Buscar

clara-maria-cavalcante-brum-de-oliveira

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 3, do total de 209 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 6, do total de 209 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes
Você viu 9, do total de 209 páginas

Faça como milhares de estudantes: teste grátis o Passei Direto

Esse e outros conteúdos desbloqueados

16 milhões de materiais de várias disciplinas

Impressão de materiais

Agora você pode testar o

Passei Direto grátis

Você também pode ser Premium ajudando estudantes

Prévia do material em texto

UNIVERSIDADE ESTÁCIO DE SÁ 
 
 
 
 
 
 
 
CLARA MARIA CAVALCANTE BRUM DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
PARA ALÉM DA ILUSÃO: 
UMA ANÁLISE SOBRE O DIREITO À DEMOCRACIA 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
CLARA MARIA CAVALCANTE BRUM DE OLIVEIRA 
 
 
 
 
 
 
PARA ALÉM DA ILUSÃO: 
UMA ANÁLISE SOBRE O DIREITO À DEMOCRACIA 
 
 
 
 
 
 
Tese apresentada como requisito para 
obtenção do título de Doutora em Direito, 
pela Universidade Estácio de Sá. 
 
Orientador: Prof. Dr. Carlos Eduardo A. 
Japiassú 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
Rio de Janeiro 
2020 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 O48p Oliveira, Clara Maria Cavalcante Brum de 
 Para além da ilusão: uma análise sobre Direito à 
 Democracia. / Clara Maria Cavalcante Brum de Oliveira. – Rio 
 de Janeiro, 2020. 
 207 f.; 30 cm. 
 
 
 Tese (Doutorado em Direito) - Universidade Estácio de 
 Sá, 2020. 
 
 
 1. Direito à democracia. 2.Direitos Humanos. 3.Filosofia 
 Jurídico-Política. 4.Constitucionalismo Pátrio. I. Título. 
 
 CDD 340.1 
 
DEDICATÓRIAS 
 
 
Aos meus pais, Dirceu (in memorian) e Josinete, à minha avó Clara (in memorian), ao 
meu amor, Fernando. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
AGRADECIMENTOS 
 
Minha gratidão aos meus pais, por oportunizarem os meus estudos, o bem mais 
valioso que pude receber, bem como a Fernando, meu companheiro de vida, que 
pacientemente suportou minhas inúmeras ausências para dedicar-me às leituras desta tese 
de doutoramento. Minha profunda gratidão ao Prof. Dr. Vicente de Paulo Barretto, 
orientador e autor protagonista nesta pesquisa, por quem nutri imensa admiração ao longo 
do tempo e do Grupo de Pesquisa Moral, Direito e Estado Democrático de Direito, sob 
sua coordenação. Gratidão ao Prof. Dr. Wellington Trotta, sobretudo, por sua amizade 
desde os bancos da graduação em Filosofia e preciosas críticas sobre minhas pesquisas; 
ao Prof. Dr. Wander Lourenço de Oliveira, poeta e escritor, que ofertou preciosas 
considerações sobre minha escritura acadêmica. 
Meus sinceros agradecimentos à EDUCARE – Universidade Corporativa Estácio, 
pelo apoio à pesquisa docente, na pessoa da Profª Maria Tereza Moura, pessoa de 
inigualável valor, com seu inestimável acolhimento e consideração, sem o qual não teria 
sido possível chegar ao final desta pesquisa. Meus agradecimentos ao Programa de Pós-
Graduação em Direito da Universidade Estácio de Sá, na pessoa de seu Coordenador, 
Prof. Dr. Carlos Eduardo Japiassú, bem como aos ilustres professores do Programa, 
especialmente, Prof. Dr. Rafael Iório, que sempre estará em meus agradecimentos por 
vários motivos; ao Prof. Dr. Nilton Cesar Flores, cujas aulas contribuíram com leituras 
preciosas para a delimitação do objeto da pesquisa, bem como a todos os colegas da turma 
2016.2, que, direta ou indiretamente, contribuíram para a que este momento final 
acontecesse, representados na pessoa da amiga, Doutoranda Samira dos Santos Daud. 
Transmito aqui minha gratidão ao Grupo de Pesquisa Observatório de Cultura 
Jurídica e Democratização do Processo, sob coordenação do Prof. Dr. Alexandre 
Catharina, pela oportunidade de proferir palestra “A desigualdade Justificada” sobre a 
Teoria da Justiça de John Rawls, contribuindo, assim, para aclarar minhas reflexões sobre 
este pensador. Por último, mas não menos importante, faço também um agradecimento 
especial à amiga Prof. Drª Daniela de Oliveira Duque-Estrada de La Peña e aos meus 
alunos do primeiro período do Curso de Direito da Universidade Estácio de Sá – UNESA, 
Campos Tom Jobim e Nova América, pela gratificante experiência de estudar filosofia, a 
despeito do estranho cenário de Pandemia, que enfrentamos juntos, no primeiro semestre 
de 2020. 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
“Age de tal maneira que uses a humanidade, tanto na tua pessoa 
como na pessoa de qualquer outro, sempre e simultaneamente 
como fim e nunca simplesmente como meio”- KANT, 
Fundamentação da Metafísica dos Costumes, BA66. 
 
“A democracia é um sistema político que pressupõe o dissenso. 
Ela requer o consenso apenas sobre um único ponto: sobre as 
regras da competição, pois por democracia no Ocidente, (...) 
entende-se um sistema político no qual não existe consenso, mas 
dissenso, competição, concorrência” - Norberto Bobbio. O futuro 
da democracia, p.101. 
 
A democracia é um ideal universalmente reconhecido (...). É, 
portanto, um direito básico de cidadania a ser exercido sob 
condições de liberdade, igualdade, transparência e 
responsabilidade, com o devido respeito pela pluralidade de 
pontos de vista e no interesse da política (Declaração Universal 
sobre Democracia, 1997, Primeira Parte – Princípios da 
Democracia). 
 
 
RESUMO 
 
 
O objetivo que impulsionou a realização desta pesquisa acadêmica fora a investigação 
sobre o direito humano nº 21 da Declaração Universal dos Direitos Humanos, de 1948, 
denominado como direito à democracia, a partir do problema filosófico que indaga se o 
referido direito contribui para as condições de possibilidade de construção de uma base 
pública razoável de justificação e fortalecimento dos direitos humanos, para uma 
ressignificação da própria democracia, no horizonte desafiador do pluralismo. Por esta 
razão, considerando-se que o referido direito humano configurou uma mudança de status 
originário, ao passar de regime político para um direito humano universal, assumiu o 
sentido de um direito à participação política, não necessariamente um direito à 
democracia. Destarte, partindo-se de tal perspectiva analítica discutiu-se cientificamente o 
problema filosófico, segundo a organização das conceituações em três momentos. No capítulo 
1, revisita-se a origem da democracia para uma reflexão sobre certa idealização em torno 
de sua ideia, bem como a mudança estrutural que se afigurou com a emergência do projeto 
burguês, que propiciou a sua reaparição no mundo moderno. No capítulo 2, realizou-se 
uma reflexão sobre a construção da ideia do direito a ter direitos, que está na lógica do 
individualismo moderno; e, posteriormente, do direito humano nº 21. O esforço de 
reflexão do capítulo 3 concentrou-se no pensamento político brasileiro, suas 
especificidades para uma ressignificação da Constituição de 1988. Considerando-se 
tratar-se de um estudo que visa a uma fundamentação teórica, não foram conduzidas 
pesquisas empíricas. Os dados de pesquisa de opinião sobre América Latina foram 
obtidos junto à organização não governamental Latinobarómetro e Oxfam do Brasil. 
 
Palavras-Chave: Direito à Democracia. Direitos Humanos. Filosofia Jurídico-Política. 
Constitucionalismo Pátrio. 
 
 
 
 
 
 
 
 
ABSTRACT 
 
The objective that drove the realization of this academic research was the investigation 
on human right nº 21 of the Universal Declaration of Human Rights, of 1948, 
denominated like right to democracy, from the philosophical problem that asks if this 
right contributes to the conditions of possibility of building a reasonable public basis for 
justification and strengthening of human rights, for a new meaning of democracy itself, 
in the challenging horizon of pluralism. For this reason, considering that the 
aforementioned human right constituted a change of original status, when changing from 
political regime to a universal human right, it assumed the meaning of a right to political 
participation, not necessarily a right to democracy. Thus, starting from such an analytical 
perspective, the philosophical problem was scientifically discussed, accordingto the 
organization of conceptualizations in three moments. In chapter 1, the origin of 
democracy is revisited for a reflection on a certain idealization around its idea, as well as 
the structural change that appeared with the emergence of the bourgeois project, which 
led to its reappearance in the modern world. In chapter 2, there was a reflection on the 
construction of the idea of the right to have rights, which is in the logic of modern 
individualism; and, subsequently, of human law No. 21. The reflection effort in chapter 
3 focused on Brazilian political thought, its specificities for a new meaning of the 1988 
Constitution. Considering that it is a study that aims at a theoretical foundation , empirical 
research has not been conducted. The survey data on Latin America was obtained from 
the non-governmental organization Latinobarómetro and Oxfam do Brazil. 
 
Keywords: Right the Democracy. Human Rights. Legal-Political Philosophy. 
Constitutionalism Brasilian. 
 
