiros
quilombos: subsídios para sua história. Campinas: Biblioteca Hélio Vianna, Unicamp, 1951. Exemplar
datilografado inédito.
35 Recentemente, Flávio Gomes concentrou parte desta documentação na coletânea de 2010 já citada, GOMES,
Mocambos de Palmares.
28
localizar no tempo e no espaço a atuação das comunidades de mocambos no sertão de Pernambuco
ao longo do século XVII e início do XVIII.
2. Historiografia de Palmares
 
Alguns trabalhos clássicos tentaram enquadrar as diversas conjunturas, essencialmente da
organização política e da resistência quilombola, nos Palmares. O primeiro a formular uma
explicação para a história dos mocambos de Palmares em “fases” ou conjunturas temporais foi Nina
Rodrigues, cujos escritos sobre Palmares foram formulados ainda na virada do século XIX para o
XIX.36 Estas fases seguiam, basicamente, o desenrolar do esforço repressivo contra Palmares: (1) o
“Palmares holandês”, entre 1630 e 1644/1645, quando foi destruído pelas expedições de Roloux
Baro e de Johan Blaer; (2) o “Palmares da Restauração” pernambucana, que começou a se
reconstruir durante a guerra de expulsão holandesa (1645-1654), vindo a cair diante do governador
Pedro de Almeida, culminando com um acordo de paz, em 1678; e (3) o “Palmares terminal”, entre
1685 e 1697, destruído pelas forças de Domingos Jorge Velho – para cujo período, lamentava o
autor por não haver uma crônica coesa da campanha.37 Esta primeira historiografia muito pouco se
preocupou em relacionar estas fases da história de Palmares com a espacialidade dos mocambos do
sertão de Pernambuco e a forma como as comunidades de mocambos ocupavam aqueles espaços ao
longo do tempo; talvez mesmo pela característica das fontes – em sua imensa maioria, relatos
militares e administrativos portugueses – das quais se extraía com muito mais facilidade uma
“história dos vencedores”.38
Ainda na década de 1930, Arthur Ramos, bastante influenciado pelo trabalho de Nina
Rodrigues, chamou a atenção para uma fase anterior ao domínio holandês nas capitanias do Norte
colonial, quando a fuga de cativos das vilas litorâneas em direção aos matos e serras da capitania de
Pernambuco já preocupava as autoridades. Ramos caracterizou Palmares enquanto uma
confederação de “quilombos, ou cidades negras, unidos entre si por laços de solidariedade política e
36 RODRIGUES, “As sublevações de negros no Brasil”.
37 Ainda não havia sido descoberta e publicada a crônica anônima que narrava a incursão das forças de Domingos
Jorge Velho e Bernardo Vieira de Melo nos Palmares, em 1694. cf. Relação verdadeira da guerra que se fez aos
negros levantados do Palmar, governando estas capitanias de Pernambuco o senhor governador e capitão-geral
Caetano de Melo de Castro, no ano de 1694, da feliz vitória que contra o dito inimigo se alcançou , em OLIVEIRA,
Maria Lêda. “A primeira rellação do último assalto a Palmares”. In: Afro-Ásia, 33 (2005), pp. 251-324.
38 Tendência de uma historiografia nacionalista tradicional, denunciada por E. P. Thompson, em 1963, em seu clássico
estudo sobre a formação da classe operária inglesa, The Making of the English Working Class. Uma história dos
vencidos teria que ser produzida, se contrapondo à história tradicional dos vitoriosos dos principais processos
históricos, utilizando-se, quase sempre, dos mesmos escassos e tendenciosos registros do passado, porém com uma
mudança de perspectiva que desse relevo às ações dos derrotados, dos vencidos: camponeses, proletários, mulheres,
escravizados, etc. Ver, THOMPSON, E. P. A Formação da Classe Operária Inglesa. v. 1. Rio de Janeiro: Paz e
Terra, 1987, p. 13.
