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47 7 O PROCESSO HISTÓRICO DA CONSTITUIÇÃO DOS DIREITOS HUMANOS Os direitos humanos evoluíram ao longo do tempo conforme os contextos históricos. Eles se adequaram e foram construídos com base nas necessidades de cada momento. Em linhas gerais, os direitos humanos são direitos inerentes a todos os indivíduos, independentemente de cor, raça, sexo, classe social ou qualquer outra forma de distinção. O que se tem observado na atualidade é um movimento contrário à atuação dos defensores dos direitos humanos. Tal movimento é propagado pela mídia e por líderes políticos e governantes que possuem interesse em que a população desconheça ou desvalorize a importância de direitos dessa natureza. 7.1 A constituição dos direitos humanos Para começar, considere o Brasil Colônia. O povo daquela época não possuía autonomia enquanto nação e sofria uma intensa exploração (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Já na época do Império (1822–1889), se registraram violações importantes aos direitos humanos, especialmente no que se refere ao genocídio a que foram submetidos os índios e negros. Nesse aspecto, uma primeira conquista ocorreu em 1888, com a abolição da escravatura. Para Vinagre e Pereira (2008, p. 35), “[...] a escravidão é uma das maiores violações dos direitos humanos, posto que se refere à apropriação total do produto do trabalho da pessoa a esse regime, sendo, também, apropriação do seu corpo, da sua vida e do seu destino”. Com o fim da escravidão, os negros adquiriram direitos civis, pois teoricamente deixaram de ser propriedade do senhor e de ser considerados mercadorias. Ao longo da história de violação de direitos, sempre houve resistência e enfrentamento. Um exemplo de movimento organizado e desenvolvido pela resistência negra foi a experiência bem-sucedida do Quilombo de Palmares. No entanto, apesar da resistência, essas vivências não eram favoráveis à efetivação de direitos, uma vez que muitas pessoas ainda eram forçadas a realizar trabalhos em grandes propriedades rurais, em que os proprietários determinavam limites ao próprio Estado. Vinagre e Pereira (2008, p. 36) complementam: [...] no que se refere aos direitos políticos, estes eram restritos a uma elite; e dos direitos sociais, ainda não se falava, uma vez que a garantia dos mínimos sociais ficava a cargo da filantropia privada e da Igreja Católica, prevalecendo, pois, o caldo cultural clientelista e patrimonialista. 48 No período destacado, além dos negros, outros setores também desfavorecidos se mobilizaram na busca por direitos. Datam desse período a Revolta dos Alfaiates, a Revolução Farroupilha, a Guerra de Canudos e outros movimentos. Na luta por direitos, merece destaque o movimento pelo voto das mulheres, após a Revolução de 1930. Destaque também para o movimento operário e a sua luta por direitos civis e políticos, reivindicando o direito ao trabalho, à organização sindical e aos direitos trabalhistas (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Na Primeira República, Vinagre e Pereira (2008) destacam que os primeiros avanços em termos de direitos ocorreram após a entrada do Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT), em 1919. Então, houve avanços na área de direitos relacionados ao trabalho, como previsto na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), de 1943. Os direitos políticos foram sendo efetivados de acordo com cada período histórico. No período da ditadura, por exemplo, direitos como a liberdade de expressão e de organização política ficaram bastante restritos. Sobre isso, Vinagre e Pereira (2008, p. 37) consideram: No contexto ditatorial pós-golpe militar de 1964, os direitos civis e políticos foram brutalmente subtraídos pelas medidas de repressão mais sombrias da história do país. Com amparo em “instrumentos legais” — os atos institucionais —, foram cassados os direitos políticos de lideranças sindicais e partidárias, de artistas e intelectuais; foram fechadas as sedes das organizações estudantis e dos trabalhadores. O direito de opinião e organização foi restringido e adotada a censura nos meios de comunicação. Práticas de prisões arbitrárias, torturas e execuções sumárias de opositores do regime eram frequentes. Direitos tais como a inviolabilidade do lar e da correspondência eram sistematicamente desrespeitados, assim como o direito à vida e à integridade física, em nome da ideologia da “segurança nacional”, que legitimava a autonomização do aparato policial, inclusive frente ao Estado. Para contrabalancear essa intensa repressão aos direitos, o governo trabalhou para a unificação e a universalização da Previdência. A década de 1970, por sua vez, foi marcada por movimentos da sociedade na luta por direitos. Grupos de mulheres, operários, negros, homossexuais e organizações da sociedade civil passaram a lutar pelos direitos humanos. Embora tenham conseguido avançar na luta por direitos, alguns considerados essenciais ainda não estavam assegurados, como os direitos à vida, à integridade física, à alimentação, à saúde, à educação, ao trabalho e tantos outros. Em 1988, houve a promulgação da Constituição Federal, que ratifica os direitos e acrescenta outros até então inexistentes (VINAGRE; PEREIRA, 2008). 