 
 
SINTESI 
 
L'obiettivo che ha guidato la realizzazione di questa ricerca accademica è stata l'indagine 
sul diritto umano n. 21 della Dichiarazione universale dei diritti umani, del 1948, 
denominata come il diritto alla democrazia, PARTENDO dal problema filosofico che 
chiede se questo diritto contribuisca alle condizioni della possibilità di costruire una base 
pubblica ragionevole che giustifichi e rafforzi i diritti umani, e offra un nuovo significato 
alla democrazia stessa, nel difficile orizzonte del pluralismo. Per questo motivo, 
considerato che il suddetto diritto umano ha costituito un cambiamento di status originale, 
quando si è passati dal regime politico a un diritto umano universale, ha assunto il 
significato di un diritto alla partecipazione politica, non necessariamente un diritto alla 
democrazia. Quindi, partendo da una tale prospettiva analitica, il problema filosofico è 
stato discusso scientificamente, secondo l'organizzazione delle concettualizzazioni in tre 
momenti. Nel capitolo 1, l'origine della democrazia è rivisitata per una riflessione su una 
certa idealizzazione attorno alla sua idea, così come il cambiamento strutturale che è 
apparso con l'emergere del progetto borghese, che ha portato alla sua ricomparsa nel 
mondo moderno. Nel capitolo 2, c'è stata una riflessione sulla costruzione dell'idea del 
diritto ad avere diritti, che è nella logica dell'individualismo moderno; e, successivamente, 
della legge umana n. 21. Lo sforzo di riflessione nel capitolo 3 si è concentrato sul 
pensiero politico brasiliano, sulle sue specificità per un nuovo significato della 
Costituzione del 1988. Considerando che si tratta di uno studio che mira a una base 
teorica, la ricerca empirica non è stata condotta. I dati dell'indagine sull'America Latina 
sono stati ottenuti dall'organizzazione non governativa Latinobarómetro e Oxfam do 
Brasil. 
 
Parole-chiave: Diritti. Democrazia. Diritti Umani. Filosofia politico-legale. 
Costituzionalismo. 
 
LISTA DE ABREVIATURAS E SIGLAS 
 
 
 
DUDH – Declaração Universal dos Direitos Humanos 
OAB – Ordem dos Advogados do Brasil 
ONU – Organizações das Nações Unidas 
LB - Corporación Latinobarómetro 
ONG – Organização Não Governamental 
SUMÁRIO 
 
1 Introdução .......................................................................................................... 11 
 
2 Capítulo 1- Ideia de uma ontologia do presente na reflexão sobre o direito à 
democracia............................................................................................................. 
 
18 
 
2.1 O poder privado como verdade do poder político: sobre as origens da 
democracia............................................................................................................... 
 
18 
 
2.2 Os fundamentos da ideia moderna de democracia e o projeto burguês............ 31 
 
2.3 O problema filosófico do direito à democracia................................................. 45 
 
2.4 A análise do direito à democracia como ideia de uma ontologia do presente... 55 
 
3 Capítulo 2 – Da construção de uma ideia sobre direitos à ideia de direito à 
participação política............................................................................................. 
 
60 
 
3.1. Um desafio à antiga ordem: o direito a ter direitos........................................... 60 
 
3.2. Os direitos humanos: para quem?.................................................................... 76 
 
3.3. “Das coisas menores cuidam os chefes e das maiores, todos”: temos a 
necessidade humana de um direito à participação política...................................... 
 
86 
 
3.4. O direito à democracia no horizonte de uma Teoria da Justiça ....................... 108 
 
4 Capítulo 3 – Na periferia da modernidade: o Brasil e o direito humano n. 
21............................................................................................................................. 
 
122 
 
4.1. Na periferia da modernidade: práticas e costumes......................................... 122 
 
4.2. As constituições brasileiras historicamente condicionadas e o nosso fraco pela 
imitação, de 1824 a 1937................................................................................. 
 
138 
 
4.3. As Constituições de 1946 a 1969: direitos nunca chegam de uma só vez ........ 156 
 
4.4. A Constituição de 1988 e os desafios do direito à participação política como 
direito universal....................................................................................................... 
 
166 
 
5 Considerações Finais.......................................................................................... 184 
 
Referências.............................................................................................................. 192 
 
Anexos...................................................................................................................... 207 
11 
 
1 INTRODUÇÃO 
 
Um estudo sobre democracia é sempre uma ideia sedutora em qualquer época e lugar, 
principalmente porque está inserido no horizonte filosófico de uma possível ontologia do 
presente, que significa, em filosofia, um gesto de interrogar-se sobre a própria atualidade 
em um perene processo de desenvolvimento. Destarte, a emergência de estudos sobre 
democracia, no mundo contemporâneo, demonstra-se por intermédio da relevância de 
uma investigação sobre o direito à democracia, expresso no art. 21 da Declaração 
Universal dos Direitos Humanos1. O objeto de estudo, por conseguinte, é o direito 
humano nº 21, designado como direito à democracia, previsto no art. 21 da DUDH, que 
se destaca especialmente por evidenciar a importância da relação do Estado com valores 
democráticos e com o fato do pluralismo. 
O fato do pluralismo é a característica central da sociedade moderna, ou seja, o 
multiculturalismo, resultado de uma sociedade livre em que há diferentes modos de ser. “Uma 
sociedade democrática moderna se caracteriza por uma pluralidade de doutrinas abrangentes, 
religiosas, filosóficas e morais” (RAWLS, 2000, p. IX). Resulta da liberdade humana em ação. 
Esta concepção é trabalhada no pensamento filosófico político de John Rawls como ponto de 
partida para oportunizar uma concepção política de organização da estrutura básica da sociedade. 
A base do acordo intersubjetivo acerca da justiça social e seus princípios fundantes pressupõe o 
fato do pluralismo, portanto o pluralismo não é objeto de lamento. 2 
Durante algum tempo, acreditou-se que bastava a leitura das obras consideradas 
clássicas, para se alcançar um quadro histórico geral comum; e, nesse caso, restaria ao 
leitor/intelectual apenas o esforço hermenêutico da interpretação. Havia um consenso 
sobre os pressupostos ao reiterar-se que os clássicos são obras de grande valor, ao passo 
que, não obstante,os desafios e a complexidade do mundo contemporâneo, por exemplo, 
de uma modernidade líquida3, com seus avanços e retrocessos, obrigaram-nos a repensar 
a ressignificação dos conceitos teóricos, desprezando-se a análise meramente formal de 
fenômenos, que abarcam o binômio: Democracia / Pluralismo. 
Deste modo, o diagnóstico da situação contemporânea nos impõe um problema ético, 
haja vista que a contextualização histórica, em referência ao aspecto contemporâneo, se 
 
1Doravante DUDH. 
2 Sobre este ponto cf. Rawls, 2000, p. X, 343-4; 2008, p.32, 45, 80, 176. 
3O termo foi desenvolvido no sentido de algo imediato, leve, líquido, fluido, dinâmico pelo Sociólogo 
polonês Zygmunt Bauman (1925-2017). “Essas são as razões para considerar ‘fluidez’ ou ‘liquidez’ como 
metáforas adequadas quando queremos captar a natureza da presente fase, nova de muitas maneiras, na 
história da modernidade” (BAUMAN, 2001, p. 9). 
12 
 
perfaz pelo viés de um novo patamar de responsabilidade numa sociedade tecnicamente 
potencializada, alterando profundamente as relações entre seres humanos e natureza, não 
necessariamente para o melhor (OLIVEIRA, 2010). 
A partir de novos desafios num novo tempo do mundo, precisa-se considerar que 
muitas leituras podem estar enviesadas por sobre conceitos que precisam ser revistos, 
exigindo sumária atualização de análise teórica, no que tange ao (res)significado de ordem 
intelectual. Desta feita, caber-se-á chamar atenção para dificuldades que, sequer, são 
identificadas em livros de doutrina, porque estes se limitam essencialmente aos aspectos 
formais da concepção dialógica entre o Leitor e a Obra, olvidando-se do elemento 
primordial de reflexão, no tocante aos consensos que precisam ser revistos com máxima 
urgência. 
Nesta pesquisa, portanto, a investigação reclama a contribuição do método de análise 
conceitual da Filosofia, no horizonte que se pode nomear como ontologia do presente. 
Por quê? Porque o Direito é multidimensional 4; e, por este viés, caracterizar-se-á por uma 
exegese conceitual, cujo liame permitirá a reconstrução lógica de argumentos, 
questionando o sentido dos conceitos, quando tematiza as principais teses que surgem 
nesta construção lógico-conceitual. 
Há, por conseguinte, uma questão filosófica que se pretende analisar que entrelaça o 
esclarecimento do que seja o direito à democracia, por intermédio de uma reinterpretação 
da democracia consentânea com esse esclarecimento, a partir dos desafios de uma 
sociedade contemporânea potencializada pelas tecnologias contemporâneas. 
Assim sendo, convém, desde logo, evidenciar que o estudo em questão analisa o 
seguinte problema filosófico: 
Em que medida o direito humano nº 21, da Declaração Universal 
dos Direitos Humanos, direito à democracia, contribui para as 
condições de possibilidade de construção de uma base pública 
razoável de justificação e fortalecimento dos direitos humanos, 
para uma ressignificação da própria democracia, no horizonte 
desafiador do pluralismo. 
 
O que podemos entender por construção de uma base pública? Podemos entender a 
possibilidade de ampliação da participação ativa do cidadão; e, como consequência, a 
ampliação do rol de hermeneutas da constituição, pelo viés do enfrentamento positivo do 
fato do pluralismo. 
 
4Sobre esta ideia conferir ALEXY, 2009, p. 48. 
13 
 
Nesta pesquisa, tal proposição se deflagrará em diálogo com a necessidade de escuta 
das vozes das minorias, através do fortalecimento e efetividade do princípio da vedação 
ao retrocesso e uma leitura reorganizadora do poder/dever do Estado, frente às exigências 
de harmonização entre liberdades e igualdade. A proposta foi investigar o direito à 
democracia a partir de um problema filosófico específico, considerando-se o contexto de 
um crença na história humana como se fosse um longo trajeto de maturação até o império 
da racionalidade e esclarecimento. 
E por que investigar esse direito humano universal? Por algumas razões, a saber: 
tentar compreender por que a democracia alcançou o status de ideia-força se desde o 
mundo antigo até meados do séc. XIX era vista com desconfiança; repensar a forma 
como se idealizou o nascimento da democracia grega, sem trazer para reflexão suas 
polêmicas, lutas e paradoxos; analisar como é possível compatibilizar a democracia com 
situações terrificantes de desigualdade social; investigar a crise que envolve a democracia 
nas sociedades contemporâneas, pois não obstante existe um direito universal à 
democracia, há uma crescente desconsolidação de ideias democráticas no Brasil5 e no 
mundo. 
E, talvez, a razão mais filosófica, investigar como um regime político que sempre 
esteve na história dos povos como opção política, uma escolha, pode ser transfigurado 
em direito humano universal? De que maneira se fundamentou essa mudança? Como é 
possível transfigurar um regime político em direito humano universal sem ferir o 
princípio da autodeterminação do povos? Se há um direito humano universal à 
democracia, todos os povos deveriam viver em democracias. Nesse sentido, quem dará o 
itinerário? 
Então, quando se fala em democracia, fala-se do quê? É nesse aspecto que o 
trabalho se utiliza da pesquisa bibliográfica e descritiva. Entende-se por pesquisa 
bibliográfica aquela que, segundo Antônio Carlos Gil (2010), fora elaborada com base 
em material já editado, como livros, artigos científicos, dissertações e teses. A revisão 
bibliográfica é fundamental, porque tem o propósito de construir o embasamento teórico 
da pesquisa, identificando o seu momento atual referente ao tema. 
 