29
militar”.39 Essa “monarquia eletiva”, como o autor chamou, mantinha relações de trocas comerciais
com os moradores das vilas vizinhas, vendendo produtos da lavoura (cana, banana, feijão), e
comprando tecidos, ferramentas, armas e munição.
Tentando discernir as várias conjunturas de Palmares, Benjamin Péret afirmou que, pelo
menos até o período de 1645-1667 (que julga ter sido a “idade de ouro” das comunidades, quando a
população dos quilombos, aproveitando um período de relativa paz, pode crescer e expandir a área
de ocupação), não haveria uma grande centralização política em torno de lideranças guerreiras
“absolutistas”. Já de 1667 a 1676, o vertiginoso aumento das incursões portuguesas aos mocambos
teria criado a necessidade de um governo mais bem centralizado, para dar conta da organização
defensiva. O que não significa, para o autor, uma autoridade absoluta e irrevogável. Assim, ele
aponta duas formas de governo distintas em Palmares: no primeiro momento, um tipo de autoridade
difusa pelos diversos mocambos, em que seus líderes se reuniam para decidir questões mais gerais;
e pós-1667, quando, com o aumento da população e da repressão, se fez necessária uma autoridade
central.40 A novidade na abordagem de Péret foi a tentativa de determinar o desenvolvimento
histórico dos mocambos de Palmares não a partir da perspectiva da repressão, mas da organização
interna das comunidades, e do papel interno de suas lideranças.
Bem mais recentemente, Sílvia Lara defendeu uma diferença crucial entre os Palmares antes e
depois da década de 1670. A partir das fontes do governo de Pedro de Almeida na capitania (1674-
1678), é possível apreender a atuação política de uma parentela ligada ao “rei” Gana Zumba. Este
corpo político, composto por irmãos (Gana Zona, irmão de Gana Zumba; Andalaquituxe, irmão de
Zumbi), filhos (Tuculo e Aca Iuba/Anajubá, filhos de Gana Zumba), mãe (Aca Inene, mãe de Gana
Zumba) e mesmo um genro do líder rebelde (Gangamuisa, “mestre de campo de toda a gente de
Angola”, como se vê na “Relação” de 1678),41 foi invocado ao longo das negociações entre a
administração da capitania e os quilombolas. Ainda que seja impossível dizer se este conhecimento
vasto da organização interna dos mocambos fosse apenas instrumento retórico, por parte do
governador Pedro de Almeida, ou quem quer que tenha mandado redigir o manuscrito anônimo da
“Relação”, para convencimento dos superiores em Lisboa, fato é que antes daquela década a
documentação nunca foi tão explicita acerca dos indivíduos que integravam os mocambos
palmarinos.42 Conjectura-se, assim, que esta organização observada a partir de então tenha se
39 RAMOS, Arthur. O Negro na Civilização Brasileira. [1939]. Rio de Janeiro: Livraria-Editora da Casa do Estudante
do Brasil, 1971, pp. 66, 74-75.
40 PÉRET, Benjamin. “Que foi o quilombo de Palmares?” In: __. O Quilombo dos Palmares. Organização e estudos
complementares de Mário Maestri e Robert Ponge. Porto Alegre: Editora da UFRGS, 2002, pp. 113-125.
41 Trata-se aqui de informaçõesdadas pelo manuscrito anônimo conhecido como “Relação das Guerras Feitas aos
Palmares de Pernambuco no Tempo do Governador D. Pedro de Almeida de 1675 a 1678”, que está sob a guarda do
ANTT, em Lisboa. Voltaremos a ele logo abaixo.
42 Ver LARA, Sílvia H. “Soldados e parentes: nomes centro-africanos nas matas de Pernambuco no século XVII”.
Comunicação inédita feita no evento Africanos nas Américas: reconstruindo vidas num novo mundo, 1675–1825.
University of the West Indies, Cave Hill, Barbados, 14 a 16 de março de 2013. Agradeço à autora por ceder o
manuscrito.