49 O Brasil passou a adotar ainda determinações internacionais (declarações, tratados, cartas) na área de defesa dos direitos humanos, comprometendo-se com o Sistema Internacional de Direitos Humanos (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Em termos mundiais, os direitos humanos têm como marco a Segunda Guerra Mundial, momento em que essa questão atinge níveis internacionais. Destaca-se, nesse período, a criação da Organização das Nações Unidas (ONU), em 1945, e a Declaração Universal dos Direitos Humanos, em 1948. Esse documento reuniu valores éticos universais, mas com sinais dos projetos societários em disputa naquela época (VINAGRE; PEREIRA, 2008). Veja: Ainda que sob a égide da moral liberal, a Declaração de 1948 avança em relação a textos dos séculos XVIII e XIX, posto que lança a inovação dos princípios da universalidade e indivisibilidade dos direitos humanos, acrescentando direitos civis e políticos, da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão (da Revolução Francesa de 1789), a defesa dos direitos econômicos, sociais e culturais (como os direitos à educação, à saúde, a justas condições de trabalho e ao acesso à cultura), reivindicados desde as lutas operárias dos séculos XIX e XX e, em especial, após a Declaração dos Direitos do Povo Trabalhador e Explorado de Janeiro de 1918, advinda da Revolução Russa (VINAGRE; PEREIRA, 2008, p. 41). Para Barroco (2008, p. 2): [...] a origem da noção moderna dos DH é inseparável da ideia de que a sociedade é capaz de garantir a justiça — através das leis e do Estado — e dos princípios que lhes servem de sustentação filosófica e política: a universalidade e o direito natural à vida, à liberdade e ao pensamento. O autor ainda afirma que a Declaração Universal dos Direitos Humanos é uma forma de confirmar, na prática, algo que até então não era reconhecido por toda a sociedade. Fonte: https://nnadiamarinho87.jusbrasil.com.br/ 50 7.2 Direitos humanos Após alguns acontecimentos históricos, como a Segunda Guerra Mundial, foi elaborada e aprovada a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Ela representa uma tentativa de contribuir com a luta da sociedade contra situações de discriminação, preconceito e opressão, valorizando a noção de igualdade entre todos os indivíduos e a dignidade humana. É dessas questões que tratam os chamados “direitos humanos”. Eles garantem a vida, a liberdade, o trabalho, a saúde, a educação, a dignidade, o respeito, entre outros direitos que buscam assegurar ao cidadão uma vida digna. Destaca-se o fato de que a Declaração foi proposta por meio de acordos internacionais, ratificada por meio de cartas, convenções e pactos. Isso assegura o seu caráteruniversal e representa o consentimento de toda a comunidade internacional envolvida. A proposta de que os direitos humanos sejam resguardados é feita por meio do Conselho de Segurança da ONU, que colabora com os países tanto na implantação desses direitos quanto no controle da sua violação. Os direitos humanos foram evoluindo ao longo do tempo conforme os contextos históricos, adequando-se e sendo construídos com base nas necessidades surgidas em cada momento. Para melhor representar essa evolução, utiliza-se uma classificação dos direitos humanos por meio de “gerações”, que, na verdade, situam as categorias propostas no momento histórico de sua construção. A primeira classificação, conhecida como primeira geração, está associada ao século XVIII, à independência dos Estados Unidos, em 1787, e à Revolução Francesa, dois anos depois. Essa geração traz ideias de liberdade relacionadas especialmente aos direitos civis e políticos. Você deve considerar que nessa época se registrava uma luta da burguesia por melhores condições de comércio (liberdade). Portanto, os direitos conquistados restringiam-se a determinados indivíduos e não eram aplicados a toda a sociedade. Nessa geração, o Estado deveria limitar sua intervenção na ação humana, considerando o direito à liberdade de todos. São exemplos de direitos assegurados a liberdade de expressão, o direito de ir e vir, o direito à privacidade, entre outros. (ONU, 2009). Já os direitos humanos considerados de segunda geração têm como marco oficial a Primeira Guerra Mundial (1914–1918), crescendo paralelamente