5Em 11 de abril de 2019, foi publicado no Diário Oficial da União, o Decreto nº 9759 que extingue e 
estabelece diretrizes, regras e limitações para colegiados da administração pública Federal. Fica revogado 
o Dec. 8243/2014 que instituía a Política Nacional de Participação Social – PNPS com o objetivo de 
fortalecer e articular os mecanismos e as instâncias democráticas de diálogo e atuação conjunta entre a 
administração pública federal e a sociedade civil. 
14 
 
Por pesquisa descritiva, compreende-se aquela que tem o propósito de delinear 
determinado objeto e apontar suas relações, o que se torna útil na reflexão sobre conceitos; 
e, se possível, além da descrição, sua atualização (GIL, 2010). Segundo Maria Helena 
Michel, a pesquisa descritiva “se propõe a verificar e explicar problemas, fatos ou 
fenômenos da vida real, com a maior precisão possível, observando e fazendo relações, 
conexões, à luz da influência que o ambiente exerce sobre eles.” (MICHEL, 2009, p. 44). 
Por conseguinte, uma pesquisa bibliográfica, num estudo que se pretende reflexivo, 
descritivo, interpretativo e crítico, permitirá harmonizar o caminho para uma melhor 
fundamentação do objeto: o direito à democracia e os movimentos da investigação a partir 
dos objetos de discussão. 
Considerando-se tratar-se de um estudo que visa a uma fundamentação teórica, 
não foram conduzidas entrevistas ou pesquisas empíricas. Os dados de pesquisa de 
opinião sobre América Latina foram obtidos junto à organização não governamental 
Latinobraómetro6. Utilizou-se também o relatório de 2017 da Oxfam do Brasil7. 
Destarte, a pesquisa é jurídico-filosófica e insere-se no conjunto de problemas 
investigados por uma Teoria da Justiça, portanto, teórica quando procura discutir, 
analisar, reconstruir conjecturas num aspecto exploratório para se entender melhor seus 
conceitos e conexões (MICHEL, 2009). Uma racionalização ou combinação de ideias em 
sentido interpretativo. Pode-se arriscar dizer que se pretende construir uma análise 
formativa sobre o direito à democracia, ou seja, repensar e ressignificar a conceituação 
filosófica, para se apurar a percepção do fenômeno em nossa realidade histórica, que vem 
apresentando um processo de desconsolidação crescente desde 2016. 
Em todos os lugares, a democracia está em crise,visto que foi um fenômeno grego 
polêmico, inconstante, com lutas, compatibilizando um tipo de liberdade com escravidão, 
ressaltando uma cidadania seletiva ou cidadania de segunda classe8, com ausência de 
representação, em que demos difere da concepção moderna de povo, em razão de um 
modelo distinto daquele construído nas teorias modernas. Um modelo que se forjou no 
 
6 A Corporación Latinobarómetro é uma organização não governamental, sem fins lucrativos com sede em 
Santiago, Chile. Assim, o relatório Latinobarómetro é um estudo de opinião pública realizado anualmente. 
Cf. http://www.latinobarometro.org/lat.jsp 
7 Oxfam do Brasil faz parte de uma confederação global que tem como objetivo combater a pobreza, as 
desigualdades e as injustiças em todo o mundo, atuando em 94 países. Cf. https://www.oxfam.org.br/ 
8Cidadania de segunda classe é uma expressão usada por alguns autores, em especial, Martha Nussbaum 
na obra Women and Human Development: Capabilities Approach, publicado em 2000, para designar a 
situação das mulheres na Índia. Um estudo realizado a partir de relatos individuais e experiências em 
grupos. Nesta pesquisa utiliza-se para referir-se às vivência de cidadania nos países em desenvolvimento 
(NUSSBAUM, 2001). 
15 
 
paradigma moderno do Iluminismo9 e seus ideais: razão, ciência, humanismo, progresso 
e paz. O iluminismo foi um movimento de ideias, um conjunto de mudanças graduais no 
pensamento religioso, científico, social e político. O curioso é que no início do séc. XIX não se 
usava esse termo e sim a palavra alemã Aufklärung (Esclarecimento) e durante algum tempo não 
concebiam o século anterior como uma era esclarecida, ao contrário pensavam como momento 
histórico de terror (guilhotina). 10 
Igualmente, considerando-se as questões históricas, as opções epistemológicas e 
terminológicas, constata-se que há um corte temporal delimitador que é o Brasil, a 
Constituição de 1988 e um objeto específico, o direito à democracia, buscando-se nesse 
caminho a análise que identifique o Estado no seu papel de viabilizador como fruto do 
ideal moderno, conforme exprime o artigo primeiro da Constituição de 1988. Com o apoio 
em pesquisa documental, almeja-se perceber as mudanças que ocorreram, bem como qual 
paradigma de democracia foi pensado no processo de construção da Constituição de 1988. 
Para tanto, é imprescindível o apoio no método humanista-dialético, pois a 
experiência jurídico-política, como produtos da história, está em constante 
transformação; e, nesse sentido, a análise crítica dos documentos, a partir da leitura 
reflexiva do referencial teórico interdisciplinar, se torna significativa para a nítida 
compreensão das narrativas coevas (BARRETTO, 1977). A interdisciplinaridade busca, 
assim, agrupar no campo teórico conhecimentos múltiplos que se inter-relacionam, 
podendo proporcionar uma leitura reflexiva e crítica. Por isso, a pesquisa se perfaz por 
sobre a seara da Filosofia do Direito e Filosofia Política, na sua interface com o Direito 
Constitucional. 
Diante de tais considerações, a pesquisa acadêmica fora estruturada em três 
capítulos subdivididos em quatro partes. Destarte, o primeiro capítulo, intitulado Ideia de 
uma ontologia do presente na reflexão sobre o direito à democracia, será subdividido em: 
1.1. “O poder privado como verdade do poder político: sobre as origens da democracia”; 
1.2. “Os fundamentos da ideia moderna de democracia e o projeto burguês”; 1.3. “O 
problema filosófico do direito à democracia”; e 1.4. “A análise do direito à democracia 
como ideia de uma ontologia do presente”. 
 O segundo capítulo, nomeado Da construção de uma ideia sobre direitos à ideia de 
direito à democracia ou direito à participação política estruturou-se em: 2.1. “Um desafio 
 
9 Sobre isto cf. DENT, 1996, verbete Iluminismo. 
10Sobre o pensamento iluminista conferir a obra de Ernst Cassirer, A filosofia do iluminismo (1994) em 
que o autor expõe em profundidade as especificidades do pensamento iluminista na unidade de sua fonte 
intelectual e do princípio que o norteou. 
16 
 
à antiga ordem: o direito a ter direitos”; 2.2. “Direitos humanos: pra quem?”; 2.3. “Das 
coisas menores cuidam os chefes e das maiores todos”; 2.4. “O direito à democracia no 
horizonte de uma Teoria da Justiça”. 
No terceiro e último capítulo, designado Na periferia da modernidade: o Brasil e o 
direito humano n. 21, subdividiu-se em: 3.1. “Na periferia da modernidade: práticas e 
costumes”; 3.2. “As constituições brasileiras historicamente condicionadas e o nosso 
fraco pela imitação: de 1824 a 1937”; 3.3. “As constituições brasileiras de 1946 a 1969: 
direitos nunca chegam de uma só vez”; e, por fim, 3.4. “A constituição de 1988 e os 
desafios do direito à participação política como um direito universal”. 
As motivações para pesquisa passaram pela vontade de compreender o paradoxo 
das democracias no mundo contemporâneo, em razão do crescente fenômeno da 
desigualdade social, percebida não só no Brasil como também em outros países, mediante 
a sua desconsolidação nos últimos anos. Considerando-se que valores democráticos são 
construídos, mas podem ser desfigurados por muitas gerações, assevera-se que a atual 
construção democrática fora demarcada por ambiguidades e paradoxos sociopolíticos. 
Um aspecto que também influenciou o recorte temático fora a experiência inusitada 
de protestos populares vividos, entre os anos de 2013 e 2014, especificamente, a partir de 
junho de 2013, na cidade do Rio de Janeiro. Inesperadamente, o país mergulhou em 
sucessivos protestos que começaram com reivindicações limitadas, como por exemplo, o 
aumento das tarifas dos transportes públicos, passando por violência policial, má 
qualidade dos serviços público, crise de representatividade, até a corrupção política na 
organização da Copa de 2014. Movimentos populares que chegaram a mobilizar 300 mil 
pessoas, com a participação de blackblocs, sem lideranças claras, multifocadas em que de 
súbito fez-se lugar para todos. Diferentemente das manifestações das Diretas Já (1983-
1984) e do Impeachment de Fernando Collor em 1992, que tinham lideranças e objetivos 
precisos, os protestos de 2013 e 2014 não foram vocalizados pelos instrumentos 
tradicionais de reivindicação política, a começar pelo fato de que nasceram nas redes 
sociais. Na ocasião, a autora da tese participou de um grupo no Facebook, grupo Habeas 
Corpus,11 integrado por ex-alunos, professores, membros da OAB-RJ, que passou 
acompanhar as manifestações num trabalho voluntário nas ruas, em razão da truculenta 
repressão policial. 
 