30
formado nos mocambos em algum momento entre as décadas de 1660 e 1670. Todavia, também não
podemos afirmar que algo parecido não existisse anteriormente, apenas pela escassez de fontes. O
que é necessário frisar é que os colonizadores e poderes locais na capitania de Pernambuco
acabaram por definir, sem dúvidas, que os Palmares se tratavam não apenas de uma revolta escrava,
mas de uma espécie de organização política, de inspiração centro-africana – pelo menos, é o
paralelo traçado pelas autoridades, a partir do conhecimento prévio no trato com estados centro-
africanos do outro lado do Atlântico –, organizado para a manutenção da liberdade e da autonomia
de seus “habitantes”, fossem estes escravos fugidos de seus senhores, fossem os nascidos livres nos
matos.43
Também John Thornton acredita que, por essa época, uma espécie de organização política
militarizada tenha se estabelecido nos mocambos de Palmares.44 Assim como na África Central
estados se formaram em meio às necessidades da situação endêmica de guerra – fomentada, no
século XVII, pela colonização na região de Luanda e seu interior –, cujas solidariedades eram
forjadas não por afinidades culturais ou políticas prévias, mas pela luta e resistência, em Palmares
algo parecido teria acontecido, fazendo com que africanos e crioulos escravizados, negros livres ou
forros, tenham forjado elos políticos para a manutenção das comunidades de fugitivos nos sertões.
Daí a referência documental a nomes e títulos africanos nessa documentação, a uma hierarquia
política formada em torno de uma linhagem, encabeçada por dois irmãos, Gana Zumba e Gana
Zona, mas que tinha uma matriarca, Aca Inene – remetendo às linhagens matrilineares dominantes
na África Central conhecidas pelos portugueses de então.45
Ainda que limitados por fontes altamente comprometidas pelo discurso do colonizador,
estudos acadêmicos retomaram esta perspectiva de explicar a dinâmica interna e as mudanças nos
mocambos de Palmares ao longo dos anos. Ainda assim, pouca atenção foi dispensada ao espaço de
atuação e de resistência dos quilombolas, as terras que os palmarinos dominaram por mais de um
século, frente a repressão senhorial em Pernambuco. Com o intuito de contribuir nesse esforço,
buscaremos demarcar os locais de atuação quilombola nos sertões da capitania de Pernambuco, a
partir das fontes da repressão colonial, até a década de 1670. Trata-se de elucidar a ocupação
43 Ver também LARA, “Com fé, lei e rei: um sobado africano em Pernambuco no século XVII”. In: GOMES, Flávio
(org.) Mocambos de Palmares, pp. 90-118. Sobre o Estado em Palmares e comparações com a África Central, ver
principalmente KENT, Raymond K. “Palmares: An African State in Brazil”. In: Journal of African History, VI, 2,
1965, pp. 161-175; SCHWARTZ. Stuart B. “Repensando Palmares: resistência escrava na colônia” [1987]. In:
Escravos, Roceiros e Rebeldes. Bauru: Edusc, 2001, p. 251; e ANDERSON, Robert N. “The quilombo of Palmares:
A new overview of a maroon state in seventeenth-century Brazil”. In: Journal of Latin American Studies, 28-3,
1996, 545-565; e LARA, Palmares & Cucaú. Mais recentemente, o tema foi retomado por um africanista, cf.
THORNTON, John K. “Les États de l’Angola et la formation de Palmares (Brésil)”. In: Annales, 63, 2008, esp. pp.
792-797.
44 THORNTON, “Les États de l’Angola”.
45 Sobre isso, já escrevemos algumas conclusões em, DAMASCENO, Felipe A. Conexões e travessias no Atlântico
Sul: Palmares, africanos e espaços coloniais numa abordagem comparada (século XVII). Dissertação (Mestrado em
História Comparada). Rio de Janeiro: UFRJ, 2014, p. 201.
31
territorial dos mocambos em suas diversas conjunturas, à medida que as fontes nos permitam. 