à ideologia do estado de bem-estar social. Nesse percurso histórico, os trabalhadores também começam a lutar pelos seus direitos, contrapondo-se à restrição dos direitos a uma 51 classe. Nessa lógica, a proposta é que os direitos até então limitados a uma classe sejam expandidos para todos os indivíduos por meio de políticas públicas que garantam saúde, trabalho, moradia, direito ao voto e a participar da vida pública, entre outros. Nessa geração, fica evidente a necessidade de se exigirem do Estado condições iguais para todos, com a finalidade de que tenham uma vida mais digna. A terceira geração de direitos surge na década de 1960 e tem como foco principal os ideais de solidariedade e fraternidade. Mediante o acirramento da luta de classes, os trabalhadores começam a lutar por direitos mais específicos, aqueles das chamadas “minorias sociais”, ou seja, grupos considerados em situação mais desfavorecida. É o caso de mulheres, pessoas com deficiências e outras que precisavam que seus direitos fossem mais detalhados, a fim de que suas necessidades fossem de fato asseguradas. Além da proteção aos grupos mais vulneráveis, inclui-se nessa proposta a proteção ao meio ambiente. Na atualidade, há discussões entre os intelectuais sobre a inclusão de uma quarta geração de direitos, que envolve informática e bioética, mas eles ainda divergem opiniões e tal geração não está de fato estabelecida. Marco (2006, p. 47) destaca que “[...] os avanços tecnológicos e as descobertas científicas colocam o mundo em perplexidade com os valores sociais e éticos das três gerações de direitos até aqui delineadas”, trazendo à tona a necessidade de considerar outra geração de direitos. Assim, ainda que esta não esteja de fato consolidada entre os intelectuais, considerando a intensidade de discussões a respeito do tema e sua viabilidade, falam-se hoje nos “direitos de quarta geração”. Trata-se de uma geração que surgiu para acompanhar o desenvolvimento da humanidade e ajudar o direito a encontrar soluções e impor limites para responder a eventuais questionamentos decorrentes das inovações tecnológicas e do aprimoramento genérico. Fazem parte dessa geração os direitos à democracia, à informação e ao pluralismo (BONAVIDES, 1996 apud MARCO, 2006). Isso posto, é importante você conhecer um pouco do conteúdo da Declaração Universal dos Direitos Humanos. Inicialmente, esse documento elenca alguns dos objetivos que levaram à sua elaboração. O primeiro deles refere-se ao reconhecimento de que a dignidade e a igualdade de direitos entre todos os indivíduos constitui o fundamento da liberdade, da justiça e da paz no mundo. Assim, o desconhecimento sobre os direitos origina responsáveis por atos de barbárie, que 52 revoltam por seu elevado grau de crueldade. A Declaração possui 30 artigos. Entre eles: Artigo I Todos os seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos. São dotados de razão e consciência e devem agir em relação uns aos outros com espírito de fraternidade. Artigo II Todo ser humano tem capacidade para gozar os direitos e as liberdades estabelecidos nesta Declaração, sem distinção de qualquer espécie, seja de raça, cor, sexo, idioma, religião, opinião política ou de outra natureza, origem nacional ou social, riqueza, nascimento, ou qualquer outra condição. [...] Artigo III Todo ser humano tem direito à vida, à liberdade e à segurança pessoal. Artigo IV Ninguém será mantido em escravidão ou servidão; a escravidão e o tráfico de escravos serão proibidos em todas as suas formas. Artigo V Ninguém será submetido à tortura nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante. Artigo XVIII Todo ser humano tem direito à liberdade de pensamento, consciência e religião; este direito inclui a liberdade de mudar de religião ou crença e a liberdade de manifestar essa religião ou crença, pelo ensino, pela prática, pelo culto e pela observância, em público ou em particular. Artigo XIX Todo ser humano tem direito à liberdade de opinião e expressão; este direito inclui a liberdade de, sem interferência, ter opiniões e de procurar, receber e transmitir informações e ideias por quaisquer meios e independentemente de fronteiras. (ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS, 2009, documento on-line) Como você pode observar, a Declaração Universal dos Direitos Humanos envolve a proteção do indivíduo e o respeito à sua dignidade, de forma bastante ampla. Diante disso, você pode considerar que se trata de um marco na história dos direitos na sociedade. No entanto, é necessário o conhecimento da sociedade acerca desses direitos e de sua importância para que eles sejam de fato assegurados e para que se possam evitar violações. 