11PONTES, Fernanda. Grupos de advogados voluntários defendem manifestantes e PMs. O Globo. 
20/07/2013. Disponível em: https://oglobo.globo.com/rio/grupo-de-advogados-voluntarios-defende-
manifestantes-pms-9112828. Acesso em: 06 jul 2020. 
https://oglobo.globo.com/rio/grupo-de-advogados-voluntarios-defende-manifestantes-pms-9112828
https://oglobo.globo.com/rio/grupo-de-advogados-voluntarios-defende-manifestantes-pms-9112828
17 
 
Por isso, a análise se concentra no artigo 21 da DUDH, que promove uma mudança 
de status originário, de regime político para direito humano universal e que vem sendo 
objeto de análise no campo da Filosofia do Direito, bem como nos centros de estudos de 
Filosofia política de universidades anglo-americanas. É preciso esclarecer, portanto, o 
que estamos dizendo quando falamos em direito à democracia e pensar na possibilidade 
de uma reinterpretação do fenômeno democrático, consentâneo ao discernimento 
intelectual. 
 
18 
 
2 CAPÍTULO 1 – IDEIA DE UMA ONTOLOGIA DO PRESENTE NA REFLEXÃO 
SOBRE O DIREITO À DEMOCRACIA 
 
Os povos hão de ser governados pela força, ou pelo direito. A 
democracia mesma, não disciplinada pelo direito, é apenas uma 
das expressões da força, e talvez a pior delas.12 
 
 
2.1 O poder privado como verdade do poder político: sobre as origensda democracia 
 
O vocábulo democracia não existia no cenário antigo na forma como 
identificamos hoje. O termo demokratía era considerado uma palavra ambígua no 
universo grego, porque krátos significava literalmente poder soberano do demos, ao passo 
que este último tinha diferentes acepções na Atenas do séc. V, por exemplo. É evidente 
que cada cultura compreendeu (e continua compreendendo) este fenômeno político de 
uma maneira muito singular, de modo que frequentemente quando se observa o legado 
antigo, tendemos a identificá-lo no horizonte de ideias que não existiam naquele cenário, 
mas que pertencem ao nosso quadro conceitual contemporâneo. 
A própria palavra democracia13 formada pelos termos demos e krátos nos impõe 
o desafio de compreendê-la, porquanto, nos séculos IV e V a.C., o vocábulo demos era 
semanticamente muito abrangente, de vez que poderia abranger o sentido de “o povo 
como um todo”; “o conjunto integral dos cidadãos adultos do sexo masculino”; “as 
pessoas comuns”; “a maioria pobre do corpo de cidadãos”, “democracia como 
constituição”; “o povo de Atenas na ekklesia”; ou, finalmente, trazendo mais confusão 
do que esclarecimento, “a divisão local da cidade em demos” (JONES, 1997, p. 202). 
Acredita-se que ocorreu uma utilização indireta do termo em Ésquilo14, na 
tragédia As suplicantes, a partir de um equivalente poético: “demou kratousa kheir”, que 
significava “a mão soberana das demos”. Mas a palavra demokratía também foi 
identificada em Histórias de Heródoto, bem como na Constituição de Atenas de 
Xenofonte, aproximadamente em 420 a.C (JONES, 1997, p. 203). Neste horizonte, é 
 
12 Rui Barbosa, O estado de sítio: sua natureza, seus efeitos, seus limites (1892, p. 58-9). 
13A tradição filosófica não identificou quem inventou a palavra demokratía, sabemos apenas que foi um 
fenômeno grego atribuído a Clístenes. 
14 Ésquilo (ca. 524-456 a.C.) escreveu Agamenon, Coéforas, Eumênides, Prometeu acorrentado, Os persas, 
Os sete contra Tebas e As suplicantes. A obra As suplicantes, considerada a mais antiga, trata das lendas 
que envolvem as cinquenta filhas de Dânaos, descendente de Zeus e Io. Cf. ÉSQUILO, 2009. 
19 
 
curioso apreender as dificuldades estruturais que amargaram a experiência grega e que se 
evidenciaram na sua ambígua denominação. Por quê? Porque a democracia, aquilo que 
se entendia como tal, não era aceita por todos, visto que possuía muitos adversários e os 
gregos, naquele momento, já problematizavam a eficácia da experiência democrática do 
levantar de mãos, bem como a ideia de povo na comparação entre os termos demos e 
plethos (SANTOS, 2007, p. 8). Por exemplo, um partidário das ideias de Clístenes (570 
– 508 a.C.) afirmaria naturalmente que demokratía significava o governo do povo como 
um todo. Já um opositor, poderia identificá-la como “o governo das pessoas comuns sobre 
os melhores” (JONES, 1997). 
O fenômeno da democracia grega se prolongou e se desenvolveu em momentos 
diferentes. As fontes disponíveis mais consistentes encontram-se em Demóstenes, 
Xenofonte e Aristóteles. As instituições mais importantes eram a ekklesia (grupo que é 
chamado) e a Boulé, que era um Conselho. Estes recebiam as informações para submetê-
las ao Conselho da Boulé, para após, se necessário, invocar a ekklesia para as decisões 
democráticas. Esta era constituída por cidadãos atenienses com mais de 18 anos 
registrados no seu demos. De um modo geral no Séc. V a ekklesia legislava e decidia as 
questões políticas mais relevantes, todavia após 403 a função legislativa passou a ser 
exercida por um grupo menor designado como nomothétai. 15 
O mundo antigo trazia uma ideia organicista da sociedade16; e, por isso, o sujeito 
estava inserido nesta coletividade, que era concebida como finalidade (telos) para o seu 
existir. A teoria organicista da sociedade configura uma posição teórica que se define quando os 
autores investigam a origem da sociedade. O ser humano, nesse contexto é identificado como um 
ser social, por natureza, não podendo viver fora desta organização. A sociedade preexiste ao 
indivíduo que ao nascer passa a estar submetido às regras de comportamento e convívio. Uma 
teoria cuja origem nos remete a Platão e Aristóteles. Conforme identificamos na filosofia 
aristotélica e platônica, havia a prevalência do coletivo sobre o individual. Uma liberdade 
coletiva, uma liberdade política. Destarte, a experiência democrática foi tensa nesse 
cenário, uma vez que adviria um processo político em que os cargos da cidade-estado 
(polis) eram ocupados por cidadãos mediante a técnica de sorteio (ARISTÓTELES, 2016, 
I, 1-6). 
As decisões eram tomadas e executadas diretamente pelos cidadãos de Atenas, 
todavia nem todos possuíam essa qualidade e havia a forte influência da sofística. O justo 
 
15 Sobre este ponto conferir o capítulo 5, A democracia e o imperialismo atenienses, em JONES, 1997. 
16 Cf. ARISTÓTELES, 1997; BONAVIDES, 2000. 
20 
 
muitas vezes era o conveniente em cada caso, tendo em vista a sua aplicabilidade ao 
interesse político do momento17. O fato é que o momento inaugural da democracia 
evidenciou uma oposição à oligarquia. E mais. Não significou que todos governassem, 
mas que poderiam participar do governo. Governar era bem diferente de participar do 
governo (GOYARD-FABRE, 2003). 
O fenômeno da democracia foi identificado de 510 a.C. a 404 a.C. Com Drácon, 
em 621 a.C. ocorreu a substituição das leis orais sob a autoridade dos eupátridas18 para 
leis escritas. A partir de 594 a.C., Sólon eliminou a escravidão por dívida, criou a Boulé19 
e a Assembleia (ekklesia)20. A Boulé foi um conselho ampliado, posteriormente, para 
500 membros, em que se reuniam diariamente para preparar a agenda da ekklesia, presidi-
la. Fiscalizavam o cumprimento das decisões, supervisionavam os funcionários públicos 
e as finanças da cidade-estado. O termo Assembleia, em grego, significa “convocada” ou 
“escolhida”. Era aberta a todos os homens atenienses maiores de 18 anos. Reuniam-se 
quatro vezes ao mês. Era o organismo soberano da polis. Eram feitas votações e sobre 
questões importantes para cidade e eleição dos funcionários mais importantes. 
Em 510 a.C., Clístenes reorganizou a cidade em 10 tribos cada uma com um 
representante, ampliou a Boulé e fortaleceu a Assembleia (ekklesia). Contra os inimigos 
da democracia instituiu o exílio que recebeu o nome de ostracismo21, porque o voto era 
feito numa concha ou pedaço de cerâmica. Péricles tornou-se Estratego22, em 469 a.C., e 
experimentou um momento de estabilidade política, ampliou a participação cidadã aos 
trabalhadores (JONES, 1997, p. 202). 
Péricles oportunizou um sentido novo à ideia controvertida de demos. Para ele, as 
instituições como a Boulé e o Tribunal de Heliaia23 deveriam agir em nome do povo e 
para o povo. Criou ainda o procedimento do sorteio para as funções públicas, a 
remuneração para os cidadãos sem posses participarem das funções públicas, ampliando 
a atuação, pois acreditava que o demos seria capaz de escolhas racionais, embora estivesse 
vulnerável ao calor da emoção. Péricles refinou a ideia de cidadania. Segundo Simone 
Goyard-Fabre (2003, p. 46), “sua ideia de democracia implicava um senso rigoroso do 
 