3. Palmares no início do século XVII
O manuscrito de Frei Vicente do Salvador (c. 1627) se constitui na primeira narrativa
“histórica” em que os cativos refugiados nos Palmares foram citados – um mocambo na mata do rio
Tapiruçu (por vezes escrito Itapicuru), no sertão da antiga vila de Sirinhaém. Escreveu Frei Vicente
que, “informado o governador [do Estado do Brasil, Diogo Botelho (1602-1607)] de um mocambo
ou magote de negros da Guiné fugidos que estavam nos palmares do rio Itapicuru”, assim que
chegou ao Brasil mandou o guerreiro potiguar (etnia indígena tupi concentrada na Paraíba e Rio
Grande do Norte) Zorobabé – líder destacado na conquista da Paraíba pelos portugueses –, que
estava de partida da Bahia para sua terra natal, ir de encontro àqueles negros, “e os apanhassem às
mãos, como fizeram, que não foi pequeno bem tirar aquela ladroeira e colheita que ia em grande
crescimento. Mas poucos tornarão a seus donos”, posto que Zorobabé matou muitos e vendeu
alguns pelo caminho até a Paraíba.46
O recurso ao braço indígena na tarefa de captura de negros fugitivos foi fenômeno presente
desde as primeiras notícias sobre mocambos na América portuguesa. Segundo o frei, os negros
“tinham medo dos ditos índios”, possivelmente seus inimigos mais frequentes, dando como
exemplo a expedição de Zorobabé, uma das primeiras a atacar os chamados Palmares de
Pernambuco. Escrevia Frei Vicente que os aldeamentos indígenas eram de extrema importância,
pois forneciam as tropas empregadas na repressão aos mocambos “principalmente contra os negros
de Guiné, escravos dos portugueses, que cada dia se lhe rebelam, e andam salteando pelos
caminhos”.47
De fato, há registros anteriores à invasão holandesa que já alertavam para as fugas e a
formação de mocambos nas matas de Palmares, como a carta do capitão-mor de Pernambuco,
Manoel Mascarenhas Homem, dando notícias da entrada que o governador-geral do Brasil, Diogo
Botelho, mandou fazer “pelo sertão dentro aos Palmares”, por volta de 1602. Infelizmente, o
documento não é preciso na localização dos redutos quilombolas, frisando apenas que os resultados
da expedição foram “dano e perda de muita gente, morta e cativa, com que esta capitania ficou livre
por ora das insolências desses alevantados.”48 É possível que se tratasse da mesma expedição
46 SALVADOR, Frei Vicente. História do Brasil. [1627/1888] Nova edição revista por Capistrano de Abreu. São
Paulo; Rio de Janeiro: Weiszflog Irmãos, 1918, p. 396 (itálico nosso). Ao que tudo indica, Frei Vicente teria
terminado sua obra no ano de 1627. No entanto, somente em 1888 uma edição acessível dos manuscritos do
capuchinho viria à tona, nos Anais da Biblioteca Nacional, com uma introdução de Capistrano de Abreu. Sobre a
figura de Zorobabé, algumas informações em VAINFAS, Ronaldo. “Zorobabé”. In: VAINFAS, Ronaldo (dir.)
Dicionário do Brasil Colonial (1500-1808). Rio de Janeiro: Objetiva, 2000, p. 592.
47 SALVADOR, História do Brasil, p. 392.
48 “Carta de Manuel Mascarenhas Homem [1603]”. in: GOMES, Mocambos de Palmares, pp. 157-158.
32
relatada por Frei Vicente, o que mostra como as primeiras comunidades de fugitivos nasceram no
sertão da vila de Sirinhaém, cuja produção era dominada pelos engenhos de cana-de-açúcar –
concentrando maior número de africanos escravizados – do que, por exemplo, na freguesia das
Alagoas, muito mais associada à resistência palmarina pela historiografia.49
O que não quer dizer que outras comunidades rebeldes, talvez menores,

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