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PARNASIANISMO Nos últimos anos do século XIX foram marcados por um verdadeiro combate ao Romantismo. Essa postura de oposição aos sentimentalismos e idealizações românticas desdobrou-se em dois grandes grupos. Na prosa, com os integrantes do Realismo-Naturalismo; na poesia, com os adeptos do Parnasianismo, baseado no movimento francês de mesmo nome. Embora o Parnasianismo no Brasil tenha como marco inicial a coletânea Fanfarras de Teófilo Dias, publicada em 1882, esse movimento já tomava corpo algum tempo antes. No final da década de 1870, românticos “duelaram” com parnasianos e realistas nas páginas do Diário do Rio de Janeiro, em um episódio que ficou conhecido como Batalha do Parnaso. A ARTE PELA ARTE Em 1856, Théophile e Gautier divulgou um manifesto na França que imortalizou a expressão “arte pela arte”. Segundo ele, a arte seria autônoma, independente, e não deveria constituir um meio, mas um fim em si mesma. Em outras palavras, para o escritor francês, a arte não tinha obrigação de se ocupar de temas sociais, políticos, etc. (como defendiam os realistas-naturalistas), mas de expressar o Belo, conquistado, no caso da poesia, à custa de um trabalho intenso com a palavra. No final do século XIX, Baudelaire, Oscar Wilde e Edgar Allan aderiram a esse ideal, cultuando quase uma “religião da Beleza” na arte. Inspirados na concepção da “arte pela arte” de Gautier, os parnasianos brasileiros pregaram, entre outros, os seguintes preceitos para a poesia: 1. CULTO À FORMA Como reação ao transbordamento emocional típico dos românticos e à liberdade formal defendida por esses artistas, os parnasianos defendem o culto clássico da Forma (grafavam a palavra com inicial maiúscula), buscando inspiração na cultura greco-latina. Sonetos, fechados com chave de ouro, rimas ricas, vocabulário difícil e incomum e hipérbatos são recursos empregados nos poemas parnasianos. Frequentemente, em poemas metalinguísticos, os poetas comparam seu ofício minucioso ao de um escultor, pintor, ourives, miniaturista, etc. 2. UNIVERSALISMO: A BUSCA PELO GERAL Nos poemas parnasianos, em lugar de temas antes tão valorizados pelos românticos (pátria, mulher amada, família, etc.), surgem outros mais universalistas, como mitologia greco-latina, conceitos abstratos, como Beleza e Verdade, e a própria poesia, apresentados de maneira fria e distanciada. 3. DESCRITIVISMO: COMBATE À SUBJETIVIDADE Para escapar à subjetividade romântica, o parnasiano limita-se a descrever, o mais objetivamente possível, objetos como vasos, leques chineses, flautas gregas, taças, estátuas tumulares e paisagens isentas de “cor local”. Em outros momentos, há a descrição mais direta das formas do corpo por meio de um vocabulário mais ousado do que aquele adotado pelos românticos. 4. RACIONALISMO: COMBATE À EMOÇÃO Na poesia parnasiana, o sentimentalismo romântico — reforçado pela presença explícita de um “eu” que sofre, ama, odeia, lamenta — cede lugar ao racionalismo. É frequente o uso da terceira pessoa (em lugar da primeira), e o poeta coloca-se como um observador que apenas constata. PRINCIPAIS AUTORES E OBRAS: ALBERTO DE OLIVEIRA: O MESTRE PARNASIANO Nascido no estado do Rio de Janeiro, Alberto de Oliveira (1857-1937) diplomou--se farmacêutico, mas dedicou-se a cargos públicos ligados à educação. Alcançou grande prestígio nos círculos literários e foi um dos membros-fundadores da Academia Brasileira de Letras. Estreou sua carreira de escritor com uma obra romântica (Canções românticas), mas, a partir de sua segunda publicação, Meridionais (1884), ofereceu a seus fiéis leitores poemas marcados pelo culto a forma e pelo descritivismo, conforme o poema “Vaso chinês”, a seguir: VASO CHINÊS Estranho mimo aquele vaso! Vi-o, Casualmente, uma vez, de um perfumado Contador sobre o mármor luzidio, Entre um leque e o começo de um bordado. Fino artista chinês, enamorado, Nele pusera o coração doentio Em rubras flores de um sutil lavrado, Na tinta ardente, de um calor sombrio. Mas, talvez por contraste à desventura, Quem o sabe?... de um velho mandarim Também lá estava a singular figura; Que arte em pintá-la! a gente acaso vendo-a, Sentia um não sei quê com aquele chim De olhos cortados à feição de amêndoa. *Publicado no livro Sonetos e poemas (1886). In: OLIVEIRA, Alberto de. Poesias completas. Ed. crít. Marco Aurélio Mello Reis. Rio de Janeiro: Núcleo Ed. da UERJ, 1978. v.1. (Fluminense). A exemplo de “Vaso chinês”, são comuns, nos poemas tipicamente parnasianos de Alberto de Oliveira, as descrições de objetos. Neles, o poeta busca, como um pintor, fixar suas impressões visuais e reproduzir vasos, estátuas, taças, etc. RAIMUNDO CORREIA: O POETA DO DESENGANO