17 O diálogo Apologia de Sócrates é um exemplo contundente deste cenário. Cf. PLATÃO, 1996. 
18O termo significava os “bem-nascidos”, uma nobreza grega que exercia o poder (eu, bom; pátrida, bem 
parido). Cf. JONAS, 1997. 
19 Cf. JONAS, 1997; HATZFELD, 1965. 
20 Cf. JONAS, 1997; HATZFELD, 1965. 
21 O ostracismo era o ato da assembleia quando exilava alguém da região da Ática, por dez anos, mas sem 
perder o direito de propriedade. Cf. JONAS, 1997. 
22 O termo significava na Grécia, líder de exército, o que atualmente chamamos de general (JONAS, 1997). 
23 Tribunal com seis mil juízes escolhidos para servir no juris pelo período de um ano. Cf. JONAS, 1997. 
21 
 
oficio de cidadão,não importando a fortuna de que cada qual desfrutasse. (...) ele se 
empenhava em elevar a condição do povo, dando-lhe o senso de sua dignidade”. Com 
Péricles, o conceito de cidadania assumiu um lugar de relevância na diferenciação dos 
regimes políticos, porque incentivou uma cidadania ativa, uma participação de todos, 
independentemente das posses. 
O fato é que o mundo grego vivenciou diferentes tipos de regimes constitucionais; 
isto é, de organizações de governos da monarquia tradicional à democracia. Heródoto 
ofereceu-nos, além do nome demokratía, uma interessante classificação: monarquia, o 
poder supremo pertence a um indivíduo; oligarquia, o poder incumbe a um grupo 
reduzido de homens que receberam uma educação específica; isonomia, deliberação de 
competências ao conjunto dos cidadãos, o demos (JONAS, 1997). 
Heródoto em suas Histórias (2006, III, 80 - 82) observou um debate entre aristocratas 
persas, Otanes, Megabizo e Dario, sobre formas de governo no ano de 522 a 521 a.C. 
Simone Goyard-Fabre (2013, p. 16-17) destaca que o diálogo narrado por Heródoto 
possui autenticidade duvidosa, mas de qualquer sorte representaria uma primeira 
abordagem sobre a classificação dos regimes políticos. Nos dizeres da autora: “encontra-
se formulada a questão do lugar e do valor que a democracia adquire, numa visão de 
conjunto dos regimes políticos.” 
Esta classificação, além de mencionada por Heródoto, foi observada por Platão 
(430-347 a.C.), no diálogo Político (1999, XXXI), em Aristóteles (384-322 a.C.), na 
Política (1997), por Polibio (c. 203 a.C.- 120 a.C.) na obra Histórias (2006, VI, 3-9), 
historiador grego que, segundo a tradição, foi o primeiro a relacionar as ideias de 
liberdade e igualdade com um sentido de democracia um pouco diferente dos pensadores 
anteriores, embora tenha criticado a democracia ateniense nos moldes platônicos 
(Histórias, VI, 44). 
Na República, livros VIII a IX, Platão analisou quatro regimes: a timocracia, a 
oligarquia, a democracia e a tirania. E estabeleceu uma forma diferente e perfeita de 
aristocracia que seria o governo dos filósofos como o modelo a ser seguido. A 
democracia foi identificada como uma situação em que todos podem fazer tudo, numa 
excessiva liberdade. 
Ora, a democracia surge, penso eu, quando após a vitória dos 
pobres, estes matam uns, expulsam outros, e partilham 
igualmente com os que restam o governo e as magistraturas, e 
esses cargos são, na maior parte, tirados à sorte. (...) Pois não 
serão em primeiro lugar pessoas livres, e a cidade não estará cheia 
22 
 
da liberdade e do direito de falar, e não haverá licença de aí fazer 
o que se quiser? (PLATÃO, 1996, 557a-b). 
 
Evidentemente, seu olhar decorre dos tormentos que sofreu na democracia 
ateniense que condenou Sócrates à morte, mas tolerantes com as ideias de Aristófanes, 
por exemplo (PLATÃO,1996; TOYBNBEE, 1983). 
Aristóteles, estagirita, parte da classificação platônica das formas de governo 
apresentadas no diálogo Político, mas traz outra percepção sobre as constituições na obra 
Política, que denota uma análise mais neutra (1997, II e IV)24. 
O estrangeiro: quanto à terceira forma de governo, não é o 
comando da multidão, que recebeu o nome de democracia? 
Sócrates: Absolutamente. (...) O estrangeiro: Quanto à 
democracia, quer a multidão comande livremente ou à força os 
que possuem, quer observe exatamente as leis ou não, não é 
costume mudar-lhe o nome” e “ O estrangeiro: Que jamais um 
grande número de homens, sejam eles quais forem adquirirão 
uma ciência e se tornarão capazes de administrar um Estado com 
inteligência, e que é num pequeno número, em alguns ou num 
único, que se deve procurar esta ciência única do verdadeiro 
governo” (PLATÃO, 1999, XXXI, p. 145-6; XXXVI, 151). 
 
Ele repete a classificação “monarquia, oligarquia e democracia” (1997, IV, 4, 
1290b, I). Porém, ao criticar a democracia não o faz em favor da monarquia, por exemplo, 
mas de uma forma de governo que reuniria alguns aspectos da democracia e outros da 
oligarquia, numa forma mista (politía) (1997, IV, 8-9). O próprio Aristóteles mencionou 
no capítulo II do livro IV da Política a influência que recebeu de Platão e sua diferente 
abordagem: 
Um escritor anterior a mim chegou de certo modo a estas mesmas 
conclusões, embora não se baseasse nos princípios adotados por 
nós; ele foi levado a julgar que havia variedades boas de todas as 
formas de governo (...) e que a democracia era a pior entre as 
formas boas (ARISTÓTELES, 1997, 1289b). 
 
Uma primeira advertência que o estagirita faz na Política (1997, IV) é que existem 
diferentes forma de democracias e de oligarquias; e, por isso, não se deve indagar apenas 
qual a melhor haja vista que existem circunstâncias múltiplas, que interferem nessa 
escolha e que dependem das particularidades de cada região geopolítica. Deve-se indagar, 
 
24 Aristóteles investigou 158 constituições e observou que todas pertencem a situações históricas complexas 
(GOYARD-FABRE, 2013, p. 33). 
23 
 
sobretudo, qual seria exequível e a mais comum. Diz-nos o estagirita (1997, IV, 1, 1289a 
e 1290a): 
Hoje há quem pense que existe apenas uma espécie de democracia 
e uma de oligarquia, mas isto não é verdade. Não se deve ignorar 
as diferenças entre as constituições, quantas são elas e as 
combinações possíveis entre elas. 
.................................................................................. 
A razão da existência de várias formas de constituição é a 
presença em cada cidade de um número considerável de partes 
componentes da mesma. Em primeiro lugar vemos que todas as 
cidades são compostas de famílias, e que nesta multidão de 
habitantes uns devem fatalmente ser ricos, outros devem ser 
pobres e outros devem estar no meio, e que dos ricos e pobres os 
primeiros devem ser pesadamente armados e os últimos não 
devem ter armas. 
 
Na Política, início do Livro IV (1997, 1289a e 1290 a), vem a ser apresentada 
uma definição para constituição, elemento primordial para cidade-estado e fundamental 
para democracias contemporâneas, como “a ordenação das funções de governo nas 
cidades quanto à maneira de sua distribuição, e à definição do poder supremo nas mesmas 
e do objetivo de cada comunidade”. E mais: constituição não se confunde com leis, diz o 
estagirita. Estas devem adequar-se àquelas. As leis, segundo Aristóteles (1997, IV, 1289 
a) “distinguem-se dos princípios da constituição e regulam a forma do exercício do poder 
pelos altos funcionários e a maneira de eles impedirem que elas sejam descumpridas”. 
Por conseguinte, há várias leis para inúmeras democracias e oligarquias. 
Aristóteles concebeu que há coincidência entre o bem para o indivíduo e para 
polis, estabelecendo um laço estreito entre a dimensão do privado e do público, de 
maneira que o homem é visto como aquele que reside naturalmente em sociedade, mas 
numa comunidade que deve ser politicamente organizada. E a cidade-estado poderá ter 
diferentes formas de governo, ou seja, pautar-se por uma estrutura que oferta 
ordenamento à cidade. Para ele, o poder poderá ser exercido por um só, por poucos, ou 
pela maior parte, pois que o governo poderá ser consoante o bem comum ou no interesse 
privado. E assim temos as formas de governo divididas em três categorias corretas que, 
para Aristóteles, são “monarquia, aristocracia e governo constitucional; os desvios destas 
(...) a tirania, a oligarquia e a democracia, originando-se respectivamente da monarquia, 
da aristocracia e do governo constitucional” (1997, IV, 1289b). 
Sua advertência está em não definirmos a democracia como uma forma de 
governo em que massas seriam soberanas. A boa definição seria aquela que observa que 
24 
 
só “há uma democracia quando os homens livres exercem o poder” (1997, IV, 1290b). E 
mais adiante acrescenta Aristóteles que “há uma democracia quando os homens livres 
constituem amaioria e detêm o poder soberano” (1997, IV, 1291b). Não obstante, há 
espécies diferentes de democracia e tantas quantas forem tais especificidades de uma 
cidade. 
A primeira espécie de democracia25 seria, para ele, aquela que se baseia na 
igualdade política. Entretanto, poderia configurar, também, uma espécie de governo de 
demagogos, o que não se vincularia ao bem comum, mas visaria a favorecer os interesses 
dos mais pobres. O equívoco político estaria na ideia de uma igualdade inadequada e de 
uma assembleia que se sobrepõe à lei. O fato de todos serem iguais na liberdade não 
significa que todos são iguais em tudo. 
No capítulo 4, do Livro IV, da Política (1997, 1291b a 1292a), são analisadas 
quatro espécies de democracia sendo a primeira aquela em que todos são iguais ricos e 
pobres, mas a participação nas funções do governo decorre das posses. Outra em que 
todos podem participar, desde que cidadãos não sujeitos a uma possível desqualificação 
que, na verdade, envolve a condição de nascimento de pais cidadãos. Uma terceira em 
que todos são cidadãos, sendo a lei soberana e, finalmente, a quarta, em que a massa é 
soberana e não a lei. 
A primeira espécie de democracia baseia-se principalmente na 
igualdade; nos termos da lei reguladora desta espécie de 
democracia, a igualdade significa que os pobres não têm mais 
direitos que os ricos, e nenhuma das duas classes é soberana de 
maneira exclusiva, mas ambas são iguais. 
(...) esta é, portanto, uma espécie de democracia onde as funções 
de governo são exercidas com base na qualificação pelos bens 
possuídos. (...) outra espécie de democracia é aquela que 
participam das funções de governo todos os cidadãos não sujeitos 
a desqualificação, sendo a lei soberana. Ainda há outra espécie de 
democracia, na qual todos participam das funções de governo, 
desde que sejam simplesmente cidadãos, sendo a lei soberana. 
Outra espécie de democracia é igual às demais em tudo, com 
exceção de que as massas são soberanas, e não a lei; isto ocorre 
quando os decretos da assembleia popular se sobrepõem às leis. 
Tal situação é provocada pelos demagogos. 
 