7.3 Direitos humanos e senso comum Na atualidade, têm ocorrido importantes distorções no que se refere aos direitos humanos, especialmente vindas de setores sociais mais conservadores. Vários fatores contribuem para essa situação. Entre eles, destaca-se a mídia, que se encontra a serviço da classe dominante e, em razão disso, deixa de lado a sua função de informar com responsabilidade para disseminar notícias de forma sensacionalista. Nessa perspectiva, a relação entre os defensores dos direitos humanos e a mídia nunca seguiu um caminho tranquilo e sem embates. Sempre houve tensões. Em muitos casos, a mídia tem a função de servir à classe dominante, visando ao lucro. 53 Isso, como você deve imaginar, acaba impactando negativamente a sociedade (COSTA, 2017). Por outro lado, as distorções sobre os direitos humanos também acontecem. Nem todos os indivíduos possuem acesso às informações e aos direitos de forma correta. Isso gera críticas infundadas e que trazem como consequência prejuízos à coletividade. Costa (2017) aponta que a mídia atua com um discurso diferente a cada momento histórico. Ela ora se posiciona a favor dos defensores dos direitos humanos, ora se coloca contra eles, tratando-os como se fossem defensores de bandidos. O autor acrescenta que a tentativa de construir um senso comum a respeito de direitos humanos intensificou-se a partir dos anos 1980, quando o Brasil buscava se adequar aos tratados e convenções que firmavam a necessidade de que esses direitos fossem assegurados em todo o País (OLIVEIRA, 2009 apud COSTA, 2017). Considereainda o seguinte: A mídia em geral, e em particular a imprensa, gosta de investir no senso comum para manter a audiência e assegurar a manutenção do status quo, poucas vezes se preocupando em buscar novo enfoque diante de situação recorrente, mesmo quando os fatos apontam em outra direção e a conjuntura sugere a necessidade de se buscar nova abordagem. Muitos estereótipos e preconceitos arraigados na sociedade são decorrência dessa perseverança de atuar em sintonia com o senso comum, como ocorre com os movimentos sociais e, particularmente, os de defesa dos Direitos Humanos, sempre associados à defesa “de bandidos” quando atuam em prol de vítimas de maus tratos ou arbitrariedades das autoridades policiais ou judiciárias (FREITAS, 2010 apud COSTA, 2017, p. 27). Costa (2017) afirma também que a mídia muitas vezes coloca seus interesses ligados à audiência e ao capital em primeiro lugar, em detrimento dos interesses coletivos. Assim, ela deixa de atender à sua responsabilidade com o que é repassado para a sociedade. São condutas dessa natureza que contribuem para a criação de estereótipos e preconceitos que acabam sendo disseminados e aceitos na sociedade. A tentativa da grande mídia ou até mesmo de personalidades ligadas à política de desqualificar os direitos humanos, assim como aqueles que os defendem, apresenta como pano de fundo os interesses de determinados grupos. Viola (2008 apud COSTA, 2017) aponta são opositores aos direitos humanos: os governos militares ditatoriais; o grande capital; os setores dos meios de comunicação de massa e jornalistas que combatem direitos humanos. Essa perspectiva de análise remonta 54 inicialmente aos anos da ditadura, em que os militares exerciam forte poder na sociedade. Contudo, atualmente, o que mais tem influenciado é a questão dos interesses do grande capital, que “[...] proporciona uma verdadeira violência nas relações sociais, contribuindo para a concentração de renda e para o aumento das desigualdades na sociedade brasileira” (COSTA, 2017, p. 30). Você deve considerar, então, que no contexto do capitalismo não é possível conciliar a lógica da acumulação de riquezas, de capital e da exploração do trabalhador com as lutas a favor da garantia dos direitos humanos. Isso acontece pois, de acordo com essa lógica, os interesses pelo capital são individuais ou referem-se a uma classe específica, o que não ocorre com os direitos humanos, que buscam atender indistintamente a todos os indivíduos, sem discriminação de nenhum tipo. Assim, como você viu, a sociedade brasileira vive situações que requerem a defesa dos direitos humanos há muitos séculos. Sua história é marcada por exploração, discriminação e violência contra muitos grupos. Nesse sentido, os direitos humanos surgem para proteger e garantir a igualdade entre todos os indivíduos. No entanto, a defesa desses direitos nem sempre é vista como algo favorável. É por isso que a população deve conhecer o verdadeiro valor desses direitos, para que possa lutar por eles e valoriza-los. A mídia, enquanto importante instrumento de comunicação de massa, pode contribuir para que isso ocorra. No entanto, são necessárias instituições de fato comprometidas com a disseminação de informações corretas e com a sociedade. Fonte: http://www.unama.br/