O maranhense Raimundo Correia (1859 -1911) estreou na literatura em 1879 com a obra Primeiros sonhos. Com Sinfonias (1883), seguida de Versos e versões (1887) e Aleluias (1891), transitou para uma poesia caracterizada pela musicalidade, por imagens fortes e pelo rigor formal na construção, principalmente, de sonetos — daí a identificação que se faz do poeta com o Parnasianismo. Entretanto, produziu poemas marcados por uma forte intensidade emocional (herança romântica), o que o diferencia, por exemplo, de um poeta tipicamente parnasiano como Alberto de Oliveira. Fugindo quase completamente às regras da escola parnasiana, escreveu versos que investigam os mistérios da existência, a hipocrisia, o tédio, a crueldade e as máscaras, com alta carga de subjetividade e um forte negativismo. Toda essa densidade fez com que a crítica se referisse a ele como “poeta-filósofo”. AS POMBAS Vai-se a primeira pomba despertada... Vai-se outra mais... mais outra... enfim dezenas Das pombas vão-se dos pombais, apenas Raia sanguínea e fresca a madrugada. E à tarde, quando a rígida nortada Sopra, aos pombais, de novo elas, serenas, Ruflando as asas, sacudindo as penas, Voltam todas em bando e em revoada... Também dos corações onde abotoam Os sonhos, um a um, céleres voam, Como voam as pombas dos pombais; No azul da adolescência as asas soltam, Fogem... Mas aos pombais as pombas voltam, E eles aos corações não voltam mais. O tema do soneto é inicialmente o revoar das pombas que acaba por estabelecer uma comparação com as fases da vida humana. A pomba, animal escolhido por Raimundo Correia para protagonizar seu soneto, é símbolo da pureza, da paz e da elevação espiritual. Assim como todos os pássaros, a pomba pode ser lida como sinônimo de liberdade e de conexão do céu e da terra, visto que frequenta os dois ambientes. As pombas, nos versos parnasianos acima, trazem também à tona a efemeridade da vida e o sentimento de transitoriedade do tempo. O soneto carrega uma forte preocupação existencial, e demonstra versos compostos a partir de uma profundidade psicológica. O viés da escrita é, sem sombra de dúvida, pessimista (enquanto as pombas efetivamente voltam para os pombais, os corações humanos parecem não retornar ao local de origem). Em relação a estrutura da composição, Raimundo Correia optou por aderir a uma forma cara ao movimento a que pertencia. O soneto é uma forma fixa de origem italiana. A estrutura dos sonetos é imutável, composta por quatro estrofes (as duas primeiras estrofes carregam quatro versos - são os quartetos - e as duas últimas três - os tercetos). Em termos sintáticos, o poema é encadeado a partir de enjambement (em português encavalgamento), ou seja, os versos se sucedem sem pausas no final de cada um. Esse tipo de criação é bastante frequente entre os parnasianos. OLAVO BILAC: UM POETA POPULAR Em 1888, Bilac publicou sua primeira obra, Poesias, de que faz parte o poema “Profissão de fé”, por meio do qual o autor carioca pregou os ideais parnasianos de sua geração: um poeta deve imitar um ourives e fazer com que seu “verso de ouro” “saia da oficina / Sem um defeito”. Essa defesa apaixonada da perfeição da forma permitiu que Bilac conquistasse prestígio junto à elite intelectual apoiadora das rígidas normas impostas pelo Parnasianismo. Entretanto, o poema que realmente o popularizou,o soneto XIII da obra Via Láctea (1886), caracteriza-se por algumas marcas tipicamente românticas, ainda que apresente uma preocupação intensa com a forma. Via Láctea (XIII) “Ora (direis!) ouvir estrelas! Certo Perdeste o senso!” E eu vos direi, no entanto, Que para ouví-Ias, muita vez desperto E abro as janelas, pálido de espanto… E conversamos toda a noite, enquanto A via láctea. como um pálio aberto, Cintila. E ao vir do sol, saudoso e em pranto, Inda as procuro pelo céu deserto. Direis agora: “Tresloucado amigo! Que conversas com elas? Que sentido Tem o que dizem, quando estão contigo?” E eu vos direi: “Amai para entendé-Ias! Pois só quem ama pode ter ouvido Capaz de ouvir e de entender estrelas.” Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro, 16 de dezembro de 1865 - 28 de dezembro de 1918) foi um jornalista, contista, cronista e poeta brasileiro, considerado o principal representante do parnasianismo no país. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 15 da instituição, cujo patrono é Gonçalves Dias. Eleito o “Príncipe dos Poetas Brasileiros” pela revista Fon-Fon e foi o responsável pela criação da letra do Hino à Bandeira. O soneto XIII do poema VIA LÁCTEA – também conhecido como “Ouvir Estrelas” – é uma das obras mais celebradas do poeta brasileiro Olavo Bilac, expoente do Parnasianismo no Brasil e responsável também por sua evolução.