 
25Não pretendo retomar aqui toda a argumentação de Aristóteles no Capítulo IV do Livro IV da Política, 
mas ressaltar alguns aspectos de sua investigação sobre a democracia com o objetivo de mais adiante 
fortalecer os conceitos que integram o direito à democracia expresso no art. 21, da DUDH. 
25 
 
Considerando o plano da sociabilidade, Aristóteles entendeu que a melhor forma 
seria um misto entre oligarquia e democracia, a que designou por politía, ou seja, uma 
constituição no caminho do meio entre as duas formas de governança. Em seu estudo na 
Política (1997, III, 1275 a 23) fez uma interessante análise sobre a cidadania, 
classificando-a em excepcional e verdadeira ou plena. A cidadania excepcional seria 
aquela obtida por meio do procedimento de naturalização, sem implicações políticas. A 
cidadania verdadeira ou plena seria a que decorre do nascimento e que viabiliza a 
participação nas funções públicas. Então, aqueles que ocupam cargos públicos são 
verdadeiros cidadãos. Esses cidadãos plenos reúnem-se na Ágora em que a Ekklesia 
configura o poder deliberativo, que é o poder soberano (ARISTÓTELES, 1997; 
GOYARD-FABRE, 2003; JONES, 1997). 
A liberdade tinha seu papel importante neste cenário, particularmente na imagem 
que os gregos tinham de si mesmos em face dos bárbaros. Em seu Ensaio sobre a 
mobilização política na Grécia Antiga (2001), José Antônio Dabad Trabulsi argumenta 
que a ideia de liberdade grega comportava um duplo aspecto: um positivo e outro 
negativo. O que significavam efetivamente? No sentido positivo, como acreditamos até 
hoje, denotava a possibilidade de participação na direção dos assuntos da polis; no 
negativo, a condição de não ser escravo, nem estrangeiro (meteco). Nos estudos de 
Benjamim Constant de Rebecque (1767-1830), a liberdade dos antigos 
(...) consistia em exercer coletiva, mas diretamente, várias partes 
da soberania inteira, em deliberar na praça pública sobre a guerra 
e a paz, em concluir com os estrangeiros tratados de aliança, em 
votar as leis, em pronunciar julgamentos, cm examinar as contas, 
os atos, a gestão dos magistrados; em fazê-los comparecer diante 
de todo um povo, em acusá-los de delitos, em condená-los ou em 
absolvê-los; mas, ao.. mesmo tempo que consistia nisso o que os 
antigos chamavam liberdade, eles admitiam, como compatível 
com ela, a submissão completa do indivíduo à autoridade do todo. 
(...)Todas as ações privadas estão sujeitas a severa vigilância 
(CONSTANT, 2019, s/p). 
 
A suposta origem da ideia de liberdade do cidadão estaria no período designado 
como Grécia Arcaica, entre os anos de 800 a 500 a.C., fase do advento das cidades-estados 
- póleis.26 A história também registra que Sólon teria realizado reformas importantes, que 
contribuíram para o fortalecimento da ideia de liberdade, quando estabeleceu a proibição 
 
26 A tradição abraçou a seguinte divisão: Período Pré-Homérico (2500-1100 a.C.); Período Homérico (1100 
– 800 a.C.); Período Arcaico (800- 500 a.C.); Período Clássico (500-400 a.C.); período Helenístico (336-
146 a.C.) – Cf. TRABULSI, 2001. 
26 
 
da escravidão por dívida para os nascidos em solo ateniense e de pais livres. Com esta 
proibição, Sólon estava realizando estratégias para esvaziar conflitos internos que 
fragilizassem os laços integrativos da polis (TRABULSI, 2001). 
Se considerarmos que naquele momento histórico existiam, pelo menos, três 
diferentes tipos de escravidão: a escravidão por dívida, a escravidão por nascimento e a 
escravidão por guerra, podemos supor que Sólon investigou qual delas poderia ser 
negociada para salvaguardar a existência coletiva, pois sua preocupação como líder 
político envolvia certamente o fortalecimento dos laços integrativos da pólis. Uma cidade 
dividida internamente poderia ser presa fácil e o endividamento poderia provocar a 
tenebrosa experiência de escravidão a quem nascera livre gerando a oportunidade de 
formação de grupos inimigos no interior da própria cidade. Acredita-se que com essa 
modificação surgiram as condições de possibilidade para a formação de uns demos mais 
fortalecido e consciente de seu papel (TRABULSI, 2001). 
Nesse aspecto, o modelo grego teria se destacado do padrão oriental, de acordo 
com o qual as crises internas eram sufocadas pelas elites. Na Grécia, as crises internas 
deviam ser evitadas, de vez que fragilizavam a cidade diante do estrangeiro. Era 
necessário, portanto, “garantir um máximo de coesão interna para fazer face à ameaça 
exterior. Donde a busca da harmonia que uma boa constituição poderia criar” 
(TRABULSI, 2001, p. 54). 
Nessa experiência, quem exercia de fato a cidadania? Quem são esses homens 
livres que participavam das escolhas por levantamento de mãos? O que seria nesse cenário 
a vontade da maioria? A única palavra que poderia ser invocada para tentarmos uma 
resposta possível às indagações é o vocábulo “luta”. Decerto, havia uma luta no exercício 
desse poder entre homens livres, atenienses de pai e mãe, com posses, ou seja, 
proprietários de terras e de escravos. 
Sabe-se que até o séc. VI a.C. os atenienses sem posses não possuíam a plenitude 
dos direitos políticos. O que se discute, a partir de Aristóteles, é que Sólon havia alargado 
o direito de acesso à ekklesia aos despossuídos; e, posteriormente, Péricles fortaleceu essa 
ideia. Inicialmente, a proposição de cidadania na antiguidade clássica ligava-se à função 
de guerreiro, cuja situação limítrofe não considerava o escravo que exercia uma função 
inferior nem mulheres limitadas ao ambiente doméstico. Uma cidadania seletiva para uma 
democracia incompleta. Como se configurou a cidadania? Cânfora preleciona que 
A visão de cidadania dominante na época clássica resume-se à 
identificação cidadão/guerreiro. É cidadão, participade pleno 
27 
 
direito nas assembleias deliberativas, quem for capaz de 
desempenhar a principal função dos homens nascidos livres, a 
função para a qual a Paideia os prepara, isto é, para guerra 
(CÂNFORA, 2007, p. 40). 
 
Havia uma relação direta entre a ideia de guerreiro, o conceito de proprietário e 
a noção de cidadão. Os despossuídos, que não tinham recursos para adquirir suas armas, 
viviam abandonados quase como pessoas não-livres. Somente mais tarde, com o avanço 
ateniense pelo mar e a necessidade de construção de uma frota marítima, é que esses 
despossuídos serão integrados no corpo militar; no entanto, para segurar o remo, fazer 
força física. 
É nesta transformação social que Aristóteles observa o alargamento da cidadania 
aos despossuídos (CÂNFORA, 2007). Então, o corpo cívico que delibera na assembleia 
é o “corpo combatente”. Essa foi uma característica comum a Atenas e Esparta, não 
obstante cada qual tenha pensado a liberdade de um modo distinto. Em Atenas, liberdade 
e escravidão eram fundamentais para funcionamento da cidade. Nesse sentido, 
os homens livres reduziram a não-pessoas os não livres, e depois 
de Sólon – que resgatou para a liberdade classes de miseráveis em 
risco de se tornarem escravos por causa das dívidas – abriu-se um 
abismo, que assim permaneceu, entre liberdade e escravatura. (...) 
A grande massa das não-pessoas é indispensável para o 
funcionamento do sistema que, de facto, enquanto pôde se 
alimentou com guerras de rapina e com o domínio imperial. Os 
escravos são a base da economia doméstica e da economia pública 
(CÂNFORA, 2007, p. 42). 
 
Além dos homens livres, os capatazes que viviam num sistema servil e 
controlavam os escravos, bem como as mulheres no ambiente doméstico, eram totalmente 
insignificantes sob o ponto de vista político. E o modelo de democracia ateniense era 
adotado ou imposto à força a todas as cidades aliadas, submetidas ao seu império 
(CÂNFORA, 2007). Todavia, não ocorria uma participação nas assembleias de forma 
constante, já que havia certo revezamento de grupos que assumiam o protagonismo de 
acordo com seus interesses, de modo que jamais existiu na história grega um 
envolvimento pleno. Grupos oligárquicos, por sua vez, tentavam impor ideias e limitar a 
cidadania estendida aos sem posses. E, ainda, há a situação de incentivos financeiros para 
participar das assembleias, que atraíram massas de homens livres despossuídos 
(CÂNFORA, 2007). 
É neste contexto que a sofística assumiu lugar especial para dar vida a um 
instrumento de persuasão, de busca de sucesso para transitar diante de uma massa popular 
28 
 
(plethos). Torna-se difícil analisar como se formava o emaranhado de relações e interesses 
que se cultivavam nas assembleias. Ora como destaca Cânfora, “é importante evidenciar 
que a democracia não determina em Atenas um governo popular, mas um guia do regime 
popular por parte da não pequena porção de ricos e de senhores que aceitam o sistema” 
(CÂNFORA, 2007, p. 47). 
A posição social, alcançada pelo fato de estarem em grupos abastados permitia o 
acesso a uma educação política que, em hipótese alguma, existia para as massas de 
despossuídos e, por isso, de uma forma ou de outra, dirigiam a cidade. De outra feita, 
aceitavam o sistema democrático, acreditavam encarnar o interesse comum da pólis e 
alguns até se afinavam com a democracia espartana que não estendia a cidadania aos 
despossuídos. 
Do ponto de vista político, a filosofia de Sócrates e Platão representou uma forte 
oposição ao governo popular e a obra República (1996a) configurou um projeto político 
pedagógico de Platão para uma sociedade justa, desde que governada por filósofos. 
Aristóteles, por exemplo, na Política (1997) faz uma análise um pouco diferente de seu 
mestre porque observou que a questão fundamental não está em estender a cidadania a 
muitos, mas concedê-las aos despossuídos. A questão do princípio da maioria para o 
estagirita estaria presente tanto na democracia quanto na oligarquia. 
Para Aristóteles a ideia de maioria não estava necessariamente ligada ao sentido 
de democracia. Em Atenas, segundo o estagirita, a classe dos proprietários 
frequentemente aliciava os grupos mais pobres e conquistavam sempre a maioria nas 
assembleias. Por óbvio que a democracia retirou o grupo dos despossuídos do trabalho 
forçado e permitiu inclusive um acesso aos cargos públicos, mas a riqueza continuou 
como um fator importante, um elemento de status. 
Na verdade, a exaltação da democracia ateniense muitas vezes permaneceu no 
sentido de um discurso ideal, pelo viés de uma retórica desconectada de uma realidade de 
lutas, fazendo com que muitas vezes se pensasse em um modelo de democracia perfeito, 
estável e duradouro vivenciado pelos gregos. Luta política e rivalidades sempre estiveram 
presentes no plano da sociabilidade da democracia ateniense, que foi o resultado de 
esforços de sucessivas gerações com avanços e retrocessos. Em sua história reconstruída 
e transmitida por pensadores, percebemos a distância que se interpõe entre as ideias e as 
coisas. Como advertiu Bobbio, o estar em transformação é seu estado natural, visto que a 
democracia é dinâmica (2015, p. 23). 
29 
 
A democracia ateniense, especificamente, era compatível com um lugar de 
inferioridade concedido a alguns. A concepção de igualdade era possível entre aqueles 
que tinham a cidadania por nascimento. E a liberdade do pensar ficava restrita aos 
interesses da pólis a ponto de percebermos a tolerância com os escritos de Aristófanes e 
o seu oposto na condenação de Sócrates em 399 a. C. em razão das críticas proferidas 
contra o sistema, sendo, inclusive, acusado de corromper os jovens (PLATÃO, 1996b). 
A liberdade de opinião era instável. Não se observou nenhum esforço para 
implementar uma instrução pública. Platão foi quem introduziu essa ideia em sua obra 
República. De um modo geral, uma família de condição média possuía uma cultura 
deficiente, uma vez que não havia ensino secundário ou superior. Apenas grandes famílias 
tinham condições financeiras para ter em sua residência um pedagogo instruído ou 
sustentar um sofista durante certo período (HATZFELD, 1965). 
A ideia de coisa pública já estava ligada à dimensão política desde o mundo antigo. 
Aristóteles distinguiu os termos constituição e lei, sendo a primeira o fundamento da 
política com as regras para as magistraturas, estrategos, arcontes, conselheiros e as a 
segunda responsável pela distribuição de suas funções. Constituição era politéia, que 
assumia o sentido de uma “plataforma de princípios”; e que, sobretudo, apresentava 
regras para a escolha do governante para exercer as funções públicas, já configurando um 
aspecto de fundação e organização da cidade (ARISTÓTELES, 1997, III, 1274b-
1276b).27A cidade antiga era a própria constituição. Todavia, não era oriunda da decisão 
do poder político, ou seja, um acordo, de vez que não era norma superior do direito 
público de um Estado (GOYARD-FABRE, 2003). 
O termo povo já estava presente no núcleo semântico original da própria palavra 
demokratía. E povo que, no grego significa demos, se diferenciava de plethos, que 
significa massa (insensata e cega). No mundo antigo, a cidadania liga-se ao demos no 
sentido de alguém nascido na cidade, ocupando funções públicas e judiciárias, portadores 
de excelência moral, virtude cívica. O cidadão era aquele investido num cargo público e 
só o demos estaria habilitado para tal e assumia o poder soberano na ekklesia. 
É importante reforçar que a democracia antiga compreendeu a ideia de cidadania 
de maneira muito especial. A mulher, o meteco e os escravo não eram cidadãos. E nesse 
sentido, equivoca-se considerá-los excluídos, pois excluído é aquele que pertence a um 
grupo e que está sendo preterido. Não é o caso, eles não eram cidadãos, não existiam sob 
 
27 Sobre este ponto conferir Constituiçãode Atenas, 403 e sgs e Política, 1289 a 1620. 
30 
 
o ponto de vista político. Não podem ser excluídos daquilo que nunca tiveram. Logo, a 
ideia de cidadania, ligada ao sentido de demos e como participação nos poderes públicos 
deliberativo e judiciário, se transformará com os contemporâneos num indicador de 
democracia (GOYARD-FABRE, 2003). Péricles já tinha oportunizado um alargamento 
de sentido aos termos povo e cidadão, de maneira que a cidadania assumiu uma 
participação mais ampla e inclusiva, além de um elemento diferenciador de regimes 
(ARISTÓTELES, 1997, III, 1274b; GOYARD-FABRE, 2003). 
Com isso, o primeiro aspecto a ser enfatizado é a desconstrução de uma leitura 
reducionista sobre a democracia grega, que não trouxe à reflexão a constante polêmica 
que a sua experiência proporcionou a partir de dois patamares dicotômicos, o universal e 
o singular, mediados pela ideia de liberdade e pela ampliação da condição de cidadão aos 
despossuídos, por intermédio da igualdade política. Como fomos influenciados pela 
filosofia renascentista e moderna, a partir das mudanças estruturais operadas nos séculos 
XVI a XVIII, construímos um certo modelo de democracia e nos acostumamos a conceber 
o nascimento glorioso na experiência citadina grega. Destarte, não são poucos os autores 
que, nesta reflexão, iniciam as primeiras linhas na Grécia abordando o fato da democracia 
de um modo amplo. 
Como adverte Simone Goyard-Fabre (2003), a origem grega do fenômeno da 
democracia e sua reaparição no mundo moderno não implica consolidação de uma ideia 
ou mesmo identidade, visto que, ao contrário, percebe-se um caminhar histórico marcado 
por inconstâncias, lutas, incertezas e muitas querelas ideológicas no campo da construção 
da pólis. Sob o ponto de vista histórico, assinala a filósofa, o advento de uma democracia 
direta em Atenas evidenciou a emergência de uma nova mentalidade, que se caracterizou 
pela formação de uma consciência política, que visava garantir de algum modo a presença 
dos governados nas decisões mais importantes da cidade (GOYARD-FABRE, 2003). 
Analisar a trajetória antiga da democracia a partir da nossa situação atual, da nossa 
atualidade, nos permite inferir que funcionou e funciona conforme sua natureza 
controvertida, na constante luta entre simpatizantes e seus opositores. O elemento que se 
evidencia como algo perene além da situação de luta é a sua capacidade de organizar o 
poder, distribuindo-o e fundamentando-o na lei e, assim, continua atravessando culturas 
num longo intervalo de tempo. 
Seria sedutor e até poético conceber a democracia como um fenômeno grego que 
aos poucos se expandiu para todas as culturais ocidentais e estaria em aperfeiçoamento 
constante, mas seria uma falsa imagem da democracia no plano da sociabilidade. 
31 
 
Conhecer a sua história é conhecer, sobretudo, um movimento dialético, avanços e 
retrocessos e como assevera Robert A. Dahl (2016) sua trajetória se assemelha à imagem 
de um viajante seguindo uma trilha que explora desertos. Maneiras de ser e agir, visões 
de mundo, concepções políticas surgem em diferentes lugares, com diversas formas, 
podem ser inventadas e reinventadas ao longo das gerações e em lugares variados. Talvez 
seja a característica do fenômenos humano. 
 
2.2 Os fundamentos da ideia moderna de democracia e o projeto burguês 
 
Os séculos XVI e XVII foram identificados como momento do advento do 
pensamento filosófico de matriz moderna. Nos verbetes dos célebres dicionários de 
Filosofia, encontrar-se-á que a fase moderna compreendeu “o período da história 
ocidental que começa depois do Renascimento, isto é, a partir do século XVII” 
(ABBAGNANO, 1982, p. 650). E que a história moderna “é a história dos fatos 
posteriores à tomada de Constantinopla em 1453; a filosofia moderna começa a partir do 
século XVI e dos séculos seguintes, até os nossos dias” (LALANDE, 1993, p. 693, grifo 
do autor). 
Essas ideias no seu conjunto formariam uma identidade para o período moderno. 
Trata-se de uma fase em que o ser humano passava a ser identificado como ser autônomo, 
autossuficiente, valorizando-se a razão como caminho para verdade, investigando-se o 
conhecimento humano no horizonte das capacidades cognitivas do sujeito. As 
averiguações sobre o conhecimento com os racionalistas e empiristas, por exemplo, 
evidenciaram essa mudança de paradigma (MARCONDES, 1997). 
Acrescente-se que alguns fatores históricos contribuíram para o advento da filosofia 
moderna, tais como: o humanismo renascentista do séc. XV, a reforma protestante do 
séc. XVI, a revolução científica do séc. XVII e a redescoberta do ceticismo. É evidente 
que outros também foram importantes como a descoberta do mundo novo em 1492; o 
desenvolvimento do mercantilismo como modelo econômico que paulatinamente superou 
o sistema feudal; e a consolidação dos Estados nacionais (MARCONDES, 1997). 
Algumas características dessa fase podem ser destacadas: 
a) a valorização do ser humano e sua liberdade, do estudo da ética, da medicina em 
face da metafísica; 
b) o reconhecimento do ser humano como um ser no tempo, na temporalidade e um 
resgate do passado para se compreender o presente; 
32 
 
c) o reconhecimento da educação, que os gregos chamaram de Paidéia28, na 
formação do ser humano – o conhecimento humanístico; 
d) o reconhecimento do ser humano como um ser natural que demonstra a 
importância do conhecimento da natureza. 
Tais elementos em seu conjunto formaram a ideia matriz da atmosfera moderna 
(ABBAGNANO, 1982). 
Do século XV ao XVII, marcou-se, portanto, uma fase com mudanças profundas nas 
maneiras de ser e agir de seu coetâneos. Neste momento, sob o ponto de vista econômico, 
ocorre uma importante transição, a do sistema feudal para o sistema capitalista que, 
possivelmente, influenciou a leitura dos clássicos. É lógico que cada parte da Europa 
vivenciou essa transição no seu próprio ritmo, de forma lenta e gradual; e, segundo a 
tradição filosófica, somente com as revoluções políticas perceberemos o triunfo de um 
novo sistema (ANDERY et al., 2007). 
Ocorre que a estrutura feudal foi lentamente substituída pela formação dos Estados 
nacionais que traziam como característica a centralização do poder nas mãos do monarca 
absoluto - absolutismo. Na Inglaterra, por exemplo, o processo de centralização foi 
favorecido pelo enfraquecimento da nobreza inglesa e do parlamento. E o fortalecimento 
da monarquia inglesa teve como dois grandes representantes Henrique VIII (1509-1547) 
e Elisabete (1558-1603). Em França, mais unificada que a nação inglesa, um crescente 
fortalecimento como consciência nacional ocorreu em razão da Guerra dos Cem Anos 
(1337-1453). E a França tornou-se o grande modelo de monarquia absolutista. Em 1515 
a Espanha se unificou com a incorporação do reino de Granada e Navarra, bem como com 
a união das monarquias Castela e Aragão, alguns anos antes em 1469 (ANDERY et al., 
2007). Diferentemente desses países, a Alemanha estava dividida em pequenos reinos e 
a Itália em pequenos estados e em alguns com valores democráticos, mas posteriormente 
ao longo dos séculos XIV e XV os estados mais fortes incorporaram os menores e no 
início do séc. XVI as repúblicas de Veneza, Florença, o ducado de Milão, o reino de 
Nápoles e o domínio do Papado dominavam a península (ANDERY et al., 2007). 
O pensamento político de matriz filosófica moderna construiu todo um ideário de 
democracia que, em certo sentido, fora reinventado a partir da visão antiga que nos legou 
o conceito de bem comum, cidadania, virtude cívica, justiça distributiva etc. A versão 
moderna da democracia foi uma proposta que só se configurou a partir do século XVIII, 
 
28 Sobre este ponto Cf. JAEGER, 1989. 
33 
 
evidenciando um deslocamento de sentido consentâneo em diálogo com a lógica 
burguesa; e, por isso, a democracia assumiu um lugar de importância no cenáriopolítico. 
Vale a pena lembrar que, com o advento do cristianismo e a teocracia medieval, não 
foi possível o desenvolvimento de uma consciência política direcionada à democracia ou 
até mesmo condições históricas para que abrolhasse socialmente. Ainda em Roma, o 
populus romano, por exemplo, necessitava de um condutor, como a história nos 
apresentou. Os medievais não mencionaram uma suposta vontade do povo, apenas a 
querência divina. Tomás de Aquino (1225-1274) se afinava com a origem divina dos reis. 
E toda a Idade Média suportou o poder monárquico e papal, sem promover uma reflexão 
filosófica sobre a democracia (GOYARD-FABRE, 2003). 
Sabe-se que, tanto no Império Romano quanto na Idade Média, ocorreu a influência 
do pensamento platônico através dos neoplatônicos; e de Aristóteles através de seus 
intérpretes. Aquino, por exemplo, a partir da influência do pensamento aristotélico, na 
Summa Theologiae (escrita entre os anos de 1265 a 1273, questões 90, 95 e 103) valorizou 
o governo misto.29 
A tese de que os reis seriam servidores do povo aparece timidamente por ocasião do 
séc. XIII, nos escritos de Guillaume de Lorris e Jean Meung que iniciam uma reflexão 
poética sobre o abuso de poder na obra Le roman de la rose. Na verdade, este poema na 
forma de um debate, contendo versos, foi escrito por volta de 1268 a 1285, seus autores 
foram poetas franceses da Idade Média que atacaram as ordens religiosas e a monarquia. 
Para esses poetas a autoridade política só teria legitimidade se amparada pelo mérito. De 
qualquer sorte, o poema apenas apresentou um olhar divergente, não assumiu a forma de 
um estudo sistemático sobre a democracia (GOYARD-FABRE, 2003). 
Importa identificar que conceitos e teorias, além do conhecimento produzido até 
então, também se modificaram. As maneiras de pensar ligadas ao modelo feudal 
ingressaram num processo de esgotamento e perderam credibilidade. Por isso, novos 
valores surgiram para dar conta de uma possível fundamentação das relações sociais em 
um outro ritmo do mundo. Desta feita, experimentou-se a desarticulação de uma visão de 
mundo escolástica, recheada de credulidade, misticismo, superstições etc. Neste cenário, 
surgiram exigências práticas e políticas fortalecidas pela crença no poder do ser humano 
de mudar a realidade através da ação (ANDERY et al., 2007; MARCONDES, 1997).30 
 
29 Cf. questão 103 – Do governo das coisas em comum, art. 1 a 8. 
30 “Após a queda do Império Romano, a Europa mergulhou em completo caos. A instituição que se 
mantinha, dando aos povos uma relativa segurança, era a Igreja. Aos poucos foram surgindo os mercadores, 
34 
 
É neste contexto de transição que identificaremos uma mudança na percepção da 
antiga classificação dos regimes operada pelos pensadores antigos, no bojo de uma 
classificação que trazia um juízo de valor pejorativo para a democracia, ainda que a 
preocupação com categorizações foi tornando-se acessória com o tempo. Nicolau 
Maquiavel (1469-1527), n’O Príncipe substituiu a trilogia antiga por dois regimes: o 
principado ou república, sendo o seu pensamento muito mais republicano que 
democrático (GOYARD-FABRE, 2003). 
Essa mudança de perspectiva não desnaturou os princípios fundadores, tais como o 
ideário de coisa pública, constituição, lei, povo, cidadania e legalidade. O que se 
percebeu foi um processo de aclaramento conceitual a partir de conceituações de filósofos 
e novas realidades vivenciadas. Por exemplo, a democracia antiga não se vinculava aos 
sentidos de liberdade e igualdade da forma como foram preconizados pelos pensadores 
modernos, particularmente os jusnaturalistas. A liberdade antiga era uma liberdade 
política31. 
Ainda na Idade Média, o filósofo italiano Marsílio de Pádua (1275-1342) na obra 
de 1324, Defensor Pacis, promoveu um olhar laico sobre o poder político, questionando 
a força papal e a tese da plenitude do poder (plenitudo potestatis). Em sua reflexão, a 
competência política encontraria fundamento na ideia de delegação de uma 
universalidade dos cidadãos (universitas civitum). A reflexão do filósofo paduano buscou 
as relações de poder para laicização, para afastar a influência religiosa e dissolver a 
querela entre o império e o papado no sentido de um Estado dessacralizado (SOUZA, 
1991). É nesse sentido que se pode identificar o seu pensamento como o precursor de 
ideias modernas de laicização do poder político e suas limitações. Elemento importante 
na formação do pensamento moderno e para a democracia. 
No século XVI, muito embora o conceito de povo ainda fosse identificado no 
sentido pejorativo da plebe ignara, algumas transformações ocorreram de maneira que 
viabilizaram novas conexões e um alargamento de sentido. Que autores foram 
importantes nessa reflexão? Maquiavel em Discursos sobre a primeira década de Tito 
Lívio (2007); La Boétie no Discurso sobre a servidão voluntária (1982); e os panfletos 
dos monarcômacos na segunda metade do séc. XVI (GOYARD-FABRE, 2003). 
 
que estabeleciam o comércio entre os artesãos, as cidades e os capôs. Nas cidades, esses comerciantes que 
dominavam os burgos, isto é, as vilas e cidades, iniciaram a estruturação de um poder político que os 
fortalecia criando governos administrativos eleitos pelo povo. Surgiram, assim, as repúblicas das vilas e 
cidades, sob orientação dos burgueses” (FERREIRA, 2005, p. 23) 
31CONSTANT, 2019. 
35 
 
Etienne La Boétie observa a sujeição dos povos e apresenta a ideia de que o povo é o 
próprio responsável por sua servidão, em termos kantianos, uma menoridade autoimputável. 
Assim, ressalta a importância do consentimento do povo. Este confia no monarca o poder 
soberano e, nesse aspecto, o povo adquiri alguma dignidade política. Ademais ressalta a 
importância da liberdade: “É a liberdade, todavia um bem tão grande e tão aprazível que, uma vez 
perdido, todos os males seguem de enfiada; e os próprios bens que ficam depois dela perdem 
inteiramente seu gosto e saber, corrompidos pela servidão” (LA BOÉTIE, 1982). 
Os monarcômacos combateram o absolutismo e a tirania dos soberanos na segunda metade 
do séc. XVI. Nesta fase há intenso conflito religioso entre católicos e protestantes. Produziram 
libelos em que o povo ganha um sentido positivo e status superior aos reis (GOYARD-FABRE, 
2003). 
Do século XVI ao XVII, inicia-se uma maturação lenta da teoria da soberania popular 
estreitando os laços entre a ideia de povo e a de coisa pública. O próprio Maquiavel, em 
Discursos sobre a primeira década de Tito Lívio (2007, I, 4), apresentou a ideia de povo 
participando dos assuntos políticos, distanciando-se da conceituação de plebe, abrindo a 
possibilidade de valorizar a opinião pública livre. Observa Maquiavel, 
“e os desejos dos povos livres raramente são perniciosas à 
liberdade, visto que nascem ou de serem oprimidos ou da suspeita 
de que virão a sê-lo. (...) como diz Túlio, mesmo sendo 
ignorantes, são capazes de entender a verdade e facilmente 
cedem, quando a verdade lhes é dita por homem digno de fé” 
(MAQUIAVEL, 2007, I, 4, p. 23). 
 
Outra questão significativa é que alguns autores falavam em república, que se 
traduz na proposição de um governo preocupado com o bem comum e não em democracia 
que estaria vinculada ao exercício do poder, 
A República não é a democracia: enquanto a república ou a ‘coisa 
pública’ é, como bem viram Aristóteles e Tito Lívio, a própria 
essência de um governo preocupado com o bem comum, a 
democracia designa um modo de governo e conota um conjunto 
de técnicas jurídico-políticas que permitem que o povo exerça o 
poder ( direta ou indiretamente, mas isso é um outro problema). 
Não há nem oposição nem incompatibilidade entre os conceitos 
de República e de democracia. Mas eles não pertencem ao mesmo 
registro: o conceito de República insere-se no registro dos fins 
que determinam a essência do governo; o conceito de democracia 
insere-se no registro das

Mais conteúdos dessa disciplina